DEFESA DE DIREITOS DAS PESSOAS COM ALBINISMO:
um estudo realizado na APALBA

DEFENCE OF THE RIGHTS OF PEOPLE WITH ALBINISM:
a study conducted in APALBA

 

Maria Helena Machado Santa Cecília *

 


DOI: https://doi.org/10.46906/caos.n27.60207.p46-66

 

Resumo

Este artigo se propõe a fazer uma abordagem sobre a atuação, dificuldades e desafios presentes na experiência da Associação das Pessoas com Albinismo na Bahia (APALBA), entidade da sociedade civil, pioneira na luta em defesa de direitos das pessoas com albinismo, que ao longo de sua história tem contribuído significativamente para a elevação da autoestima e a melhoria da qualidade de vida do seu público-alvo, por meio da conquista de ações públicas de inclusão social. Visa também narrar como se deu a luta da entidade na defesa dos direitos, bem como a sua participação nos diversos fóruns informais e institucionais que atuam na formulação de políticas públicas em nível nacional e internacional. O artigo aborda ainda os desafios a serem enfrentados pela APALBA, que, embora tenha participação decisiva na inclusão social e no empoderamento das pessoas com albinismo, sua sobrevivência está em risco iminente, devido às várias dificuldades no seu funcionamento, especialmente pela carência de recursos financeiros materiais e humanos, bem como a ausência de perspectivas de sustentabilidade.

Palavras-chave: albinismo; cidadania; direitos humanos; políticas públicas.

 

Abstract

This article proposes an approach to the performance, difficulties and challenges present in the experience of the Association of People with Albinism in Bahia (APALBA), a civil society entity, a pioneer in the defense of the rights of people with albinism, which throughout its history has significantly contributed to raising self-esteem and improving the quality of life of its target audience, through the achievement of public actions for social inclusion. It also aims to narrate how the entity's struggle in defense of rights took place, as well as its participation in the various informal and institutional forums that participate in the formulation of public policies at national and international levels. The article also addresses the challenges to be faced by APALBA, whose survival, despite having a decisive participation in the social inclusion and empowerment of people with albinism, is at imminent risk, due to the various difficulties in its functioning, especially due to the lack of financial resources, material and human, as well as the absence of sustainability perspectives.

Keywords: albinism; citizenship; human rights; public police.

 

 

Introdução

 

Esse trabalho visa contribuir para a difusão da experiência de luta por políticas públicas de inclusão social de um segmento de pessoas acometidas pelo albinismo por meio da APALBA – Associação de Pessoas com Albinismo na Bahia, entidade civil e não governamental, fundada em 15 de março de 2001, que tem por finalidade a defesa dos direitos humanos de seus representados.

O interesse na apresentação deste artigo surge por conta da necessidade de produzir e socializar conhecimentos sobre a existência da APALBA, tendo em vista que essa instituição, há duas décadas, desenvolve uma luta sem tréguas para dar visibilidade aos problemas vividos pelas pessoas com albinismo que enfrentam dificuldades relativas à discriminação, ao preconceito, à desigualdade e exclusão social,  decorrentes da falta de políticas específicas e adequadas à inserção e integração social, especialmente nas áreas de saúde, educação, geração de trabalho, emprego e renda, dentre outras.

 Visando garantir os direitos dos cidadãos, a Constituição Federal de 1988 (BRASIL, 1988) estabelece que a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o transporte, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados são direitos sociais fundamentais (art. 6º da CF/88).

Por sua vez, a Lei 13.146, de 6 de julho de 2015 (BRASIL, 2015), também conhecida como Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência, e ainda como Estatuto da Pessoa com Deficiência, é destinada a assegurar e a promover, em condições de igualdade, o exercício dos direitos e das liberdades fundamentais por pessoa com deficiência, visando à sua inclusão social e cidadania. A referida Lei tem como base a Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e seu Protocolo Facultativo, ratificados pelo Congresso Nacional por meio do Decreto Legislativo nº 186, de 9 de julho de 2008. Apesar do respaldo desses dispositivos legais em vigor no Brasil, as pessoas com albinismo ainda enfrentam um conjunto de barreiras para terem seus direitos legitimados e efetivados em seu dia a dia.

Cientificamente, o albinismo é caracterizado como fenômeno genético no qual ocorre um defeito na produção da melanina, que resulta na ausência total ou parcial de pigmentação da pele, dos olhos e dos pelos. Segundo Moreira e Rocha (2007), o albinismo é

 

[...] um distúrbio de natureza genética em que há redução ou ausência congênita do pigmento melanina. O principal tipo de albinismo é o oculocutâneo (OCA), caracterizado pela ausência total ou parcial de pigmento[...]. Os albinos são praticamente incapazes de transformar a tirosina em melanina. Consequentemente, têm a pele muito clara, cabelos brancos ou claros e seus olhos são vermelhos, pois a luz refletida atravessa os vasos sanguíneos dos olhos, ou, ainda, azul-esverdeados, se houver formação de algum pigmento na íris. Possuem fotofobia, astigmatismo, miopia, além de outros distúrbios visuais (MOREIRA; ROCHA, 2007, p. 25-26).

 

A Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde — Décima Revisão (CID-10) — da Organização Mundial de Saúde (OMS), no seu Capítulo IV, lista o albinismo entre as patologias endócrinas, nutricionais e metabólicas, com o código E70.3 (ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE, 1993).

Devido à maior vulnerabilidade da pele das pessoas com albinismo, que as deixam mais propensas às doenças ocasionadas por exposição solar, é importante que seja evitada ao máximo a exposição ao sol, cobrindo a pele com roupas adequadas e usando diariamente um protetor solar, conforme faixa etária e regiões do corpo, de acordo com a prescrição do especialista em dermatologia e/ou outros profissionais médicos capacitados para tal.

Não existe cura para o albinismo, e o tratamento das doenças decorrentes deve ocorrer durante toda a vida, sendo extremamente necessário o apoio e intervenção do Poder Público para que todos tenham acesso aos medicamentos, protetor solar e outros benefícios, como tratamento dermatológico e oftalmológico, pois o câncer de pele, entre outras doenças oportunistas, atingem em alto grau as pessoas com albinismo, caso a proteção não seja efetiva.

O albinismo oculocutâneo ocorre na frequência geral de 1 em 15.000 em todos os grupos raciais. Atinge populações de todas as etnias, embora, segundo Moreira e colaboradores (2007),

 

[o albinismo oculocutâneo (OCA 2)] seja mais frequente em negros. O OCA1 ocorre em cerca de um em 40.000 indivíduos na maioria das populações. O OCA2 é mais frequente em afro-americanos e africanos, ocorrendo 1 em 10.000 desses indivíduos, enquanto, em caucasianos, a frequência é estimada em 1 por 36.000 (MOREIRA et al., 2007, p. 70).

 

No Brasil, não existem estatísticas sobre a população com albinismo, pois as pessoas acometidas pela doença, até o momento, não são incluídas no censo do IBGE. Entretanto, em cadastramentos preliminares efetuada pela a APALBA, em parcerias com as prefeituras municipais, constata-se que dentre os municípios cadastrados, atualmente existem 580 pessoas com albinismo filiado na Entidade, desde crianças recém-nascidas até pessoas com mais de 80 anos de idade.

Este trabalho se baseou em diferentes fontes: pesquisa em livros, artigos científicos, sites e documentos disponibilizados pela APALBA, bem como depoimentos[1] de pessoas com albinismo associadas da APALBA — citadas no texto pelas iniciais dos seus nomes. Priorizou também uma abordagem qualitativa, pois se preocupa com os sentidos, valores, crenças, atitudes e expectativas que os sujeitos sociais dão para a realidade concreta, construindo historicamente discursos, comportamentos e práticas culturais específicas segundo (GIL, 2010).

Este artigo traz uma análise sobre a importância da APALBA na defesa dos direitos das pessoas com albinismo. Para tanto, buscou-se: conhecer especificamente os motivos para sua criação; a participação da entidade no processo de inclusão social e reconhecimentos dos direitos das pessoas com albinismo; as políticas públicas específicas implantadas a partir da criação da associação; as dificuldades e desafios enfrentados no cumprimento da sua finalidade.

 

Motivação, origem e conquista do público-alvo

 

Segundo depoimentos, a motivação para a criação da APALBA surgiu com a percepção da necessidade de tratamento das sequelas do albinismo aliada à dificuldade econômica e de acesso dos pacientes aos serviços públicos, especialmente na área da saúde, conforme depoimento de uma das fundadoras que também é médica dermatologista:

 

Quando eu comecei a atender, por coincidência, era uma pessoa com albinismo e vi as necessidades que essa pessoa tinha, das necessidades de acesso a serviços de saúde e a outros serviços... Me interessei em disseminar essas possibilidades para outras pessoas e  também vi a necessidade de ter acesso ao serviço de saúde, porque as lesões de pele eram muitas [...]. Então foi a necessidade de pessoas acometidas pelo albinismo, diante da possibilidade que a gente tinha de ampliar o acesso, principalmente em saúde. Assistência à saúde, foi isso! (informação verbal). [2]

 

Ela afirma também que, na época da criação da APALBA, não havia nenhum modelo de associação que agregasse as pessoas com albinismo, em busca do mesmo objetivo, de acessibilidade e inclusão. A associação, por ser a pioneira, tornou-se responsável em disseminar a questão do albinismo como condição genética, além do processo de organização e de luta por direitos:

 

A APALBA é a única, digamos assim, responsável por disseminar a questão do albinismo como condição genética. Mas, também, como fator incapacitante na questão da visão subnormal, na questão da exposição solar para a sociedade, para os poderes. É, a única que agrega os interesses das pessoas acometidas pelo albinismo. Então, a gente não tem um outro modelo, e nem a gente tem nenhum outro caminho que agregue as pessoas com interesse comuns em busca do mesmo objetivo de acessibilidade às questões de saúde, e das outras: de empregos, de educação (informação verbal).[3]

 

Ainda, segundo informa, na sua fundação, a APALBA contou com o apoio institucional e logístico do Sindicato dos Trabalhadores no Serviço Público Federal (SINTSEF) que se responsabilizou pela assistência jurídica, além das despesas da fundação.  A princípio, a entidade contou também com vários profissionais de saúde que se sensibilizaram com a questão das pessoas com albinismo. Também não se pensava em formalizar uma entidade, pois, até então, fundar uma associação não fazia parte dos planos. Naquele momento, a ideia era prestar assistência às pessoas com albinismo, em especial às crianças, para que não se tornassem vítimas do câncer de pele, e não tivessem sérios problemas de visão. Foi a forma que se encontrou para ampliar a visibilidade da questão do albinismo e a necessidade de políticas públicas para esse público específico.

 

[...], mas, no começo da história da APALBA, eu contei muito com o presidente do Sindicato dos Servidores Públicos Federais. Ele abriu as portas do sindicato, então nós tivemos assessoria desde a portaria do sindicato, pessoal administrativo, tivemos recursos e, principalmente, ele colocou à disposição assessoria jurídica do sindicato [...]. Pensar em formalizar uma entidade, isso não passava na minha cabeça, até porque não tinha experiência, não tinha tempo. Todo mundo começou a mandar paciente para mim, [...] não tinha estrutura para atender, eu não podia reivindicar coisas porque não representava uma entidade. Eu era uma pessoa física e uma profissional liberal, e precisava muito ampliar a questão da visibilidade do albinismo e da necessidade de políticas públicas específicas (informação verbal).[4]

 

Conforme informações obtidas com fundadores da APALBA, a busca pelas pessoas com albinismo e seus familiares se deu aos poucos, por meio de divulgação na imprensa e nas redes sociais; encontros estaduais, regionais e municipais realizados em parcerias com o poder público; campanhas de esclarecimentos; distribuição de panfletos explicativos sobre a patologia e a importância da prevenção das sequelas; abordagem direta de pessoas com albinismo ou seus responsáveis, nas ruas, nas clínicas ou nos hospitais onde existia maior concentração de pacientes com albinismo.

Observa-se, a partir dos vários depoimentos, que a Instituição travou uma grande batalha na busca de um público que raramente era encontrado nas ruas, especialmente por causa da desinformação da família que não compreendia os motivos que levavam um filho, nascido do mesmo pai e da mesma mãe, a ser diferente dos demais membros que a constituem. Por falta desse esclarecimento, as pessoas com albinismo sofriam (e ainda sofrem) constrangimentos por parte das pessoas com quem convivem. Vale ressaltar que era difícil encontrar pessoas com albinismo ocupando o mesmo espaço, justamente pelo fato de elas de sentirem diferentes diante de uma população de pessoas majoritariamente de cor negra ou afrodescendente. Antes da APALBA, a maioria das pessoas com albinismo se isolava dentro do próprio domicílio por se sentir estigmatizada devido à sua condição de diferença. É o que se extrai do depoimento da atual diretora administrativa e financeira, e fundadora da APALBA:

 

Eu não imaginava a existência de outras pessoas com a mesma condição e que enfrentavam as mesmas dificuldades. Era uma época difícil, onde os albinos não se aceitavam e nem se relacionavam com outras pessoas das mesmas condições. Por esta razão, sentiam-se incapazes de enfrentar a atual situação, a ponto de não conseguirem falar em público, nem fazerem coisas como “pessoas normais” (informação verbal).[5]

 

A entrevistada também informa que a participação das pessoas com albinismo na entidade foi acontecendo aos poucos. Muitos deles não se sentiam à vontade para falar em público, porque a grande maioria não tinha noção do significado da palavra albinismo, embora sentisse, na própria pele, a discriminação e o preconceito. Mas a APALBA mudou totalmente aquela realidade.

 

Antes de conhecer a APALBA eu era uma pessoa tímida e não gostava de falar em público, quando eu via uma pessoa Albina eu saia de perto. Não queria saber e pensava que só eu tinha os problemas (informação verbal).[6]

 

A.R.G.F, atual conselheira fiscal da Associação, diz que antes da APALBA, as pessoas se sentiam estigmatizadas, sem identidade e tratadas de forma preconceituosa, sem informação sobre o albinismo e suas consequências. A partir da APALBA, elas passaram a se sentir bem com a própria condição de existência, porque encontraram pessoas que enfrentavam situações e necessidades parecidas:

 

Antes de eu conhecer a APALBA eu tinha uma identidade, a identidade que todo mundo dizia; e vai a ruiva, vermelha, amarela, a ruiva, descascada, a sem cor, a transparente, a espelho sem luz, a Gasparzinho. Eu era tudo isso!  Cresci sem entender muita coisa, né, por que todo mundo me chamava dessas coisas? (informação verbal).[7]

 

A entrevistada aponta que a descoberta da própria identidade, enquanto pessoa com albinismo, deu-se por meio da APALBA, que a possibilitou conhecer sobre a sua patologia, porque, até então, ela e sua família não tinham nenhum conhecimento sobre o albinismo:

No dia do meu nascimento, o médico me colocou no colo de minha mãe chamando-me de galeguinha de olho azul, ...foram as únicas palavras que ficou na mente dela... Quando eu conheci a APALBA [...] para mim ela me deu uma identidade, porque eu descobri o que é albinismo, que era albina através da associação [...] nem meus familiares tinham conhecimento do que era albinismo (informação verbal).[8]

 

Segundo afirma outro entrevistado, identificado como F.S., também integrante da direção da Associação, a partir de sua chegada na APALBA, descobriu que estava vivo, que era capaz, que tinha direitos, que era gente:

 

De início, a palavra que define a APALBA, é “SALVAÇÃO” para nós albinos, porque é através dela que a gente consegue ter acesso a alguns direitos que a maioria de nós albinos não conhecíamos, e depois que a pessoa, o albino conhece a APALBA, é que descobre que vive, que tem essa luta constante de melhoria da saúde das pessoas com albinismo. Então, a palavra que define bem a APALBA hoje, é “TUDO”, porque é através dela que a gente consegue alguns benefícios, algumas melhorias de vida. Nós sabemos que é difícil você lutar sozinho, lutando junto, a gente consegue, pelo menos tem uma visibilidade um pouco melhor (informação verbal). [9]

 

Ele afirma que antes da APALBA sua vida era vazia, pois se sentia um “peixe fora d'água”. Apesar de achar que tinha uma autoestima elevada, e nunca ter se deixado abater, talvez por vergonha ou por autopreconceito, tinha o hábito de dizer que estava tudo bem. Mas lá no fundo, não estava, até conhecer a APALBA:

 

Me sentia literalmente aquela história, “um peixe fora d'água”, apesar de ter minha autoestima elevada, nunca ter me deixado abater, mas no fundo no fundo, lá bem dentro de mim, eu acho que, por vergonha, por preconceito próprio, a gente tem esse hábito de dizer ah, tá tudo bem. Mas no fundo, nunca está bem, porque nós somos excluídos. De uma certa forma, nós somos excluídos. Quando conheci a APALBA, me senti em casa. Uma vez no evento da APALBA, alguém me falou assim: “Nossa, hoje é eu que estou me sentindo um peixe fora d'água”. Foi uma pessoa de pigmentação, aí ele num evento da APALBA ele me disse isso, “estou vendo tanta gente branquinha” .... Eu falei, é isso que a gente se sente no dia a dia, na nossa luta diária, na nossa luta constante de correr atrás do que é nosso, e a APALBA ajuda muito nisso. A APALBA ajuda de uma forma incalculável. Ela não faz mais porque ela não pode [..], não tem pessoas totalmente disponíveis para correr atrás. A gente sabe que é difícil, que é difícil juntar gente. Que os albinos... que são discriminados desde criança. Então já cresce com essa mentalidade. Nem todos têm coragem de dar a cara para bater. Nem todos têm coragem de sair de sua zona de conforto, e se deslocar até a capital, por exemplo, a lutar por direitos, por melhorias, e nós sabemos que só conseguimos direitos só conseguimos melhorias, se lutarmos juntos. Quanto maior o número de pessoas, mais visibilidade teremos (informação verbal).[10]

 

Em 2021, a APALBA completou vinte anos de luta na busca pela cidadania de uma população que até então desconhecia seus direitos, tornando-se uma entidade de transformação do indivíduo, possibilitando às pessoas com albinismo a conviverem e trabalharem de forma coletiva na conquista dos interesses comuns.

 

Luta pelo reconhecimento dos direitos das pessoas com albinismo

 

Observa-se que a APALBA se tornou referência como uma organização que discute a questão social no cotidiano das pessoas com albinismo, conquistando gradativamente visibilidade na articulação com outras entidades, possibilitando a socialização das experiências na implementação de políticas públicas para inclusão de uma população que sempre lutou pela conquista de sua cidadania.

Percebe-se que muitas pessoas, inclusive aquelas com albinismo, são excluídas pela sociedade devido à sua condição física, econômica e social. Por isso não gozam plenamente dos seus benefícios e direitos. Para que possam resgatar a sua dignidade humana e exercer a cidadania, necessitam de inclusão e acessibilidade através de políticas públicas efetivas, uma vez que a cidadania, é o resultado de uma luta constante pelos direitos, individuais e coletivos, das pessoas com albinismo diante de um processo histórico e social. 

Conforme consta no Projeto Inclusão das Pessoas com Albinismo no Mercado de Trabalho (APALBA, 2008), a APALBA, durante toda a sua existência, participou ativamente nos movimentos em defesa de direitos. Foi uma das fundadoras do Fórum de Entidades de Patologias da Bahia – FEPABA; foi uma das dezessete entidades que compuseram a Comissão Civil de Acessibilidade de Salvador – COCAS; além de ter sido membro integrante do Colegiado do Território Metropolitano de Salvador, representando o Movimento das Entidades de Defesa dos Direitos das Pessoas com Deficiência do Município de Salvador e Região Metropolitana. Observe-se ainda que, atualmente, dentre as várias participações da APALBA no movimento social, destacam-se: o COEDE – Conselho Estadual dos Direitos da Pessoa com Deficiência; CES – Conselho Estadual de Saúde; CONFOCO – Conselho Estadual de Fomento e Colaboração; Comitê Estadual de Atenção à Saúde da População Negra; e da ABONG – Associação Brasileira de ONGs. Nesse sentido, A APALBA vem conquistando um lugar de representação.

 

Implementação das políticas públicas sobre albinismo

 

Conforme registros do relatório do primeiro encontro estadual das pessoas com albinismo na Bahia, realizado em abril de 2009, com a participação de 245 pessoas de todo o estado, após as exposições e debates nos dois dias de programação, os participantes diagnosticaram algumas dificuldades enfrentadas pelo segmento.

Nas áreas da saúde e educação, por exemplo, ficou evidente que inexiste cadastramento e diagnóstico para identificar e atender as pessoas com albinismo, e que essas pessoas estão sujeitas a desenvolverem precocemente uma diminuição da acuidade visual e até a cegueira, além de inúmeras lesões de pele pré-cancerígenas e cancerígenas. Mesmo assim, não existem ações públicas específicas para prevenção e tratamento. Além disso, esse seguimento da sociedade reúne os mais altos índices de analfabetismo, pobreza e desemprego, consequentes de processos históricos de exclusão pela falta de política pública, especialmente nas áreas de saúde, educação, habitação, acesso público e inserção no mercado de trabalho.

Quanto à acessibilidade nas cidades, os participantes do encontro diagnosticaram os seguintes problemas: falta de cobertura nos pontos de ônibus; falta de sinalização nas vias públicas; letreiros dos ônibus ilegíveis; bandeiras dos ônibus móveis, o que dificulta a leitura dos roteiros; falta de películas protetoras do sol nos ônibus; e a não regulamentação por parte dos  municípios do direito ao passe livre das pessoas com deficiência nos transportes coletivos públicos municipais, previsto no Decreto Federal 5.296/2004 (BRASIL, 2004).

Quanto à habitação, concluíram que não há atendimento prioritário das pessoas com albinismo nos programas de habitação de interesse social. No que tange ao mercado de trabalho, identificaram as seguintes dificuldades de acesso: a baixa escolaridade; dificuldade de acesso aos estabelecimentos de ensino e adesão aos cursos, a falta de qualificação profissional e a constatação de que as políticas públicas são insuficientes ou inexistentes para resolver as questões de trabalho e renda. Isso se torna ainda mais evidente quando consideramos que na população das pessoas com albinismo, apenas 10% possuem um trabalho formal e 18% informal, restando um grande índice de desempregados.

Conforme consta no Projeto Inclusão das Pessoas com Albinismo no Mercado de Trabalho (APALBA, 2008), projetos sociais, bem como nos depoimentos dos entrevistados, o trabalho da APALBA, por ser prioritariamente direcionado à defesa dos direitos, além de parcerias para implantar ações públicas, envolveu a realização de encontros, seminários, audiências públicas e sessões especiais para dar visibilidade, discutir as questões enfrentadas pelas pessoas com albinismo na luta por políticas públicas para inclusão e acessibilidade, especialmente nas áreas da saúde, educação e geração de trabalho e renda, conforme especificadas a seguir.

 

Saúde

 

Segundo o artigo 196 da constituição Federal 1988 (BRASIL, 1988), a saúde é direito de todos e dever do Estado, garantindo, mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução de risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal igualitário, as ações e serviços para sua promoção e recuperação.

Também é assegurada atenção integral à saúde às pessoas com deficiência em todos os níveis de complexidade por intermédio do Sistema Único de Saúde SUS, garantindo-lhes acesso integral e igualitário (BRASIL, 2015).

Como afirmamos anteriormente, por serem acometidas por um fenômeno genético, as pessoas com albinismo possuem sequelas decorrentes, representadas pela deficiência visual e fotoenvelhecimento da pele, que as tornam suscetíveis ao aparecimento de lesões pré-malignas e malignas (câncer de pele). Essas sequelas exigem atenção específica e urgente do Estado, pois, se não tratadas precoce e preventivamente, poderão representar uma afronta ao direito à vida, consagrado no artigo 5º da Constituição Federal Brasileira de 1988.

A Associação iniciou a luta pela prevenção do câncer de pele, em parceria com a SBD – Sociedade Brasileira de Dermatologia, participando de diversas campanhas, buscando e levando informações sobre como se proteger dos riscos ligados à exposição solar e encaminhando os associados para consultas com médicos dermatologistas.

As campanhas de esclarecimento sobre o albinismo, de prevenção das sequelas decorrentes da exposição ao sol e de luta contra o preconceito e discriminação são realizadas pela APALBA de forma permanente, pois ainda existem muitas pessoas com albinismo isoladas e fora da rede pública de saúde, especialmente os albinos do interior do estado que exercem atividades como agricultores, expostos diariamente ao sol escaldante das regiões secas de estado da Bahia.

Nas referidas campanhas, são utilizados stands para distribuição de panfletos explicativos, divulgação por meio da imprensa, publicações em revistas sobre saúde pública, divulgação de matérias com abordagem científica, reuniões abertas com membros da Associação e especialistas de diversos ramos da Medicina para discussão e orientação sobre necessidade de medidas urgentes a serem tomadas para prevenção e tratamento das sequelas do albinismo, bem como sobre a elaboração de pesquisas e estudos científicos sobre a doença.

A Associação atua junto aos poderes públicos de saúde, reivindicando um melhor acesso das pessoas com albinismo à rede do SUS, buscando atendimento prioritário nas áreas de oncologia e dermatologia, no Centro Estadual de Oncologia – CICAN, Hospital Universitário Professor Edgar Santos (Hospital das Clínicas), Hospital Aristides Maltez e Multicentro Vale das Pedrinhas, que prestam atendimento à grande parte da população com albinismo da capital e do interior, na prevenção e tratamento de lesões de pele, pré-cancerígenas, incluindo a distribuição de protetores solares como coadjuvante na prevenção do câncer de pele.

Por sua vez, o atendimento oftalmológico de baixa visão é realizado pelo serviço público por intermédio do Instituto de Cegos da Bahia, Obras Sociais de Irmã Dulce – OSID e parceria com o setor privado por meio da Clínica de Oftalmologia Integrada da Bahia – COI, cujo atendimento acontece por cortesia à APALBA. A Associação também viabiliza parcerias com fabricantes de lentes especiais e óticas para assegurar às pessoas de baixo ou nenhum poder aquisitivo, o acesso gratuito ou subsidiado aos equipamentos óticos e não óticos de alto custo, essenciais para a melhoria da qualidade de vida.

Por meio de parceria com o Laboratório de Genética Humana do Instituto de Biologia da a Universidade Federal da Bahia, vem sendo realizado o aconselhamento genético às pessoas com albinismo. Também com a parceria da UFBA foram realizados estudos científicos sobre o albinismo, dentre os quais destacam-se: pesquisa científica sobre o perfil do albinismo oculocutâneo no estado da Bahia; diagnóstico laboratorial do albinismo oculocutâneo; estudo sobre albinismo oculocutâneo e etnia negra em bairros e localidades de Salvador-Bahia.

 

Educação

 

A Convenção Sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência (BRASIL, 2011), no seu artigo 24, reconhece os direitos das pessoas com deficiência à educação, devendo serem efetivados sem discriminação e com base na igualdade de oportunidades, assegurando um sistema educacional inclusivo em todos os níveis, bem como o aprendizado ao longo de toda a vida.

A educação constitui direito da pessoa com deficiência, assegurado o sistema educacional inclusivo em todos os níveis e aprendizado ao longo de toda a vida, de forma a alcançar o máximo de desenvolvimento possível de seus talentos e habilidades físicas, sensoriais, intelectuais e sociais, segundo suas características, interesses e necessidades de aprendizagem (BRASIL, 2015).

A APALBA vem fazendo gestões junto ao poder público e às instituições de ensino com o objetivo de garantir acesso à educação inclusiva, em busca de que o ambiente escolar e o material didático sejam adequados e adaptados aos estudantes e os educadores sejam capacitados e qualificados para lidar com os alunos com albinismo, bem como para garantir o acesso a equipamentos óticos e não óticos para melhorar a condição visual das pessoas com albinismo. Ressalte-se que a falta de acesso faz com que as pessoas com albinismo abandonem as salas de aulas muito cedo.

A partir do momento em que apresenta o quadro de visão subnormal diagnosticado, a pessoa com albinismo passa a necessitar do atendimento educacional especializado, por meio de recursos ópticos e didáticos específicos como: óculos com lentes filtrantes, telelupas, pauta ampliada, caneta apropriada para baixa visão, além de outros que facilitem o acesso ao conhecimento, seja na escola ou no seu cotidiano. Incumbe ao poder público assegurar, criar, desenvolver, implementar, incentivar, acompanhar e avaliar o sistema educacional inclusivo em todos os níveis e modalidades, bem como o aprendizado ao longo de toda a vida; buscar o aprimoramento dos sistemas educacionais, visando a garantir condições de acesso, permanência, participação e aprendizagem, por meio da oferta de serviços e de recursos de acessibilidade que eliminem as barreiras e promovam a inclusão plena; promover o acesso à educação superior e à educação profissional e tecnológica em igualdade de oportunidades e condições com as demais pessoas (BRASIL, 2015).

A APALBA realiza palestras nas escolas públicas e particulares, nos mais diversos níveis de ensino, visando à difusão do conhecimento sobre o albinismo e suas sequelas, contribuindo para erradicar o preconceito que gera a discriminação. O reconhecimento dos direitos é essencial para as pessoas com deficiência e, principalmente, para as pessoas com albinismo que possuem deficiência visual (baixa visão).

Durante a escuta dos depoimentos de sujeitos participantes dessa pesquisa, destacam-se relatos de que muitas pessoas com albinismo chegaram à APALBA sem nenhuma perspectiva de mudança na sua realidade educacional, entretanto, muitas retornaram à sala de aula, provando para si próprias que as dificuldades não as tornam incapazes. Todos têm o mesmo direito ao convívio social  e à capacidade de galgar novo horizonte na busca de conhecimento. Hoje, na Associação, há pessoas com albinismo formadas e trabalhando nas áreas de pedagogia, direito, terapia ocupacional, assistência social etc., além de outros associados que se encontram em processo de formação. Este foi o grande e o mais importante desafio da APALBA no cumprimento de um dos seus objetivos: tornar esses cidadãos e cidadãs defensores dos seus direitos, por meio da socialização e, principalmente,  da educação crítica e contextualizada.

Muitas pessoas com albinismo — as que se encontram na entidade e aquelas que por ela passaram — traçaram um caminho totalmente diferente de quando chegaram à associação. Muitos, dificilmente, tinham o ensino fundamental. A APALBA acabou contribuindo com a elevação da autoestima dos seus associados, libertando-os do próprio preconceito e incentivando-os a voltar a estudar. É o que se extrai do depoimento do associado e conselheiro da entidade, quando durante a entrevista lhe foi perguntado sobre qual seria o desafio das pessoas com albinismo na sociedade:

 

O desafio, por exemplo, seu que está fazendo faculdade, de mostrar para a sociedade que nós não somos diferentes deles em nada, que nós somos capazes. Nós somos capazes de vencer como a outra pessoa, claro que com um pouco de dificuldade devido a nossa baixa visão, [...] (informação verbal). [11]

 

 

Geração de trabalho, emprego e renda

 

Conforme consta no Projeto Inclusão das Pessoas com Albinismo no Mercado de Trabalho (APALBA, 2008), a APALBA iniciou sua atuação na busca de inserção das pessoas com albinismo no mercado de trabalho por intermédio de parceria com o Instituto CAPAZ, SineBahia, dentre outras entidades que contribuem para inserir as pessoas no mercado de trabalho.

A captação de vagas para empresas por meio da lei de cotas para pessoas com deficiência se dá através da busca de informações sobre as oportunidades, fazendo encaminhamento dos associados para a triagem e inserção daqueles que estejam em condições e aptos para entrar no mercado de trabalho.

A APALBA vem atuando para que o ambiente, os equipamentos e os instrumentos de trabalho, resultantes das vagas destinadas às pessoas com deficiência previstas no artigo 93 da Lei 8.213/91 (BRASIL, 1991), sejam adequadas a elas, e não que as pessoas com deficiências estejam obrigadas a se adequarem às referidas vagas. Há ainda a luta para que o acesso à vaga se dê com igualdade e sem os preconceitos ligados à aparência, muitos dos quais são oriundos de estereótipos que podem acabar gerando discriminação e/ou segregação. A referida lei também fixa um percentual de 2 a 5% para as empresas com mais de cem empregados garantirem postos de trabalho para pessoas com deficiência.

Segundo integrantes da APALBA, a pessoa com albinismo, quando vai participar da seleção de vaga de emprego, concorre em condição de desigualdade em relação às outras pessoas com deficiência, por causa da cultura preconceituosa da sociedade quanto ao padrão de aparência e de beleza.

Outra dificuldade é que a deficiência visual (visão subnormal) faz com que muitas pessoas com albinismo não tenham as condições necessárias para o trabalho, ou porque efetivamente não têm visão suficiente para exercer determinadas atividades laborativas, ou porque os selecionadores não confiam na capacidade delas.

Dentre as pessoas com albinismo, constata-se que a maioria ocupa funções inadequadas para a sua condição de saúde, tais como empregada doméstica, mecânico, camelô/vendedor ambulante, servente de pedreiro etc.

Como uma das alternativas ao emprego formal, a APALBA elaborou um projeto de geração de trabalho e renda de forma cooperativa. O projeto (APALBA, 2008) foi enviado em 2008 para participar de um concurso promovido pela Petrobrás com vistas à seleção e financiamento de projetos de iniciativa de geração de trabalho e renda, dentre outras áreas. O projeto visava criar e implantar uma unidade industrial de produção de roupas especiais com proteção solar. Entretanto, embora o projeto fosse de grande relevância para a inclusão social, infelizmente, não foi selecionado.

O objetivo do projeto era a criação de postos de trabalho para as pessoas com albinismo, e seus familiares, em funções as quais as pessoas com albinismo não teriam condições para exercer, em outras situações, por conta da visão baixa. A APALBA ainda está em busca de parcerias para tentar viabilizar a proposta. As pessoas com albinismo que não atendam às exigências de capacidade laborativa são encaminhadas à previdência social.  

Pela falta de condições efetivas de sustento, boa parte do segmento das pessoas com albinismo busca o benefício do BPC/LOAS assegurado pela Lei 8.743/93, benefício que assegura 01 salário-mínimo mensal às pessoas com deficiência ou portadoras de doenças graves. Contudo, muitas pessoas com albinismo enfrentam a inabilidade da perícia médica, às vezes sem capacitação para avaliar a real condição de saúde ou de capacidade laborativa da pessoa com albinismo.

Muitos peritos indeferem o benefício da pessoa com albinismo porque não conseguem separar a visão subnormal da cegueira. Eles entendem que a inabilidade para o trabalho tem a ver com a cegueira integral e esquecem que existe cegueira parcial, e a pessoa com albinismo tem essa condição, além de ter visão subnormal ou baixa visão.

 

Dificuldades e desafios

 

Quanto ao atendimento ao público-alvo, percebe-se que as dificuldades da APALBA não são poucas, mas a principal é a falta de um local adequado para receber as pessoas, especialmente às oriundas dos diversos municípios do estado em busca de informação e encaminhamento para o tratamento. Essas pessoas chegam à Associação, pela primeira vez, totalmente desprovidas de quaisquer conhecimentos dos seus direitos.

Mesmo com o apoio dos parceiros da APALBA, os atendimentos têm sido bastante precários. Muitas vezes, pessoas com agendamento de atendimento médico ou cirúrgico para extrair um câncer de pele ou fazer um simples procedimento dermatológico perdem esses atendimentos, tão difíceis de agendar pelo SUS e tão preciosos para preservar suas vidas, porque não dispõem de estada em Salvador, nem recursos financeiros para pagar alojamentos. Além disso, as casas de apoio mantidas pelo poder público abrangem pouquíssimos municípios no estado.

De acordo com relatos de sujeitos desta pesquisa, os agendamentos dos novos pacientes para triagem e primeiro atendimento ambulatorial é efetuado pela APALBA. Entretanto há uma necessidade de ampliação da rede pública de atendimento, pois, além da demora, não há acesso preferencial, nem profissionais especializados suficientes para diagnóstico, atendimento e acompanhamento dos pacientes.

Preocupada com essa situação, a APALBA desenvolveu o Projeto Casa de Apoio à Pessoa com Albinismo “Casa do Albino” que prevê a existência de uma sede, própria ou locada, com telefone e pessoal de recepção, sobretudo para acolhimento de pessoas com câncer e para disseminação constante de informações à sociedade.

Pelas dificuldades da rede de assistência do estado, a Casa do Albino pretende acomodar pacientes que necessitem se deslocar para tratamento em Salvador, e construir um ambulatório com sala de pequena cirurgia para tratamento de lesões pré-cancerígenas e cancerígenas de pequeno porte, diminuindo o tempo de tratamento e evitando o agravamento de lesões iniciais.

O projeto prevê que seu custeio será patrocinado por meio de doações em espécie, gêneros alimentícios, roupas, medicamentos etc., advindos de seus sócios e de outros colaboradores (pessoas físicas, instituições, movimentos, grupos de trabalho de todas as classes sociais), identificados ou anônimos. Além da casa de apoio, o projeto prevê que no mesmo espaço deverá funcionar a sede administrativa da associação, com o objetivo de otimizar os poucos recursos disponíveis.

Com o objetivo de estabelecer um protocolo de atendimento dos pacientes no SUS, por meio da parceria entre a APALBA e a Secretaria de Saúde do Estado da Bahia – SESAB, foi elaborado e aprovado pela Comissão Intergestora Bipartite – CIB/BA[12], por sua Resolução 368/2010, e oficialmente apresentado em janeiro de 2011, o Programa Estadual de Atenção Integral à Saúde das Pessoas com Albinismo. O programa prevê a implantação de um sistema de informação para cadastrar pessoas com diagnóstico de albinismo na rede de assistência. Mas, até o momento, o programa não tem se efetivado no cotidiano das pessoas com albinismo, embora a APALBA continue fazendo intensas reivindicações. No que diz respeito à gestão e administração, a Associação enfrenta muitas dificuldades na execução de suas atividades por falta de recursos financeiros, materiais e humanos. Devido à carência dos recursos financeiros, a entidade não possui um local adequado para atender os seus associados, principalmente aqueles que moram no interior do estado.

Na verdade, desde a sua fundação, a associação funcionou em pequenos espaços cedidos temporariamente por alguns parceiros, possibilitando o andamento das atividades, mesmo que de forma precária.

Conforme ocorre atualmente, nos períodos em que não conseguiu a cessão de espaços pelos parceiros, funcionou em espaços locados, cujos custos assumiu e assume com muitas dificuldades. Ao longo do tempo, além das mensalidades pagas por seus associados efetivos e algumas doações espontâneas realizadas por poucos associados colaboradores não efetivos, a entidade contou com a doação de parceiros estratégicos, como a Coordenação Ecumênica de Serviços – CESE, Associação Vida Brasil e duas secretarias do Estado da Bahia:  Secretaria de Saúde e Secretaria de Justiça, Direitos Humanos e Desenvolvimento Social.

Atualmente, a associação se mantém, exclusivamente, por meio de mensalidades pagas pelos associados efetivos, no valor de R$ 22,00 (vinte dois reais), cujos recursos arrecadados são insuficientes ao pagamento das despesas básicas, como aluguel, energia, água e comunicação (telefone e internet).

Outra dificuldade é a falta de recursos humanos que, pela inexistência de meios para contratação, as atividades de atendimento aos associados dependem exclusivamente do trabalho voluntário exercido pelos gestores da entidade que atuam em regime de escala de plantão, não muito rígida, porque depende da disponibilidade dos plantonistas.

A APALBA também encontra dificuldades para envolver as pessoas com albinismo, especialmente os residentes no interior do estado, não só pela distância que os separa, mas, principalmente, devido às condições socioeconômicas precárias a que estão submetidos. Contudo, a entidade vem se empenhando para reunir as pessoas com albinismo, não só para socializar suas experiências de vida, mas especialmente para construir coletivamente, visando a transformação da realidade vivida por esse seguimento social.

A APALBA também não tem conseguido capacitar os diretores, conselheiros e demais associados, principalmente sobre gestão administrativa, financeira e sobre elaboração e gestão de projetos sociais, que contribuiria para a qualificação e requalificação da direção executiva e conselho fiscal da entidade.  

 

Considerações finais

 

A partir do levantamento das informações, especialmente os depoimentos das pessoas associadas, percebe-se que a APALBA contribuiu e contribui decisivamente para o empoderamento das pessoas com albinismo, associadas ou não, tornando-se uma ferramenta fundamental ao reconhecimento dos direitos dessas pessoas.

Identifica-se, também, que a entidade, devido à ausência do poder público, em alguns aspectos, especialmente no que se refere à questão da saúde, historicamente, cumpre um papel que é da responsabilidade do Estado, a exemplo, o agendamento de consultas médicas, distribuição de recursos ópticos, viabilização de aconselhamento genético, dentre outras ações.

A Associação ocupa cada vez mais os espaços institucionalizados de controle social, principalmente aqueles que tratam diretamente sobre as políticas para o segmento, por meio do envolvimento de novas pessoas com albinismo que até então não tinham se engajados na luta, a mobilização de novos parceiros, e maior atuação do poder público na formulação das políticas públicas voltadas para as pessoas com albinismo.

Vale também destacar a mudança de comportamento das famílias com relação ao nascimento de crianças albinas. Os pais ou responsáveis pela criança buscam a APALBA para orientação e encaminhamento à rede pública de saúde, para autocuidado, prevenção e acompanhamento.

As crianças com albinismo, nascidas desde a fundação da APALBA, têm incorporado a consciência sobre a necessidade do autocuidado, porque estão tendo acesso ao protetor solar e à estimulação visual precoce com o uso de lentes especiais filtrantes. 

Acredita-se que essas crianças, quando chegarem à vida adulta, além de uma maior consciência sobre a sua condição, terão muito menos sequelas decorrentes do albinismo que as outras pessoas que não tiveram ainda a oportunidade de usufruir da convivência, bem como das conquistas da APALBA.

A luta da APALBA na defesa dos direitos marca a participação das pessoas com albinismo dentro de um espaço político e social, no qual uma organização encontra formas de envolver seus representados nos movimentos sociais para fortalecer a sua interlocução com os representantes da sociedade civil e com os representantes do governo.

Com base nos relatos, constata-se que a sobrevivência da entidade corre risco, por falta das ferramentas necessárias à continuidade de suas atividades para o cumprimento dos seus objetivos. Observa-se que devido à falta de recursos, a APALBA, até o momento, não possui as assessorias profissional das diversas áreas do conhecimento. Essa carência tem contribuído para aumentar as dificuldades na área da assistência, especialmente no campo da elaboração de projetos sociais, bem como na busca ativa e acompanhamento das pessoas com albinismo e seus familiares.

Os referidos profissionais podem ter uma atuação determinante na busca ou construção das ferramentas necessárias, não só para melhorar a gestão da APALBA, mas para impulsionar a sua atuação junto aos representados e seus familiares.

Com base nas carências identificadas, sugere-se uma parceria entre as universidades e a APALBA, envolvendo de forma interdisciplinar e multidisciplinar os cursos de serviço social, direito, psicologia, administração e ciências contábeis; as universidades poderão contribuir com o saber acadêmico.  A APALBA também pode contribuir como espaço de construção de saberes e práticas específicas dos sujeitos que atende, pois com seu público-alvo poderá servir como espaço de vivência prática para os alunos.

 

Referências

 

ASSOCIAÇÃO DAS PESSOAS COM ALBINISMO NA BAHIA. Inclusão das pessoas com albinismo no mercado de trabalho: projeto apresentado à Petrobrás. Salvador: APALBA, 2008. Mimeografado.

BRASIL. Lei 13.146, de 06 de julho de 2015, que institui a lei brasileira de inclusão das pessoas com deficiência (Estatuto das Pessoas com Deficiência). Brasília, DF: Câmara dos Deputados, Edições Câmara, 2015.

BRASIL. Secretaria de Direitos Humanos. Protocolo Facultativo. Convenção sobre os direitos das pessoas com deficiência: decreto legislativo, nº 186, de 09 de junho de 2008: decreto 6.949, de 25 de agosto de 2009. 4. ed. Brasília: Secretaria de Direitos Humanos; Secretaria Nacional de Promoção dos Direitos das Pessoas com Deficiência, 2011.

BRASIL. Decreto n. 5.296, de 2 de dezembro de 2004. Brasília, DF: Presidência da República, [2004]. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2004/decreto/d5296.htm. Acesso em: 29 out. 2021.

BRASIL. Lei n. 8.213, de 24 de julho de 1991. Dispõe sobre os planos de benefícios da previdência social e dá outras providências. Brasília, DF: Presidência da República, [1991]. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8213cons.htm. Acesso em: 29 out. 2021.

BRASIL. [Constituição (1988)]. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Presidência da República, [1988]. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/Constituicao. Acesso em: 22 abr. 2018.

GIL, Antônio Carlos. Como elaborar projetos de pesquisa. 5. ed. São Paulo: Atlas, 2010.

MOREIRA, Lilia Maria de Azevedo; MOREIRA, Shirlei Cristina; CABANELES, Iago Teles Dominguez; ROCHA, Luciane de Melo Rocha. Perfil do albinismo oculocutâneo no estado da Bahia. Revista de Ciência Médica e Biologia. Salvador, v. 6, n.1, p. 69-75, 2007. Disponível em: https://repositorio.ufba.br/ri/bitstream/ri/20475/1/9_v.6_1.pdf. Acesso em: 29 out. 2021.

ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE. Classificação estatística internacional de doenças e problemas relacionados à saúde. 10. revisão. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 1993. vol. 1 (versão em português).

ROCHA, L. de M.; MOREIRA, L. M. de A. Diagnóstico Laboratorial do albinismo oculocutâneo. Jornal Brasileiro de Patologia e Medicina Laboratorial. Rio de Janeiro, v. 43, n. 1, p. 25-30, 2007. Disponível em: https://www.scielo.br/j/jbpml/a/KmSWk6MzkQFHQxBrzvhhFxq/?lang=pt&format=pdf. Acesso em: 6 de nov. 2021.

 

Recebido em: 15/07/2021.

Aceito em: 10/09/2021.

 

DOI: https://doi.org/10.46906/caos.n27.60207.p46-66

 

 



* Bacharela em Serviço Social pelo Centro Universitário Dom Pedro II/Brasil.  E-mail: mhstacecilia@gmail.com.

[1] Os depoimentos foram obtidos por entrevistas semiestruturadas, realizadas em 2018,  com um  roteiro de perguntas e respostas com quatro associados e 01 cofundadora da Associação das Pessoas com Albinismo na Bahia (APALBA), entidade que serviu como estudo de caso no desenvolvimento do tema escolhido pela autora para o artigo científico relativo ao seu trabalho de conclusão do Curso de Serviço Social na Faculdade D. Pedro II em 2018.

[2]  Entrevista concedida por S.C.M em 20 de abril de 2018. Profissional em saúde, fundadora e colaboradora da entidade, 55 anos de idade.

[3] Idem.

[4] Idem.

[5] Entrevista concedida por E.C.S. em 19 de abril de 2018. Atual diretora administrativa e de finança da APALBA, 38 anos de idade.

[6] Entrevista concedida por A. R. G. F. em 18 de abril de 2018. Atual conselheira fiscal da APALBA. 36 anos de idade.

[7] Idem.

[8] Idem.

[9] Entrevista concedida por F. S. em 18 de abril de 2018. Diretor de assuntos sociais da APALBA. 40 anos de idade.

[10] Idem.

[11] Entrevista concedida por J.A.M. em 03 de setembro de 2018. Associado e conselheiro da APALBA. 57 anos de idade.

[12] Instituída pela Portaria nº 2094 de 21/06/93 do Secretário da Saúde do Estado da Bahia, publicado no Diário Oficial do Estado do dia vinte de agosto de 1993. É o foro privilegiado de negociação e pactuação entre o gestor estadual e os gestores municipais das questões operacionais e da regulamentação das políticas de saúde no âmbito da gestão do Sistema Único de Saúde em nível Estadual, obedecida à legislação pertinente à matéria.

 

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