FEMINISMO GORDO: epistemologias, saúde e mídia

FAT FEMINISM: epistemology, health and the media

 

Maria Luisa Jimenez Jimenez *

Agnes de Sousa Arruda **

Marcelle Jacinto da Silva ***

 

https://doi.org/10.46906/caos.n28.61954.p38-64

 

 

Resumo

Gordofobia é um estigma cultural, estrutural e institucionalizado na contemporaneidade; preconceito sustentado por saberes que identificam corporalidades gordas como doentes, sem levar em consideração suas subjetividades, histórias, culturas. Saúde e mídia amparam o discurso da patologização do corpo gordo na construção do entendimento do que é estar saudável ou doente. No entanto, desde a década de 1970, mulheres gordas denunciam tal maneira de entender essa condição como violência, uma vez que não leva em consideração o que esse grupo pensa, conhece e experimenta. Como resistência, surge um movimento feminista gordo, que demanda como pauta central de suas reflexões e militância, a denúncia dessa violência, a revisão desses saberes que patologizam e a necessidade de despatologizar esses corpos, a fim de proporcionar dignidade e respeito a mulheres gordas invisibilizadas em sociedade. Tal processo é demonstrado no presente artigo por meio de análise crítica, pesquisa documental e bibliográfica, destrinchando os mecanismos de patologização e de depreciação cultural do corpo gordo.

Palavras-chave: feminismo gordo; epistemologias; saúde; mídia.

 

Abstract

Fatphobia is a contemporary cultural, structural and institutionalized stigma: prejudice sustained by knowledge that identifies fat bodies as sick, without taking into account their subjectivities, histories, cultures. Health and the media support the discourse of pathologization of the fat body in the construction of an understanding of what it is to be healthy or sick. However, since the 1970s, fat women have denounced this condition as violence, since it does not take into account what this group thinks, knows and experiences. As resistance, a fat feminist movement emerges, which has as a central issue of their reflections and activism a denunciation of this violence, the revision of these pathologizing knowledges and the need to depatologize these bodies with the aim of providing dignity and respect to fat women, invisible in society. Such a process is demonstrated in this article through critical analysis, documentary research and bibliographic research, unraveling the mechanisms of pathologization and cultural depreciation of the fat body.

Keywords: fat feminism; epistemologies; health; media.

 

1 Introdução

 

Este artigo apresenta, em uma perspectiva feminista, crítica e decolonial, derivada das investigações independentes de suas autoras desenvolvidas entre 2015 e 2021, em pesquisa bibliográfica, análise crítica e pesquisa documental, o processo de construção e relevância de um feminismo gordo, a partir da problematização em relação à gordofobia e suas imbricações com a saúde e com a mídia. O objetivo é demonstrar a necessidade da existência de um pensamento feminista decolonial em relação às vivências e experiências das mulheres gordas, a partir de uma análise social e cultural da forma de tratamento e consequências da gordofobia na sociedade e na mídia contemporânea, essa última em análise de conteúdo (BARDIN, 1988). Conclui-se como resultado desse processo a possibilidade de romper com a única e possível narrativa atribuída às mulheres gordas, levando em consideração a possibilidade de construírem e contarem suas próprias histórias. Isso porque a construção do discurso midiático sobre saberes-poderes que relacionam saúde e corpos gordos na sociedade contemporânea está inter-relacionada a uma construção epistemológica que hierarquiza corporeidades que não se encaixam no que esses discursos valorizam como corpos saudáveis.

Entende-se por gordofobia o preconceito contra as pessoas gordas e que afeta de modo particular as mulheres, agindo e retroagindo socialmente para além daquilo que se convencionou chamar de pressão estética. Às pessoas gordas é direcionado um tratamento que as consideram cidadãs de segunda classe, em privação de direitos básicos, assim como violências de ordens mil, em um ciclo no qual ora são vítimas ora são algozes de si mesmas na perpetuação do preconceito. Isso porque, institucionalizada, a gordofobia se infiltrou nos pilares da organização social, nominalmente a família, a igreja, o Estado e a mídia (ROMANO, 1998), de forma que não se perceba mais sua ação no comportamento das pessoas, normalizando uma vida de sofrimento, inclusive autoimposto, que pode levar até à morte (ARRUDA, 2019; JIMENEZ-JIMENEZ, 2020a).

Disfarçada de preocupação com a saúde, afinal as pessoas gordas são tratadas como doentes a partir do momento em que a relação peso/altura no chamado Índice de Massa Corpórea (IMC) passou a determinar graus daquilo que no vocabulário médico se conhece como obesidade, a gordofobia também pode ser considerada um problema de saúde pública a partir da seguinte ótica: apesar de associadas à obesidade estarem uma série de doenças, como cardiopatias, hipertensão e diabetes, essa associação, além de ignorar que a própria Organização Mundial da Saúde (OMS) considera como uma propensão, não como uma determinante (WORD HEALTH ORGANIZATION, 1995), na ponta do atendimento médico ela faz com que as pessoas gordas sejam tratadas como desenganadas, maltratadas ou não recebam atendimento adequado. Há muitos exemplos do que se afirma. É comum, por exemplo, encontrar relatos de pessoas gordas que precisaram ir a clínicas veterinárias para fazer seus exames, já que em clínicas convencionais os aparelhos médicos, como de ressonância magnética não suportam na maioria das vezes mais de 100 quilos (OLIVIO, 2018). Mais recente são os casos das pessoas gordas que morreram à espera de atendimento por não haver equipamentos adequados para seus corpos na crise de saúde pública causada pela pandemia de covid-19 (LO PRETE, 2021), ou das que enfrentaram dificuldades para conseguir o laudo médico que ateste sua condição de IMC acima de 40 para se vacinar contra a Covid-19 (CRUZ, 2021).

Assim, o que se chama de gordofobia médica, que Rubino, Puhl e Cummings (2020) também apontam em seus estudos, é a ponta do iceberg para que pessoas gordas deixem de ir aos consultórios, clínicas e hospitais para tratar de seus problemas, elevando o índice de mortes daquelas que são chamadas de obesas, e comprovando, de maneira enviesada, que pessoas gordas morrem mais. E apesar de a gordofobia atingir homens e mulheres, são as próprias mulheres que, em um movimento de olhar para si e para suas questões, em perspectivas feministas e interseccionais, apontam não só para a injustiça episteme praticada em relação aos seus corpos e seus conhecimentos, como também para a necessidade e a criação de um saber que esteja centrado nesses aspectos e localidades; saber esse desvinculado, ainda, de padrões de feminilidade associados a um tipo de estética desejável para corpos femininos: um corpo magro e esbelto. Como reflexão proposta em considerações finais, entende-se que associar doença e corpo gordo de maneira arbitrária faz parte de um discurso social e midiático que reforça e naturaliza a gordofobia em uma estrutura de poder problematizada e reivindicada pelo feminismo gordo, que busca romper com a narrativa única sobre mulheres gordas e seus corpos, por meio da retomada de seus poderes de fala, narrativas, corpos e experiências.

 

2 Corpos em risco permanente: noções hegemônicas de saúde e feminilidade na reprodução da gordofobia

 

A noção de saúde contemporânea mantém uma relação íntima com noções de beleza, alto rendimento, autocontrole, sucesso e disciplina. Ser saudável é conciliar tudo isso ao cuidado com os excessos de peso e de gordura corporal, particularmente. Quando se trata de corpos femininos, esse imperativo se torna ainda mais invasivo, tendo em vista que a noção hegemônica de feminilidade é associada ao comedimento em relação a tudo o que representa um excesso. O argumento que buscamos desenvolver parte do pressuposto de que os discursos e práticas biomédicos e midiáticos são datados, tendo em vista possuírem uma historicidade e serem produzidos em contextos culturais, sociais e políticos particulares. É com esse intuito que, neste tópico, abordamos uma discussão sobre os enquadramentos biomédicos direcionados aos corpos femininos, em um ponto de vista histórico, sem pretensões de linearidade temporal.

Silvia A. Nunes (2000, p. 11) destaca que houve, a partir do início do século XVIII, a elaboração de estratégias de regulação do corpo feminino provenientes, sobretudo, dos campos da psiquiatria e da sexologia, cujo objetivo principal era “circunscrever as mulheres à esfera doméstica e à maternidade”, tornando assim “a mulher e sua sexualidade como assunto privilegiado dos discursos médicos” e, simultaneamente, como assunto de higiene pública, “reforçando velhos mitos e caucionando um projeto de controle minucioso sobre a sexualidade feminina”.

Rohden (2002) ressalta que importantes transformações ocorreram entre os séculos XIX, XX e XXI, no tocante à medicalização da sexualidade feminina, apesar de haver manutenção de algumas regularidades. A autora diz que enquanto no século XIX o lócus da atenção concentrava-se em questões anatômicas e na fisiologia, já no século XX a medicalização se volta para questões hormonais, substancializando a diferença entre homens e mulheres e alocando nos hormônios, ou na falta deles, a razão de inúmeras patologias e desequilíbrios. Posteriormente, no século XXI, também englobou a estética, acentuando um aspecto higienizante e fortemente relacionado à sexualidade, dimensão associada à discussão que temos abordado em nossas pesquisas de doutorado e pós-doutorado.

De acordo com Vieira (2002, p. 23), as narrativas biomédicas consistem em importante “tecnologia de intervenção” sobre os corpos das mulheres e suas sexualidades, pois produzem um modelo específico de feminilidade com base na anatomia e na biologia que contribui consideravelmente para a forma como as mulheres passaram a conhecer/desconhecer seus próprios corpos. A “medicalização” aqui é entendida nos termos propostos por Vieira (2002, p. 19), enquanto processo que transforma “aspectos da vida cotidiana em objeto da medicina de forma a assegurar conformidade às normas sociais”.

Nesse contexto, o corpo feminino passa a ser objeto privilegiado da medicina quando esta passa a ter legitimidade enquanto saber científico, conforme nos diz a autora, fato que se dá especialmente a partir da formação da sociedade capitalista, no âmbito da qual surge a preocupação na elaboração e manutenção de um projeto de medicalização dos corpos que aperfeiçoará o papel político e social da prática médica. Historicamente, esse processo de medicalização do corpo feminino baseia-se na concepção de uma natureza biológica que determina e domina a mulher. Esse é precisamente o argumento que concede legitimidade ao discurso biomédico hegemônico sobre o corpo feminino, encontrando base nos eventos físicos que as mulheres experimentam no decorrer da vida, como a capacidade reprodutiva. Tal determinação biológica feminina contribui fundamentalmente na divisão de gênero na sociedade, e consequentemente, para a diferença sexual (MARTIN, 2006).

Na medida em que a mulher passa a ter um lugar privilegiado no hospital, em torno dos cuidados médicos, estes se baseiam na ideia de que as doenças das mulheres são difíceis de tratar e são “acompanhadas de muito sofrimento e sensibilidade nervosa, o que requer atendentes especialmente treinados para lidar com os perigos desse excitamento nervoso” (ROHDEN, 2002, p. 110). Tratar do que se considera como os males femininos requer, então, maior cuidado, especialmente porque a mulher é considerada eternamente doente, no sentido de que seu corpo a submete a etapas naturais de adoecimento como durante a gravidez, durante e após o parto, durante o aleitamento, no período da menstruação, durante e após a menopausa, experiências da vida feminina que a colocam constantemente em risco (NUNES, S., 2000, p. 60). Se os corpos femininos são considerados corpos em risco constante, o que dizer então de corpos gordos femininos?

As concepções a respeito do corpo gordo, assim como os hábitos alimentares, foram mudando na medida em que as concepções da ciência sobre o corpo, de modo geral, foram se transformando. Sant’anna (2016) afirma que houve um tempo em que o corpo foi pensado como um armazém, então, era preciso armazenar comida nele, mantê-lo cheio. Depois, especialmente com o desenvolvimento industrial, a ideia que associava o corpo com uma máquina foi introduzida na sociedade, quando a comida começou a ser entendida como um combustível necessário para o funcionamento da máquina. A ideia de fracasso e de responsabilização individual foi, então, uma consequência desse processo (SILVA, M., 2020) e, nesse “processo de responsabilização do indivíduo pelo seu corpo, a partir do princípio de autoconstrução, a mídia e, especialmente, a publicidade têm um papel fundamental.” (GOLDENBERG; RAMOS, 2007, p. 32).

A gordura aparece com mais insistência na mídia como uma grande inimiga, especialmente das mulheres, algo a ser expulso do corpo, seja com exercícios físicos, cirurgias cosméticas, como com remédios e vitaminas, tendo em vista sua associação tanto com doença como com feiura. Mas a pressão estética sobre os corpos não se espalhou de forma homogênea e democrática para todos os corpos, já que ainda no século XX, era possível perceber que as mulheres eram as personagens mais mencionadas na imprensa. Se antes, ter um corpo com formas arredondadas era mais desejável por representar um ambiente ideal para uma boa gestação, com o tempo, ter um corpo magro passou a ser uma expectativa e, consequentemente, um padrão de beleza. Ter um corpo gordo passou de motivo de orgulho para algo vergonhoso, virou uma doença, a obesidade, condição associada a um rol de outras doenças, solidificando o imaginário sociocultural ocidental que passa a enxergar e tratar a pessoa gorda como uma pessoa fatalmente doente. Por ser uma doença, há necessidade de um tratamento, de uma cura, ou seja, é preciso emagrecer (SILVA, M., 2020).

Na segunda metade do século XX, “uma profusão de fórmulas para emagrecer tomou conta dos meios de comunicação de massa de maneira espetacular” (SANT’ANNA, 2016, p. 123), acompanhada da “aparente liberação dos corpos, sugerida por sua atual onipresença na publicidade, na mídia e nas interações cotidianas” (GOLDENBERG; RAMOS, 2007, p. 25), sua exposição cada vez maior e o seu cada vez maior constrangimento às normas sociais e culturais. Dessa forma, com a ampla e assídua divulgação do que se chama de problemas do sobrepeso e da obesidade na mídia, “o medo de engordar generalizou-se. Transformado em sentimento necessário para garantir a saúde, o dito medo afirmou-se, primeiro, como uma demonstração legítima e normal de amor-próprio e, logo a seguir, como uma prova de autoestima” (SANT’ANNA, 2016, p. 112). Na década de 1990, começam também a ser amplamente divulgadas na imprensa informações sobre “distúrbios graves, como a anorexia nervosa e o transtorno dismórfico corporal” e, assim, “o medo de engordar viu-se mundialmente acompanhado por uma miríade de outros medos referentes à alimentação” (SANTANNA, 2016, p. 117).

A Associação Médica Americana (AMA), em 2013, inseriu oficialmente a obesidade  no campo da doença e, no mesmo ano, ela entrou no Código Internacional de Doenças (CID), o que gerou um acalorado debate envolvendo médicos(as), ativistas e pesquisadores(as). O critério para definição da obesidade não é o peso da pessoa, mas sim o Índice de Massa Corporal (IMC) em consonância com exames específicos. De acordo com Sant’anna (2016, p. 146-147), obesa é uma pessoa com um IMC acima de 30, mas um IMC considerado alto, no entanto, não significa que uma pessoa obesa irá necessariamente adoecer (GOMES, 2019). A obesidade passou a não ser mais uma exceção, e o “sobrepeso, por sua vez, tendeu a se aproximar do que é banal e regular” (SANTANNA, 2016, p. 146-147), configurando-se como um problema de saúde pública tanto em países ricos como pobres, também considerada como uma pandemia que atinge mais as mulheres do que os homens (JIMENEZ-JIMENEZ; ABONIZIO, 2017), no que se refere à população brasileira. O Brasil estaria, segundo pesquisas apresentadas pela British Broadcasting Corporation (BBC), entre os países com mais obesos do mundo.

 É importante levar em consideração que em muitas situações, “a abordagem focada no peso pode matar” (LIRA, 2019), especialmente quando o diagnóstico médico é feito sem que o (a) paciente seja examinado (a) de forma mais ampla. Loureiro (2017, online) observou que um estudo desenvolvido por psicólogos da Universidade de Los Angeles (UCLA) apontou que “usar o IMC para determinar índice de saúde levou à classificação incorreta de 54 milhões de americanos saudáveis como ‘doentes’”. Ainda de acordo com a pesquisa, “quase metade dos norte-americanos considerados acima do peso conforme seus índices de massa corporal são saudáveis, assim como aproximadamente 20 milhões de obesos”. Isso significa que “Obesidade não é sinônimo de doença, assim como magreza não é sinônimo de saúde” (LOUREIRO, 2017, online).

Falar em gordofobia é, portanto, falar de um “estigma que sustenta a perda de direitos” (JIMENEZ-JIMENEZ, 2018b), que nega a existência de pessoas gordas, negando, assim, saúde e, em se tratando de corpos femininos, a feminilidade. Assim, evidencia-se que a gordofobia é uma questão estrutural, um aspecto da cultura ocidental contemporânea que, muitas vezes, passa despercebida pelas pessoas não gordas, pelos movimentos sociais, pelos feminismos e pelas políticas públicas.

 

3 Feminismo gordo: denúncia à violência episteme

 

A ação política dos saberes no capitalismo contemporâneo, no que tange ao controle dos corpos, na construção de raça e gênero dentro da lógica colonialista de corporalidades produtivas, passa necessariamente por discursos de poder sobre saúde e suas tecnologias na normalização das subjetividades corpóreas como regimes de controle. A lógica do regime cisheteronormativo é política na reprodução de corpos e tecnologias que estejam dentro de um pensamento hegemônico sobre saúde, no que tange a corpos considerados normais ou patológicos. No que diz respeito ao tema/objeto deste trabalho, tem-se a construção histórica de uma performance de gênero que tenta a todo custo extirpar o que de genuinamente uma mulher cisgênero tem de feminino em si.

Já há muitos anos que o Brasil é o líder mundial no mercado estético e no de cirurgias plásticas; o índice agora passa a atingir as adolescentes, segundo dados da própria Sociedade Brasileira de Cirurgias Plásticas, a SBCP (BORGES, 2019). Cabe ainda ressaltar que cirurgias íntimas, como o rejuvenescimento vaginal ou a retirada de pele em excesso dos lábios vaginais como correção estética, são mais feitas no Brasil do que em qualquer outro lugar no mundo. São também as mulheres que se sentem mais insatisfeitas com seus corpos e que sofrem de distúrbios de distorção de imagem e alimentares (AMBULIM, 2021), aplicando tempo, dinheiro e energia sem limite para modificar sua aparência ao gosto da sociedade.

Nesse conceito de feminino, há uma performance de feminilidade, criada e difundida como mais uma forma de controle social da mulher a partir de seu corpo; uma evolução daquilo que Federici (2017) coloca acerca do que pontua como “acumulação primitiva” em nossa sociedade, a partir do controle reprodutivo e da divisão sexual do trabalho desde a Idade Média.

A divisão dos corpos, realizada por meio do aparelho genital, é uma construção histórica e social que busca apagar a pluralidade e as diferenças, definindo e normatizando a representação dos corpos dentro de uma existência binária (SWAIN, 2000), realizada por meio da coerção física e ideológica. Trata-se de um padrão que descarta as mulheres em suas individualidades, que na cultura masculina não passam de beldades; e só quem tem o poder de chancelar o que é belo é o patriarcado, criando uma necessidade constante de aperfeiçoamento do corpo feminino aos olhos dos homens em ritos de beleza, nos quais a magreza é um dos elementos utilizados para definir socialmente se as mulheres são mais ou menos femininas.

Assim, no foco dessa performance está a gordura corporal, ou melhor, a incessante busca por sua total ausência; associada à alimentação, tal processo se caracteriza, em um primeiro momento, pela repressão do apetite oral feminino. Com isso a gordura da mulher se tornou uma preocupação da comunidade, colocando-a em um estado constante de vigilância. Nesse sentido, quando fome e inanição passam a ser vistas como sinônimo de saúde e beleza, no entanto, outros aspectos da feminilidade, além da gordura, também desaparecem. O corpo reduz ao mínimo sua produção de estrogênio, como forma de poupar energias. A mulher deixa de ovular, de menstruar, e a beleza magra, esquálida, que a coloca em um lugar de vulnerabilidade e sedação, passa a ser celebrada e os corpos das mulheres que rompem com os padrões normatizados pelo sistema cisheteronormativo são deslegitimados pela estereotipia. Os estereótipos estão relacionados às imagens físicas dos corpos e aos seus comportamentos na sociedade.

Foucault (1997, p. 127) explica que “O certo é que as redes do poder passam hoje pela saúde e pelo corpo. Antes passavam pela alma, agora pelo corpo.” Ou seja, acaba-se por imprimir no corpo — revestido de símbolos e interpretações — julgamentos e expectações, ao qual “[...] se aplicam sentimentos, discursos e práticas que estão na base das vidas sociais.” (FERREIRA, 1994, p. 101). Pensar epistemologicamente em um feminismo dentro dessa análise é entender que esse movimento tem como centralidade a denúncia de violências, epistemes patriarcais e propostas de epistemologias decoloniais feministas que valorizem as experiências das mulheres no mundo como saberes legítimos, potentes e revolucionários.

No que se refere à proposta do feminismo decolonial, as cuirs[1], lésbicas, pretas, latinas, putas, trans, asiáticas, indígenas, feias, gordas, sudakas[2] apresentam perspectivas de conhecimento que rompem com esse regime político hegemônico, ou seja,

 

O conhecimento do ponto de vista do não marcado é realmente fantástico, distorcido e, portanto, irracional.  A única posição a partir da qual a objetividade não tem a possibilidade de ser posta em prática e honrada é a do ponto de vista do senhor, do Homem, do deus único, cujo Olho produz, apropria e ordena toda a diferença.  Ninguém jamais acusou   o   deus   do   monoteísmo   de   objetividade, apenas   de indiferença.  O truque de deus é auto-idêntico e nos enganamos ao tomá-lo por criatividade e conhecimento, até por onisciência (HARAWAY, 2009, p. 27).

 

Quando se tem a ideia única e universal de conhecimento, legitima-se o pensamento eurocêntrico como superior. Essa construção colonizadora de episteme soberana às demais, principalmente as construídas no Sul do mundo, está ligada diretamente ao contexto histórico/social da colonização, na qual deslegitima todo pensamento que não esteja localizado numa lógica heteronormativacolonial.

 

A ideia de conhecimento universal legitima o pensamento eurocêntrico como único, da mesma forma que se deriva dele. O estabelecimento dessa proposição opera de forma silenciosa a calar formas de pensar à margem do padrão. Esta forma de genocídio intelectual pode ser considerada uma violência epistêmica. Esta atinge a episteme de um indivíduo/povo e está principalmente ligada ao contexto histórico da modernidade e do colonialismo. Se apresenta como a violência relacionada a determinado conhecimento, podendo ser entendida como uma forma de exercício de poder simbólico de um indivíduo, grupo ou nação sobre um outro através do conhecimento científico, como forma de invisibilizar este outro (Spivak, 2010). A violência epistêmica se apresenta como uma relação de poder e dominação perpetrada no campo do conhecimento, permitindo que determinada visão de mundo se imponha sobre outras, impossibilitando sistemas de conhecimento e produção de saberes alternativos e alterando as visões dos povos colonizados (Gnecco, 2009). (SILVA; BALTAR; LOURENÇO, 2018, p. 71).

 

Nesse sentido, construir novos saberes a partir da violência episteme contra mulheres gordas é entender que não se pode ignorar sentimentos, emoções, dores e violências que essas mulheres, desde suas infâncias, passam por serem gordas. A proposta é exatamente o contrário: quais são essas emoções? E o quanto isso pode ser violento para essas corporalidades.

Esses interesses feministas pelas pesquisas epistemológicas localizados em suas realidades e, portanto, contextos sociais localizados, têm impulsionado que muitas mulheres de todos os tipos e lugares apresentem inúmeros caminhos epistêmicos que valorizem essas histórias e dores (HARAWAY, 1991).

O saber produz poder e vice-versa: “[...] não há relação de poder sem constituição correlata de um campo de saber, nem saber que não suponha e não constitua ao mesmo tempo relações de poder.” (FOUCAULT, 1997, p. 30). Portanto toda construção epistemológica está construída em relações de poder dependendo da força de dominação daquele conhecimento sobre os demais. O conhecimento é constituído por relações de poder:

 

Estudar o funcionamento ideológico de uma ciência para fazê-lo aparecer e para modificá-lo não é revelar os pressupostos filosóficos que podem habitá-lo; não é retornar aos fundamentos que a tornaram possível e que a legitimam: é colocá-la novamente em questão como formação discursiva; é estudar não as contradições formais de suas proposições, mas o sistema de formação de seus objetos, tipos de enunciação, conceitos e escolhas teóricas. É retomá-la como prática entre outras práticas. (FOUCAULT, 2013, p. 224).

 

O feminismo gordo, dentro dessa perspectiva epistemológica decolonial, propõe romper com esse regime político de saber-poder, intencionando formas subalternas de sobreviver. A proposta é denunciar esses saberes que construíram um chamado conhecimento que patologiza, ou seja, considera doentes nossas corpas; como a doença intitulada “obesidade”, por exemplo, que classifica corpos por um cálculo de IMC (Índice de Massa Corporal) em doentes e não doentes, determinado pelo tamanho dos corpos, que em sua maioria são periféricas, latinas e pretas[3], pessoas hierarquicamente inferiores por serem consideradas doentes.

Esses saberes têm tido consequências devastadoras para esse grupo de pessoas que são consideradas doentes por serem gordas. Delas é retirada a dignidade de autonomia sobre suas corporalidades. Todos esses saberes que constituem e validam a patologização dessas corporalidades são injustos e violentos, porque estão baseado numa divisão hierárquica de saber-poder que acessam ou não tecnologias de extermínio (JIMENEZ-JIMENEZ, 2020b). Dentro da proposta da teoria cuir, numa perspectiva de revisões epistemológicas, o feminismo gordo propõe uma revisão sobre o entendimento da “obesidade” como doença ser uma injustiça episteme, no que se refere à construção do conhecimento sobre os corpos gordos, já que, durante séculos, nossos corpos foram percebidos, sistematizados e controlados como “coisas monstruosas”, que não deveriam existir dentro da sociedade heteronormativa (JIMENEZ-JIMENEZ, 2020b).

 

Existe uma lacuna nos estudos da “obesidade”, da gordura, em levantar questionamentos sobre qual caminho estamos seguindo nessa questão de transformar todo corpo gordo em doente, anormal e patológico. Essa obsessão na busca pelo corpo magro leva a um preconceito que mata mais que a própria “obesidade” anunciada por eles. É urgente o desenvolvimento de pesquisas sobre o corpo gordo brasileiro na comunidade acadêmica, como já existem em outros países (os fat studies, por exemplo), para um entendimento epistemológico da construção de discursos de saúde, fundamentados em bem-estar e vida saudável, mas que, verdadeiramente, em nosso mundo capitalista, os interesses sempre são de impérios empresariais que manipulam nossas investigações científicas. Estamos colapsando ao apoiar a ideia construída pelo discurso biomédico. Aliás, a medicina não tem conseguido diminuir ou melhorar os índices de pessoas gordas no mundo, muito pelo contrário. (JIMENEZ-JIMENEZ, 2020b, p. 157).

 

A saúde, como saber-poder soberano, tem todo um aparato de estudos, cálculos, ferramentas e experiências no combate a essa “epidemia” de pessoas gordas como sustentação de retirada de direitos, acessibilidade e dignidade sobre suas próprias vidas (ROSE, 2013).

 

Posicionar-se   é, portanto, a   prática   chave, base   do conhecimento organizado em torno das imagens da visão, é como se organiza boa parte do discurso científico e filosófico ocidental.  Posicionar-se implica em responsabilidade por nossas práticas capacitadoras. Em consequência, a política e a ética são a base das lutas pela contestação a respeito do que pode ter vigência como conhecimento racional. (HARAWAY, 2009, p. 28).

 

Foucault (2004) denuncia a medicina como um dos mais poderosos discursos de poder, regime político dessa epistemologia que sustenta a construção da “doença obesidade”; discurso que está sendo financiado pelo autoritarismo, hierarquização da ciência, instituições que permitem a normalização que violenta corporalidades dissidentes, controle dos corpos e do conhecimento. Ou seja, a autonomia de discursos como verdades inquestionáveis, seja no consultório médico, na escola, nas mídias, nas universidades, leva a verdades que violentam pessoas. Como propõe Paul Preciado (2021), são necessárias — e estão acontecendo — denúncias dessas violências epistemes, propostas epistemológicas a partir desse entendimento, revisões do que já existe, mas, principalmente, um rompimento e construção de saberes subalternos que não sejam violentos com nenhuma corporalidade.

 

São inúmeros casos de pessoas gordas que morrem com doenças fatais, por não serem diagnosticadas a tempo no consultório médico. Já que, um gordo quando entra no médico para reclamar de qualquer dor ou sintoma que sente, automaticamente é diagnosticado como obeso e deve urgentemente emagrecer. (JIMENEZ-JIMENEZ, 2018a, online).

 

Assim, a doença que pode ser fatal se agrava, não sendo diagnosticada a tempo e levando o indivíduo a óbito. São inúmeros os casos de pessoas gordas que morrem com doenças fatais por não serem diagnosticadas a tempo no consultório médico (WALKER, 2017 apud JIMENEZ-JIMENEZ, 2018a).

Dessa maneira, essa injustiça/violência epistêmica denunciada pelo feminismo gordo afeta diretamente mulheres gordas, devido ao estigma da gordofobia, e suas vozes e denúncias não serem levadas a sério como legítimas, já que essa violência está sempre justificada em cuidado, saúde e amor (FRICKER, 2007).

 

Os feminismos (dissidentes) emergem situados em condições particulares que se desenvolvem por meio da vida cotidiana de mulheres em contextos sociais específicos. Esse olhar mais peculiar aos problemas enfrentados por grupos de mulheres localizados em todos os lugares e situações na sociedade foi de total importância para a visualização de sujeitos subalternos, tanto como reconhecimento político como nas análises teóricas. (JIMENEZ-JIMENEZ, 2020a, p. 17).

 

O que o feminismo gordo propõe é a denúncia dessas violências, e que esses conhecimentos sejam revistos e modificados, de forma que as mulheres gordas centralizem a discussão sobre suas corporalidades, localizando esses saberes e respeitando essas subjetividades.

 

4 Prejuízos nos processos de comunicação e de informação em saúde: o peso, a mídia e o preconceito

 

A própria comunidade médica deu início a uma revisão da ideia patologizante dos corpos gordos, reconhecendo as graves consequências da gordofobia na vida das pessoas. Para Wharton et al (2020, p. 875, tradução nossa), “Pessoas com obesidade experimentam um preconceito generalizado que contribui (independente do peso e do IMC), ao aumento da morbidade e da mortalidade”. No estudo, os autores propõem uma nova abordagem na atenção básica de saúde canadense, considerando que o estigma associado às pessoas gordas também é reproduzido no atendimento médico, conforme demonstrado em tópicos anteriores. Outro trabalho, publicado na Nature Medicine, mostra que, por causa do preconceito, pessoas gordas são expostas à depressão, ansiedade, isolamento social, distúrbios alimentares e consumo de drogas e álcool, podendo levar à morte tanto por overdose de substâncias químicas quanto pela prática do suicídio (RUBINO; PUHL; CUMMING, 2020). Para os autores:

 

O estigma e a discriminação de peso são generalizados e causam danos significativos aos indivíduos afetados. A narrativa generalizada da obesidade na mídia, em campanhas de saúde pública, no discurso político e até mesmo na literatura científica atribuindo a causa da obesidade principalmente à responsabilidade pessoal tem um papel importante na expressão do estigma social de peso e reforça o peso baseado em estereótipos. O estigma do peso pode enganar as decisões clínicas e as mensagens de saúde pública e pode promover a alocação improdutiva de recursos limitados de pesquisa. O preconceito de peso e o estigma podem resultar em discriminação e minar os direitos humanos, os direitos sociais e a saúde dos indivíduos afetados. Explicando a lacuna entre as evidências científicas, e uma narrativa convencional da obesidade construída em torno de suposições e equívocos não comprovados pode ajudar a reduzir o preconceito de peso e seus efeitos prejudiciais. (RUBINO; PUHL; CUMMINGS, 2020, p. 495, tradução nossa).

 

Com a denúncia, são recomendadas pelos autores medidas de combate à gordofobia que envolvem a ampla divulgação de informações corretas sobre o assunto, tendo a mídia e o jornalismo papel essencial nessa missão. Neste tópico o que se considera é a proposta de uma mudança de paradigmas acerca das pessoas gordas e seus corpos para os meios de comunicação, uma vez que se constata íntima relação entre esse preconceito e a mídia (ARRUDA, 2019).

Isso porque a ideia de que somente o peso corporal indica a condição de saúde de alguém, de que a magreza é uma meta a ser atingida a qualquer custo e de que o emagrecimento está relacionado exclusivamente a um mérito individual, é amplamente disseminada pelos meios de comunicação em seus produtos e de entretenimento e no noticiário, associando magreza à saúde, e gordura à doença, conforme será demonstrado em análise de conteúdo a seguir. Nesse sentido, e em uma sociedade cujo conjunto de hábitos e costumes fundamentais no âmbito das instituições e da cultura é permeado pela mídia, suas mensagens, imagens, e representações operam em simbiose, uma espelhando a outra (CABRAL, 2002). Assim, ao contrário do que acontece com corpos magros, que estampam revistas, apresentam programas jornalísticos, predominam em produções televisivas, fílmicas e séries como modelos positivos, corpos gordos são rechaçados pela mídia. Além de representações positivas desses corpos serem praticamente inexistentes, elas seguem padrões estereotipados.

 

Entre outras representações [...], têm-se modelos em que as pessoas gordas apresentadas e representadas servem ou de alívio cômico à história, quando suas características físicas são utilizadas como ponto de humor, ou de estepe para o personagem principal, seja como conselheiro, melhor amigo ou aliado. Outra representação comum é a da pessoa gorda como sendo feio, repulsivo, com poucos hábitos de higiene, ou então uma abobalhada patética. Entretanto, é difícil uma pessoa gorda aparecer como personagem principal ou modelo a ser seguido. Não raro é possível ver que, para ser bem-sucedido, o personagem percebido gordo precisa passar por uma transformação estética que inclui, obviamente, o processo de emagrecimento. Isso é possível ver, apenas para citar um caso como exemplo, com o que acontece a Monica Geller, do seriado de sucesso internacional, Friends. (ARRUDA, 2019, p. 14).

 

Outro estereótipo comum é do emagrecimento milagroso, no qual “Não raro, as personagens gordas, para serem aceitas por seu grupo, passam por transformações estéticas que incluem, obviamente, o emagrecimento. É um modelo repetido à exaustão [...]” (ARRUDA; MIKOS, 2020, p. 123).

Os casos são inúmeros, não se esgotam em um tipo de veículo, nem em um tipo de produção, como telenovela, jornal, seriado ou filme, conforme apontam os estudos já mencionados de Arruda (2019), Arruda e Mikos (2020). Nesse sentido, para fins de exemplificação do que se afirma, destacam-se alguns casos de gordofobia contra mulheres praticados pela mídia. Para isso, foram escolhidas narrativas jornalísticas a partir do final da década de 1990 que demarca, com a difusão das telecomunicações, a chegada e consolidação da internet, na história da comunicação e da mídia, o que se convencionou chamar de Era da Informação (COSTELLA, 2001), e, por isso, com poder de influência sobre o que pensa a população acerca das pessoas gordas, ao mesmo tempo que é influenciada pelo que a sociedade manifesta em seu bios (CABRAL, 2002).

Além disso, também são apresentados casos de gordofobia sofrida por profissionais da imprensa no ambiente de trabalho como forma de demonstrar a institucionalização desse preconceito no exercício profissional, bem como são trazidos casos recentes de cobertura midiática, com argumento em saúde, tratando da relação da obesidade com o Coronavírus que, como será demonstrado, não apresentam informações em profundidade sobre o tema, contribuindo para a manutenção do estigma das pessoas gordas.

Considerando a variedade de formatos e abordagens, tais casos são apresentados a partir dos critérios de seleção, catalogação e inferência da análise do conteúdo proposta por Bardin (1988). Tal método permite uma análise em conjuntura que relaciona os dados tais como se apresentam, o contexto no qual eles estão inseridos, o conhecimento de quem pesquisa acerca do assunto, o objetivo que se tem com a análise, a inferência como exercício intelectual e a validação que vem como consequência desse processo. Para isso, os exemplos a seguir passaram pelos processos de organização, codificação, categorização, inferência e tratamento.

O primeiro caso, da década de 1990, traz reportagem do Jornal Hoje sobre uma agência de modelos que só trabalha com gente “feia”. O trecho entre aspas corresponde exatamente ao que é dito em vídeo (FERRAZ, 2020). Ao apresentar a responsável pelo empreendimento, o repórter, um jovem César Tralli, diz: “Gordinha, baixinha, com cara de bolacha e que descobriu em sua própria feiura sua fonte de renda”. A matéria segue com falas como: “Ninguém aqui tem rosto para revista ou comercial de televisão”, ou quando na pergunta para uma entrevistada: “Tá vendo aquela gordinha ali? Você acha que ela tem condições de fazer comercial de TV?”, no que recebe a resposta: “Tá louco? Essa gorda?” (FERRAZ, 2020), reforçando, conforme se vê em Sanches (2018), que há um padrão estético para aparecer de maneira positiva na mídia.

O que aparece na televisão, também é transportado para a internet. Uma reportagem publicada no VivaBem, seção de saúde do principal portal de conteúdo do Brasil, o UOL, traz a manchete: “Estudo revela que 61% das brasileiras querem emagrecer, mas metade não se esforça para isso”. O título vem ao lado da imagem de uma mulher gorda, deitada no sofá, assistindo à televisão e com a boca cheia de comida; já o texto reproduz resultados do mencionado estudo, associando apenas iniciativas individuais ao emagrecimento, como a mudança na alimentação e a prática de exercícios físicos, sem problematizar subjetividades que levam ao aumento de peso, nem políticas públicas de segurança alimentar e acesso a atividades físicas (ANDRADE, 2012), o que reforça a ideia já problematizada em tópicos anteriores a partir de estudos prévios de que todas as pessoas gordas são preguiçosas, sedentárias e desleixadas.

Para o final da década de 2010, o que temos é a matéria sobre o emagrecimento da atriz Guta Stresser, publicada no Portal R7. Com montagem do antes e depois do corpo da atriz, a manchete diz: “Após perder o pai e o emprego, atriz emagrece 15 quilos e fica gata” (KTV, 2017). A matéria conta sobre como a atriz passou por um processo depressivo e problemas de saúde que a levaram ao emagrecimento. Mesmo assim, a perda de peso é vista como algo positivo. “Fica gata” atribui valor estético ao emagrecimento e, para isso, não importa se ele vem de um processo doloroso, traumático e nada saudável, o que não sustenta, finalmente, o argumento de que o monitoramento do peso alheio se dá a partir de uma pretensa preocupação com o estado de saúde da pessoa, e reforça, então, que beleza, felicidade e sucesso só se alcançam com a magreza (SANCHES, 2018), mesmo sem emprego e enfrentando o luto.

E enquanto nos exemplos apresentados o tema das produções estava diretamente relacionado ao corpo ou peso, há casos de que em pautas de assuntos diversos a gordofobia também se faz presente. Em 8 de junho de 2020, ao trazer a pauta dos direitos da família e da violência doméstica em tempos de pandemia de Coronavírus, o vespertino Mulheres, da TV Gazeta, constrangeu ao vivo a advogada convidada para tratar do assunto, Sandra Daniotti. Enquanto explicava questões jurídicas ao público, a profissional foi interrompida por uma participação da endocrinologista Maithê Pimentel com a fala: “Sandrinha, se eu te pedir uma coisa você me ajuda? Eu quero te ajudar a emagrecer” (PACHECO, 2020). Sandra cobriu o rosto envergonhada enquanto a apresentadora, Márcia Volpato, eximiu-se da culpa: “No meio da pauta jurídica, Maithê?”, perguntou.

Cabe dizer ainda que, se o conteúdo jornalístico é gordofóbico, a própria estrutura das redações também é, e especialmente mulheres, a despeito da competência, vivem sob a ameaça muitas vezes concretizada de perderem seus cargos caso ganhem peso. Assim relatam Micheli Diniz e Michelle Sampaio, jornalistas que afirmam terem sido demitidas da afiliada da Rede Globo em que trabalhavam após não voltarem ao peso que tinham antes de suas gestações. Apesar de a emissora negar as acusações, ex-colegas de trabalho das jornalistas admitiram informalmente que o relato tem procedência e que o controle do peso por questões estéticas é recorrente, especialmente entre as jornalistas mulheres (SCARDOELLI, 2019).

Assim, a gordofobia experimentada em sociedade, por vezes reproduzida e por outras provocada pela mídia, causa prejuízos também quando a informação jornalística se faz crucial para a sobrevivência. É o caso da cobertura da pandemia da Covid-19: quando pouco se sabia sobre a doença e seus métodos de prevenção, foi com o noticiário que as pessoas puderam encontrar informações que elas julgavam confiáveis sobre o assunto (BUCCI, 2020). No entanto, os estereótipos gordofóbicos se fizeram presentes em todo o processo dessa cobertura, conforme apresentado na sequência.

A ideia de que o período de quarentena levaria à obesidade, uma vez que um dos estereótipos da pessoa gorda é aquele em que ela fica em casa, deitada vendo televisão e comendo o dia todo, ganhou força (BALBINO, 2020), e o jornalismo se ocupou em oferecer dicas de emagrecimento focadas em alimentação e rotinas de exercício em casa, como em “10 dicas para não engordar na quarentena”, do Portal de Saúde VivaBem (GRANCHI, 2020); em “Confira cinco dicas para emagrecer na quarentena”, da editoria de Saúde do Jornal Correio da Bahia (2020); ou em reportagem do G1 com o título: “Home office nos tempos de coronavírus: improviso, tentação de comer toda hora, postura ruim... como melhorar o ambiente e os hábitos” (FONSECA, 2020).

Depois foi o momento de recorrer ao estereótipo do corpo gordo adoecido e apresentá-lo entre os que estão no grupo de risco de morte pela Covid-19. Enquanto cardiopatias e diabetes representam juntas mais de 50% das comorbidades elencadas pelo Ministério da Saúde em relação à Covid no Brasil, seguidas por pneumopatias, doenças neurológicas e doenças renais (DANTAS, 2020; NUNES, 2020; VALENTE, 2020), bem como a idade avançada se mostra um fator de relevância nessa área, a produção jornalística usa a obesidade como gancho para falar sobre o assunto como em “Covid-19: obesidade é pior para mais jovens do que para idosos”, do Jornal Metrópoles (NUNES, 2020), ou em “Sobrepeso e obesidade: grupo de risco para COVID-19”, do Jornal Estado de Minas (MONTEIRO, 2020).

Uma das mais significativas reportagens veiculadas sobre o assunto, no entanto, foi ao ar na edição de 17 de maio de 2020 do Fantástico, da Globo. O título “Coronavírus: Drauzio Varella explica por que a mortalidade entre obesos é mais alta” (FANTÁSTICO, 2020) não se sustenta na narrativa, que mostra, na sequência: o caso de uma pessoa em torno de 50 anos que teve Covid-19, classificada como obesa a partir de seu IMC; a fórmula do IMC e como calcular seu próprio índice em uma “calculadora” disponível no site do Fantástico; a classificação do IMC em seus seis diferentes graus, com foco na obesidade; sobre a imagem de uma pessoa subindo na balança e tendo uma fita métrica envolvendo sua barriga, há texto que acompanha a narração indicando o nome das doenças relacionadas à obesidade: pressão alta, diabetes e doenças cardiovasculares; dados estatísticos da população brasileira considerada acima do que chama de “peso ideal” a partir de dados do IMC; sem apresentar dados estatísticos, fala que, nos Estados Unidos, a obesidade é o segundo principal fator de risco; a falta de procedimentos médicos adequados para atender corpos gordos; o caso de mais uma pessoa que teve Covid-19 com IMC acima de 30, filho do primeiro personagem; ambos recuperados; nos 6 minutos de reportagem, acompanhando a narração, e com trilha sonora dramática, a frase: “Obesidade é um fator de risco para a Covid. Cuide-se!”; a reportagem termina com dicas sobre alimentação e exercícios físicos dentro de casa.

A reportagem é marcada por um tom dramático em sua trilha sonora e na narração de Drauzio Varella. Outro elemento presente são as imagens dos personagens em superclose (feitas muito de perto) e em contra plongée (de baixo para cima); enquadramentos conhecidos por fazer as pessoas parecerem maiores do que são, além de adicionar drama à narrativa (XAVIER, 2008). Outro elemento importante é o recurso gráfico utilizado para reforçar pontos do texto, em especial o cálculo do IMC e a frase “Obesidade é fator de risco”. Chama a atenção, no entanto, a menção à falta de atendimento especializado a corpos gordos, que é tratada como de responsabilidade da pessoa gorda, e não do sistema de saúde que não está preparado para atender esses corpos. Além disso, reforça essa responsabilidade individual ao recomendar alimentação saudável, sem explicar exatamente do que se trata, e exercício físico, sem se aprofundar no assunto.

Não bastasse, a visão patologizada do corpo gordo voltou a aparecer em um terceiro momento quando as atenções se voltam para as possibilidades de uma vacina. Com uma disputa entre os principais laboratórios do mundo para a criação de um método eficaz de imunização, a matéria: “Obesidade pode prejudicar eficácia de vacina contra o novo coronavírus”, publicada em 5 de junho de 2020 no VivaBem, ilustrada por uma imagem de arquivo de um homem gordo, de feição triste, sentado na cama em um ambiente escuro, traz, assim como a reportagem do Fantástico, hipóteses de estudos em andamento sobre a vacina que, em muitos casos, ainda vem sendo testada, acerca de uma resposta imune mais lenta em corpos com IMC acima de 40 (VIVABEM, 2020).

Assim, a partir da compreensão de uma relação simbiótica entre sociedade e mídia (CABRAL, 2002) na retroação social, o que se vê é o ideal da magreza perseguido a todo custo, inclusive de morte: apesar das dietas serem a principal causa dos transtornos alimentares e distúrbios como o transtorno dismórfico corporal (SANCHES, 2018), estima-se que mais da metade das brasileiras deseja uma silhueta menor (LAUS, 2012). São elas as principais vítimas da anorexia alcoólica e de algo que na internet se encontra facilmente como “dieta da coca” e “dieta do crack”, em que há o uso deliberado dessas drogas para emagrecer (ARRUDA, 2019). A dependência química motivada pela gordofobia vem também de medicamentos receitados, que derivam da anfetamina, cujos efeitos colaterais, como sonolência, taquicardia, diarreia e enjoo são comuns, assim como o caso da jovem de 23 anos que, em 2016, morreu ao saltar da janela de seu apartamento após um surto alucinógeno causado pelo consumo desses medicamentos (MESTRE, 2016).

Nesse sentido, o discurso de preocupação com a saúde não se sustenta no contexto de guerra, combate contra a obesidade, que se propaga tanto no seio social quanto na medicina ocidental contemporânea; contextos que são reforçados e estimulados pelos meios hegemônicos de comunicação. Conforme é possível observar a partir dos exemplos apresentados ao longo do texto, pessoas gordas estão morrendo; mulheres gordas estão morrendo; não pelas doenças que se associam aos seus corpos, mas sim pelo preconceito que negligencia essas corporalidades, colocando-as em situação de vulnerabilidade social, política e econômica.

 

5 Conclusão

 

O corpo gordo é patologizado, considerado sempre doente, passível de morte e em risco permanente. A sociedade ocidental contemporânea impõe padrões de normalidade do corpo que são, em sua essência, excludentes, misóginos e racistas, produzindo estereótipos a respeito de corpos gordos que têm como principal função deslegitimar, patologizar e desmoralizar. As tecnologias que estabelecem normas e modelos de corpo, de gênero, de sexualidade e de comportamento como ideais para uma convivência harmoniosa e feliz para todas e todos são as mesmas práticas e discursos que “também produzem hierarquias, discursos e práticas discriminatórias que agem em nossos corpos e condicionam nossas emoções gerando desidentificação e sofrimento para muitos de nós” (ARRUDA, 2019, p. 17).

Instaurada no século XX, a mídia ocupa um lugar peculiar na vida das pessoas, tornando-se logo como um “privilegiado locus de ‘verdades’”, distribuidora de “ensinamentos sobre o corpo, sobre o que é certo e errado em relação a ele e o que devemos fazer para ter saúde e vivermos ‘melhor’” (ZORDAN, 2003, p. 273). Com a banalização do vocabulário médico, particularmente a partir da década de 1960, o discurso midiático e o biomédico passam a conviver em uma íntima relação de reciprocidade tendo em vista que esse universo tem sido palco para a publicidade de procedimentos biomédicos diversos, assim como tem um papel fundamental na circulação de representações sociais do corpo, particularmente do feminino, estando o corpo gordo feminino estereotipado em suas representações (ARRUDA, 2019).

Assim, as mulheres se veem mais afetadas pela violência da gordofobia, é dentro dessa constatação que nasce o feminismo gordo enaltecendo vozes esquecidas e invisibilizadas que se opõem à lógica heteronormativa de que apenas um corpo é possível, “que impõe um regime político tecnológico da reprodução de corpos. Em oposição, subvertemos esse raciocínio e recriamos novas propostas de saberes, registros, e outras maneiras de ser e estar no mundo, reivindicando a descolonização de nossos corpos, desejos e saberes” (JIMENEZ-JIMENEZ, 2020c, onlilne).

A associação entre corpo gordo e doença não só é arbitrária como reforça e naturaliza ainda mais a gordofobia como um traço da cultura ocidental contemporânea, impulsionando a permanência e atualização desse tipo de preconceito. A obesidade como uma doença seria, nesse sentido, a história única das pessoas gordas. De acordo com Adichie (2019), ao falarmos sobre a história única de alguém ou de um grupo de pessoas, estamos falando sobre poder, o poder de falar sobre si e sobre os outros, tendo em vista que, poder “é a habilidade não apenas de contar a história de outra pessoa, mas de fazer que ela seja sua história definitiva” (ADICHIE, 2019, p. 23). Um dos objetivos reivindicados pelo feminismo gordo, nesse sentido, é o rompimento com essa história única sobre o corpo gordo, por meio da retomada do poder de fala das pessoas gordas sobre suas narrativas, corpos e experiências.

Como resultado dessa articulação, a despeito de tanta violência, alguns resultados positivos começam a ser observados no combate à gordofobia. Alguns vêm em forma de iniciativa individual, como os mutirões realizados pelo projeto Saúde sem Gordofobia, de Laís Sellmer e Gabriela Menezes, para que pessoas gordas tivessem acesso ao laudo médico que garantisse o direto à vacina contra Covid-19 no auge da pandemia, o que em vários municípios do Brasil estava sendo negado e/ou dificultado (BALBINO, 2021). Outras já aparecem de maneira institucionalizada, com projetos de lei de combate à gordofobia, em estados como Santa Catarina, Roraima, Rio Grande do Sul, Pará, Rondônia, Tocantins, Pernambuco e Bahia (GORDANALEI, 2022). Academicamente, a pesquisa gorda também vem se estabelecendo, com uma crescente em publicações, o que pode ser observado nas próprias referências deste trabalho como também em espaços de discussão em importantes congressos das mais diversas áreas. Destaca-se o V Seminário Internacional Desfazendo Gênero, que na sua edição de 2021 contou com uma sessão temática sobre gordofobia. Faz-se a observação, no entanto, da predominância justamente das mulheres, em especial em contextos periféricos e dissidentes, encabeçando ou promovendo essas iniciativas. Assim, o que fica para reflexão futura, é justamente como expandir barreiras e furar bolhas no combate ao preconceito.

 

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Recebido em: 19/01/2022.

Aceito em: 03/05/2022.

 

https://doi.org/10.46906/caos.n28.61954.p38-64

 

 



* Doutora em Estudos de Cultura Contemporânea pela Universidade Federal do Mato Grosso/Brasil. E-mail: malujjimenez@gmail.com.

** Doutora em Comunicação pela Universidade Paulista/Brasil. E-mail: agnesarruda@gmail.com.

*** Doutora em Sociologia pela Universidade Federal do Ceará/Brasil. E-mail: marcelle.silva.cs@gmail.com.

[1] Cuirs é uma tradução livre de Queers, que se refere à teoria queer pensada/localizada no Sul do mundo: América Latina — Abya Yala — como objeto de pensamento de uma multidão de corpos anormais que se diferenciam de uma normalidade sistêmica. Sugerimos a leitura do livro organizado por Fernando R. Lanuza e Raúl M. Carrasco Queer & cuir: políticas de lo irreal (LANUZA; CARRASCO, 2015).

[2] Sudakas trata-se de uma expressão xenófoba para definir, de forma depreciativa, os sul-americanos, usada na lógica cuir como ressignificação política de seu significado original, poder subversivo do termo. Sobre o assunto consultar Butler (2004).

[3] A Associação Brasileira para o Estudo da Obesidade e Síndrome Metabólica (2022) divulga os dados em seu Mapa da Obesidade. O IMC acima de 25 está presente em 53,9% das mulheres brasileiras e, acima de 30, em 20,7%. De acordo com o relatório, o índice diminui conforme o nível de escolaridade. Assim, ao cruzar com dados da escolaridade da população brasileira, conforme dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (2022), sabe-se que o analfabetismo se concentra na população preta e parda das regiões Norte e Nordeste, tendo-se, então, o perfil de quem sofre mais com a segregação ao serem patologizados os corpos gordos.

 

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Desenho de um círculo

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