EDITORIAL

https://doi.org/10.46906/caos.n28.63228.p6-11

 

V

em a público o número 28 da Caos. Traz o dossiê FAT STUDIES, composto por cinco peças, organizado e escrito por mulheres (acadêmicas e ativistas) gordas. Além do dossiê, integram o corpus deste número  três artigos livres, um artigo na seção ofício de cientista social, dois artigos em homenagem ao professor Mauro Koury, uma resenha e a tradução de um texto de Harriet Martineau. Com esta publicação, completamos a trilogia de vozes silenciadas, emanadas de grupos estigmatizados, “subalternizados”. Vozes negras (número 26), vozes albinas (número 27), e, por último, fechando a trilogia, as vozes gordas (número 28). Essa linha editorial será interrompida pelo número 29, mas pretendemos retomá-la em números subsequentes.

O dossiê foi organizado por Nicole Pontes, Simone Brito e Luciana Pionório. Nicole Pontes é professora da Universidade Federal Rural de Pernambuco, Unidade Acadêmica de Serra Talhada. Graduada em ciências sociais, com mestrado e doutorado em sociologia. Seu interesse de estudo e pesquisas se volta para gênero, políticas públicas, teoria sociológica, metodologias qualitativas e corpo gordo feminino. Simone Brito é professora do Departamento de Ciências Sociais e da Pós-Graduação em Sociologia da Universidade Federal da Paraíba. Possui graduação em ciências sociais, mestrado e doutorado em sociologia. Seu interesse de estudo e pesquisa se orienta para teoria crítica e sociologia da moral. Luciana Pionório é doutoranda em sociologia, desenvolvendo pesquisa sobre corpos fora dos padrões estéticos hegemônicos. Possui graduação em ciências sociais e mestrado em sociologia. Orienta seus estudos e pesquisas para as áreas de sociabilidades nas redes sociais da internet, body positive, entre outros.

O dossiê reúne três artigos e uma entrevista, além do texto de apresentação. Inicialmente deveria se chamar “Corpos gordos femininos”, que em seguida foi modificado para “Gordas”. Finalmente adquiriu o título definitivo “Fat Studies”. Essas mudanças de nomes ocorreram em decorrência de mudanças na composição das partes do dossiê, pois alguns artigos que estavam previstos não foram apresentados pelas proponentes. Para que as organizadoras chegassem ao título definitivo, pesaram o artigo e a entrevista de Cat Pausé, uma das mais importantes sistematizadoras e divulgadora dos chamados Fat Studies (estudos da gordura). Além disso, como os textos das autoras mais alinhadas com o pensamento crítico decolonial não foram enviados, permaneceram os textos mais alinhados à proposta dos estudos da gordura.

O dossiê resultou de convite do editor feito às organizadoras. Estabeleceu-se prazo para que os manuscritos fossem submetidos. A política da seção dos dossiês se respalda na avaliação por pares, portanto, no fluxo editorial, primeiramente os manuscritos foram submetidos à verificação de similaridade por meio do aplicativo Plagius, seguindo para o desk review; uma vez aprovados nessas etapas, seguiram para a avaliação de dois pareceristas externos (sistema peer review e double blind). Daí se iniciou o diálogo entre avaliador/a e autor/a, mediado pela equipe editorial. Resolvidas as demandas, os manuscritos seguiram para revisão de português e normas da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT) e, finalmente, para validação das autoras. Do dossiê, apenas a entrevista e o texto de apresentação não passaram por avaliação externa, conforme política das duas seções. Dos artigos submetidos (quatro no total), um foi rejeitado na fase de avaliação externa, pois a autora optou por não realizar as modificações sugeridas pelos pareceristas.

Um fato marca, de forma repentina e triste, a história deste dossiê. Enquanto processávamos a sua publicação, recebemos a impactante notícia do falecimento da mundialmente conhecida Dra. Cat Pausé, ilustre colaboradora do dossiê, ao qual havia oferecido um artigo —  BATUKA: INTRODUÇÃO AOS FAT STUDIESe uma entrevista —  FAT STUDIES: ENTREVISTA COM CAT PAUSÉ. A entrevista, realizada pela professora Nicole Pontes, aconteceu em janeiro deste ano, sendo que pouco mais de um mês soubemos do falecimento da entrevistada, ocorrido no dia 25 de março. Talvez, esta tenha sido a última entrevista dada por ela a uma revista acadêmica. Sentimo-nos na obrigação de dedicar este número 28, que vocaliza vozes gordas, à sua memória: pesquisadora e professora vinculada à Massey University (Nova Zelândia), ativista, mulher, feminista, gorda maior e arauto dos Fat Studies. Sua voz, neste dossiê como em todos os seus outros trabalhos, “clama por uma nova ética da gordura, que desmascare o papel que a ciência tem desempenhado na opressão das pessoas gordas”.[1]

         Na seção ofício de cientista social, Aina Guimarães Azevedo — professora do Departamento de Ciências Sociais da UFPB e colaboradora permanente da Revista Caos —, Joery P. de Oliviera e Mariana Novais — alunas do Curso de Ciências Sociais da UFPB — assinam o texto: TRAJETÓRIAS ESCOLARES DE ESTUDANTES DA LICENCIATURA EM CIÊNCIAS SOCIAIS DA UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA (UFPB). Nele, as autoras apresentam relatos de estudantes do Curso de Ciências Sociais, com o intuito de delinear trajetórias a partir de temas geradores sobre racismo, questões de gênero e a importância de políticas públicas educacionais de apoio a essas trajetórias no espaço universitário. Com isso, elas pretendem destacar o que acontece com esses/essas estudantes, a fim de identificar possíveis potenciais que não estão recebendo a devida atenção por parte dos/das docentes e demais quadros institucionais da UFPB. A finalidade do artigo — para se adequar à política da seção na qual se insere —, antes de apresentar análises aprofundadas, é fazer uma descrição mais próxima possível das narrativas dos/as discentes.  A submissão foi feita a convite do editor, portanto não foi avaliada por dois pareceristas externos, passando pela verificação de similaridade e demais etapas do processo editorial como descrito anteriormente.

Os textos para a seção especial em homenagem ao professor Mauro Koury — falecido no ano passado — também partiram de convite feito aos autores pelo editor. Inicialmente, o convite foi dirigido àqueles/as que conviveram com o homenageado de modo mais próximo; cinco foram convidados/as, mas apenas dois nos enviaram os textos no prazo estabelecido. O primeiro deles — FRAGMENTOS DE UMA TRAJETÓRIA — é de autoria do professor Jacob Carlos Lima, professor titular do Departamento de Sociologia da UFSCar, referência nacional na área da sociologia do trabalho, que relata no artigo os momentos de convivência que teve com o professor Mauro Koury; em um primeiro momento, no Departamento de Ciências Socais da UFPB e, em um segundo momento, em São Carlos, onde o homenageado concluiu seu doutorado. Além disso, o autor nos brinda, a partir da memória, com informações sobre a história das ciências sociais da UFPB, da qual os dois foram protagonistas. O segundo texto — SOBRE LUTO E DOR, EMOÇÕES E PANDEMIA: ENCONTROS COM O PENSAMENTO DE MAURO KOURY — é da professora Ednalva Maciel, titular do Departamento de Ciências Sociais da UFPB. Nele, relata os encontros que teve com o professor Mauro Koury a partir de suas obras, uma vez que o interesse de pesquisa de ambos se voltavam para os mesmos temas. A autora também registra momentos de convivência com o homenageado, especialmente vividos no  Programa de Pós-Graduação em Antropologia da UFPB, no qual compartilhavam tarefas da vida acadêmica. O texto, além de narrar tais episódios, preocupa-se também em comentar algumas das obras do professor Mauro Koury, assumindo, em alguns trechos, uma feição de resenha descritiva. Esta seção, assim como a precedente, captou os manuscritos por meio de convites, portanto o material não foi submetido à avaliação de pareceristas externos, ela ficou a cargo dos editores, empregando-se as etapas já descritas (verificação de similaridade, desk review, revisão de português e normas da ABNT e validação dos autores).

Na seção de artigos livres, vigora a política da avaliação por pares. O processo é idêntico ao que foi descrito para os artigos do dossiê, o que nos poupa de o descrever novamente. Cotados para este número estavam quatro manuscritos. Um deles foi rejeitado na etapa de avaliação externa, pois o autor optou por não responder às solicitações dos pareceristas.

O primeiro artigo — UMBANDA INTERIORANA: RELATO EM UM TERREIRO DE VILHENA (RO), escrito por Heron Cristiano Mairink Volpi, aluno de mestrado em antropologia da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT), apresenta resultados de etnografia feita em terreiros de umbanda em uma cidade do interior do estado de Rondônia. É fruto de uma pesquisa exploratória, na qual o autor se aproxima dos cultos realizados nos terreiros. Seu olhar se volta para cenários, gestos, atos, rituais e configurações de parentesco. Suas conclusões, entre outras direções, apontam para o caráter familiar que os cultos da umbanda assumem no campo estudado.

“TÁ VENDO O QUE EU TÔ FALANDO?” REFLEXÕES SOBRE A ESCUTA ATIVA E AS PERFORMANCES DA VOZ NO CONTEXTO EDUCACIONAL DURANTE A PANDEMIA DA COVID-19  — é o segundo artigo. Escrito por Melissa Contreiras, aluna do Curso de Licenciatura em Ciências Sociais da Universidade de Brasília (UnB). A autora se debruça sobre experiências (suas próprias como auxiliar da professora, experiências da professora e das alunas) em sala de aula remota durante o período de pandemia. Sua reflexão, inspirada pela antropologia, volta-se para a importância de determinados recursos de aprendizagem, destacando como o contexto da pandemia problematizou questões voltadas para o corpo, os sentidos. Insiste que a visão tem sido o sentido privilegiado em sala de aula, permanecendo o sentido da audição em segundo plano. Diante disso, valendo-se de relatos de alunas das disciplinas nas quais atuou, a autora põe em evidência a importância do podcast como recurso didático importante durante a época de isolamento social, em que se aderiu forçosamente às modalidades de ensino remoto. Ele se mostra como recurso didático que realiza um duplo movimento: (i) possibilita o processo de ensino-aprendizagem de conteúdos mais efetivos por meio da performance da voz e da escuta; e (ii) possibilita o aprendizado no ato de escutar, a partir da ação de ensinar ativamente pelo corpo.

O terceiro artigo — PANDEMIA DA COVID-19 E USO DAS TICs: AS DIFICULDADES NO ACESSO AO AUXÍLIO EMERGENCIAL —, escrito pelo mestre em sociologia pela UFPB, Felipe Franklin Anacleto da Costa, em coautoria com Maelson dos Reis Dutra, aluno do Curso de Serviço Social da UFPB, analisa alguns problemas relacionados à concessão do Auxílio Emergencial (política de assistência do Governo Federal brasileiro) durante a pandemia de Covid-19 e os mecanismos de sua obtenção por uma população alvo, majoritariamente pauperizada e com limites de acesso e de uso das novas tecnologias de informação e comunicação (TICs). Os autores revisam a literatura concernente ao tema, e suas conclusões apontam para aproximação otimizada entre as políticas neoliberais dos governos brasileiros e a precarização dos serviços públicos e sociais, situação que se agravou significativamente em decorrência da pandemia de Covid-19. Sobre este artigo, é importante acrescentar algo a mais. Ele originalmente foi submetido à outra revista ligada à UFPB; por lá passou pelo processo de avaliação, porém, por questões internas, a revista paralisou suas atividades, ficando o manuscrito estancado. Os autores, em acordo com os editores da outra revista, fizeram a submissão à Caos já em tempo bastante avançado para ser publicado no número 28. Porém, como o artigo já havia sido avaliado por pares no processo editorial da outra revista, concordamos em inseri-lo neste número. Mesmo assim, ainda houve tempo para, além de passar pela verificação de similaridade e o desk review, ser submetido à avaliação de um parecerista externo. Com a aprovação do parecerista, seguiram-se as outras etapas do processo editorial.

A seção de resenhas livres traz a resenha — TRADIÇÕES JOGADAS  —  de Gabriel Farias Pereira, aluno do Curso de Ciências Sociais da UFPB, sobre o livro Jogo de discursos: a disputa por hegemonia na tradição da capoeira angola baiana, de autoria de Paulo Andrade Magalhães Filho, publicado em 2012 pela editora da Universidade Federal da Bahia. A seção de resenhas livres, a exemplo dos artigos, pede que o manuscrito seja submetido à avaliação por pares, então todo o resto do processo repetiu o que já foi descrito para as seções que pedem a avaliação por pares. Para apresentar a resenha, aproveitamos este trecho de um dos pareceres:

 

[O autor da resenha] valoriza o livro, que revela um universo muito particular envolvendo disputas de práticas, sentidos e políticas de um saber-fazer complexo, denso e muito estimulante. Por outro lado, sua leitura apaixonante não evita críticas nem a explicitação dos limites da argumentação do autor – assim como das dificuldades que ele enfrenta para precisar um dos conceitos mais profundos e problemáticos das ciências  sociais (por isso mesmo tantas vezes evitado): a tradição. As reflexões apontadas neste livro e na sua resenha são de grande interesse e profundidade, e creio que poderão ser úteis a todos quantos se interessem por esse debate, travado em diversos campos e sobre diversos temas. A resenha também mostra como o caminho e o sentido da pesquisa foram conduzidos de modo dialógico e sensível: autor, problema e "revelações" do campo, tanto na observação direta quanto na pesquisa histórica. (informação verbal).[2]

 

Fechando o número, trazemos a tradução de um texto de Harriet Martineau, autora já traduzida em outro número da Caos (n. 24). A professora da Universidade Federal de Juiz de Fora, campus Governador Valadares, Fernanda Henrique Cupertino Alcântara, Dra. em sociologia pelo IUPERJ e especialista na obra de Harriet Martineau, traduz o PREFACE TO THE POSITIVE PHILOSOPHY OF AUGUSTE COMTE. O propósito da tradução, como diz a professora Fernanda Alcântara, em nota de rodapé do texto aqui traduzido, é “trazer aos leitores o contato com o prefácio desta obra [para ajudar a] esclarecer algumas confusões a respeito e mostrar o papel ativo de Martineau [...] na divulgação tardia da obra de Comte e sem, entretanto, figurar como uma seguidora deste ou uma positivista.” A política de seção da tradução não exige a avaliação de pareceristas externos, logo a submissão passou pela verificação de similaridade, desk review e avaliação de um parecerista técnico (cientista social versado na língua original do texto traduzido), seguindo, finalmente,  para a validação da tradutora.

Por último, queremos agradecer a todas/os que deram tempo, matéria e energia para compor este número: às organizadoras do dossiê, às dez autoras, aos quatro autores, às doze avaliadoras e aos cinco avaliadores. Como nos outros números, destacamos a ação de bastidores da professora Aina Guimarães (responsável pela capa), do professor Terry Mulhall (revisor de inglês), de Jonas de Sene Pinto (artista e designer gráfico responsável pela produção da capa) e de Victória Lombardi (suporte técnico), a quem vão duplicados os agradecimentos.

 

 Boa leitura.

         Os editores.

 

https://doi.org/10.46906/caos.n28.63228.p6-11

 



[1] CAT PAUSÉ PhD. About Cat. Research interests. Site Friends of Marilyn. Disponível em: https://www.friendofmarilyn.com/about. Acesso em: 26 maio 2022, tradução nossa.

[2] Trecho do parecer emitido em 10 de setembro de 2021. Parecerista anônima, professora titular de uma IFES, antropóloga.

 

_____________________

Desenho de um círculo

Descrição gerada automaticamente com confiança médiaÉ permitido compartilhar (copiar e redistribuir em qualquer suporte ou formato) e adaptar (remixar, transformar e “criar a partir de”) este material, desde que observados os termos da Licença  CC BY-NC 4.0.