REVISITANDO O TALHADO: ensaio visual
REVISITING THE TALHADO: visual essay
DOI: https://doi.org/10.46906/caos.n29.63730.p180-188
Resumo
Palavras-chave: comunidade quilombola; reconhecimento; políticas públicas; ensaio visual.
Abstract
This essay presents in photographs the transformations that occurred in the rural and urban quilombola community of Talhado in the city of Santa Luzia - Paraíba, during the period between a master's research presented at UFPB - Federal University of Paraíba, in 1998 and the return of the researcher during the post-doctoral internship, in 2022. The ethnographic record portrays the daily life of the community, its customs, experiences and the changes brought by public policies from the recognition of the quilombo, such as: the organization of the population in associations in rural areas and urban and its new leaderships; the construction of the church and square; the implementation of wind turbines and the construction of a building for the women to make ceramics and a quilombola school.
Keywords: quilombola community; recognition; public policy; visual essay.
Introdução
Este ensaio fotográfico refere-se à comunidade quilombola do Talhado, localizada no município de Santa Luzia, sertão do estado da Paraíba, a 26 km de distância do centro da cidade, mais precisamente na Serra do Talhado. Segundo dados da Fundação Cultural Palmares (FCP), até o ano de 2021, a Paraíba tinha 45 comunidades quilombolas certificadas, distribuídas por todo o território do estado, do litoral ao sertão. A região do Vale do Sabugi, que compreende parte do sertão paraibano, é formada pelos municípios de Santa Luzia, São Mamede, Junco do Seridó, São José e Várzea, e conta com uma população em torno de 36.805 habitantes, sendo muitos deles pertencentes aos quilombos reconhecidos pela FCP, e que guardam em si, ricas tradições construídas ao longo de sua história. Em 2004, o reconhecimento do Talhado como quilombo rural foi oficializado pela FCP, e em 2005, o quilombo urbano situado no bairro São José foi reconhecido. Atualmente, existe a luta pelo reconhecimento do bairro Monte São Sebastião, ocupado por outras famílias vindas do Talhado na mesma época.
Meu contato com a comunidade do Talhado iniciou-se na infância, quando era morador da cidade de Santa Luzia, e depois aprofundou-se entre 1996 e 1998, quando realizei uma pesquisa de mestrado (SANTOS, 1998) em Sociologia na UFPB, no campus de Campina Grande, atual UFCG. Durante a pesquisa, entrevistei importantes lideranças da comunidade na época, como o Sr. Sebastião, Dona Rita e Maria do Céu, e acompanhei o movimento de migração para a área urbana de Santa Luzia, registrando depoimentos de moradores sobre o possível abandono da área rural do Talhado por causa das difíceis condições de vida no lugar.
Atualmente, retorno à comunidade por meio de pesquisa de pós-doutorado, que visa analisar o impacto das mudanças na comunidade quilombola do Talhado a partir do reconhecimento e o acesso às políticas públicas. Ao revisitar o quilombo rural em 2022, surpreendentemente constatei algo bem diferente. No trajeto para a comunidade, agora por estrada asfaltada, encontrei uma placa indicando a localização do quilombo do Talhado, e observei que foram construídos uma praça com uma capela e poços de água para o abastecimento, que amenizaram a falta de água nos períodos de seca. Os novos equipamentos públicos indicam mudanças que trouxeram ganhos à comunidade. Muitas dessas mudanças estão sendo realizadas com a ajuda da empresa de energia eólica que se instalou ao redor da comunidade do Talhado como forma de aproximação e conquista dos moradores, atendendo demandas dos quilombolas. Entretanto é importante salientar que a implantação dos aerogeradores tem trazido impactos na comunidade, como o barulho, falta de água e outros; portanto, parte dessa "ajuda" compõe ações mitigadoras que nunca são suficientes. Por outro lado, as mudanças também ocorreram no Talhado urbano, como a participação das louceiras em feiras e exposições dentro e fora do estado da Paraíba, para a venda da cerâmica produzida no galpão. E ainda, a conquista de mais um equipamento público, a escola quilombola no bairro São José.
Nas entrevistas com a comunidade, percebi também que a noção de identidade quilombola, rejeitada na época do mestrado, agora faz parte dos discursos dos interlocutores, sendo identificada como positiva, e de forma consciente. Os moradores da zona rural demonstram resistência, participando da associação de moradores com mais interesse em reuniões regulares, nas quais são tomadas decisões coletivas.
Uma das atividades tradicionais do Quilombo do Talhado é a produção da cerâmica utilitária e decorativa, que deixou de ser produzida pelas moradoras na zona rural para se realizar em um galpão doado pela prefeitura na cidade de Santa Luzia, no qual as mulheres trabalham diariamente em sua produção e venda.
É importante dizer que existem duas associações na comunidade hoje: a Associação Comunitária Rural Quilombola Serra do Talhado, na área rural, e a Associação Comunitária das Louceiras Negras da Serra do Talhado, na parte urbana do quilombo. Essa organização social indica que a consciência identitária do povo quilombola tem ganhado corpo entre os talhadinhos, uma vez que que se organizaram nas associações lutando por seus direitos. Nesse sentido, constatamos que, apesar da divisão territorial entre quilombo rural e urbano, a identidade de povo do Talhado tem sido compreendida por seus membros como pertencendo a uma única comunidade. Como eles mesmos dizem: “Nós somos um povo só”.
A sequência de fotos abaixo inclui fotografias do autor captadas em campo em 1997 e em 2022, e pretende retratar tanto o quilombo rural como o urbano, em processo de transformação ao longo de duas décadas.
QUILOMBO RURAL
Foto 1 – Paisagem vista do alto da Serra do Talhado |
Foto 2 – Casas de tijolos no Talhado rural do Sr. Sebastião, liderança da comunidade na década de 1990 |
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Fonte: arquivo do autor, 1997. |
Fonte: arquivo do autor, 1997. |
Foto 3 – Festa com a presença dos sanfoneiros e de Maria do Céu (líder comunitária que foi assassinada por feminicídio em 2013) |
Foto 4 – Praça e igreja de São José |
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Fonte: arquivo do autor, 1997. |
Fonte: arquivo do autor, 30 de abril de 2022. |
Foto 5 – Interior da casa de D. Joana, onde avistamos fotos dos parentes antepassados |
Foto 6 – Aerogeradores de energia no entorno do Talhado rural |
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Fonte: arquivo do autor, 30 de abril de 2022. |
Fonte: arquivo do autor, 30 de abril de 2022. |
QUILOMBO URBANO
Foto 7 – Rita Preta (primeira líder do quilombo urbano) no trabalho de confecção da cerâmica |
Foto 8 – Louceiras trabalhando, e presença masculina no interior do galpão |
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Fonte: arquivo do autor, 1997. |
Fonte: arquivo do autor, 30 de abril de 2022. |
Foto 9 – Louceira trabalhando no interior do galpão |
Foto 10 – Escola Quilombola no quilombo urbano do bairro de São José |
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Fonte: arquivo do autor, 30 de abril de 2022. |
Fonte: arquivo do autor, 30 de abril de 2022. |
Referências
SANTOS, José Vandilo. Negros do Talhado: estudo sobre a identidade étnica de uma comunidade rural. 1998. Dissertação (Mestrado em Sociologia Rural) — Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais, Universidade Federal da Paraíba, Campina Grande, PB, 1998.
Recebido em: 17/07/2022.
Aceito em: 12/11/2022.
DOI: https://doi.org/10.46906/caos.n29.63730.p180-188
* Professor da Universidade Federal do Tocantins/Brasil. Doutor em História Social pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ)/Brasil. E-mail: jvandilo@uft.edu.br.
** Professora da Universidade Federal da Paraíba (UFPB)/Brasil. Doutora em Antropologia pela Universidade de Brasília (UnB)/Brasil. E-mail: amorimlaras@gmail.com.
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