EDITORIAL

                                            DOI: https://doi.org/10.46906/caos.n31.68788.p6-9

 

 

Caras leitoras, caros leitores.

 

A

presentamos mais um número da CAOS – Revista Eletrônica de Ciências Sociais, veículo da Coordenação do Curso de Ciências Sociais da Universidade Federal da Paraíba. Este número é composto por um dossiê — contendo sete textos —, oito artigos livres e uma entrevista. Neste último número do ano de 2023, reunimos artigos que tratam de diferentes temáticas: interseccionalidades, violência, feminicídio, sociologia do conhecimento, pensamento social, relatos de experiência na pesquisa sociológica/antropológica e direitos LGBTQIAPN+. Os artigos passaram por criterioso processo de curadoria, submetidos à avaliação dos pares e revisão editorial. Os 16 textos aqui apresentados aos nossos leitores trazem contribuições ao debate científico social, solidificados por pesquisas teóricas e empíricas, robustas em análises dos dados.

O contexto em que nasce esta edição, segundo semestre de 2023, ficou marcado por guerras, violências e lutas das mais diversas naturezas. Referimo-nos à contínua guerra fria no norte europeu e, no Oriente Médio, à guerra geopolítica e religiosa entre Israel e a Palestina e seus aliados. Quanto às violências e lutas diversas, referimo-nos aos altos índices de violências contra as mulheres, comunidade LGBTQIAPN+, população negra (pretos e pardos), população indígena, população albina (invisível aos olhos do Estado), entre outros grupos minoritários e, por último, referimo-nos às lutas constantes pela democracia, cidadania, meio ambiente, respeito, igualdade e equidade, hoje dinamizadas. Assim começa este editorial, de forma interseccional e dialogando com os marcadores sociais da diferença, problematizando as ações e as políticas de intolerância que acabam gerando opressões e atingindo os indivíduos de formas diferentes.

A Revista Caos, na edição anterior, trouxe as discussões sobre teoria crítica, mais especificamente, destacando os impactos do autoritarismo na contemporaneidade. Seguindo esse fluxo, nesta edição, n. 31, apresenta o dossiê Reflexões interseccionais e violências, organizado por Marcela Zamboni, Mariana Melo e Helma Oliveira. As professoras e pesquisadoras têm como proposta fazer o/a leitor/a pensar nas múltiplas formas de violências, sobretudo, as sociais e institucionais. Grande parte das pesquisas que originaram os artigos do dossiê é oriunda do Grupo de Relações Afetivas e Violência (GRAV), da Universidade Federal da Paraíba. O dossiê congrega temas relevantes, necessários e urgentes. A opressão opera de várias formas, sentidos e intensidades. Diríamos que o número 31 retoma a série de publicações da Caos sobre os marcadores sociais da diferença, que outrora vinha nessa perspectiva, mas que, por necessidade e oportunidades, cedeu espaço a outros debates. 

Apresentamos artigos que versam sobre reflexões que se entrecruzam e nos possibilitam pensar e levantar questões sobre os debates interseccionais que são marcados por violências e invisibilidade, além de outros debates pertinentes ao momento e à constituição atual das ciências sociais. Dessa forma, compondo o dossiê Reflexões interseccionais e violências, temos textos que abordam as violências contra mulheres, destacando-se os casos de feminicídios, como no estudo de Leonísia Moura, Emilly Tavares e Muana Moura: Olhares interseccionais sobre processos judiciais de feminicídio na Amazônia Acreana; e no relato de experiência de Helma Oliveira: Relatos de experiência de uma socióloga investigando crimes de feminicídio.

Acompanhamos também discussões sobre sistemas de justiça nos textos: Experiências de sujeição criminal de jovens egressos da fundação de atendimento socioeducativo de Pernambuco (FUNASE/PE): um olhar interseccional, de Elãine dos Santos Dias. Continuando nessa temática, destaca-se o artigo de Mariana Soares Pires Melo intitulado Ódio, crime de ódio e homicídio de pessoas LGBTQIA+ segundo operadores do sistema de justiça criminal na Paraíba. Quanto aos direitos das pessoas LGBTQIA+, o dossiê é engradecido com a entrevista que Antonella Bruna Machado Torres Galindo, professora trans da Universidade Federal de Pernambuco, concedeu a Fábio Alexandre Silva Bezerra: As diferenças socio-identitárias no estado democrático de direito: o papel de práticas antidiscriminatórias como estratégia interseccional de proteção dos direitos das comunidades LGBTQIA+ no Brasil.

A seção de artigos livres se inicia com o texto: O projeto político do capitalismo financeiro e a flexibilização do trabalho: contribuições de Luciano Gallino, de Letícia Negrão Chamma e Vinícius Azevedo. Nele, os autores procuram introduzir as ideias e as contribuições do sociólogo italiano Luciano Gallino (1927-2015), para a compreensão do finanzcapitalismo — capitalismo financeiro —, bem como o contexto de emergência, a caracterização e atuação nas últimas décadas dessa nova etapa do capitalismo globalizado.

O segundo artigo livre, Jean de Léry às avessas: antropofagia tupinambá e a produção de conhecimento contra-colonial, escrito por Rubens Arley de Almeida Júnior e Luís Antônio Francisco de Souza, realiza uma leitura crítica sobre a obra: Viagem à terra do Brasil, de Jean de Léry, problematizando e questionando as relações coloniais, sobretudo, em duas vertentes: a descrição objetificante da visão colonial e a representação (moderna e colonial) dos/das tupinambás. Os autores circulam entre a produção do conhecimento no século XVI, a forma antropofágica do pensamento científico e o giro decolonial.

O terceiro artigo: “Sua forma de fazer pesquisa é diferente”: um cientista social no hospital pesquisando morte, escrito por Weverson Bezerra Silva, descreve um pouco dos desafios encontrados pelo autor durante a pesquisa que resultou na sua dissertação de mestrado. Coloca em cena a sua trajetória enquanto pesquisador e o estranhamento dos outros ao verem um antropólogo usando crachá e camisa branca de botões, circulando pelos corredores e salas do hospital Napoleão Laureano, em João Pessoa, Paraíba. O autor também explora as dimensões éticas de sua pesquisa, especialmente no âmbito da saúde. Essa consideração se intensifica quando o enfoque se volta diretamente para o sofrimento humano, abordando temas sensíveis que demandam cuidado diferenciado. Ele tem como uma das propostas, (re)pensar o percurso metodológico do cientista social ao fazer etnografia hospitalar.

O quarto artigo, Narrativas na metodologia de pesquisa em sociologia, escrito por Elias Festa Paludo, propõe uma visão e reflexão epistemológica/metodológica sobre as pesquisas nas ciências sociais, a partir do emprego das narrativas, conceituando e amplificando o debate sobre as escolhas metodológicas e técnicas feitas pela/o pesquisadora/or. O autor nos leva a (re)pensar a investigação científica e a não neutralidade da percepção e interpretação das narrativas na construção do pensamento e conhecimento científico. 

O artigo seguinte, Ensaio sobre a revolução burguesa à luz do pensamento social, econômico e político brasileiro, de Marlon Kauã Silva Cardoso, Leonardo Figueiredo de Souza e Fernanda Lemos, é um estudo bibliográfico sobre a revolução burguesa ou as revoluções burguesas. Os autores têm como objetivo analisar a(s) revolução(ões) burguesa(s) à luz do pensamento sociológico, dividindo a reflexão em duas partes: primeiramente, avaliando o movimento ocorrido na Europa; em seguida, voltam-se para a realidade brasileira. Por ser um artigo de revisão de literatura, o seu apoio está nas obras de teóricos que se debruçaram sobre os estudos voltados para aspectos sociais, econômicos e políticos brasileiros nas décadas de 1950 e 1960.

O sexto artigo, O cotidiano na “fronteira entre a vida e a morte”: narrativas dos coveiros do Cemitério do Gavião em São Luís/MA, de Anderson Boás e Ariele DuCarmo Santos, apresenta um pouco do universo do Cemitério do Galvão, localizado na capital do estado do Maranhão, focando-se no fazer cotidiano dos coveiros e nas suas narrativas. Por meio da observação e de entrevistas com esses sujeitos, os autores os apresentam como agentes da construção simbólica de si, ou seja, “guardiões das memórias” frente ao estigma que cerca a profissão, tal como é concebido pelos próprios coveiros. A pesquisa nos convida, não só com palavras, mas também com imagens, a refletir sobre esses espaços (cemitérios) e sobre os profissionais que trabalham na fronteira entre a vida e a morte.

O sétimo artigo, Trabalho com a tatuagem: uma revisão integrativa, escrito por Fernanda Cavalheiro Ruffino Rauber, Fernanda de Aguiar Zanola e Mônica Carvalho Alves Cappelle, tem como proposta explorar o papel das mulheres tatuadoras no campo da tatuagem, onde a desigualdade de gênero é acentuada e as mulheres tatuadoras sofrem estigmatização, tanto por parte dos colegas tatuadores (homens) quanto por parte da clientela. As autoras ressaltam, ainda, que a literatura revisada sistematicamente indica que o campo investigado está passando por mudanças e transformações culturais. Essas mudanças têm o potencial de influenciar as experiências e representações das mulheres tatuadoras.

O oitavo artigo, A responsabilidade social nas instituições de ensino superior na perspectiva do modelo RSU URSULA: uma abordagem centrada na avaliação participativa, escrito por Ana Louise Melo e Rosineide Garcia, proporciona um debate sobre o papel das instituições de ensino superior no tocante ao desenvolvimento de estratégias que possam contribuir para e com a sociedade, tomando como exemplo a experiência da União de Responsabilidade Social Universitária Latino-americana (URSULA), modelo de referência para a avaliação participativa e cidadania.

Por fim, a edição 31 é enriquecida com a entrevista concedida pela professora Maristela Andrade a Geziane Oliveira. A entrevistada é professora titular aposentada do quadro da Universidade Federal da Paraíba, onde esteve lotada no Departamento de Ciências Sociais. Durante quase duas horas a professora falou sobre sua trajetória de vida, à qual se vincula a carreira docente e outras atividades acadêmicas. A entrevista intitulada: Mudando de rota no trajeto e seguindo caminhos nas fronteiras da antropologia: entrevista com Maristela Andrade, apresenta-se como uma honrosa homenagem à professora, antropóloga, autora de várias obras, pesquisadora e influenciadora de várias gerações de cientistas sociais. É também uma oportunidade para que os leitores conheçam ou reencontrem as contribuições que a entrevistada nos legou ao longo de sua atuação, cuja aposentadoria não a inviabilizou.

Após a apresentação do conteúdo no número 31, para finalizar este editorial, queremos expressar nossa gratidão a todos que contribuíram, tanto direta quanto indiretamente, para a elaboração deste volume: aos autores, às autoras, às avaliadoras e avaliadores (cujos nomes não serão explicitados para preservar o anonimato), assim como às editoras, aos editores e às assistentes editoriais. Queremos estender agradecimentos especiais a um colaborador incansável: o professor Terry Mulhall, responsável pela revisão do inglês.

Aos leitores, desejamos uma experiência agradável e enriquecedora durante a leitura.

 

          Os/as editores/as.

 

 

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Desenho de um círculo

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