O LÍRICO CRÍTICO ATRAVESSANDO O ENSINO DE SOCIOLOGIA: um relato de experiência da iniciação à docência

THE CRITICAL LYRIC TRAVERSING SOCIOLOGY TEACHING: an account of a teaching initiation experience

Bruna Cobelo *

Matheus Ferraz **

 

DOI: https://doi.org/10.46906/caos.n33.69997.p281-300

 

 

Resumo

Este estudo analisa a integração do lírico crítico para o ensino de sociologia no ensino médio através da iniciativa do Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência (PIBID). Buscamos compreender como utilizar poesias, poemas, cordéis e o slam por meio de uma análise crítica para o ensino sociológico e quais foram os seus resultados. O trabalho destaca o relato de experiências de estudantes de licenciatura das ciências sociais da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), no Colégio Júlio da Costa Neves, em Florianópolis/SC. Foram realizadas oito atividades-aulas ao longo do PIBID no ano letivo de 2023, dentre essas aulas-atividades foram incorporadas linguagens artísticas em cinco das oito aulas propostas. O estudo se concentrou em duas aulas, nas quais foram utilizados diversos gêneros poéticos. A investigação se dá por meio da observação participante, revisão bibliográfica, análise documental e questionário. Desse modo, argumenta-se que o lírico crítico presente nessas formas de expressão oferece uma interpretação crítica da realidade, enriquecendo o conteúdo e a imaginação sociológica. Portanto, o estudo visa analisar como os gêneros poéticos atravessaram os conteúdos sociológicos e seus efeitos sobre os alunos.

Palavras-chave: ensino de sociologia; imaginação sociológica; lírico crítico; relato de experiência.

 

Abstract

This study analyzes the integration of critical lyrics in the teaching of Sociology in High School through the initiative of the Institutional Program of Teaching Initiation Scholarships (PIBID). We seek to understand how to use poetry, poems, cordel literature, and slam through a critical analysis for sociological teaching and what their outcomes were. The work highlights the experiences of Social Sciences undergraduate students from the Federal University of Santa Catarina (UFSC) at the Júlio da Costa Neves School in Florianópolis/SC. Eight activities-classes were conducted throughout PIBID in the 2023 academic year, and artistic languages were incorporated in five of the eight proposed classes. The study focused on two classes where various poetic genres were used. The investigation was conducted through participant observation, literature review, document analysis, and questionnaire. Thus, it is argued that the critical lyrics present in these forms of expression offer a critical interpretation of reality, enriching the content and the sociological imagination. Therefore, the study aims to analyze how poetic genres traversed sociological content and their effects on students.

Keywords: sociology teaching; sociological imagination; critical lyric; experience report.

 

Introdução

 

A fim de relacionar as possibilidades artísticas no atravessamento do ensino sociológico no ensino médio, este trabalho pretende discorrer sobre a experiência empírica-teórica dentro do Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência (PIBID) oferecido pela Fundação Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoas de Nível Superior (CAPES) para estudantes de graduação, ocorrido de 2022 a 2024. No caso em questão, essas experiências se dão a partir da relação de estudantes do Curso de Licenciatura em Ciências Sociais da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) e dos estudantes do Colégio Júlio da Costa Neves, localizado em Florianópolis/SC.

Tendo em vista a problemática do distanciamento entre as instituições formadoras, as universidades e as escolares do ensino básico, para tratar dessa questão, o Ministério da Educação (MEC) estabeleceu o Decreto nº 6755/2009, que nos indica no artigo 10 que é incentivo da CAPES “[...] a formação de profissionais do magistério para atuar na educação básica, mediante fomento a programas de iniciação à docência e concessão de bolsas a estudantes matriculados em cursos de licenciatura de graduação plena nas instituições de educação superior” (Brasil, 2009). Para alcançar esse fim, é estabelecida dentro da estrutura da CAPES uma Diretoria de Educação Básica (DEB), que assume a responsabilidade de propor e implementar programas para fortalecer a capacitação de professores. Logo, o surgimento do PIBID acontece dentro desse contexto, apresentando-se como uma iniciativa para melhorar a formação inicial dos futuros docentes. Seus objetivos incluem: encorajar os jovens a entenderem a importância social da profissão docente; facilitar a conexão entre teoria e prática e a colaboração entre escolas e instituições de formação; e contribuir para melhorar a qualidade dentro dos cursos de licenciatura e o desempenho das escolas em avaliações nacionais, como o IDEB (Brasil, 2010).

É nesse contexto que estudantes de diversos cursos de graduação obtêm a oportunidade de se capacitar ainda mais como futuros profissionais da educação. Um tema central é a conexão entre o conhecimento teórico e o conhecimento prático adquirido por meio da experiência na sala de aula. A evolução dos estudos sobre formação pedagógica revela uma necessidade de “[...] valorização renovada do aspecto epistemológico da experiência” (Canário, 2001, p. 32). Canário também critica a abordagem dicotômica da relação entre teoria e prática que é predominante nos cursos de licenciatura, os quais tendem a seguir uma estrutura curricular “[...] na qual ocorre uma sobreposição hierárquica de conhecimentos científicos, seguidos de conhecimentos pedagógicos e, por fim, momentos de prática” (Canário, 2001, p. 32).

Ao abordar o papel das faculdades de educação na preparação dos futuros professores, Tardif (2002a, p. 270) levanta questionamentos sobre o modelo convencional de formação profissional universitária, notando que os cursos geralmente seguem uma abordagem aplicacionista. Ele destaca que os alunos frequentam aulas centradas em disciplinas e conteúdos teóricos por vários anos e, posteriormente, ou durante esse período, realizam estágios para aplicar esses conhecimentos. Ressalta, ainda, que um dos problemas desse modelo é a ênfase em uma organização curricular disciplinar, que se concentra no conhecimento teórico e se distancia da realidade das escolas e dos professores. Isso resulta na separação entre teoria e prática na formação docente, por isso o autor enfatiza a necessidade de uma “epistemologia da prática”, que investigue os tipos de conhecimento que os professores utilizam em seu trabalho diário e reconheçam a validade dos conhecimentos adquiridos pelos professores através da prática profissional. Isso tem implicado em mudanças nos programas de formação inicial (Tardif, 2002b).

Dessa maneira, as instituições de ensino enfrentam o desafio de integrar o conhecimento acadêmico com a prática profissional. Diante desse impasse, este relato de experiência demonstra o enfrentamento da relação dos ainda discentes da Universidade Federal de Santa Catarina, porém futuros docentes no campo sociológico, com os estudantes da escola Júlio da Costa Neves.

A escola fica localizada no centro-oeste da Ilha de Florianópolis, no bairro Costeira do Pirajuba, em torno de 8 km do centro da cidade. O colégio tem o seu Projeto Político Pedagógico (PPP) respaldado pela Constituição Brasileira de 1988, também pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), considerando os princípios da Educação Básica de Santa Catarina e as Leis de Diretrizes Básicas da Educação (LDB) de 1996.A instituição tem mais de 50 anos de existência e um histórico conturbado; já sofreu várias adaptações e mudanças de localidade por conta de problemas estruturais ou possibilidades de melhoria.

A estrutura física da escola vem passando por problemas desde julho de 2021, a Secretária do Estado de Educação (SED) de Santa Catarina e a Prefeitura de Florianópolis fecharam a escola por conta do afundamento do pátio interno, das quedas de forro, entre outros problemas estruturais. Desde então, de forma provisória, os alunos, professores e trabalhadores executam suas atividades na escola Getúlio Vargas, no bairro vizinho, Saco dos Limões, onde ocorreram as atividades no PIBID. O Governo do Estado, segundo os pais dos estudantes, prometeu unidades modulares que poderiam ser instaladas no terreno da escola e dentro do bairro. Entretanto, diante do não cumprimento dessas promessas e da não mobilização do Governo de Santa Catarina em relação a essa problemática em 2022, houve manifestações em frente à escola segundo a redação do Jornal SCC10 Rádio Clube (Agnes, 2022).

Diante das problemáticas espaciais da escola Júlio da Costa Neves, é necessário evidenciar que esse contexto afeta a vida dos estudantes. Nesse sentido, a condição juvenil, além de possuir construções sociais, possui também uma influência a partir da configuração espacial habitada. “O território é a base do trabalho, da residência, das trocas materiais e espirituais e da vida, sobre os quais se usufrui” (Santos, 2011, p. 96). Isso quer dizer que o processo histórico-social dos indivíduos é moldado pela configuração territorial na qual estão inseridos, tendo em vista que o espaço não é neutro diante do processo da sociabilidade e educacional desses sujeitos. Diante disso, os alunos, inúmeras vezes, relataram-nos em aula como essa mudança de escola os prejudicou na adaptação perante a mobilidade e no processo de aprendizagem.

Apesar dos problemas estruturais citados acima, as atividades do PIBID foram realizadas independentemente dos empecilhos. No início do trabalho dos bolsistas, foi aplicado nas turmas um questionário em relação ao perfil socioeconômico dos estudantes e famílias para melhor conhecê-los. Foram respondidos 67 questionários. Desses respondentes 63% têm 15 ou 16 anos de idade. Do total, quase metade, 43% moram com mais 3 ou 4 pessoas na mesma casa. Cerca de 80% dos respondentes descrevem seu responsável 1 como sendo suas mães; 46% afirmam ser o responsável 2 seus pais. Entre os responsáveis 1, 29% estudaram até o ensino fundamental; 40% estudaram até o ensino médio e 19% cursam ou cursaram o ensino superior. Sobre autodeclaração racial dos alunos: 52% declararam-se brancos, 41% declaram-se negros (dentro das categorias pretos e pardos) e 3% afirmam que “nunca pensou nisso”.

Após o conhecimento prévio dos estudantes, foram elaboradas, junto com o professor-coordenador, Eduardo Bonaldi, e a professora supervisora, Camila Philippe, as oito atividades-aulas que seriam desenvolvidas ao longo do programa, cuja descrição é apresentada, juntamente com os recursos artísticos utilizados, no quadro abaixo.

 

Quadro 1 – Quadro geral sobre as atividades-aulas realizadas

Atividade-aula

Questão norteadora

Objetivo

Habilidades da Base Nacional Comum Curricular – BNCC (Brasil, 2018)

Utilização de alguma linguagem artística? Se sim, qual?

Primeira atividade-aula

Como você imagina um ser humano que não tenha convivido com outros seres humanos?

Tratar sobre indivíduo e socialização.

(EM13CHS601) Relacionar as demandas políticas, sociais e culturais de indígenas e afrodescendentes no Brasil contemporâneo aos processos históricos das Américas e ao contexto de exclusão e inclusão precária desses grupos na ordem social e econômica atual. Compreender os múltiplos usos das identidades na dimensão política, social, histórica, filosóficas, econômica, territorial e geográfica.

(EM13CHS105) Identificar, contextualizar e criticar as tipologias evolutivas (como populações nômades e sedentárias, entre outras) e as oposições dicotômicas (cidade/campo, cultura/natureza, civilizados/bárbaros, razão/sensibilidade, material/virtual etc.), explicitando as ambiguidades e a complexidade dos conceitos e dos sujeitos envolvidos em diferentes circunstâncias e processos. Compreender como as estruturas sociais moldam padrões espaciais, territoriais, filosóficos, sociais, culturais, políticos e econômicos, nas diferentes temporalidades e espacialidades.

 

Sim, utilizamos as expressões artísticas corporais, as danças. Realizamos um compilado de vídeos de danças existentes no mundo, nelas estavam incluídas: duas danças do Brasil, uma de outro país da América Latina, uma da América Central, uma da América do Norte, uma da Europa, uma da Ásia e uma da África.

Segunda atividade-aula

Existe uma cultura melhor do que a outra?

Tratar sobre identidades culturais, diversidades e interculturalismo.

(EM13CHS601) Relacionar as demandas políticas, sociais e culturais de indígenas e afrodescendentes no Brasil contemporâneo aos processos históricos das Américas e ao contexto de exclusão e inclusão precária desses grupos na ordem social e econômica atual. Compreender os múltiplos usos das identidades na dimensão política, social, histórica, filosóficas, econômica, territorial e geográfica.

(EM13CHS105) Identificar, contextualizar e criticar as tipologias evolutivas (como populações nômades e sedentárias, entre outras) e as oposições dicotômicas (cidade/campo, cultura/natureza, civilizados/bárbaros, razão/sensibilidade, material/virtual etc.), explicitando as ambiguidades e a complexidade dos conceitos e dos sujeitos envolvidos em diferentes circunstâncias e processos. Compreender como as estruturas sociais moldam padrões espaciais, territoriais, filosóficos, sociais, culturais, políticos e econômicos, nas diferentes temporalidades e espacialidades.

 

Não foi utilizada.

Terceira atividade-aula

Será que a sociedade cria o indivíduo?

Tratar sobre indivíduo e instituições sociais por uma perspectiva de Émile Durkheim.

(EM13CHS105) Refletir histórica, filosófica e sociologicamente, a partir dos conceitos de fatos sociais, ações sociais e classes sociais sobre a sua própria vida e sua relação com seus lugares de vivência.

 

Sim, utilizamos uma paródia denominada “Émile Durkheim no estilo Safadão” (Modesto, 2020)..

Quarta atividade-aula

Ou seriam os indivíduos que constroem as sociedades?

Tratar sobre indivíduos e instituições sociais por uma análise de Max Weber.

(EM13CHS105) Refletir histórica, filosófica e sociologicamente, a partir dos conceitos de fatos sociais, ações sociais e classes sociais sobre a sua própria vida e sua relação com seus lugares de vivência.

Não foi utilizada.

Quinta atividade-aula

Como o trabalho humano foi organizado em diferentes épocas?

Tratar sobre as formas de organização político-econômica por uma perspectiva de Karl Marx.

(EM13CHS302) Articular categorias e conceitos para compreender e interpretar filosófica, histórica, geográfica e sociologicamente o ambiente em que se vive, tomando como base o conceito de trabalho, entendido como ato fundador da humanidade.

(EM13CHS504)Perceber a associação entre os modos de produção e as diferentes formas de organização dos espaços e das sociedades ao longo da história.

 

Não foi utilizada.

Sexta atividade-aula

O que é capitalismo e socialismo?

Tratar sobre o capitalismo industrial, as classes sociais, mais-valia e alienação.

(EM13CHS105) Refletir histórica, filosófica e sociologicamente, a partir dos conceitos de fatos sociais, ações sociais e classes sociais sobre a sua própria vida e sua relação com seus lugares de vivência.

(EM13CHS504) Perceber a associação entre os modos de produção e as diferentes formas de organização dos espaços e das sociedades, ao longo da história.

 

Sim, utilizamos o  poema “O operário em construção” de Vinicius de Moraes (1960).

Sétima atividade-aula

O que é poder? O que é dominação? Como eles se mantêm?

Tratar sobre as relações de poder e Estado, e também as relações de poder e dominação.

(EM13CHS401) Identificar e compreender as diferentes formas de manifestação das relações de poder nas relações sociais, considerando a dimensão histórica e a materializada nos territórios.

(EM13CHS401) Identificar as expressões de poder, implicando relações de dominação entre as diferentes frações de classe, temporalidades e territorialidades.

 

A proposta seria utilizarmos a música “Pangeia” do Fabio Brazza, no entanto, por questões estruturais da escola não foi possível a aplicação da aula.

 

Oitava atividade-aula

Como poder e dominação existem em diferentes relações na nossa sociedade?

Tratar sobre as formas de governo do passado e do presente: Monarquia e República; Democracia e Ditadura.

(EM13CHS401) Identificar e compreender as diferentes formas de manifestação das relações de poder nas relações sociais, considerando a dimensão histórica e a materializada nos territórios.

(EM13CHS602) Identificar, caracterizar e relacionar a presença do paternalismo, do autoritarismo e do populismo na política, na sociedade e nas culturas brasileira e latino-americana, em períodos ditatoriais e democráticos, com as formas de organização e de articulação das sociedades em defesa da autonomia, da liberdade, do diálogo e da promoção da cidadania.

 

Sim, utilizamos a leitura do cordel Cordel Joseense 51: Brasil é Democracia (Ditadura? Nunca mais!), do escritor Paulo Barja (2014), e também um vídeo de poesia do slam denominada “O governo ausente para nossa população afrodescendente…”, da slammer Negafy (2018).

Fonte: elaborado pelos autores, 2024.

 

Dito isso, este artigo pretende desenvolver sobre a relação das linguagens artísticas com o ensino da sociologia para o ensino médio, tendo o recorte das atividades-aulas seis e oito, pois nelas se encontram os gêneros poéticos: a poesia, o cordel e o slam. Pretendemos, dessa forma, demonstrar a partir das experiências vividas em campo como os recursos artísticos se mostraram ferramentas eficazes para o ensino-aprendizagem dos conteúdos sociológicos para os estudantes do colégio Júlio da Costa Neves.

Para essa investigação, apropriamo-nos das metodologias da observação participante, análise documental, revisão bibliográfica e questionário. A observação participante se faz presente na nossa relação ativa com os discentes da Escola Júlio da Costa Neves e da nossa atuação como docentes. Conforme indica Marques (2016), uma forma eficaz de compreensão do campo educacional é a realização de anotações de diário de campo para, posteriormente, investigar a coleta e análise de dados adquiridos. A análise documental se refere aos documentos fornecidos pelo coordenador, pelos outros bolsistas do PIBID e os nossos diários de campo, com o intuito de nos fornecer mais precisão sobre nossas análises. Para a revisão bibliográfica, debruçamo-nos sobre a importância e capacidade do conceito de lírico crítico, visto sua relação direta com a utilização dos recursos didáticos propostos, pois a expressão lírica oferece um espaço para uma interpretação pessoal, afetiva e intelectual da realidade, que é fundamentalmente crítica e abrangente (Pilati, 2017). Assim, é fundamental essa relação entre a autonomia e pertencimento que são demonstradas na poesia, no cordel e no slam. Visto que são expressões de domínio dos seres humanos e agem como um produtor de palavras autônomo frente ao mundo que o criou.

Portanto, partimos dos pressupostos de que “essa universalidade do teor lírico, contudo, é essencialmente social. Só entende aquilo que o poema diz quem escuta, em sua solidão, a voz da humanidade” (Adorno, 2003, p. 67). Logo, os escritos líricos refletem a sociedade na qual o poeta está imerso, enraizado em suas experiências sociais. Essa reflexão não é uma representação crua da realidade, mas sim uma lente de interpretação subjetiva do poeta sobre suas vivências, como discutido por Eagleton (2010). Isso implica que a voz dentro da poesia, cordel e slam revela valores específicos, tanto individuais quanto coletivos, que são considerados universalmente orientadores das interações sociais. É nesse sentido que iremos relacionar a ideia do lírico crítico com os conteúdos sociológicos e a imaginação sociológica. Dessa forma, iremos analisar duas atividades-aulas que contém a utilização de gêneros poéticos no atravessamento dos conteúdos sociológicos, buscando compreender de que maneira essa prática se deu, como conduzimos e os efeitos sobre os alunos.

 

Diálogo entre o lírico crítico e a imaginação sociológica

 

Conforme nos indica Moisés (2004), o conceito de lírico, ao passar do tempo, foi se modificando. A etimologia do lírico designava uma canção que entoava ao som da lírica, ou seja, havendo uma aliança entre a música e o poema. No entanto, foi somente no período da Renascença que ocorreu a ruptura do lírico e da musicalidade. Em muitas correntes da teoria literária, o lírico está associado à percepção do eu lírico de modo isolado socialmente, como por exemplo, para os gregos antigos. De acordo com Ragusa (2011, p. 10), os gregos antigos praticavam o poema lírico durante a Era Arcaica (800 a.C. - 480 a. C.); os poemas declamados envolviam uma teatralização ou performance, utilizando a voz e a corporalidade direcionadas a um determinado público. Moisés (2004) destaca que, para os gregos, o componente essencial do poeta lírico era a preocupação com o próprio eu, possibilitando a expressão de seus próprios desejos, aflições, lamentos, felicidades e outros sentimentos através de interpretações pessoais, promovendo um maior autoconhecimento. Segundo Hegel (1964, p. 219 apud Moisés, 2004, p. 261), o foco principal era a expressão da subjetividade em si mesma, dos estados da alma e dos sentimentos em detrimento de objetos exteriores. Nesse contexto, Staiger (1966, p. 65 apud Moisés, 2004, p. 261) argumenta que “o lírico é um ser solitário, ignora a existência de um público, e poetisa para si”. Assim, o mundo externo serve apenas como suporte para a expressão dos sentimentos, reflexões e opiniões do sujeito, voltadas para a introspecção e observação de seu próprio ser.

Diante da concepção apresentada sobre a função poética do lírico, ela é caracterizada como “orientada para a primeira pessoa” e “intimamente vinculada à função emotiva” como apontado por Jakobson (1983, p. 129). Este artigo vem de encontro à ideia de uma completa dissociação da objetividade em relação ao poeta, como se fosse uma representação de uma vida isenta das pressões da práxis dominante e de uma ilusão de autoconservação absoluta. Ao contrário, percebemos o eu lírico como não limitado a uma subjetividade isolada, mas sim em constante interação com uma relação dialética entre a voz interna do sujeito e o mundo que o criou. Essa perspectiva, portanto, aborda uma perspectiva social da lírica (Adorno, 2003, p. 69).

Dessa forma, a poesia é um reflexo da sociedade na qual o indivíduo está inserido a partir das suas raízes da vida social. Isso quer dizer que a voz criada nas formas líricas se exprime expondo determinados valores, tanto individuais quanto sociais, que podem ser considerados universalmente orientadores de padrões da sociedade. A partir dessa perspectiva, podemos compreender que na expressão lírica há um caráter no âmbito político, pois “a voz poética, ao enunciar-se, localiza-se socialmente, compromete-se e resiste à dispersão retificadora que estrutura nosso olhar cotidiano” (Pilati, 2017, p. 74). Ou seja, os versos líricos também são os gestos das estruturas sociais. Dessa forma, podemos compreender que o comportamento poético tem uma função ativa e passiva conforme nos indica Lukács (2009): é ativo, porque cria, e ao mesmo tempo é passivo, porque reflete. Nesse sentido, a lírica é uma realidade em formação (Pilati, 2017), pois um poema se constrói a partir da realidade do tempo do poeta e sua constituição dos modelos relacionais que interagem constantemente ao seu redor.

Conforme salienta Bosi (1977, p. 141), “o poeta é o doador de sentido”. Sendo assim, o processo de criação e expressão poética abrange múltiplos tempos: o tempo presente, que pode ser filtrado e reduzido pela ideologia; o tempo intemporal da realização da imagem poética; e o tempo do ciclo do som. Ao ler um poema, podemos discernir a peculiaridade estética do poeta, bem como encontrar uma forma de compreensão da realidade, moldada por uma harmonia que denominamos de belo. Ademais, o autor ressalta que o poema deve ser visto como um instrumento crucial de resistência à opressão das classes dominantes, sendo capaz de intervir no arranjo social através do lírico crítico. Pois o leitor identifica e reconhece sua própria voz no poema, que denuncia e protesta contra a dor e a repressão experimentadas na realidade concreta.

A partir dessa perspectiva abordada, percebemos uma relação com as ideias do sociólogo Wright Mills (1959). Ele afirma que todas as ideias intelectuais possuem um denominador da vida cultural, que são ideias amplamente aceitas por um determinado período. Isso não significa que haja ausência de outras ideias, mas sim, a presença de uma ideia que faz parte desse denominador da vida cultural de forma hegemônica. Com isso, o autor argumenta que, na era moderna, as ciências naturais foram os principais influenciadores para uma reflexão sobre a existência humana e da metafísica popular nas sociedades Ocidentais. Entretanto, esse principal denominador comum, ao longo do tempo, tornou-se duvidoso, e a ciência física começou a ser inadequada, principalmente diante de pensamentos a respeito de questões mais humanísticas, visto que se concentram mais relacionadas às questões sociais e culturais do que físicas e exatas.

Diante desse contexto, o autor coloca os artistas, mesmo que marginalizados, como um dos principais pensadores sobre as questões sociais e, principalmente, a literatura como uma alternativa de análise diante da falta de uma ciência que estuda o meio social de modo mais apropriado. Como afirma Mills:

 

Na ausência de uma ciência social adequada, críticos e romancistas, dramaturgos e poetas foram os principais e com frequência os únicos, formuladores dos problemas privados e até mesmo de questões públicas. A arte expressa tais sentimentos, e frequentemente os focaliza – e quando é boa, com agudeza dramática – mesmo assim não o faz com a clareza intelectual hoje exigida para seu entendimento, ou para sua solução. A arte não formula, e não pode formular tais sentimentos como problemas encerrando as preocupações e as questões que os homens enfrentam, para que possam superar suas inquietações e sua indiferença, e as misérias insuportáveis a que estas levam. O artista na realidade, não tenta com frequência tal formulação. Além disso, o artista sério está, ele mesmo, em confusão, e muito necessitado de uma ajuda intelectual e cultural de uma ciência social que a imaginação sociológica tornou viva. (Mills, 1959, p. 25)

 

A imaginação sociológica é um conceito desenvolvido por Mills (1959). Ele afirma que, dentro do contexto de aprendizado de sociologia, é importante que o indivíduo se localize dentro do contexto histórico de forma mais ampla, compreendendo, assim, a relação biográfica e histórica. Fazendo, dessa forma, que o indivíduo perceba que vive em uma determinada sociedade dentro de uma sequência histórica, e pelo fato de viver nela contribui para o condicionamento dessa sociedade e, simultaneamente, é condicionado. Isso impede a “consciência falsa de suas posições sociais” (Mills, 1959, p. 11), possibilitando pensar a partir de uma estrutura da sociedade e na sua posição dentro da história humana, transcendendo a vida íntima e ambientes locais, passando a considerar questões políticas, econômicas e históricas. E com isso, compreende que seus problemas do âmbito bibliográfico são relacionados a problemas sociais, pois para entender mudanças em ambientes pessoais, o autor afirma que temos que olhar para além deles. Portanto, “por meio da imaginação sociológica, os homens esperam, hoje, perceber o que está acontecendo no mundo, e compreender o que está acontecendo com eles, como minúsculos pontos de cruzamento da biografia e da história dentro da sociedade” (Mills, 1959, p. 14).

Então, utilizando da imaginação sociológica, o indivíduo pode conhecer seu sentido social e histórico no período de sua existência, possibilitando uma nova forma de pensar pela sua reflexão e sensibilidade, e dessa maneira possibilitando a compreensão da complexa existência da sociedade. Da mesma maneira, Pilati (2017) também acredita na “tomada de consciência da realidade” e no “alargamento da consciência”, no entanto, no sentido de um lírico crítico como gesto de compreensão do mundo através dos versos poéticos. Viabilizando o leitor a se localizar na totalidade histórica, de modo que os versos líricos são gestos das estruturas sociais, pois “conhecer o mundo, senti-lo por dentro e partilhar tal gesto intensivamente: eis o elemento político fundamental de toda grande poesia” (Pilati, 2017, p. 72). Diante disso, a imaginação sociológica pode ser vista de forma implícita dentro dessa tomada de consciência do mesmo modo que o lírico crítico, pois proporciona às pessoas a compreenderem a sua posição na estrutura e na realidade histórica-política, possibilitando a colaboração no processo de modificação social.

A seguir, iremos relacionar as experiências de iniciação à docência vivenciadas pelos bolsistas durante as atividades-aula seis e oito (conforme descrito no Quadro 1). Visando uma relação dialética entre o potencial do lírico crítico em algumas das suas diversas formas estruturais de existências — como o poema, cordéis e slam — no atravessamento do ensino de sociologia no ensino médio.

 

Operário e estudantes em construção

 

Conforme desenvolvido no Quadro 1, na atividade-aula seis, o objetivo era desenvolver sobre os conceitos de capitalismo industrial, classes sociais, mais-valia e alienação, conceitos de Karl Marx. Na construção do plano de ensino, pensamos no potencial crítico do poema Operário em construção, de Vinicius de Moraes (1960), para demonstrar os conceitos de classes sociais, alienação e desalienação. No sentido em que o personagem do operário do poema percebeu que tudo no mundo material construído por mãos humanas era ele quem fazia, e não o seu patrão. Conforme descrito nos versos abaixo:

 

[...] De forma que, certo dia

À mesa, ao cortar o pão

O operário foi tomado

De uma súbita emoção

Ao constatar assombrado

Que tudo naquela mesa

– Garrafa, prato, facão –

Era ele quem os fazia

Ele, um humilde operário,

Um operário em construção.

Olhou em torno: gamela

Banco, enxerga, caldeirão

Vidro, parede, janela

Casa, cidade, nação!

Tudo, tudo o que existia

Era ele quem o fazia

Ele, um humilde operário

Um operário que sabia

Exercer a profissão [...]

(Moraes, 1960, p. 306)

 

Dessa forma, o operário percebeu que atrás de todas as coisas materiais havia “as marcas das suas mãos”. Saindo de um estado de alienação, “ação pela qual (ou estado no qual) um indivíduo, um grupo, uma instituição ou uma sociedade se tornam (ou permanecem) alheios, estranhos, enfim, alienados aos resultados ou produtos de sua própria atividade (e à atividade ela mesma)” (Bottomore, 2001, p. 5). Podemos também compreender esse conceito quando se tornam alheios à natureza, outros humanos e sobre si mesmos dentro da consciência de uma construção histórica. O operário do poema foi tomado de uma “súbita emoção” quando adquiriu a consciência que tudo ao seu redor que existia no mundo concreto foi feito a partir de si mesmo e de outros operários. Logo, não se tornou mais alheio e/ou estranho aos resultados de seu trabalho, dos outros humanos e de si próprio. Portanto, ocorreu a desalienação com o operário, compreendendo que por mais que não visse todos os processos de produção material, porém em todos havia a “marcas de suas mãos”, de um “operário que sabia exercer a profissão”.

Além disso, o personagem do operário adquiriu a noção de classes sociais, notou as desigualdades latentes, adquirindo, assim, a consciência de classe. Conforme descrito nos versos abaixo:

 

[...] Notou que sua marmita

Era o prato do patrão

Que sua cerveja preta

Era o uísque do patrão

Que seu macacão de zuarte

Era o terno do patrão

Que o casebre onde morava

Era a mansão do patrão

Que seus dois pés andarilhos

Eram as rodas do patrão

Que a dureza do seu dia

Era a noite do patrão

Que sua imensa fadiga

Era amiga do patrão [...]

(Moraes, 1960, p. 308)

 

Logo após fazermos a explicação teórica e recitar a poesia, ocorreram diversos comentários, como por exemplo: “que no filme do Chaplin, a gente viu na aula, não percebe que existem vários trabalhos, como alguém que entrega um panfleto na rua. Se tem outra pessoa também realizando trabalho. Não vemos o trabalho de alguém nas outras coisas”; “eu nunca parei para pensar que alguém montou aquela estante, alguém fez e montou e com essa poesia eu consegui perceber isso”. E depois de vários diálogos, construímos coletivamente, a partir das falas, a ideia de consciência de classe, e assim, ao perguntar aos alunos se sabiam qual era a classe social em que estão inseridos, obtivemos como resposta da grande maioria: “pobre”. E, por fim, introduzimos a ideia de consciência de raça e de gênero, por mais que Marx não tenha desenvolvido esses temas, nós acreditamos que eles são importantes para tomarmos consciência de nós como sujeitos localizados. E, nesse momento, um aluno comentou um trecho da música do Racionais: “como eu tenho que dar em dobro, se estou mil anos atrasado”. Dessa forma, percebemos que conseguimos alcançar a transposição didática nos apropriando dos recursos artísticos, no sentido que os alunos tiveram a compreensão dos conceitos marxistas, associando-os as suas próprias realidades.

 

O lírico crítico atravessando as formas governamentais e relações de poder

 

Sobre a atividade-aula oito, o objetivo era tratar sobre os conceitos weberianos de poder e dominação e também adentrar os conteúdos políticos sobre o que é monarquia, república, democracia e ditadura. Após a explicação teórica, houve a apresentação do Cordel Joseense 51: Brasil é Democracia (Ditadura? Nunca mais!), de Paulo Barja (2014). O cordel possibilitou uma conversa sobre a história do país; associamos os versos do cordel, que contavam a história de momentos marcantes dentro da política brasileira, com a linha do tempo que estava sendo exposta nos slides. Como também foi enfatizado nessa conversa, a importância da participação política dos estudantes como indivíduos, eleitores e utilizadores dos serviços públicos.

A partir disso, podemos pensar como esse cordel se relaciona com o conteúdo e como ele possibilita uma maior compreensão da realidade histórica, social e política vivenciada naquele determinado momento. Conforme revela Alves (2008), o cordel, por estar vinculado com a cultura popular, traz consigo uma certa expressividade da história, evidenciando a relação entre a realidade e o que está escrito; bem como para além do que está escrito, mas nos conteúdos das entrelinhas. Sendo assim, pode ser compreendido como um interlocutor entre o leitor e a sociedade, como afirma a autora:

 

Literatura de Cordel pode perfeitamente contribuir para uma educação voltada para a realidade, na medida em que apresenta ao aluno uma visão de mundo, que pode se assemelhar ou não à sua, mas que suscita variados questionamentos que podem levar o aluno a refletir sobre a sua posição social, política, econômica e cultural dentro do contexto em que vive, assim como sobre a posição do outro nesse mesmo contexto. (Alves, 2008, p. 6)

 

Nessa aula, também foi exposto outro gênero literário, o slam, que foi apresentado através de um vídeo intitulado O governo ausente para nossa população afrodescendente, de Fabiana Lima “Negafya”, no programa de televisão Manos e Minas, gravado pela TV Cultura. Após exposição do vídeo, ocorreram diversas conversas; nos diálogos, foi enfatizado que a autora tratava sobre os desafios e as diferentes vivências de indivíduos racializados no Brasil. A partir disso, foi possível falar também sobre a ideia falaciosa da harmonia entre as três raças criada por Gilberto Freyre (2003) e a crítica do mito da democracia racial de Florestan Fernandes (1972).

O slam é um gênero literário razoavelmente recente no Brasil, chegando em 2008, trazido dos Estados Unidos por Roberta Estrela D’alva. A autora (D’alva, 2011, p 109, apud Santos et al., 2023, p. 6) afirma não ser apenas um gênero lírico dinâmico, mas é um movimento social, cultural e artístico. Segundo Santos et al.(2023), o gênero pode funcionar como um “letramento crítico” pelo seu lado político e social, pois permite que se trabalhe para que o silenciamento imposto aos indivíduos e estudantes seja superado por meio dos versos que expressam a realidade que vivem, podendo contribuir para a construção de ideias que promovam transformações sociais:

 

O discurso se constitui dialeticamente, sendo moldado e restringido pelas estruturas sociais na mesma medida em que contribui para a reiteração/transformação dessas mesmas estruturas. Nessa lógica, os discursos podem ser mobilizados tanto como uma forma de assegurar o poder e a dominação de alguns indivíduos sobre diferentes grupos sociais marginalizados quanto como meios para a construção de diferentes possibilidades de realidade, contribuindo, assim, para a mudança e a transformação social. (Santos et al, 2023, p. 4)

 

Diante disso, nota-se a importância da utilização desse tipo de recurso para compreensão dos sujeitos dentro da sua totalidade histórica. Acreditamos que gêneros literários populares — como cordel e slam — são um potencial de aproximação com e para os alunos. Esses recursos vão além de somente levar os conteúdos propostos, mas, principalmente, despertam um sentido de pertencimento. Pois muitas realidades lidas e faladas nos versos transmitem a realidade social dos alunos. Pensamos assim ser uma forma de chamar a atenção dos alunos e também de alcançar a transposição didática; visto que o aluno tem a capacidade e a desenvoltura de exemplificar o conteúdo dado a partir da sua própria realidade.

 

Conclusão

 

A participação como bolsistas do PIBID e a experiência adquirida foram extremamente construtiva para o aprimoramento dos futuros docentes. A experiência incluiu: a pesquisa realizada sobre o perfil socioeconômico dos estudantes; a escolha dos temas trabalhados; o desenvolvimento dos planos de aula; a aplicação das atividades-aulas para e com os alunos; e o compartilhamento e recebimento de experiências de outros colegas bolsistas. Tudo isso possibilitou uma imersão no contexto escolar e a aproximação com a realidade docente, permitindo experienciar de fato o contexto do ensino médio na educação básica catarinense.

Todo esse desenvolvimento proposto dentro do PIBID foi atravessado pela liberdade e possibilidade de realizar e aperfeiçoar as atividades-aulas propostas pelo coordenador. E com isso, tivemos a autonomia da inclusão de linguagens artísticas e, principalmente, as poéticas, dentro das nossas atividades-aulas. Isso foi um diferencial no qual se consolidou este relato de experiência, que unifica o planejamento, as experiências em sala de aula e a relação com a teoria, o que é evidentemente enriquecedor para a formação de futuros docentes. Sendo essa relação da práxis um diferencial do PIBID, conforme ressalta Soczek: “A possibilidade de fornecer um tempo de reflexão e prática pedagógica, contribuindo para a melhoria da práxis profissional mediante reflexões e experiências práticas, numa perspectiva coletiva, de troca de experiências” (Soczek, 2018, p. 66).

Dessa forma, buscamos compreender, ao longo do trabalho, a possibilidade de utilização e a atuação prática dos gêneros poéticos como ferramentas didáticas para a disciplina de sociologia no ensino médio. Percebendo o lírico como um potencial crítico para o atravessamento e no entrelaçamento da imaginação sociológica e dos conteúdos de sociologia.

Tendo em vista a compreensão do sentido lírico desenvolvido, apropriamo-nos dessa ideia em nossa atuação de docentes, utilizando diferentes gêneros poéticos. Na atividade-aula seis, conforme desenvolvido no artigo, ao abordar o conceito de capitalismo industrial, classes sociais, mais-valia e alienação, utilizamos o poema Operário em construção, de Vinicius de Moraes. Os versos poéticos materializaram, por exemplo, o conceito referente à alienação e desalienação diante do personagem do operário. Pois o poema retrata o momento em que o operário toma consciência da sua importância e do seu lugar no processo de produção, superando o estado de alienação e indo ao encontro do estado de desalienação. Da mesma forma que no poema, em que o operário adquiriu consciência de que em tudo havia as “marcas da sua mão”, os alunos também puderam compreender que tudo o que havia no mundo havia marcas das mãos de trabalhadores, como foi elaborado pelo relato do aluno sobre as entregas de panfletos na rua. Além disso, o poema permitiu aos alunos reconhecerem as desigualdades sociais e desenvolverem a consciência de classe, como evidenciado nos versos que destacam as diferenças entre o operário e seu patrão.

Pensando nessas interações podemos citar também a atividade-aula oito na qual foi feita a apresentação do Cordel Joseense 51: Brasil é Democracia (Ditadura? Nunca mais!), de Paulo Barja, e a exposição do vídeo de Fabiana Lima “Negafya”. Após a exibição dos materiais, uma das alunas afirmou que gostava da utilização dessas diferentes ferramentas didáticas que eram apresentadas em aula, pois lhe interessava mais as aulas que saíssem do “comum”. Declarou que era do seu agrado essa dinâmica de que em algumas aulas trouxéssemos vídeos, outros poemas, outras músicas ou dinâmicas, e como isso era uma forma de chamar atenção. Pode-se notar a satisfação por parte da aluna, que provavelmente carece da utilização desses recursos dentro do seu cotidiano escolar. Com isso, percebemos que é possível utilizar tais recursos como um diferencial no contexto do ensino médio no Brasil.

Portanto, podemos concluir que essa experiência integrativa entre o lírico e o ensino sociológico enriquece os processos de aprendizagens dos estudantes, proporcionando um olhar crítico e refletivo sobre a realidade social. O lírico funciona como uma ponte entre a teoria e a prática, facilitando o entendimento dos conceitos acadêmicos e contribuindo para o desenvolvimento de cidadãos críticos. Pode-se afirmar que o lírico, além de sua função estética, tem um papel crucial na educação e na formação social crítica.

 

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Recebido em: 26/04/24.

Aceito em: 28/08/24.

 

DOI: https://doi.org/10.46906/caos.n33.69997.p281-300

 

 



* Bacharela em Ciências Sociais pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), Brasil. E-mail: brunacobelo@gmail.com.

** Graduando em Ciências Sociais (licenciatura) na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), Brasil. E-mail: matheussferraza@gmail.com.

 

 

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