O LUGAR DA BRANQUITUDE NO ENFRENTAMENTO DO RACISMO ESCOLAR: um diálogo necessário[1]

THE PLACE OF WHITENESS IN CONFRONTING SCHOOL RACISM: a necessary dialogue

 

Rafael dos Santos Lazaro *

Isabelle Cerezo **

 

DOI: https://doi.org/10.46906/caos.n33.70697.p153-174

 

Resumo

O objetivo deste artigo é discutir como o educador branco pode contribuir para uma educação antirracista mais efetiva, visto que há uma grande escassez de debate sobre o tema. Assim, trataremos sobre educação, branquitude e lugar de fala, tal como a importância de uma formação voltada para a decolonialidade no contexto escolar. Dessa forma, entenderemos a importância de uma educação afetiva, que promova aprendizado por meio do respeito e da elevação da autoestima de pessoas negras, bem como a compreensão da complexidade da branquitude e suas camadas na sociedade. Através de entrevistas realizadas com professoras que atuam no ensino básico do estado do Rio de janeiro, discutimos também conceitos de branquitude (Bento, 2022), assim como a importância de uma perspectiva intercultural crítica e decolonial (Walsh, 2012) na construção de uma educação antirracista.

Palavras-chave: educação antirracista; branquitude; racismo; decolonialidade.

 

Abstract

The objective of this article is to discuss how the white educator, can contribute to a more effective anti-racist education, since there is a great shortage of debate on the subject. Thus, we will deal with education, whiteness, and the place of speech, as well as the importance of education focused on decoloniality in the school context. In this way, we will understand the importance of an affective education, which promotes learning through the respect and elevation of the self-esteem of black people, as well as the understanding of the complexity of whiteness and its layers in society. Through interviews carried out with teachers who work in basic education in the state of Rio de Janeiro, we also discussed concepts of Whiteness (Bento, 2022), as well as the importance of a Critical and Decolonial Intercultural perspective (Walsh, 2012) in the construction of anti-racist education.

Keywords: antiracist education; whiteness; racism; decoloniality.

 

Introdução

 

A escola desempenha um papel fundamental na construção de uma sociedade mais justa e empática, porém, nos dias atuais, vemos a dificuldade do debate sobre questões étnico-raciais entre professores e alunos. Quando a escola não percebe as diferentes identidades presentes em seu ambiente, acaba adotando um modelo favorável à hegemonia branca. Isso ocasiona atitudes discriminatórias e a ausência de conteúdos voltados para a história e cultura afro-brasileira dentro desse espaço (Munanga, 2015). Levando em consideração a educação antirracista, percebemos que a prática dos professores está atrelada às suas vivências e críticas acerca das questões raciais, uma vez que existe a ausência do assunto durante suas formações acadêmicas e continuadas.

Com este artigo, objetivamos analisar como professoras brancas, participantes de um projeto pedagógico antirracista, entendem e inserem as questões raciais em suas práticas docentes. Dessa forma, traçamos nosso caminho metodológico através de entrevistas que foram realizadas com duas professoras brancas do ensino básico, escolhidas por estarem envolvidas com o programa de Residência Pedagógica, focado em discussões sobre afro-brasilidade e afro-hispanismo no ensino de língua. O programa tem como princípio a quebra da matriz colonial e a inserção pragmática de uma pedagogia antirracista.

Assim, abordaremos as dificuldades que profissionais brancos possuem nessa construção, tal como os obstáculos na desconstrução de sua branquitude. Frisamos que o profissional branco precisa estar envolvido nas questões raciais para que consiga formar alunos críticos e conscientes, uma vez que jovens negros têm, muitas vezes, suas identidades apagadas pela sociedade.

Tendo em vista o debate tomado por nós, iniciamos nossa pesquisa dialogando com o conceito de branquitude, com foco na necessidade de que professores brancos se comprometam com as lutas antirracistas. Além disso, trabalharemos com os conceitos de lugar de fala e reflexões acerca de uma educação intercultural e decolonial.

Posteriormente, o diálogo com as docentes, por meio das entrevistas, possibilitou a construção de nossa análise sobre as experiências e práticas das professoras. Optamos pela entrevista como método de coleta de dados devido à sua capacidade de proporcionar informações diretas e abrangentes sobre diversos temas (Lüdke; André, 2012). A adoção do formato semiestruturado trouxe maior flexibilidade, facilitando a condução de uma análise qualitativa (Oliveira et al., 2010).

Para Cavalleiro (2001), a educação antirracista é pensada como um recurso para melhorar a qualidade de ensino. Certamente, a educação antirracista é essencial para enfrentar situações como discriminação racial e se envolve na promoção da superação do desprezo à diversidade. Com isso, salientamos a importância de formações ligadas à temática antirracista e do diálogo entre escola e universidade no combate ao racismo.

 

Branquitude e lugar de fala: importante reflexão

 

Refletir sobre a branquitude envolve reconhecer a importância de trazer a história e as questões que envolvem as pessoas brancas para o centro das discussões sobre raça. Muitas vezes, há um medo da branquitude em relação ao outro e às diferenças. Maria Aparecida da Silva Bento (2002) dirá que as pessoas brancas, frequentemente, não se percebem como parte de um grupo racial distinto, como acontece com os indígenas, asiáticos e negros, por exemplo. Segundo a autora, ser branco é frequentemente considerado como o padrão, e isso gera uma suposta neutralidade na conversa sobre raça, como se a branquitude não fosse um grupo racial válido.

Para Bento (2002), quando não refletimos sobre o papel do indivíduo branco dentro da sociedade, damos margem para que só o negro debata acerca das desigualdades raciais no Brasil, tirando assim, a responsabilidade e o papel do branco dentro deste diálogo. Assim, branquitude é a soma dos privilégios e posições sociais dados àqueles que são racialmente identificados como brancos na sociedade. É uma construção social baseada em estruturas históricas que veicularam o racismo ao longo do tempo.

Para a autora:

Privilégio branco é entendido como um estado passivo, uma estrutura de facilidades que os brancos têm, queiram eles ou não. Ou seja, a herança está presente na vida de todos os brancos, sejam eles pobres ou antirracistas. Há um lugar simbólico e concreto de privilégio construído socialmente para o grupo branco. (Bento, 2022, p 37-38)

 

Dessa maneira, branquitude sugere que grande parte dos indivíduos brancos desfruta de vantagens e oportunidades que não estão disponíveis para pessoas de grupos discriminados, como aqueles citados anteriormente. Por isso, compreender a branquitude envolve reconhecer esses privilégios, que, muitas vezes, são inconscientes. Também envolve questionar as desigualdades cotidianas que surgem pela manutenção destes privilégios.

Dialogando com a ideia de privilégio, o pacto narcísico da branquitude é um conceito fundamental para se trabalhar, uma vez que pessoas brancas não entendem o seu papel na sociedade de forma racializada. Com esse conceito, Bento (2022) tenta demonstrar que as pessoas brancas têm uma espécie de pacto silencioso e implícito entre si, no qual as pessoas brancas sempre irão privilegiar e beneficiar umas às outras.

 

Esse pacto da branquitude possui um componente narcísico, de autopreservação, como se o “diferente” ameaçasse o “normal”, o “universal”. Esse sentimento de ameaça e medo está na essência do preconceito, da representação que é feita do outro e da forma como reagimos a ele. (Bento, 2022, p. 11-12)

 

Além disso, segundo Lourenço Cardoso (2010), a branquitude é múltipla e sujeita à mudança. Com isso, o autor expõe dois tipos de branquitude:

 

A branquitude crítica que desaprova o racismo “publicamente”, e a branquitude acrítica que não desaprova o racismo, mesmo quando não admite seu preconceito racial e racismo, a branquitude acrítica sustenta que ser branco é uma condição especial, uma hierarquia obviamente superior a todos não-brancos. (Cardoso, 2010, p. 51)

 

A branquitude crítica, apesar de desaprovar o racismo, não irá refletir criticamente sobre a sua identidade, no entanto, a branquitude acrítica promove a ideia de que a raça branca é superior. A branquitude crítica, ao reconhecer a identidade racial branca, evolui tentando abolir seus traços racistas, mesmo que involuntariamente. Por outro lado, a branquitude acrítica acredita no branco como ser universal. Apesar de não reconhecer sua raça ou etnia, considera-se superior a todos os grupos, não desaprovando o racismo.

Segundo Lourenço Cardoso (2010), tanto a branquitude crítica quanto a branquitude acrítica são lugares de privilégio racial. A partir disso, é necessário entender que a branquitude não é homogênea e essas duas condutas possuem uma compreensão distinta sobre a racialidade branca. Nessa perspectiva, a branquitude crítica busca acabar com a estrutura de poder, promovendo ações antirracistas. Em contrapartida, a branquitude acrítica não busca refletir sobre a raça branca, ocasionando na reprodução de práticas racistas e discriminatórias. Assim, a branquitude acrítica segue contribuindo para a manutenção do racismo e de sistemas de opressão.

Lia Schucman (2012) irá dizer que:

 

Na sociedade brasileira, os indivíduos, querendo ou não, são classificados racialmente logo ao nascerem. Nos classificados socialmente como brancos recaem atributos e significados positivos ligados à identidade racial à qual pertencem, tais como inteligência, beleza, educação, progresso etc. A concepção estética e subjetiva da branquitude é, dessa maneira, supervalorizada em relação às identidades raciais não brancas (Sovik, 2004), o que acarreta a ideia de que a superioridade constitui um dos traços característicos da branquitude (Fanon, 1980). (Schucman, 2012, p. 27)

 

Por isso, é importante que pessoas brancas assumam, de fato, a responsabilidade na luta contra o racismo e na desconstrução do pacto da branquitude, reconhecendo o papel central que desempenham na transformação das estruturas discriminatórias da sociedade. Ao reconhecer seus próprios privilégios e contribuir ativamente para a luta antirracista, a branquitude pode desempenhar um papel fundamental na construção de uma sociedade mais justa e igualitária. Logo, essa responsabilidade implica em educar-se sobre questões raciais e interculturais, tal como apoiar iniciativas e políticas que visam combater o racismo sistêmico.

Os brancos, de modo geral, que se silenciam diante do racismo, compactuam com o/a racista e quase nunca se movimentam para defender e proteger as pessoas que são vítimas desse sistema, uma vez que “os sujeitos brancos exercem posições de poder sem tomar consciência deste habitus racista que perpassa nossa sociedade” (Schucman, 2012, p. 29). Diante disso, é necessário entender que a raiz de tudo isso é um processo de colonização, dominação, violência e escravização predominante na nossa história. O estudo da branquitude desempenha um papel importante no combate ao racismo, pois ajuda a desafiar as estruturas de poder e a promover a igualdade e a equidade entre as diferentes raças e etnias.

 

Branco antirracista e o seu lugar de fala

 

O racismo está estruturado na sociedade em que vivemos e a branquitude continua usufruindo de privilégios, mesmo que inconscientemente. Dessa maneira, é fundamental que a branquitude reconheça e reflita criticamente acerca desses privilégios, para que a partir do seu lugar social, possa formar alianças antirracistas. Segundo Denise Carreira:

 

[...] ser sujeito branco antirracista passa por se colocar disponível para reconhecer e se construir nessa interdependência; enfrentar o desconforto das conversas sobre o racismo e refletir criticamente como a branquitude se constrói em nossa história de vida, nas nossas relações, nas nossas práticas sociais, nas nossas instituições. Reconhecer que fomos educadas e educados para não nos reconhecermos como pessoas brancas, mas como seres humanos que representam a universalidade humana descorporificada, o padrão, a norma como lugar de poder. (Carreira, 2018, p. 134)

 

As questões que Carreira coloca são relevantes para refletirmos sobre como o antirracismo branco pode ser aplicado para romper barreiras nas práticas em sociedade. Envolver-se na luta antirracista pode significar na mudança sobre a forma como agimos, falamos, sentimos, queremos, pensamos sobre raça e até pensamos sobre os outros. Esse é um processo complexo que questiona a posição de poder e a vantagem estrutural da branquitude na hierarquização de raças.

Para Cardoso (2010),

 

Os privilégios que resultam do pertencimento a um grupo opressor é um dos conflitos a serem enfrentados, particularmente, pelos brancos anti-racistas. Esse conflito pessoal tende a emergir no momento em que se visibiliza a identidade racial branca. Desta forma, a branquitude crítica segue mais um passo em direção à reconstrução de sua identidade racial com vistas à abolição do seu traço racista, mesmo que seja involuntário, mesmo que seja enquanto grupo. A primeira tarefa talvez seja uma dedicação individual cotidiana e, depois, a insistência na crítica e autocrítica quanto aos privilégios do próprio grupo. (Cardoso, 2010, p. 67)

 

Assim, nós que almejamos adotar práticas e compromissos antirracistas, devemos entender que esta luta sempre foi uma pauta desenvolvida pelos movimentos negros, porém, não nos é distante, uma vez que o racismo surgiu da branquitude e dos privilégios brancos. Por isso, devemos criar um entendimento de responsabilidade e reparação, para assim desestabilizar a branquitude.

Devemos reforçar a ideia de que reconhecer e instigar mudanças no racismo estrutural a partir da perspectiva de uma pessoa branca implica na reflexão sobre a figura do branco na sociedade em que está inserida. Deste modo, ao nomear-se como uma pessoa branca antirracista, não se pode ignorar os privilégios concedidos pelo racismo. Para o branco, transformar-se antirracista ou engajar-se em uma análise crítica da branquitude é um desafio complexo que se desenvolve como um processo político e histórico contínuo.

Quando a branquitude é colocada em questão, comumente podemos notar indivíduos brancos atrelando o seu silenciamento diante de questões raciais ao temido termo lugar de fala. Isso porque acreditam no não pertencimento do branco nas causas antirracistas, ou na falta de conhecimento individual acerca da temática. Ainda assim, é importante refletir, pois afinal, o que é o lugar de fala?

A origem do termo lugar de fala é indefinida. Há quem acredite na criação dele a partir da teoria racial, do estudo crítico sobre diversidade, ou a partir de autoras negras, latinas e indianas que discutiam a questão sobre quem pode dialogar em uma sociedade marcada pelo patriarcado e racismo. Muitas vezes “o discurso considerado como legítimo é o do homem heterossexual e branco, dessa maneira, cabe a reflexão acerca do outro e de suas vozes” (Ribeiro, 2017, p. 38).

Ao articular sobre lugar de fala, a autora Djamila Ribeiro (2017) é referência e traz questões importantes relacionadas à raça e gênero. A autora defende que a habilidade de um indivíduo para expressar sua perspectiva e vivência é atrelada a sua identidade, posição social, cultural. Portanto, o lugar de fala se refere ao posicionamento da pessoa acerca de sua fala e como essa posição irá afetar na forma como essa fala será percebida na sociedade.

Ribeiro irá perceber lugar de fala como lugar social, tal como explica:

 

Numa sociedade como a brasileira, de herança escravocrata, pessoas negras vão experenciar racismo do lugar de quem é objeto dessa opressão, do lugar que restringe oportunidades por conta desse sistema de opressão. Pessoas brancas vão experenciar do lugar de quem se beneficia dessa mesma opressão. Logo, ambos os grupos podem e devem discutir essas questões, mas falarão de lugares distintos. (Ribeiro, 2017, p. 48)

 

A partir desse ponto de vista, é crucial entender que cada grupo social terá uma percepção distinta e que isso influenciará na sua compreensão do mundo. E vale ressaltar que esse lugar de fala do branco, também é um lugar de privilégio. Por isso a importância de respeitar e ouvir a voz de pessoas historicamente oprimidas em debates sobre questões interligadas à raça, gênero e outros meios de discriminação, visto que elas possuem uma compreensão única acerca dessas dinâmicas de opressão e discriminação.

Há um equívoco recorrente ao comparar lugar de fala com representatividade. Uma pessoa branca pode falar sobre racismo? Sim, porém com base nas suas percepções e não somente nas percepções do outro.

 

Falar a partir de lugares é também romper com essa lógica de que somente os subalternos falem de suas localizações, fazendo com que aqueles inseridos na norma hegemônica sequer se pensem. Em outras palavras, é preciso, cada vez mais, que homens brancos cis estudem branquitude, cisgeneridade, masculinos. (Ribeiro, 2017, p. 46)

 

Com base no que foi dito, percebemos que o conceito de lugar de fala visa promover um diálogo mais consciente e inclusivo, no qual todas as vozes são consideradas e respeitadas, mas com um reconhecimento das disparidades e desigualdades históricas que moldam as perspectivas individuais. “É entender os seus privilégios e conhecer o seu papel na sociedade para romper com a hierarquia e com o silêncio de grupos subalternizados” (Ribeiro, 2017, p. 49).

 

Interculturalidade e decolonialidade no combate ao racismo

 

Concordamos com Quijano (2005) quando ele diz que a colonialidade corresponde ao primeiro sistema de dominação global de poder e que todos os sujeitos estão engendrados nesse mecanismo. Assim, a escola não estaria isenta dessa estrutura; pelo contrário, os currículos escolares, muitas vezes, perpetuam a visão eurocêntrica em suas escolhas de conteúdos, de perspectivas e de representações históricas e sociais dos povos subalternizados. A interculturalidade possui um papel importante para o enfrentamento da colonialidade, uma vez que valoriza a diversidade cultural e o diálogo entre culturas subalternas, mas também é necessário reforçar que demanda o confronto com culturas coloniais que foram impostas.

Catherine Walsh (2012) sublinha que construir criticamente a interculturalidade exige transcender e desmantelar as matrizes coloniais que estão essencialmente ligadas ao capitalismo, para que assim surjam outras condições de conhecimento, de poder, de ser e de vida, sugerindo um novo ponto de partida de complementaridade. Dessa maneira, a interculturalidade deve ser vista como uma ação deliberada, contínua, sustentada e até mesmo insurgente, entrelaçada e levada a cabo pela decolonialidade. Para acrecentar, Walsh explica:

 

Similarmente, la decolonialidad no tendrá mayor impacto sin el proyecto y esfuerzo de interculturalizar, de articular seres, saberes, modos y lógicas de vivir dentro de un proyecto variado, múltiple y multiplicador, que apuntala hacia la posibilidad de no solo coexistir sino de convivir (de vivir “con”) en un nuevo orden y lógica que parten de la complementariedad de las parcialidades sociales. (Walsh, 2012, p. 69)

 

A decolonialidade é um conceito e movimento intelectual diretamente relacionado à colonialidade. Está ligada à desconstrução das estruturas e sistemas de poder criados, procurando desafiar e superar o legado do colonialismo. Deste modo, a decolonialidade questionará as heranças do colonialismo, incluindo o reconhecimento das narrativas eurocêntricas e a promoção de conhecimentos e vozes marginalizadas.

Sobre a interculturalidade crítica, Walsh (2012) irá dizer que:

 

[...] Con esta perspectiva, no partimos del problema de la diversidad o diferencia en sí, ni tampoco de la tolerancia o inclusión culturalista (neo)liberal. Más bien, el punto medular es el problema estructural-colonial-racial y su ligazón al capitalismo del mercado. Como proceso y proyecto, la intercultura-lidad crítica, como dicen los epítetos al inicio, “cuestiona, profundamente la lógica irracional instrumental del capitalismo”y apunta hacia la construcción de “socieda-des diferentes [...], al otro ordenamiento social.”. (Walsh, 2012, p.65)

 

Através da percepção crítica, a interculturalidade é uma ferramenta que visa a desconstrução da matriz colonial, uma vez que busca romper as desigualdades sociais, políticas e raciais existentes na sociedade. Desta maneira, quando aplicada no contexto educacional, além de promover a criticidade aos alunos, a interculturalidade crítica dá voz a grupos subalternizados. Juntas, a interculturalidade crítica e a decolonialidade permitem a criação de um espaço de diálogo intercultural mais justo, inclusivo, e acolhedor, que é essencial para que o racismo seja combatido de forma efetiva.

 

[…] la lógica de la interculturalidad compromete un conocimiento y pensamiento que no se encuentra aislado de los paradigmas o estructuras dominantes; por necesidad (y como un resultado del proceso de colonialidad) esta lógica “conoce” esos paradigmas y estructuras. Y es a través de ese conocimiento que se genera un pensamiento “otro”. Un pensamiento “otro” que orienta la agencia del movimiento en las esferas política, social y cultural, mientras opera afectando (y descolonizando) tanto las estructuras y paradigmas dominantes como la estandarización cultural que construye el conocimiento “universal” de occidente. (Walsh, 2012, p. 59-60).

 

Atrelando à educação, é importante que todos os professores trabalhem de forma intercultural e decolonial inserindo, em suas práticas, diversidades textuais e epistemológicas que privilegiem perspectivas outras, muitas vezes negadas pela organização curricular colonial e eurocentrada. Como formadores de opinião, essas práticas colaboram para que o preconceito e o racismo sejam combatidos no espaço escolar, promovendo a criticidade dos alunos a favor de uma educação mais igualitária e empática. Por conseguinte, é de grande necessidade falar sobre este tema tão atual, pois o racismo é presente no cotidiano de milhares de brasileiros, mas pouquíssimo debatido em classes escolares. Esse debate promove não só a redução de danos do racismo na sociedade, como também é um avanço na luta antirracista.

Há uma dificuldade para que a pedagogia decolonial seja colocada em prática, uma vez que a formação dos professores ainda é voltada para práticas eurocentradas. Em vista disso, o diálogo entre professores brancos junto a práticas antirracistas e decoloniais é essencial para que o debate não venha somente e incessantemente de pessoas que estão em situações subalternas. É necessário entender a importância do posicionamento da branquitude. Dessa forma,

 

Conhecer, respeitar e tratar pedagogicamente essas diferentes experiências socioculturais é um dos passos para a construção de uma escola democrática. Assim, possibilitar o diálogo entre as várias culturas e visões de mundo, propiciar aos sujeitos da Educação a oportunidade de conhecer, encontrar, confrontar e se aproximar da riqueza cultural existente nesse ambiente é construir uma educação cidadã. (Gomes, 2001, p. 91)

 

Com isso, vemos a importância da escola no desenvolvimento dos indivíduos, buscando formar cidadãos participativos e conscientes na sociedade. Assim, a reflexão crítica contribui para a construção de comunidades mais justa e democráticas, transcendendo as fronteiras da sala de aula.

 

Entrevistas: forma de maximizar possibilidades na averiguação da temática antirracista na prática de professores brancos

 

Partindo para o objeto de análise, observaremos a inserção de questões étnico-raciais na formação acadêmica, sendo ela uma ferramenta para reflexão em torno da introdução de debates e práticas antirracistas nas escolas. dessa forma, compete trazer as falas das professoras que estão diariamente inseridas no âmbito escolar. Cabe ressaltar que essas profissionais experienciaram a entrevista com liberdade para refletir e se expressar de acordo com suas práticas e pensamentos acerca do tema.

Para esta pesquisa, os nomes das professoras entrevistadas foram trocados a fim de manter o anonimato, sendo assim, nomearemos as coparticipantes como professora 1[2] e professora 2[3]. Importante ressaltar que este trabalho, em momento algum, intenciona fazer julgamentos sobre a prática das professoras. De forma oposta, nossas análises objetivam colaborar com a construção de novos olhares e abordagem que privilegiem uma educação antirracista por todos os docentes e sujeitos envolvidos no processo educacional.

Ao perguntarmos sobre a oferta de disciplinas que abordassem questões étnico-raciais durante a formação acadêmica, as duas professoras responderam que não tiveram contanto com disciplinas na graduação e nos cursos de pós-graduação que trabalhassem com temáticas raciais. Assim, podemos perceber que há uma ausência na inserção de debates antirracistas e decoloniais na formação acadêmica de muitos profissionais.

Em complemento com a primeira questão, perguntamos se elas sentiram falta do contato com essas temáticas étnico-raciais na formação e, além disso, provocamos uma resposta mais crítica ao perguntarmos sobre o porquê, de acordo com seus pensamentos, destas temáticas não terem sido abordadas durante sua formação. A professora 1 relatou que:

 

Para abordar qualquer assunto em sala é necessário ter embasamento. Não vi quase nada sobre questões sociais na graduação. Cheguei à escola com alunos com diversas realidades e necessidade, tendo que dar conta de desempenhar várias funções. Talvez os cursos de graduação, bem como as escolas se detenham mais nos conteúdos programáticos. Me formei em 2006, a lei 10.639 é de 2003, ou seja, era recente. Quem sabe os cursos atuais estejam diferentes? (Professora 1)

 

Concordamos que o embasamento teórico é importante para debatermos questões étnico-raciais na escola, mas apesar de a pergunta ser diretamente ligada a questões étnico-raciais, a professora responde falando de questões sociais. Munanga (2010) nos atenta sobre a relevância de não conjugar o racismo simplesmente como uma questão social, mas entendê-lo como um fenômeno de características próprias. É importante ressaltar que ela percebe a dificuldade de trabalhar com a temática em sala de aula. Embora a docente não tenha tido contato com questões étnico-raciais durante a graduação, ao perceber a necessidade em sala de aula, é importante que o profissional também busque atualizações e informações que possam agregar na sua prática docente. Dessa forma, acrescentamos com Cesar Rossato e Verônica Gesser que:

 

Educadores devem ser desafiados a desenvolver junto com seus alunos e colegas de profissão uma conscientização crítica em torno deste fenômeno racial que atormenta nações, incluindo o Brasil. Por meio de uma consciência crítica, primeiramente se desestruturam as relações de concepções racistas e discriminatórias. (Rossato; Gesser, 2001, p. 23-24)

 

Compreendemos, então, que o posicionamento dos profissionais da educação frente a essas questões é um fator necessário para rompermos o racismo escolar. De forma um pouco distinta, quando questionada acerca da mesma questão, a professora 2 responde:

 

A princípio não senti falta. Mas ao entrar pro Estado, esse conhecimento fez falta sim, tanto pela realidade dos alunos quanto pela ausência de material relevante oferecido pela SEEDUC pra esse conteúdo. Acho que a ausência desse conteúdo na universidade se dá pelo desinteresse tanto do núcleo discente quanto do núcleo docente e superiores. Acredito que já seja algo ligado à construção do ensino sempre com foco no personagem branco em detrimento ao personagem negro ao longo da história e na formação da sociedade. (Professora 2)

 

Pelo relato da coparticipante, percebemos a importância da inserção no campo escolar durante a formação docente, pois como sentir falta de algo que nunca lhe foi vivenciado ou atravessado, tanto na formação, quanto fora dela? Como formadores de opinião, é imprescindível que busquemos fontes para novos conhecimentos, mas percebemos também a importância da universidade como formadora de vivências e experiências que privilegiem a formação de alunos mais conscientes e ativos nas causas antirracistas.

Ao ser questionada acerca do seu pensamento em relação à ausência de conteúdos e disciplinas voltadas para a temática étnico-racial na formação acadêmica, a professora 2 relata que percebe o foco voltado para personagens brancos. Neste trecho, percebemos que a professora entende que ainda há um discurso colonial e eurocentrado dentro das instituições, em que o ponto de vista e o foco sempre estão direcionados à branquitude, ignorando completamente o olhar dos povos que foram colonizados. Para isso, Oliveira e Sacramento trazem uma reflexão relevante:

 

Considerando-se que as sociedades, inclusive o Brasil, não adotam a igualdade como critério nas relações a serem estabelecidas entre os homens e que tal indiferença em relação ao valor da igualdade resulta na condição de inferioridade de alguns grupos, conclui-se que o quadro brasileiro, verificado até os dias atuais, particularmente na educação, possui ancoragem no sistema colonialista/colonialidade e nas teorias eugenistas disseminadas nas escolas nas primeiras décadas do século XX. (Oliveira; Sacramento, 2010, p. 239-240)

 

Em um segundo momento, foi perguntado às professoras sobre o contato com cursos de formação continuada que trabalhassem com questões raciais. Também lhes foi perguntado como avaliavam a temática dentro da estrutura acadêmica. Por conseguinte, as professoras 1 e 2 disseram que:

 

Sim, de vez em quando faço esses cursos, alguns são ofertados pela própria Seeduc, outros pelo Instagram como roda de conversa. Eles são ministrados por pessoas que vivenciam isso na prática, os cursos e oficinas são elaborados e ofertados por professores quem têm o referencial teórico e a prática de sala de aula também. (Professora 1)

 

Também não tive nenhuma disciplina ou sugestão de estudo sobre temas raciais. Pensando no curso que fiz, acho que a ausência desse tema é bastante prejudicial pra formação do profissional, já que são questões latentes na execução da profissão. (Professora 2)

 

Percebemos que as duas professoras nos entregam pontos de vistas diferentes acerca da mesma pergunta. No primeiro trecho, a resposta da coparticipante 1 é positiva, pois ela afirma fazer cursos que contam com a presença de professores que dominam o tema. Salientamos mais uma vez a importância de um profissional da educação manter-se atualizado e buscar formações que auxiliem na sua prática. Diferentemente, a professora 2 atrela a pergunta à sua formação acadêmica, a qual não teve contato com essas disciplinas. Para acrescentar, Oliveira e Sacramento irão dizer que:

 

Não raro, na formação docente, quer seja inicial ou continuada, nos deparamos com profissionais e licenciandos cujos conhecimentos sobre as desigualdades étnico-raciais no Brasil foram negados ao longo de sua trajetória escolar, o que traz dificuldades para que percebam as evidências do racismo e seus efeitos em nossos dias. (Oliveira; Sacramento, 2010, p. 209)

 

Concordamos que a ausência dessas disciplinas e conteúdos voltados para a temática antirracista implicam diretamente na prática docente, uma vez que as professoras passaram por formações eurocêntricas e, no caso de pessoas brancas, a dificuldade de perceber o racismo no cotidiano está atrelada também à falta de contato com essas questões raciais. Este também é um exemplo de como ocorre a hipervalorização silenciosa do branco, pois reflete sobre a posição de vantagem estrutural que a branquitude assume, associada a valores de poder construídos historicamente, ou seja, o branco é retratado como o ideal dentro de uma sociedade (Schucman, 2012).

Partindo para a terceira pergunta. As professoras 1 e 2 foram questionadas quanto à orientação curricular da escola em que trabalham sobre questões raciais. Ressaltamos que a resposta de ambas para esta pergunta apresenta algumas semelhanças.

 

Sim, nas reuniões de planejamento pensamos nos projetos que serão realizados e nos livros que serão usados como apoio, porém acredito que ainda seja uma construção. (Professora 1)

 

Existe o currículo mínimo enviado pela Seeduc, sobre o qual trabalhamos. O material didático também contempla a questão racial, porém julgo ambos precários. (Professora 2)

 

Acrescentamos, aqui, a noção de currículo trazida por Oliveira e Sacramento:

 

Esta palavra é aqui utilizada com referência ao planejamento, execução e desenvolvimento das atividades educativas ao nível de escola como um todo e a partir destas, às atividades e ações desenvolvidas nas salas de aula, sob a responsabilidade dos docentes. [...] O currículo, portanto, refere-se à determinação e desenvolvimento de todas as práticas pedagógicas realizadas pela instituição escolar para formar sujeitos, cuja educação está sob sua responsabilidade. (Oliveira; Sacramento, 2010, p. 207-208)

 

Nesses trechos, as professoras acreditam que apesar de ter um currículo e reuniões de planejamentos, ainda não há uma orientação bem elaborada quanto a questões raciais. Dessa forma, a fala das duas professoras nos faz pensar que a maior parte de sua prática docente deriva das suas vivências e da vontade de trabalhar com essas questões e não por meio de orientações previamente dadas. Isso nos mostra que, apesar de existir a exigência que esse tema seja tratado por meio da Lei 10.639/03 (Brasil, 2003), vinte e um anos depois, essas temáticas ainda são ignoradas ou pouco debatidas no contexto escolar.

Após a conversa acerca do currículo, foi perguntado se as professoras já vivenciaram questões de racismo em sala de aula. A fim de desdobrar a pergunta, foi questionado, caso a resposta fosse afirmativa, quais estratégias foram utilizadas para resolver esses problemas e qual é o posicionamento da escola em relação a esses conflitos.

A professora 1 respondeu da seguinte forma:

 

Grave, não. Os alunos se denominam entre eles como “seu preto”. (Professora 1)

 

Segundo Cavalleiro (2001, p. 157), “toda e qualquer reclamação de ocorrência de discriminação e preconceito no espaço escolar deve servir de pretexto para reflexão e ação”. Quando a professora 1 responde que nunca presenciou uma situação de racismo grave, é preocupante, visto que as manifestações do racismo trazem grandes danos cruéis para quem o sofre. Destacamos que todo ato de racismo é grave, principalmente do contexto escolar. Além disso, muitos alunos que o cometem também são vítimas dessa estrutura social em que estamos inseridos. Com isso, a autora diz que:

 

As vítimas e os protagonistas dessas situações não são culpados por tais acontecimentos, visto que são resultantes das relações em nossa sociedade. Quem ofendeu, ironizou ou discriminou o outro indivíduo é levado a entender a sua atitude como negativa. É imperativa a interferência dos educadores. (Cavalleiro, 2001, p. 157-158)

 

Reforçamos, assim, a importância de debater com efetividade essas questões que perpassam a vida dos alunos, levando-os a refletir acerca do seu comportamento.

Complementando a pergunta realizada anteriormente, as professoras abordam suas estratégias frente essas situações e a posição da escola perante a isso.

 

Na hora, eu explico para eles o porquê de ser errado. Tendo em vista que não é algo pontual, incluo no meu planejamento rodas de conversa, textos, músicas e todo material de apoio que tornem uma prática falar sobre o assunto. (Professora 1)

 

A escola chama os responsáveis e pede auxílio aos professores para que abordem ainda mais sobre o tema. (Professora 1)

 

Muitas vezes. Primeiro de tudo foi preciso explicar pra turma o que é o conceito de racismo, suas causas, consequências e malefícios, já que a maior parte da turma (negros) tratavam o racismo como uma mera brincadeira sem entender a implicância das atitudes e falas deles. Hoje os atos de discriminação são apenas sinalizados e repreendidos, relembrando os fatores já apontados antes. Nas minhas turmas vejo uma maior compreensão e diminuição dessa situação. (Professora 2)

 

Quando são mais graves, a escola orienta que encaminhem os envolvidos à direção da escola, lá serão orientados. (Professora 2)

 

Nós vivemos em uma sociedade em que, em sua base de formação, existem estruturas machistas, racistas e sexistas que estão enraizadas até os dias atuais na esfera social. Dessa maneira, os indivíduos que não fazem parte do padrão pré-estabelecido sofrem as consequências desses preconceitos, principalmente por serem taxados como diferentes. Concordamos que “precisamos garantir que as crianças e os adolescentes de grupos discriminados também recebam estímulos, sempre pronunciados de maneira clara e direta” (Cavalleiro, 2001, p. 156). Com isso, salientamos que a postura das professoras, de criarem debates e refletirem acerca das desigualdades existentes com os alunos é de extrema importância para a prática de uma educação antirracista. Assim, frisamos que é importante que atitudes como respeito às diferenças raciais esteja presente na prática do corpo docente.

Em sua narrativa, a professora 1 comenta que a escola se posiciona chamando os responsáveis ou pedindo ajuda para os próprios docentes. Enquanto a professora 2, ao utilizar o termo “mais grave”, que abordamos acima, diz que a escola toma as medidas cabíveis.

 

A escola, enquanto instituição social responsável por assegurar o direito da educação a todo e qualquer cidadão, deverá se posicionar politicamente, como já vimos, contra toda e qualquer forma de discriminação. A luta pela superação do racismo e da discriminação racial é, pois, tarefa de todo e qualquer educador, independentemente do seu pertencimento étnico, racial, crença religiosa ou posição política. (Oliveira; Sacramento, 2010, p. 265-266)

 

É importante que a escola se posicione, como abordado pelas autoras, de forma política frente a questões do racismo, juntamente com os educadores que compõem o espaço escolar a fim de avançar na luta contra a discriminação racial e racismo presente neste espaço.

Levando em consideração a relevância de debates e reflexões sobre o tema de educação antirracista, perguntamos se as professoras trabalham com questões raciais na sala de aula e se possuem material acerca do assunto. A professora 1 disse que trabalha, e citou que utilizou Victória Santa Cruz e Djamila Ribeiro em suas classes, porém não conseguiu disponibilizar o material. Ao ser questionada, a professora 2 também afirmou que trabalha essas questões e citou a última atividade realizada com sua turma sobre a Consciência Negra, feriado próximo da data em que as entrevistas foram realizadas. A professora disse que trabalhou com a turma um texto sobre o assunto e, a partir disso, os alunos realizaram pesquisas e confeccionaram cartazes. Posto isso, acreditamos que abordagens antirracistas no cotidiano dos alunos fazem muita diferença.

Na sequência, perguntamos para as professoras qual o papel dos professores brancos no combate ao racismo, com o objetivo de recolher um posicionamento crítico acerca da necessidade de que pessoas não negras também falem sobre questões raciais.

 

Acredito que seja explicar que o lugar de fala passa pela representatividade, mas vai além e que se o racismo é um problema social, é dever de toda a sociedade agir contra ele. O principal papel da escola é estimular o aluno a pensar, ser uma pessoa crítica em meio às mazelas da sociedade. Imagina se eu enquanto professora branca não promovesse um debate sobre o racismo? Meus alunos nunca fariam uma redação sobre essa temática. Geralmente, nas rodas de conversas, faço as provocações, mas são eles que mais se colocam. E explicando sempre que nunca vou sentir na pele. (Professora 1)

 

Acredito que somos uma voz importante, uma vez que ocupamos um lugar privilegiado. Infelizmente ainda estamos inseridos numa sociedade que faz essa distinção, então acredito que o indivíduo branco (principalmente um professor que é formador de opinião) acaba tendo, erroneamente, um alcance maior, uma credibilidade maior nesse debate. (Professora 2)

 

É “necessário se expor ao encontro com essas outras e outros, tensionando as fronteiras impostas pela segregação racial e social vigente na sociedade brasileira” (Carreira, 2018, p.134). Ao longo desta pesquisa, buscamos salientar a importância de professores brancos estarem ligados a causas raciais e trabalharem com essas questões em sala de aula de forma pragmática e decolonial. Acreditamos que este debate não deve ser feito apenas por professores negros e que professores brancos devem abordar esta temática a fim de promover uma educação mais igualitária e justa para, assim, formar alunos e cidadãos conscientes.

Segundo Carreira (2018),

 

Nessa perspectiva, ser sujeito branco antirracista passa por se colocar disponível para reconhecer e se construir nessa interdependência; enfrentar o desconforto das conversas sobre o racismo e refletir criticamente como a branquitude se constrói em nossa história de vida, nas nossas relações, nas nossas práticas sociais, nas nossas instituições. Reconhecer que fomos educadas e educados para não nos reconhecermos como pessoas brancas, mas como seres humanos que representam a universalidade humana descorporificada, o padrão, a norma como lugar de poder. (Carreira, 2018, p.134)

 

Assim, concordamos que o educador branco antirracista deve, primeiramente, reconhecer a sua branquitude e entender como ela é construída. Após isso, ainda que no desconforto, é importante estar aberto ao diálogo e sair do centro, respeitando todas as diferenças e promovendo práticas antirracistas. Para acrescentar, Gomes (2001) dirá que:

 

Conhecer, respeitar e tratar pedagogicamente essas diferentes experiências socioculturais é um dos passos para a construção de uma escola democrática. Assim, possibilitar o diálogo entre as várias culturas e visões de mundo, propiciar aos sujeitos da Educação a oportunidade de conhecer, encontrar, defrontar e se aproximar da riqueza cultural existente nesse ambiente é construir uma educação cidadã. (Gomes, 2001, p. 91)

 

Seguindo para a última questão da nossa entrevista, perguntamos para as docentes como era o contato com relações raciais antes de entrar no Programa de Residência Pedagógica (PRP). Em sequência, foi perguntado se elas já trabalhavam com essas temáticas e o que mudou após a inserção no PRP.

Em sua fala, a professora 1 respondeu que trabalhava muito pouco sobre questões raciais, e completou sua fala dizendo:

 

Tenho mais segurança para falar. Acabei consumindo mais leituras sobre o assunto, além do contato com pessoas que têm muitas referências. (Professora 1)

 

Quando questionada, a professora 2 respondeu da seguinte forma:

 

Eu tinha pouco conhecimento, apesar de ser neta de negros. Minha família, talvez pela religiosidade (evangélicos), sempre pareceram ignorar ou até menosprezar qualquer questão ligada a lutas e situações ligadas ao fator racial. Então só na vida adulta comecei a ser mais confrontada com essas questões. Principalmente, como disse anteriormente, quando me tornei professora da Seeduc. (Professora 2)

 

Em sequência, ainda na mesma questão, a professora 2 completa:

 

Trabalhava sim, mesmo sem muito conhecimento ou experiência. Me sentia meio constrangida em ter que explicar pros meus alunos negros que eram negros e tudo que esse fator traz no contexto social em que eles vivem. Fazer isso com pouca base era difícil, me sentia extremamente insegura. Mesmo assim nunca deixei de fazê-lo. (Professora 2)

 

O acesso a materiais, debates, discussões trazidas pelo programa de residência enriqueceram meus planejamentos e, sem dúvida, minha segurança em trabalhar o tema. Somado a isso, estar em contato com as visões de professores que estão ainda em estudo e pesquisa, me deu a oportunidade de reciclar ideias e visões sobre a importância do professor. (Professora 2)

 

Vemos, com o discurso das professoras, que o PRP promoveu um impacto positivo na formação e prática docente delas. Por isso, acentuamos que professores devem buscar meios de se atualizar e se inserir nas causas antirracistas. Participar do subprojeto auxiliou as professoras nas suas práticas e, além disso, agregou positivamente na busca por realizar uma educação antirracista, por meio de trocas, vivências e experiências dentro do programa.

Com a narrativa da professora 2, percebemos que o atravessamento da sua vida com questões raciais foi a partir do seu contato com o âmbito escolar, ou seja, partiu do incômodo da docente ao perceber situações de racismo em sala de aula. O desprezo da família evangélica frente a questões raciais, que a professora cita, não é por acaso. Munanga irá dizer que:

 

Geralmente, os membros de uma comunidade religiosa pensam que sua religião é a melhor do mundo e a única verdadeira, sendo as outras consideradas como ruins ou inferiores.” (Munanga, 2010, p. 174)

 

E complementamos com Gomes:

 

Acredito que a dificuldade existente entre a maioria da população brasileira quanto à identificação racial é fruto da construção histórica da negação, do desprezo e do medo do diferente, sobretudo quando este se relaciona diretamente à herança ancestral africana. (Gomes, 2001, p. 88)

 

Podemos ver, com os autores, que mais uma vez o medo está no diferente. Ao entender sua religião como única verdadeira, a inferiorização das outras aparece em sequência, ocasionando assim, um esvaziamento acerca da sua ancestralidade.

Para concluir, percebemos como a ausência de debates durante a formação acadêmica pode dificultar o trabalho docente frente a questões raciais, mas que a busca por conhecimento, as vivências e o diálogo com formações ou projetos continuados podem alterar essa realidade e a perspectiva das professoras. Assim, esta análise da experiência de professoras brancas que trabalham com temáticas raciais, mostra-nos a importância da branquitude estar inserida nas causas antirracistas e a necessidade de que o assunto acerca de questões raciais seja debatido com alunos dentro do espaço escolar.

 

Conclusão

 

Este trabalho surgiu com o intuito de mostrar nossas preocupações a respeito da prática de professores brancos na luta contra o racismo escolar. Percebemos que, mesmo após vinte anos da aprovação da Lei 10.639/03 nas escolas, as unidades escolares ainda não estão produzindo de forma satisfatória uma educação antirracista. Isso porque a branquitude acha que o racismo é um problema que não lhe diz respeito, mas nossa provocação foi mostrar que todos os profissionais da educação devem se posicionar frente a estas questões.

Vimos o quanto o racismo é prejudicial no âmbito escolar e traz consequências que podem ser irreversíveis. Outro fator prejudicial, que pudemos observar, foi a falta de formação continuada ou de disciplinas que remontem questões do racismo durante a graduação. A falta de debates e reflexões acerca de uma educação antirracista ocasiona o apagamento deste paradigma na prática.

Vale ressaltar que existem professores brancos que trabalham com a temática antirracista sem ao menos perceber; existem os que se recusam trabalhar dizendo que não possuem embasamento, mas também não se incomodam a ponto de buscar; e existem os que são conscientes de sua branquitude e são inseridos no enfrentamento do racismo escolar.

Assim, por meio das falas das profissionais entrevistadas, pudemos observar que elas buscaram por vontade própria trabalhar com esta temática em sala de aula, uma vez que não existe uma orientação concretizada no espaço escolar em que estão para que trabalhem estes temas. Esta é a realidade de muitos professores que estão inseridos na luta antirracista, independentemente de sua raça. O apagamento de um assunto tão relevante é cruel, visto que crianças e adolescentes sofrem com esta problemática.

Além disso, embora as profissionais estejam dispostas e propaguem projetos e atividades de cunho antirracista, percebemos alguns esvaziamentos em certas falas. Deixamos claro que não culpabilizamos as professoras, mas sentimos falta de posicionamentos mais críticos acerca do racismo em sala de aula.

Para concluir, frisamos a importância que toda a comunidade escolar esteja inserida na luta antirracista e que transformem essas práticas em hábitos do cotidiano, para que assim, possamos vencer juntos. Por fim, percebemos a grande necessidade das unidades escolares e das universidades debaterem estes assuntos com seus discentes, para que ocorra o rompimento do racismo que está intrincado em nossas escolas e sociedade.

 

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Recebido em: 30/06/2024.

Aceito em: 19/10/2024.

 

DOI: https://doi.org/10.46906/caos.n33.70697.p153-174

 

 



[1] Este artigo foi desenvolvido a partir do trabalho de conclusão de curso (com o mesmo título) da segunda autora (Cabreira, 2023), sob a supervisão do primeiro autor. Foi apresentada ao Curso de Graduação em Letras/Espanhol da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro, em 2023.

* Professor adjunto de Didática Geral e Ensino de Língua Espanhola na Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ), Brasil. Mestre em Letras pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), Brasil. E-mail: rafaellazaro2@yahoo.com.br.

** Graduada em Letras Português/Espanhol e Literaturas pela Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro, (UFRRJ), Brasil. E-mail: isabellecerezo@ufrrj.br.

[2] Professora 1: Mulher branca, 40 anos, entrevistada virtualmente em Nova Iguaçu, Rio de Janeiro no dia 25 de novembro de 2023.

[3] Professora 2: Mulher branca, 40 anos, entrevistada virtualmente em Nova Iguaçu, Rio de Janeiro no dia 25 de novembro de 2023.

 

 

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Desenho de um círculo

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