EDITORIAL
Celebrando 25 anos da Revista
Caos e 5 anos de sua reativação
DOI: https://doi.org/10.46906/caos.n33.72357.p7-12
Este ano, a revista Caos celebra 25 anos de uma trajetória marcada por manuscritos, leituras, palavras entrelaçadas, ideias inovadoras e as inquietações de alunos, professores e pesquisadores das ciências sociais. Em nossa 33ª edição, na qual também comemoramos o quinto ano de publicações ininterruptas desde o nosso retorno em 2019, é inevitável não olhar para o passado com um misto de orgulho pelas conquistas e reverência ao que ainda está por vir.
Fundada pelo professor Adriano de León em 1999, a Caos nasceu como um espaço de resistência intelectual, um farol de reflexão e expressão para os estudantes do Curso de Ciências Sociais da UFPB e todos que se sentiam atraídos pela arte do pensar. Desde sua origem, a revista tem resistido ao passar do tempo, aos desafios e a uma longa pausa. Apesar das mudanças no mundo, a essência da Caos permanece inalterada. A publicação se transformou ao longo dos anos, mas nunca abandonou seu compromisso com a liberdade criativa e a produção científica responsável.
Hoje, 25 anos depois, a Caos está mais viva do que nunca. A 33ª edição não é apenas um marco em celebração ao aniversário da revista, mas também um reflexo de nossa evolução enquanto publicação e comunidade. Crescemos em todos os sentidos: na qualidade dos conteúdos, na diversidade dos temas abordados e no alcance de nosso público.
Nos últimos cinco anos, registramos um aumento significativo no número de leitores e no volume de submissões. A cada edição, reafirmamos nosso compromisso com uma curadoria criteriosa, que valoriza a pluralidade de vozes que encontram na Caos um espaço de expressão. Essa ascensão e constância também se devem ao afetuoso e dedicado trabalho realizado pelo professor Giovanni Boaes, editor-gerente da Revista desde 2019. Agradecemos imensamente às inúmeras mãos generosas e mentes brilhantes que nos ajudam a consolidar esta revista acadêmica.
Deixamos aqui um convite especial: estudantes, professores e pesquisadores, unam-se à Caos! O futuro nos reserva novas narrativas, novas vozes e, certamente, novos desafios.
Que a Caos continue sendo um espaço para o pensamento livre e criativo, e que possamos caminhar juntos ao longo dos próximos anos em uma constante reinvenção. Afinal, o caos não é apenas o ponto de partida — ele é o combustível da transformação.
Para concluir e iniciar, apresentamos os textos que compõem nosso trigésimo terceiro número.
Neste número festivo, apresentamos uma edição que provoca reflexões, inquieta os leitores e desafia o status quo racial e social. Composta por um dossiê temático — que reúne dez manuscritos; incluindo o texto de apresentação e a entrevista —, além de três artigos livres, um texto na seção Ofício de Cientista Social, duas resenhas e uma tradução. Esta edição aborda questões de extrema relevância e urgência. Os textos transitam entre as especificidades locais da realidade brasileira e questões de alcance global, refletindo a complexidade e as interconexões dos fenômenos sociais.
O dossiê se dedica a discutir branquitudes e questões étnico-raciais, temas essenciais para compreender as dinâmicas de poder, exclusão e privilégios que moldaram — e continuam a moldar — o contexto social e histórico do Brasil. Em um país com profundas raízes escravocratas e uma história marcada pela desigualdade racial, essas reflexões são não apenas necessárias, mas fundamentais para imaginar caminhos em direção a uma sociedade mais justa e equitativa.
Ao ler os textos que compõem este número, acredito que a interdisciplinaridade ocupa um lugar central, pois ele apresenta múltiplas perspectivas que possibilitam compreender plenamente os fenômenos sociais. A curadoria dos textos teve como proposta oferecer aos leitores um conjunto diverso de pesquisas, saberes e experiências que enriqueçam o debate e estimulem o aprendizado mútuo. Que esta edição seja um convite à reflexão crítica e ao engajamento, fortalecendo a luta contra o racismo e as estruturas de opressão que persistem em nosso cotidiano.
O dossiê foi organizado por Anderson dos Santos Cordeiro, Aristeu Portela Júnior e Giovanni Boaes. Anderson é mestrando em sociologia no PPGS da Universidade Federal de Pernambuco; recebeu menção honrosa do prêmio Florestan Fernandes de Melhor Monografia do Curso de Ciências Sociais da UFPB, cujo artigo, derivado da monografia premiada, foi publicado na Caos, em sua edição 32. A partir desta edição, a convite, Anderson passa a compor o corpo de editores da Caos. A ele, nossas boas-vindas.
Aristeu Portela Júnior é professor adjunto no Departamento de Educação da Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE) e professor permanente do Programa de Pós-Graduação em Sociologia (PPGS) da UFPE. Além disso, ele é professor permanente do Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais (PPGCS) da UFRPE. É estudioso e pesquisador dos temas abordados por este dossiê, tais como relações raciais no Brasil, políticas de ação afirmativa e direitos humanos, além da reflexão sobre o pensamento social brasileiro.
Giovanni Boaes é o editor-gerente da Revista Caos, doutor em sociologia e professor titular do Curso de Licenciatura Interdisciplinar em Estudos Africanos e Afro-brasileiros da Universidade Federal do Maranhão. Ele foi responsável por convidar os dois coorganizadores para produzir este dossiê, cuja apresentação será feita por eles no texto de abertura.
Nosso primeiro artigo livre é apresentado por Saulo Cerutti e Arlene Renk, intitulado Gentrificação e necropolítica: uma observação dos processos de violência e ocupação da cidade do contexto no bairro São Pedro em Chapecó – SC. Nele, observamos a análise cuidadosa dos impactos da urbanização no Bairro São Pedro, em Chapecó, evidenciando a violência estrutural e as dinâmicas de exclusão social promovidas pelo Estado e pela iniciativa privada. O texto destaca como a necropolítica e a especulação imobiliária, mascaradas por ações de revitalização urbana, resultam na gentrificação e no deslocamento de populações vulneráveis para novas áreas de exclusão. A violência, em suas diversas formas, não é resolvida, mas redistribuída, perpetuando desigualdades. A pesquisa critica a falta de políticas sociais efetivas e destaca que as intervenções urbanas, sem empoderamento local e suporte real, apenas reforçam padrões de segregação, deixando as comunidades ainda mais expostas à marginalização.
Ainda compõe esse número o manuscrito “Todos nós nascemos pelados e o resto é cdzinha”: uma netnografia no bate-papo Uol de Cuiabá-MT, de Heron Cristiano Mairink Volpi. O autor apresenta seu estudo que investigou as cdzinhas de Cuiabá (MT): homens que realizam performances temporárias de gênero no Bate-Papo UOL, com foco nas motivações e dinâmicas dessa prática. Com base em netnografia, a pesquisa observa como elas atraem homens heterossexuais, preservando o anonimato e rejeitando rótulos como gay ou travesti. Inspirada por estudos como os de Azevedo (2020) e Braga (2015), a análise destaca o caráter subversivo dessa prática, que redefine masculinidades ao explorar performances femininas temporárias. As cdzinhas se distanciam das crossdressers dos anos 1990 e 2000, adaptando-se às novas dinâmicas digitais. O autor conecta essa investigação a vivências pessoais na comunidade LGBTQIAPN+, evidenciando como as interações virtuais intensificadas pela pandemia de Covid-19 catalisaram a pesquisa. A prática reflete tensões de gênero e sexualidade, explorando fetichismos e desafios sociais, como o sigilo e o risco. Apesar de seu caráter emergente, o fenômeno revela mudanças significativas na expressão de gênero e sexualidade, apontando para questões de dignidade e segurança das cdzinhas.
Por fim, fecha a seção de artigos livres o texto A quem pertence o pardo no Brasil?, de Henrico Iturriet e Rafael Cardiano. O artigo apresenta a perspectiva dos autores sobre a questão racial no Brasil, destacando o papel político e ideológico da classificação pardo. Os autores exploram como o termo reflete ambiguidade e heranças de estruturas racistas, sendo historicamente utilizado pela elite branca para apagar a identidade negra e sustentar a manutenção da desigualdade alicerçada no estigma racial. A pesquisa utiliza abordagens decoloniais e o conceito de racismo estrutural para questionar a classificação racial como ferramenta de controle social. O pardo é visto como um dilema político e cultural que transcende a miscigenação biológica, evidenciando a luta pela afirmação de identidades negras. A pergunta central é: “A quem pertence o pardo no Brasil?”, abordando o impacto dessa classificação na luta por reconhecimento e resistência política.
A nossa sessão Ofício de Cientista Social traz o relato de experiência de Bruna Cobelo e Matheus Ferraz, bacharela e estudante de Ciências Sociais da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), respectivamente. O texto intitulado O lírico crítico atravessando o ensino de sociologia: um relato de experiência da iniciação à docência apresenta uma análise sobre o uso do “lírico crítico” como ferramenta pedagógica no ensino de sociologia no ensino médio, a partir do Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência (PIBID). A pesquisa, realizada no Colégio Júlio da Costa Neves, Florianópolis/SC, envolveu a aplicação de linguagens artísticas como poesias, cordéis e slams em aulas de sociologia. Em particular, duas aulas exploraram gêneros poéticos para abordar conceitos sociológicos, como alienação e consciência de classe, utilizando obras como Operário em construção, de Vinicius de Moraes. O texto evidência que a experiência proporcionou aos futuros docentes uma aproximação prática com a realidade escolar, favorecendo a integração entre teoria e prática pedagógica. Por meio de observação participante e outros métodos, verificou-se que o uso do lírico enriqueceu o ensino, promovendo um olhar crítico e reflexivo sobre a realidade social. Além de facilitar a compreensão dos conteúdos, essa abordagem despertou maior interesse nos alunos, como evidenciado por relatos positivos. Os autores concluem que o uso do lírico, além de sua dimensão estética, contribui para a formação de cidadãos críticos e conscientes, fortalecendo o ensino sociológico.
Finalizando a edição, apresentamos duas resenhas: A primeira, A proposta de Mario Mieli para uma transformação social, produzida por Caroline Sátiro de Holanda, põe-nos a par do livro Por um comunismo transexual: elementos de crítica homossexual — primeira edição brasileira do livro Elementi de critica omossessuale, do italiano Mario Mielli —, lançado em 2023 pela editora Boitempo.
Caroline Sátiro contextualiza a obra nos movimentos de contracultura e ativismo homossexual dos anos 1970, destacando sua relação com o movimento queer. O primeiro capítulo aborda a sexualidade a partir do polimorfismo perverso infantil, conceito freudiano que Mieli utiliza para criticar a repressão sexual. O texto evidência que, para o autor italiano, tanto a homossexualidade quanto a heterossexualidade são expressões da transexualidade infantil reprimida, promovida pela “Norma heterossexual” para sustentar o capitalismo. A obra denuncia a hipocrisia da sociedade, que associa homossexualidade a desvios patológicos enquanto ignora práticas heterossexuais equivalentes. Mieli critica a repressão sexual como instrumento de controle social e econômico, propondo uma “ciência gaia” que desconstrua a norma heterossexual e promova a liberação sexual.
Os demais capítulos exploram a repressão histórica, a relação entre capitalismo e violência homofóbica, e o desejo homoerótico latente na sociedade heteronormativa. Por fim, Mieli propõe um rompimento radical com a monossexualidade em direção à transexualidade polimorfa, criticando normas de gênero e celebrando o travestismo como resistência à repressão. Ele antecipa debates sobre gênero ao questionar a ideia de originalidade da identidade normativa, defendendo a transformação social por meio da liberdade sexual. O texto, originalmente publicado em 1977, chega ao Brasil com atraso de 46 anos, o que reflete, inclusive, nosso incipiente debate sobre emancipação sexual.
Nossa segunda resenha tem um caráter diferenciado; é a primeira resenha de dissertação publicada pela Caos, importante iniciativa para divulgação da chamada literatura cinzenta. Em Educação, exclusão e racismo: reflexões sobre as relações étnico-raciais na EJA na dissertação de Thâmara Borges, os autores, Ana Lúcia Mathias Fernandes e Henrique Cunha Júnior, apresentam a pesquisa de dissertação de Thâmara Borges, defendida em 2018 na Universidade Federal de Góias.
Os autores dão evidência aos principais pontos da dissertação. Nela, Borges explora como o racismo impacta as vivências de alunos e professores em uma escola de educação de jovens e adultos (EJA) em Goiânia. Um aspecto que diferencia sua pesquisa é o caráter prático, que vai além da análise crítica e propõe uma sequência didática específica para enfrentar as questões raciais no contexto escolar. Além disso, a obra provoca reflexões profundas sobre a aplicação real da Lei 10.639/2003, que exige o ensino da história e cultura afro-brasileira e africana no sistema educacional brasileiro.
Essa resenha é essencial para pesquisadores e educadores interessados no tema, pois oferece insights valiosos e estratégias práticas para lidar com as relações étnico-raciais na educação. Deixo o convite para explorar essa leitura e descobrir o quanto ela pode enriquecer o debate e a prática pedagógica igualitária e antirracista.
Encerramos a edição deste número com a riquíssima tradução da entrevista apresentada no dossiê, a qual foi produzida e articulada por Lia Vainer Schucman, Anderson dos Santos Cordeiro e Mariana Soares Pires Melo. O texto cativa o leitor desde seu título “A branquitude não pode ser antirracista...”: um diálogo com Lia Vainer Schucman. A tradução possibilitará ampla circulação de uma conversa importante, embasada e inspiradora.
A interdisciplinaridade é fundamental para o entendimento dos fenômenos sociais, e é isso que buscamos apresentar aos nossos leitores: uma pluralidade de perspectivas que fomentem a discussão e o aprendizado mútuo.
Agradecemos a todos os autores, colaboradores e leitores que fazem parte desta jornada. A participação ativa da comunidade acadêmica é essencial para que possamos atingir nossos objetivos e fortalecer nosso papel na promoção do conhecimento. É com essa energia e esperança que seguimos adiante, apostando no potencial transformador da pesquisa e do diálogo.
Convido todos/todas a conferir o conteúdo desta edição, que é fruto do trabalho coletivo e da dedicação de muitos. Que a Revista Caos continue a ser um espaço de inquietação e inspiração, onde as vozes diversas possam ecoar e contribuir para uma compreensão mais profunda das complexidades sociais que nos cercam. Parabéns para todos/todas que fazem parte desta história. E que venham mais 25 anos de resistência, criatividade e, acima de tudo, Caos!
Com carinho,
Mohana Morais
DOI: https://doi.org/10.46906/caos.n33.72357.p7-12
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