MEMÓRIA ORGANIZACIONAL:
a construção de um instrumento em sistema acessível

ORGANIZATIONAL MEMORY:
the construction of an instrument in accessible system

Maria Fabiana Izídio de Almeida1

Marcia Cristina Pazin de Carvalho Vitoriano2

RESUMO

Uma das atribuições fundamentais dos arquivistas é a criação de meios de registro e preservação da memória das organizações. A memória organizacional apoiada na gestão de documentos e gestão da informação, torna-se capaz de impulsionar a gestão do conhecimento nas organizações. Diante desse cenário, coloca-se como problema desta pesquisa: a memória organizacional de atividades operacionais pode alavancar o conhecimento dos colaboradores no desenvolvimento das suas atividades e quais instrumentos podem ser utilizados para essa finalidade? Considerando esta questão, o objetivo norteador desta pesquisa volta-se a construir um instrumento capaz de captar informações sobre os processos operacionais relevantes à memória organizacional. A pesquisa se caracteriza como qualitativa, de natureza exploratória e descritiva. Como procedimentos metodológicos foram utilizados a pesquisa bibliográfica nos temas memória organizacional, gestão de documentos, gestão da informação e gestão do conhecimento e planejamento administrativo, por meio de consulta às bases de dados brasileiras (BRAPCI, Scielo), bibliotecas de teses e dissertações (BDTD) e anais de congressos (ENANCIB), para a construção do referencial teórico. Também foram utilizadas a pesquisa documental e a realização de uma pesquisa de Survey com aplicação de questionários e entrevistas. Como resultado da pesquisa detalha-se a elaboração de um instrumento de registro e controle da Memória Organizacional, utilizando-se o aplicativo Excel. Identificou-se também como resultado que a elaboração de fluxograma e Procedimento Operacional Padrão contribui com a memória organizacional, na medida em que possibilita o registro dos processos e atividades desenvolvidos pelas organizações, uma das lacunas presentes nos estudos de memória organizacional.

Palavras-chave: Memória Organizacional. Gestão de documentos. Gestão da Informação. Gestão do Conhecimento. Planejamento Administrativo.

ABSTRACT

One of the fundamental assignments of archivists is the creation of means of recording and preserving the memory of organizations. Organizational memory, supported by records management and information management, is able to boost knowledge management in organizations. In view of this scenario, the following problem arises: can the organizational memory of operational activities leverage the knowledge of employees in the development of their activities and what instruments can be used for this purpose? Considering this question, the guiding objective of this research is to build an instrument capable of capturing information about operational processes relevant to organizational memory. The research is characterized as qualitative, exploratory and descriptive. As methodological procedures, bibliographic research was used in the themes of organizational memory, records management, information management, knowledge management and administrative planning, in order to understand the fundamental elements of organizational memory. This survey was carried out by consulting the Brazilian databases (BRAPCI, Scielo), thesis and dissertation libraries (BDTD) and conference proceedings (ENANCIB), for the construction of theoretical framework. Documentary research and survey research with questionnaires and interviews were used. As methodological procedures for this purpose, documentary research and a survey were also used, with questionnaires and interviews. As a result of the research, the elaboration of an instrument for recording an controlling organizational memory using the Excel application. It was also identified as a result that the elaboration of flowcharts and Standard Operating Procedure contributes to the organizational memory, as it allows the registration of processes and activities developed by the organizations, one of the gaps present in the studies of organizational memory.

Keywords: Organizational Memory. Records management. Information management. Knowledge management. Administrative Planning.

Artigo submetido em 30/04/2020 e aceito para publicação em 20/07/2020

1 INTRODUÇÃO

As organizações buscam frequentemente inovações para seus produtos e serviços. Isso ocorre em parte pelas exigências do mercado, clientes e concorrentes, e, em parte, pelas otimizações que as tarefas diárias exigem, afinal o volume, a velocidade e a própria variedade de informações têm exigido das organizações um gerenciamento eficaz de todos esses insumos.

Analisar, compreender e traçar estratégias para conhecer o ambiente organizacional torna-se fundamental, porém destaca-se a relevância de realizar esse trabalho nos três níveis de planejamento administrativo: o estratégico, tático e operacional, cada qual com sua complexidade. Ressalta-se que apesar dessa divisão, a organização precisa ser analisada de maneira holística, pois é composta por uma rede que interage, relaciona-se e modifica-se a todo momento.

A transformação do mercado exige das organizações uma visão estratégica para o gerenciamento dos seus registros informacionais e documentais, e também de todo o conhecimento tácito do seu ambiente organizacional. Por isso, capturá-los, registrá-los, organizá-los e reutilizá-los direcionarão muitas ações da organização, contribuindo para não repetir erros de projetos anteriores, ou até mesmo para traçar novos caminhos.

A trajetória da organização pode ser percebida pela evolução dos seus processos e documentos. Considerando, por exemplo, uma organização de grande porte, com mais de 50 anos de funcionamento, que certamente passou por diversas fases, desde o papel carbono, migrando para a máquina de escrever e que, provavelmente, nos dias atuais utiliza complexos e modernos sistemas Enterprise Resource Planning3 (ERP), que propõem soluções sistêmicas de administração, para suporte e análise, integrando informações de toda a organização, há um grande volume de informações acumuladas ao longo dos anos que devem ser gerenciadas ao longo do tempo. É necessário, portanto, que cada organização crie mecanismos para o registro dessas informações e dos processos relacionados a elas, de modo que sejam recuperados em momentos posteriores.

Diante desse cenário colocam-se algumas questões-problemas: há possibilidade de desenvolver um instrumento a partir de ferramentas de tecnologia da informação disponíveis na organização, para aplicação da memória organizacional? Quais informações sobre os processos operacionais são relevantes para a memória organizacional? Ter acesso ao histórico dos processos contribui com a aprendizagem de novos colaboradores? A partir dessas questões coloca-se como problema da pesquisa: a memória organizacional de atividades operacionais pode alavancar o conhecimento dos colaboradores no desenvolvimento das suas atividades e quais os instrumentos podem ser utilizados para essa finalidade?

Entende-se que a evolução da organização precisa ser registrada e gerenciada e a memória organizacional é a ferramenta responsável por armazenar todo o conhecimento produzido pela organização ao longo do tempo. A memória organizacional é apoiada pela gestão de documentos, gestão da informação e, com isso, impulsiona a gestão do conhecimento.

Essa interlocução é possível, haja vista que a gestão de documentos busca “[...] assegurar uma documentação adequada, garantir a preservação e o acesso aos documentos, permitindo a recuperação das informações de forma ágil e eficaz, proporcionar o cuidado adequado e o armazenamento a baixo custo, reduzir ao essencial a massa documental produzida, otimizar recursos humanos, físicos e materiais” (MORENO, 2008, p. 85).

A gestão da informação depara-se, uma vez que “[...] visa identificar as necessidades informacionais, mapear os fluxos formais de informação [...] como sua coleta, filtragem, análise, organização, armazenamento e disseminação [...] (VALENTIM, 2004, p.1).

No que se refere a gestão do conhecimento, de acordo com (VIEIRA, 2020, p. 327), essa ferramenta “[...] auxilia as instituições na inovação de processos, produtos e serviços; além disso, contribui para evitar a perda e a obsolescência do conhecimento”. Nota-se que essas ferramentas gerenciam as informações das organizações, desde as registradas como os documentos, bem como os fluxos formais e também o conhecimento, pertencente aos colaboradores.

Para responder a esta questão, a presente pesquisa tem como objetivo geral construir um instrumento para captar informações sobre processos operacionais relevantes à memória organizacional, em sistema acessível. Para tanto, foi desenvolvida uma pesquisa qualitativa de natureza exploratória e descritiva. Como procedimentos metodológicos, foi realizada inicialmente uma pesquisa bibliográfica em torno de memória organizacional, gestão de documentos, gestão da informação, gestão do conhecimento e planejamento administrativo, para composição do referencial teórico.

O levantamento foi realizado por meio de consulta às bases de dados brasileiras (BRAPCI, Scielo), bibliotecas de teses e dissertações (BDTD) e anais de congressos (ENANCIB), buscando as seguintes palavras-chave: “arquivística”, “arquivologia”, “memória”, “memória organizacional”, “arquivos empresariais”, “gestão de documentos”, “gestão da informação” e “gestão do conhecimento”. Para levantamento de dados relativos ao instrumento a ser elaborado foi realizada uma pesquisa documental e uma pesquisa de Survey com aplicação de questionários e entrevistas.

Como resultado da pesquisa detalha-se a elaboração de um instrumento de registro e controle, a Ficha de Registro de Memória Organizacional, composta por sete guias, utilizando-se o aplicativo Excel. Identificou-se também como resultado que a elaboração de fluxogramas e Procedimento Operacional Padrão contribui com a memória organizacional, na medida em que possibilita o registro dos processos e atividades desenvolvidos pelas organizações, uma das lacunas presentes nos estudos de memória organizacional.

O trabalho segue organizado do seguinte modo: após esta Introdução apresenta-se o referencial teórico sobre o Planejamento Administrativo: nível estratégico, tático e operacional e, a seguir, sobre Memória Organizacional. Na sequência, a seção Construindo a Memória Organizacional apresenta o desenvolvimento da pesquisa, contemplando procedimentos metodológicos e ao final a Análise de Resultados e Considerações Finais.

2 PLANEJAMENTO: nível estratégico, tático e operacional

A existência de estruturas complexas que abarcam diferentes setores independe do ramo de negócios e do tipo de produto e serviço comercializado pela organização. Para tanto, o alto escalão da organização necessita conhecer e controlar seu ambiente interno. Dominar esse ambiente tem sido uma tarefa cada dia mais árdua, haja vista a quantidade de informações que circulam nos diferentes níveis organizacionais. Porém é preciso buscar ferramentas que possibilitem o seu gerenciamento.

Como parte do campo das Ciências Sociais Aplicadas, a Administração busca criar meios para o gerenciamento de todo os recursos disponíveis e necessidades apresentadas pela organização, pois “[...] o mundo em que vivemos é uma sociedade institucionalizada e composta por organizações. Todas as atividades relacionadas à produção de bens ou prestação de serviços são planejadas, coordenadas, dirigidas, executadas e controladas pelas organizações (CHIAVENATO, 2003, p. 2).

O ambiente interno das organizações tem sido foco de muitos estudos, pois seus reflexos interferem no desempenho dos colaboradores e até mesmo na sociedade em que está inserida. Traçar planos que envolvam a missão, a visão, os valores, a cultura organizacional e até mesmo a própria função e os processos necessários ao desenvolvimento de produtos e serviços, sem dúvida, refletirão positivamente na competição de mercado.

Os diversos setores internos precisam colaborar com a organização buscando inovações, porém se um setor não possui o repertório documental de seus projetos, por exemplo, sejam eles bem sucedidos ou não, poderá acarretar prejuízos à organização, pela perda de tempo, de capital humano e de recursos financeiros, caso retomem o mesmo projeto posteriormente, sem que tenham referências sobre o que de fato ocorreu anteriormente.

Cada vez mais, o ambiente globalizado vem exigindo que cada instituição constitua uma estrutura de organização, de modo a apresentar práticas de gestão com experiências socialmente significativas, que revelem uma continuidade dos seus trabalhos, de modo a garantir uma perspectiva de futuro para a empresa e para aqueles que a fazem (OLIVEIRA, 2014, p. 259).

Chiavenato (2003, p. 14) demonstra na Figura 1 – As variáveis básicas da Teoria Geral da Administração a complexidade envolvida na administração uma organização, assim como as relações estabelecidas entre os diversos componentes.

Nota-se a complexidade e as relações sistêmicas existentes entre as grandes variáveis da organização. Observa-se que cada componente influencia os demais e também é influenciado, interagem e possuem interdependência, num processo complexo. Como aborda Morin (2005, p.64), “Complexidade é efetivamente o tecido de acontecimentos, ações, interações, retroações, determinações e acasos que constitui o universo fenomênico”. Entende-se, portanto, que as empresas se constituem como organizações complexas, em virtude dessa interdependência.

Figura 1 – “Variáveis básicas da Teoria Geral da Administração”

Fonte: CHIAVENATO, 2003.

Na figura 1, a variável “Tarefas” é compreendida como os fazeres da organização, seus processos, que interagem, influenciam, retroagem e até mesmo determinam efeitos em todas as demais variáveis. Logo, é preciso estabelecer gerenciamentos específicos no nível operacional, mas que estejam inseridos em uma visão holística da organização, considerando os três níveis do planejamento administrativo: o estratégico, tático e o operacional.

O nível estratégico abrange a alta administração, possui a responsabilidade de estabelecer a visão global da organização. Seu planejamento é totalmente de longo prazo, seus objetivos assim como seus planos são gerais, uma vez que qualquer tomada de decisão deve contemplar toda a organização.

O nível tático abrange as gerências, que possuem visões setoriais, seu planejamento deve ser de médio prazo e seus objetivos voltados para determinado setor. As gerências devem manter um diálogo frequente com o nível estratégico.

Enquanto que, no nível operacional encontram-se os supervisores responsáveis pelas tarefas diárias das equipes, suas ações são de curto prazo e devem voltar seus objetivos para as melhorias dos processos da organização. O diálogo com o gerente também deve ser constante, levando as necessidades e melhorias para o seu setor.

Os níveis tático e operacional possuem semelhanças entre si, o que pode acarretar ambiguidades, que ocorrem pela similaridade entre os dois tipos de planejamento administrativo. Essa incerteza será minimizada se a direção tiver domínio dos conceitos de planejamento e das atividades realizadas por cada setor.

Apesar dessa divisão, é importante que os três níveis se comuniquem e interajam, buscando constante harmonia o que possibilita melhorias à organização. Esse relacionamento deve acontecer em especial com o nível estratégico, muitas vezes, tido como inacessível, afinal a participação no planejamento deve ocorrer em “[...] todos os níveis organizacionais, ainda que por representação, possui elementos positivos” (SILVA; LEPSCH, 2011, p. 173).

É no nível operacional que se encontram as atividades necessárias para atingir os objetivos traçados pelo nível estratégico e tático, isso abrange tanto as atividades-fim como as atividades-meio da organização. Cada qual com sua tarefa desenvolvem suas atividades em busca desses objetivos. “As atividades que movem a máquina organizacional necessariamente passam em mãos humanas por intermédio de relações nos mais variados níveis” (SILVA; LEPSCH, ٢٠١١, p. ١٧٧).

Para cada nível de planejamento administrativo há obrigações, colaboradores, rotinas e atividades operacionais, necessárias para cumprir os objetivos pertinentes em cada nível, porém voltados a atingir as decisões estratégicas. Logo, cada atividade operacional torna-se fundamental nesse processo.

O registro das atividades em procedimentos operacionais considera parte desse processo, quando determina normativas para realização de cada tarefa. Estabelece-se a priori ‘o que’ e ‘como deve ser’. Porém, nesse caso, o registro da diretiva nem sempre considera o ‘que de fato é’ no processo: a dimensão efetiva da execução dos processos ao longo do tempo e dos problemas já demarcados pouco é considerada. Nesse sentido, a criação de instrumentos de registro para essas ocorrências, como preconizado pela memória organizacional, pode ser uma ferramenta importante para construção do conhecimento nas organizações.

3 MEMÓRIA ORGANIZACIONAL

A memória está integrada na vida de todas as pessoas e também da sociedade. Pode surgir mediante um som, uma imagem ou até mesmo por um cheiro, ou na fala, por determinada expressão ou linguagem, uma vez que esses são os suportes onde a lembrança registra-se na subjetividade dos indivíduos.

A memória abrange diversos aspectos: o biológico, o social – individual ou coletivo – em uma perspectiva cultural e sempre está em transformação, haja vista que determinada lembrança surge diante de um fato no presente, porém, quando relatada, pode propiciar diferentes versões para a mesma lembrança. Isso ocorre porque os indivíduos portadores das lembranças também se modificam ao longo do tempo. Lembrança e esquecimento articulam-se nos processos memorialísticos.

A memória é a vida, sempre carregada por grupos vivos e, nesse sentido, ela está em permanente evolução, aberta à dialética da lembrança e do esquecimento, inconsciente de suas deformações sucessivas, vulnerável a todos os usos e manipulações, susceptível de longas latências e de repentinas revitalizações. A memória é um fenômeno sempre atual, um elo vivido no eterno presente [...] (NORA, ١٩٩٣, p. ٠٩).

Por isso, resgatar e registrar a memória torna-se um trabalho delicado, que exige dedicação, atenção e criticidade, para diferenciar o que de fato aconteceu, ou transformou-se de acordo com os interesses dos indivíduos. Com isso, o pesquisador deve ir além dos relatos de vivências e testemunhos, precisa aprofundar-se em outras fontes, as documentais, por exemplo.

Em concordância com Nora (1993), Farias e Bizello (2016, p.100) defendem que:

[...] a memória não é algo estagnado finalizado, pelo contrário, a memória é dinâmica e essa característica deve ser reconhecida principalmente quando buscamos representar algo, pois representar não condiz em ditar o que uma coisa é ou foi, mas não desconsiderar as peculiaridades signicas da memória.

Por ser tão mutável é preciso criar meios e utilizar ferramentas para manter a memória preservada e acessível, pois “A memória é um elemento essencial do que se costuma chamar de identidade, individual ou coletiva, cuja busca é uma das atividades fundamentais dos indivíduos e das sociedades de hoje” (LE GOFF, 2010, p. 469).

Tendo em vista a natureza do ambiente organizacional, tornam-se recorrentes as mudanças de colaboradores, de sistemas, de procedimentos – muitas vezes não explícitos –, de lugares, dentre outros fatores que podem prejudicar a confiabilidade da memória da organização, deixando-a repleta de lacunas.

Esses prejuízos ocorrem também quando a organização não trata suas informações e documentos com o devido cuidado, ou seja, não possui uma gestão eficaz dos seus recursos informacionais. Esse fator acarreta não só em lacunas de memórias, mas também em prejuízos administrativos e até mesmo financeiros, quando não se encontra um documento, por exemplo.

Diante desse cenário, as organizações podem se utilizar de uma ferramenta que abarca o gerenciamento da sua memória, apoia-se na gestão de documentos (GD) e na gestão da informação, e contribui diretamente com a gestão do conhecimento: a memória organizacional, definida como:

[...] uma representação persistente, explícita, não incorporada; um índice do conhecimento e da informação, ou de suas fontes, em uma organização, de forma a facilitar o acesso, o compartilhamento e a reutilização (do conhecimento, da informação e suas fontes) pelos membros da organização, em suas atividades individuais e coletivas (GANDON, 2002, p. 28 – tradução nossa).

Em concordância com Gandon (2002), Ottonicar; Condutta e Vitoriano (2016, p.112) abordam que a memória organizacional objetiva “constituir mecanismos que permitam armazenar documentos com informações e conhecimentos que serão utilizados posteriormente pela organização”.

Para ser consistente, portanto, a memória organizacional deve despender atenção especial ao conhecimento dos indivíduos da organização, pois suas experiências, relatos e vivências contribuem, desde que preservados, para a evolução da própria organização. Freire et al. (2011, p. 43) analisam que o conhecimento e as vivências “[...] são importantes e que de alguma maneira quando preservados podem ser utilizados como ponto de partida para a criação de novos conhecimentos”.

O conhecimento divide-se em tácito e explícito e a memória organizacional abarcará e contribuirá com ambos. O conhecimento tácito “caracteriza-se, entre outras coisas, pelo conhecimento de mundo, pelas experiências vivenciadas, pelo know-how adquirido e pelas competências essenciais consolidadas” (VALENTIM, GELINSKI, 2006, p. 117). São as informações contidas no intelecto dos indivíduos, por isso a memória organizacional precisará captar, registrar, organizar, divulgar e reutilizar o conhecimento tácito dos colaboradores.

Para que a memória organizacional explicite o conhecimento dos colaboradores, será preciso desenvolver na organização a cultura de aprendizagem, haja vista que alguns colaboradores possam ter receio de detalhar e explicitar seu conhecimento. Por outro lado, a organização constituirá um material riquíssimo, preservando todo o conhecimento produzido por seus colaboradores.

No que tange ao conhecimento explícito, a gestão de documentos fornecerá o subsídio necessário à memória organizacional e aos tomadores de decisão. Para tanto “é preciso estabelecer um conjunto de práticas que garanta à organização e preservação dos arquivos” (RONCAGLIO; SZVARÇA; BOJANOSKI, 2004, p. 1).

Entre tantas etapas fundamentais da GD, destaca-se o diagnóstico de arquivo, a avaliação de documentos e a classificação, por serem etapas fundamentais do processo, que determinam valor e eliminação de documentos e informações.

Durante o diagnóstico de arquivo, o arquivista conhecerá todo o histórico da organização, resgatará informações em documentos de constituição, entrevistará a direção, os colaboradores e compreenderá a funcionalidade do arquivo, para depois realizar o planejamento das demais atividades que envolvem a GD. “No decorrer da investigação, o arquivista realizará [...] a operação de construir a imagem de uma ou mais organizações” (LOPES, 1998, p. 38).

Nesse momento, muitos documentos pertinentes à memória organizacional podem ser identificados e preservados, com intuito de servir futuramente à organização. Com isso, percebe-se, claramente a inter-relação entre a GD e a memória organizacional.

A classificação dos documentos contribuirá para a memória organizacional, no que concerne ao levantamento das funções e atividades da organização; com isso as tipologias documentais serão reconhecidas. Dessa maneira, será possível identificar também documentos pertinentes à memória organizacional: é nesse momento que a evolução dos processos será captada.

A classificação, como operação matricial de todo o trabalho arquivístico, é uma etapa importante para a transparência e o compartilhamento das informações, que por sua vez, são caminhos seguros para o processo de tomada de decisão para a preservação da memória técnico-administrativa das organizações, além de permitir o pleno exercício da cidadania (SOUSA, 2013, p. 133).

A partir da classificação de documentos surge um importante instrumento arquivístico, o Plano de Classificação, que ao estabelecer uma lógica de organização da informação, norteará outras atividades, tais como: a avaliação e o arquivamento dos documentos.

A avaliação de documentos é uma atividade que exige muitas habilidades do arquivista: criticidade, visão holística da organização, absorvida no momento do diagnóstico de arquivo; estudo de legislação; relacionamento com os demais setores; estudo da documentação, dentre outras. Essa atividade caracteriza-se como interdisciplinar e deve ser realizada por uma comissão, pois:

[...] consiste em identificar valores para os documentos (imediato e mediato) e analisar seu ciclo de vida, com vistas a estabelecer prazos para sua guarda ou eliminação, contribuindo para a racionalização dos arquivos e eficiência administrativa, bem como para a preservação do patrimônio documental (BERNARDES, 1998, p.14).

Apesar de muitos trabalhos em arquivos iniciarem devido à problemática de espaço físico, ressalta-se que a avaliação de documentos não objetiva o descarte, e sim a atribuição de valores e a preservação dos documentos relevantes para a organização. “A avaliação de documentos prescreve que o supérfluo seja eliminado dentro de determinados prazos [...] sem prejuízo da informação” (BELLOTTO, 2004, p. 115). Para isso, tais valores serão considerados, tanto os valores primários: administrativo, jurídico, técnico; quanto os valores secundários: informativo, social, histórico, entre outros.

A memória organizacional apoia-se na GD e o arquivista consciente de suas vantagens realizará suas atividades preservando o conhecimento explícito (documento) da organização, pertinente à memória organizacional. Afinal, de acordo, com Bellotto (2004, p. 278) “A informação perdida não se recupera mais. Que o resgate seja feito a tempo e a hora”.

Baseada em Ottonicar, Condutta e Vitoriano (2016, p.124) destacam-se as vantagens da aplicação da memória organizacional em organizações privadas ou públicas:

• Valorização do conhecimento organizacional e estímulo para compartilhar as informações e novos conhecimentos;

• Crença de que a memória organizacional contribuirá com o crescimento da organização;

• Contribui para o tratamento da informação de uma maneira eficaz e eficiente, pensando em contribuir com a memória em suas atividades de rotina e

• Amplia a comunicação das necessidades e desafios a serem enfrentados, contribuindo com a preservação da memória;

A memória organizacional é, portanto, uma ferramenta informacional que vem de encontro às necessidades das organizações, pois com a constante transformação do mercado e a competitividade cada vez mais acirrada, a organização precisa utilizar cada vez mais ferramentas que possibilitem o controle de seus documentos, informações e conhecimentos no médio e longo prazos, em diferentes níveis.

4 DESENVOLVIMENTO DA PESQUISA: Construindo um instrumento para registro da memória organizacional

Considerando a discussão apresentada anteriormente, entende-se que são muitas as vantagens adquiridas com a aplicação da memória organizacional, pois conhecer o passado e a trajetória da organização proporcionarão meios de alavancar planos estratégicos com maiores condições de sucesso.

Uma instituição precisa construir alicerces necessários para estabelecer uma cultura de gestão do conhecimento, como importante medida para tornar suas práticas organizacionais mais eficazes. Toda mudança gera resistência e indiferença, uma vez que algumas pessoas têm dificuldade de se desprender do modelo anterior, impedindo, desta forma, que a aceitação aconteça naturalmente (OLIVEIRA, 2014, p. 260).

Parte das estratégias voltadas à criação de uma cultura de conhecimento pode surgir a partir de políticas e ferramentas aplicadas no nível operacional da organização, quando estiverem diretamente ligadas ao cumprimento da missão organizacional, pois resgatar e registrar as vivências dos indivíduos é fundamental para as organizações.

Muito se perde quando o conhecimento se fixa apenas nas mentes das pessoas, afinal, uma hora elas se distanciam da empresa e o conhecimento segue junto com elas. Relatar e gerir as experiências se torna uma ferramenta valiosa para inovação e novos conhecimentos (OLIVEIRA, 2014, p. 262).

Quando as organizações não possuem essa percepção oneram o tempo despendido na solução de problemas, perdem dinheiro e possuem dificuldades em inovar.

No contexto dos processos operacionais, duas ferramentas podem ser indicadas como contributivas à memória organizacional: o Fluxograma e o Procedimento Operacional Padrão (POP), fundamentais à organização para planeamento e registro da operação, mas também quando ela pretende iniciar os registros da sua memória organizacional e garantir o cumprimento das atividades de maneira padronizada, eficaz e consistente.

Desenhar o fluxograma de um processo proporciona:

[...] uma ampla visualização do processo e facilita a participação das pessoas. Serve, ainda para documentar um órgão ou seção específica envolvida em cada etapa do processo, permitindo identificar as interfaces do mesmo. O seu estudo permite aperfeiçoar os fluxos para maximizar as etapas que agregam valor e minimizar os custos, além de garantir a realização de tarefas indispensáveis para a segurança de um sistema específico (SCARTEZINI, 2009, p. 11).

O fluxograma é uma ferramenta contributiva à memória organizacional, pois por meio dele se registra como a atividade acontece, e caso ocorram mudanças, ajustes e até mesmo rotatividade de atividades, todo o processo será facilitado, pois haverá um registro de como essa atividade é executada. Ressalta-se a importância de manter arquivadas versões anteriores para manter o registro do histórico do processo.

O registro de procedimentos, por outro lado, proporciona padronizar as rotinas e atividades dos processos, muito utilizado nas áreas industriais, contribui de maneira maciça com áreas administrativas, que buscam melhores resultados na execução dos seus processos. Por registrar detalhadamente os processos acredita-se que esse documento, normalmente denominado de Procedimento Operacional Padrão (POP), assim como o fluxograma, relaciona-se diretamente com a memória organizacional.

Para o Scartezini (2009, p.37):

O Procedimento Operacional Padrão – POP (Standard Operation Procedure – SOP) é um documento que expressa o planejamento do trabalho repetitivo que deve ser executado para o alcance de uma meta padrão. Tem como objetivo padronizar e minimizar a ocorrência de desvios na execução de tarefas fundamentais, para o funcionamento correto do processo (SCARTEZINI, 2009, p. 37).

As organizações estão a todo o momento buscando informações passadas, seja de projetos iniciados, o porquê de determinadas tomadas de decisões, investimentos, porém pouco se preocupam em manter o repertório dessas informações no cotidiano. É preciso construir essa cultura, que valorize registrar hoje para utilizar amanhã. “Um dos principais objetivos da memória organizacional é o de constituir mecanismos que permitam armazenar documentos com informações e conhecimentos que serão utilizados posteriormente pela organização” (OTTONICAR; CONDUTTA; VITORIANO, 2016, p. 112).

Considerando que muitos projetos não são iniciados nas organizações por carência de recursos financeiros (aquisições de sistemas modernos, pesquisas de campo, experimentos), a presente pesquisa objetivou a elaboração de um instrumento para registro da memória organizacional dos processos operacionais, em sistema de planilhas acessível às organizações.

Neste caso, em virtude da disponibilidade no ambiente de pesquisa, foi utilizado o Excel, que é constituído por uma estrutura de planilhas, amplamente reconhecido como software de escritório, mas utilizado essencialmente para cálculo. Porém, é importante notar que há outros aplicativos de planilhas similares que podem ser utilizados, para os mesmos objetivos e resultados. O Excel, assim como outros sistemas de planilhas, propicia a estruturação de dados numéricos ou não, a criação de formulários de alimentação e a migração das informações para softwares de bases de dados, o que pode possibilitar a ampliação do projeto sem perdas no momento em que a organização assim desejar.

Do ponto de vista metodológico, o desenvolvimento de um projeto de Memória Organizacional para construção do instrumento Ficha de Registro de Memória Organizacional aqui proposto contempla além da pesquisa bibliográfica, a pesquisa documental, além da realização de uma pesquisa de Survey, com a aplicação de questionários e entrevistas junto aos colaboradores responsáveis pelos processos estudados. Podemos dividir o desenvolvimento em quatro etapas, que seguem identificadas no Quadro 1, a seguir.

Quadro 1 – Etapas para o desenvolvimento de projetos com a elaboração do instrumento Ficha de Registro de Memória Organizacional

Etapa

Atividades

1 - Projeto

- Esboçar projeto

- Apresentar projeto aos Supervisores

- Apresentar projeto ao colaborador responsável pelo processo

- Apresentar projeto aos colaboradores que já foram responsáveis pelo processo

2 - Instrumentos de Pesquisa

- Identificar sujeitos envolvidos

- Elaborar questionário

- Elaborar roteiro de entrevista

- Levantar documentação

3 - Análise de informações coletadas

- Sistematizar e analisar questionários e entrevistas

- Analisar documentação

4 - Construção do instrumento de apoio à memória organizacional

- Elaborar Fluxograma

- Elaborar Manual de Procedimentos

- Implantar Banco de dados utilizando as Fichas de Registro de Memória Organizacional para os diversos processos organizacionais selecionados

Fonte: Elaborado pelas autoras, 2020.

A etapa 1 contempla a elaboração e apresentação do projeto à equipe responsável pelas áreas e processos estudados, como mecanismo de sensibilização para os conceitos ligados à memória organizacional.

A etapa 2 contempla a elaboração de instrumentos de coleta de dados, questionários e roteiros de entrevista, com informações sobre o planejamento e execução do processo, pontos fortes, pontos fracos e a existência de registros documentais como: fluxos, procedimentos, políticas, dentre outras informações que possibilitariam mapear o histórico do processo. Os documentos existentes podem ser coletados neste momento. Com base no questionário aplicado, realiza-se uma entrevista, com o responsável pelo processo no momento da pesquisa, o que pode gerar uma dinâmica de aprendizado para o próprio profissional.

A etapa 3 contempla a tabulação das informações coletadas em planilha específica e analisadas visando a identificação da continuidade de ações do processo e os problemas existentes.

A etapa 4, cujo resultado é apresentado a seguir, contempla a construção dos instrumentos de apoio à memória organizacional, a partir da sistematização das informações levantadas na pesquisa documental e coletadas nos questionários e entrevistas. Para esta etapa é importante que todos os documentos existentes sobre o processo sejam incluídos na estrutura, especialmente Fluxograma e o Procedimento Operacional Padrão (POP).

O instrumento elaborado, nomeado como Ficha de Registro de Memória Organizacional contém sete guias: Índice, Criação do Processo, Ficha Colaborador, Fluxograma, POP, Projeto, Siglas, Tomada de decisão, que seguem detalhadas a seguir. Para facilitar a explicação de cada guia nomeou-se de maneira fictícia um processo como Processo Y.

4.1 Índice

É fundamental manter um índice com atalhos para as demais guias, uma vez que isso possibilita ao usuário deslocar-se agilmente pelo documento, conforme indicado na Figura 2 – “Índice”.

Figura 2 – Índice

Fonte: Elaborado pelas autoras (2020).

Nota-se que o Índice abarca o nome de cada guia, seguido de uma forma (retângulo na cor cinza), que ao clicá-lo o usuário será direcionado para a guia pretendida. O Índice, que possibilita esse deslocamento, elaborado por meio da ferramenta macro do Excel, é simples e segue organizado em ordem alfabética crescente e leva o nome do processo: Processo Y.

4.2 Alteração no processo

Registrar as alterações realizadas nos processos é fundamental para manter seu histórico e conseguir posteriormente compreender a atual situação dos processos. Essa guia contempla o nome do colaborador responsável pela alteração do processo, o número do seu crachá, quem solicitou determinada alteração e a data da solicitação.

Em seguida descreve-se o motivo da alteração, esse campo é essencial no histórico da guia Alteração no processo, pois o usuário deve detalhar o máximo possível a razão da alteração, quanto mais informações, maior será a compreensão futuramente. A Figura 3 – “Alteração do Processo” ilustra cada campo.

Figura 3 – Alteração do Processo

Fonte: Elaborada pelas autoras (2020).

Caso a alteração no processo exija a contratação de uma empresa externa, deverá ser indicado no campo Empresa Responsável e o contato dessa empresa, bem como o valor total do investimento. Caso a alteração no processo aconteça por meio de customização de sistema também deverá ser indicado. A guia – Alteração no processo – finaliza com um relato sobre a alteração, assim como o campo motivo da alteração deverá ser bem detalhado.

4.3 Criação do Processo

Revisar e avaliar processos torna-se uma necessidade dentro das organizações, assim como analisar e controlar a produção de documentos é tarefa contínua dos arquivistas. Porém, sabe-se que as rotinas administrativas e o cumprimento das atividades diárias ocupam grande parte do tempo dos colaboradores. Revisar e avaliar proporciona encontrar possíveis lacunas no processo e também visualizar melhorias que se relacionam aos possíveis ganhos de tempo e até mesmo recursos financeiros. Registrar no ato da criação do processo o motivo pelo qual foi criado, certamente auxiliará nessas revisões e avaliações.

Registrar o porquê de o processo ser criado proporciona futuras avaliações no próprio processo, se o motivo pelo qual foi criado ainda faz sentido para a organização. Segue a Figura 4 – “Criação do processo”.

Figura 4 – Criação do processo

Fonte: Elaborado pelas autoras (2020).

Nota-se que essa ficha contempla também os tipos documentais que são produzidos e recebidos na execução do processo, o que facilitará as atividades de mapeamento dos processos, de avaliação da produção de documentos e, até mesmo da criação de novos tipos documentais.

4.4 Ficha de colaborador

Um dos principais pontos da memória organizacional é a preocupação em resgatar as experiências e conhecimentos implícitos dos indivíduos. Logo, contemplar registro e histórico dos colaboradores que foram responsáveis pelo processo torna-se substancial. Segue a Figura 5 – “Ficha de colaborador” demonstrando os campos necessários para tal registro.

Figura 5 – Ficha de colaborador

Fonte: Elaborado pelas autoras (2020).

Ressalta-se que será preciso preencher uma ficha para cada colaborador que será responsável pelo procedimento, gerando assim um histórico. A Ficha de colaborador deve contemplar seu nome, crachá, data de admissão e, a data em que passou a ser responsável pelo processo. Saber qual foi o seu primeiro processo na organização é uma informação que auxiliará na compreensão da trajetória do colaborador na empresa. Indicar a data em que o colaborador deixou de ser responsável pelo processo e quem era o gestor anterior são campos que traçam um histórico dos colaboradores que também foram responsáveis pelo processo.

Muitas vezes, os processos são transmitidos aos colaboradores somente oralmente, no ‘boca a boca’, o que prejudica o aprendizado e causa lacunas e desvios no processo. Por isso, a existência de um campo onde o colaborador relate o modo de aprendizado auxiliará o gestor a controlar e aperfeiçoar essa situação. Ressalta-se aqui também, a necessidades das empresas fazerem uso de instrumentos de aprendizagem.

4.5 Fluxograma e POP

As próximas guias são o Fluxograma e o Procedimento Operacional Padrão (POP). Caso os dois documentos já estejam previstos nos procedimentos organizacionais, devem ser anexadas todas as versões disponíveis. Caso contrário, deverão ser desenhados e indexados à Ficha de Registro de Memória Organizacional. Ao longo do tempo, o histórico de alterações do processo poderá subsidiar as modificações tanto do fluxograma, quanto do POP. Um aspecto importante deste processo é que na ausência desta formalização na organização, a memória organizacional torna-se também agente de estruturação dos processos administrativos, na medida em que registra e cria documentos norteadores do processo.

4.6 Projeto

Os projetos que envolvem processos geralmente ocorrem em torno de melhorias, porém a ausência do registro da elaboração e execução desses projetos pode ser um fator de perda de histórico do processo, devido às mudanças que são geradas. Os projetos podem ocorrer internamente ou a partir da contratação de uma empresa externa de prestação de serviços. A Figura 6 – “Projeto” contempla todas as informações que deverão ser registradas.

Nota-se que será preciso preencher com os dados do colaborador responsável pelo projeto e quem solicitou o desenvolvimento de determinado projeto, seguido da data de solicitação. O nome do projeto, a empresa responsável (caso haja) e o contato nessa empresa, a data de término do projeto também são fundamentais. Indicar o Status do projeto proporciona um acompanhamento por todos os envolvidos. O campo Melhoria conquistada relaciona-se com o objetivo do projeto e se isso foi realmente praticado.

O campo Relato é aberto para que o colaborador responsável descreva o que julgar necessário no decorrer do projeto.

Figura 6 – Projeto

Fonte: Elaborado pelas autoras (2020).

A partir desses campos, que podem parecer muito simples, a organização terá um material riquíssimo para acompanhar as mudanças nos seus processos, evitando perda de tempo e reimplantação de projetos, utilizando as mesmas metodologias. Por meio desse material será possível também identificar métodos inadequados, que não trouxeram resultados positivos para a organização e que, por isso, devem ser desconsiderados.

4.7 Siglas

A ficha de Siglas – Figura 7 - é uma das mais simples, porém pode ter grandes reflexos para a interpretação e compreensão dos processos pelos colaboradores que geralmente possuem muitas particularidades.

Figura 7 – Siglas

Fonte: Elaborado pelas autoras (2020).

A ficha Sigla compõe-se de duas colunas, uma para indicar a sigla e a outra para descrição por extenso. Certamente, se um processo não possuir siglas não será preciso preencher, logo deve ser preenchida de acordo com a necessidade de cada processo.

4.8 Tomada de decisão

As tomadas de decisões são sempre focos de discussões, tanto nas Ciências da Administração, por meio dos seus variados modelos de tomada de decisões, como na Ciência da Informação, onde se ressalta a importância de acessar documentos e informações para que a tomada de decisão seja mais assertiva, com redução do risco de erro.

O estudo sobre o processo decisório organizacional tem sido objeto de investigação de diversos teóricos e gestores, pelo menos nos últimos 50 anos. A importância das reflexões sobre essa temática é indiscutível para a sociedade contemporânea, uma vez que as organizações necessitam, cada vez mais, de decisões acertadas, em um espaço de tempo mais reduzido (LOUSADA, VALENTIM, 2011, p. 148).

Manter um acervo sobre as tomadas de decisões já realizadas contribui com os cenários futuros, quando novas decisões serão necessárias. O tempo em que uma informação é acessada também reflete nas tomadas de decisões, por isso, destaca-se a relevância de criar um repertório contínuo das tomadas de decisões sobre determinado processo. Segue a Figura 8 – “Tomada de decisão” e as explicações de cada campo.

Figura 8 – “Tomada de decisão”

Fonte: Elaborada pelas autoras (2020).

Essa ficha contempla os dados dos colaboradores responsáveis pela tomada de decisão, se foi uma solicitação e quem solicitou, seguido da data, a síntese do que é a tomada de decisão e o relato. As fichas sempre contemplam campos abertos, onde o colaborador pode inserir o máximo de informação possível. As tomadas de decisão também podem causar grandes mudanças nos processos. Esse registro possibilitará retomar os caminhos que o processo percorreu para tornar-se o que é nos dias atuais.

4.9 Análise de resultados

Apesar da memória estar frequentemente ligada às questões institucionais, destaca-se a importância da aplicação em torno de atividades operacionais, pois com a velocidade como as próprias organizações se transformam, recomeçar um projeto ou processo pode se configurar como prejuízo à organização. Criar a cultura de olhar para a trajetória dos seus processos, valorizar o conhecimento de seus colaboradores, sua documentação produzida, sem dúvida, dará vantagens competitiva à organização.

Ao longo do referencial teórico, a compreensão dos fundamentos da memória organizacional possibilitou identificar elementos contributivos para sua aplicação, apontando outras ferramentas que podem compor também de maneira significativa a memória organizacional. Essas relações que permeiam a memória organizacional estão demonstradas na Figura 9– “Memória Organizacional e suas relações”.

Figura 9 – “Memória Organizacional e suas relações

Fonte: Elaborada pelas autoras (2020).

Todos os elementos que formam a memória organizacional objetivam registros, momentos que um processo de nível operacional pode passar, desde a elaboração de novos projetos, transição de colaborador, alterações nos processos, entre outros demonstrados na figura e discutidos no decorrer da pesquisa.

Concentrar esses elementos em um único instrumento – a Ficha de Registro de Memória Organizacional – dinamiza o input de informações, o controle de todos os registros e principalmente o acesso às informações. Nesse momento percebe-se a relação existente entre a gestão de documentos, a gestão da informação e a gestão do conhecimento, que pode se construir a partir desse projeto de registro da memória organizacional.

Devido à escassez de recursos despendidos aos setores de gestão de documentos, a presente pesquisa buscou o desenvolvimento de uma ferramenta em um aplicativo que geralmente são utilizados nas organizações. Por outro lado, nada impede que esses elementos sejam desenvolvimentos em outros aplicativos mais elaborados e seguros. Entende-se que o registro dos elementos apresentados contribuirá de modo eficaz com a construção da memória organizacional em nível operacional, proporcionando à organização construir um repertório pertinente à regularidade dos seus processos e às tomadas de decisão.

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Captar, registrar, selecionar documentos e informações com potencial de memória organizacional é atividade pertinente ao arquivista da organização, haja vista que ele possui competência e habilidades para gerenciar essa prática. Porém, sem o apoio dos indivíduos envolvidos, esse processo torna-se penoso, e talvez impossível de ser realizado, uma vez que parte do resgate e construção da memória organizacional está intrinsecamente relacionada às experiências dos indivíduos dentro das organizações, no referenciado conhecimento tácito, logo é preciso torná-lo explícito, por meio de mapeamento de processos e criação de registros e gerenciá-lo com a implantação da gestão do conhecimento, que possibilita a criação de um ambiente propício à socialização e às trocas interpessoais, fomentando uma cultura do conhecimento.

Somado a isso, é preciso conhecer o campo em que está inserido, pesquisar a fundo a documentação produzida e possíveis trajetórias do objeto pesquisado, a gestão de documentos auxiliará nesse processo, uma vez que que a documentação estará organizada e acessível. Os processos modificam-se, aperfeiçoam-se, por isso é preciso registrar essas mudanças e sempre revisar os processos e fluxos formais, a gestão da informação também faz parte desse processo.

A memória proporciona diversos registros, seja de elementos culturais, acontecimentos, sentimentos, atitudes, ações, atividades, dentre outros, que possibilitam ao indivíduo uma identidade individual ou coletiva. Por ocorrer no presente e remeter o indivíduo ao passado, pode transformar-se. Em ambientes organizacionais, essa transformação precisa ser controlada. A memória organizacional, ferramenta responsável por gerenciar as informações e conhecimentos em ambientes corporativos, ou órgãos públicos propicia esse controle.

A partir da pesquisa realizada, e compreendendo os elementos essenciais à memória organizacional, foi possível a construção da Ficha de Registro de Memória Organizacional, com o intuito de otimizar e padronizar o registro de situações que fazem parte da construção da memória organizacional: criação e alterações no processo, projetos e tomadas de decisões, entre outros.

O objetivo desta pesquisa foi construir um instrumento em aplicativo acessível como é o caso do Excel, porém nada impede que a Ficha de Registro de Memória Organizacional seja elaboradora em outros ambientes de tecnologia da informação, mais flexíveis, dinâmicos e seguros.

No desenvolvimento desta pesquisa identificou-se que a elaboração de fluxograma e de Procedimento Operacional Padrão são contributivos à memória organizacional e, juntamente com a construção da Ficha de Registro de Memória Organizacional percebeu-se claramente a relação da memória organizacional com a Gestão do Conhecimento, uma vez que esses instrumentos captam o conhecimento dos colaboradores tornando-os explícitos e consultáveis.

A memória organizacional visa criar meios de registrar os acontecimentos de uma organização, porém possui um fenômeno intrínseco que está atrelado à memória: o esquecimento. Por vários motivos pode ocorrer a decisão (ou ausência dela) de não registrar, isso deve ser observado pelo responsável do setor e arquivista, pois a memória organizacional também busca minimizar a carência de registros da atuação das organizações.

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1 Doutoranda no Programa de Pós-Graduação em Ciência da Informação. Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho, Brasil. ORCID http://orcid.org/0000-0001-5602-2274. E-mail: izidio1985@yahoo.com.br

2 Doutora em História Social pela Universidade de São Paulo, Brasil. Docente do Departamento de Ciência da Informação. Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho, Brasil. ORCID http://orcid.org/0000-0002-5861-9063. E-mail: marcia.pazin@unesp.br

3 Planejamento de Recursos Empresariais