Tecnologia e Estética da Cerâmica Itararé-Taquara no Paraná: dados etno-históricos e o acervo
do Museu paranaense
Claudia Inês Parellada1
Resumo
Neste artigo faz-se a discussão de aspectos tecnológicos
e estéticos da cerâmica Itararé-Taquara através de dados etno-históricos e de materiais existentes no acervo do Museu Paranaense, fundado
em 1876, em Curitiba. Na análise busca-se uma maior compreensão sobre a ocupação do Paraná por grupos ceramistas atribuídos a populações
Jê, como cronologicamente isso ocorreu, e algumas características diagnósticas da cerâmica. No estudo foi identificado e descrito um método
diferente de manufatura da cerâmica Itararé-Taquara, o paleteado, avalizado por radiografias de vasilhames com espessura muito fina.
Palavras-chave: Cerâmica Jê arqueológica, Tradição Itararé-Taquara, arqueologia paranaense.
Abstract
In this paper we discuss technological and aesthetical aspects of Itararé-Taquara ceramic through both ethnohistoric data and objects of Paranaense Museum, opened in 1876 in the city of Curitiba. The analysis enlarges the comprehension
about Paraná ocupation by ceramic groups related to Jê populations, the chronology of its occurrence, and some ceramic attributes. In this study a different method of manufactu-ring Itararé-Taquara ceramics was identified and described: the “paleteado”, recognized by radio-graphies of thin walled vessels.
Keywords: Jê archaeological ceramic, Itararé-Taquara Tradition, archaeology of Paraná
A formação do acervo
Jê Meridional no museu
paranaense
A compreensão da Tradição Itararé-Taquara como relacionada a populações da família
lingüística Jê meridional2, fica evidenciada com a análise de documentação etno-histórica e dos acervos de museus e instituições culturais. O Museu Paranaense foi inaugurado em Curitiba em 1876, passando a pertencer à Província do Paraná em 1882 (Fernandes, 1936). Inicialmente foram reunidos materiais que participaram de exposições internacionais e representavam aspectos
diferenciados do Paraná (Leão, 1882), sendo o acervo bastante diversificado. Objetos arqueológicos e indígenas eram incorporados através de doações esporádicas por intelectuais, empresários e populares que encontravam esses vestígios em áreas de plantações agrícolas, na abertura de estradas e ruas, na construção e reforma
de edificações, e mesmo, comprados ou trocados com índios nas aldeias ou que vinham a Curitiba. Romário Martins, diretor do Museu Paranaense entre 1902 e 1926, recebia na instituição,
com certa freqüência, a visita de indíos Jê e Guarani, dos quais obtinha materiais e tirava fotografias, entrevistando alguns indivíduos.
Em 1936, com a nomeação do médico e antropólogo Loureiro Fernandes como diretor do Museu Paranaense houve alterações no tratamento do acervo, através da criação de departamentos técnicos e da entrada de novos pesquisadores. A partir de 1938 aconteceu uma significativa ampliação das coleções etnográficas e arqueológicas, com pesquisas em várias áreas do litoral e interior do Paraná, algumas executadas
em parceria com a Universidade do Paraná, atual Universidade Federal do Paraná - UFPR (Menezes, 1967). Loureiro Fernandes buscou incessantemente
o aumento do acervo do Museu, inclusive através da aquisição de coleções particulares.
Como exemplos temos a de Telêmaco Borba, político paranaense, e a do fotógrafo José Ruhland, de Florianópolis, gerente da Sociedade Livonius, de Blumenau.
Entre 1950 e 1965, o Museu Paranaense recebia parte do material recuperado em campo de vários cursos intensivos de arqueologia rea-lizados no Paraná, com arqueólogos brasileiros e estrangeiros, como Altenfelder Silva, Oldemar Blasi, Anette Laming e Joseph Emperaire, entre muitos outros. A escavação do sítio arqueológico
Estirão Comprido, com múltiplas ocupações, sendo grande parte dos materiais Itararé-Taquara, trouxe importantes contribuições científicas.
O cineasta e documentarista Vladimir Kozak registrou várias atividades dessa época, tanto em fotografias, slides, pinturas a óleo e aquarelas, além de filmes e registros sonoros. Todos esses materiais, inclusive equipamentos e mobiliários, foram incorporados ao acervo do Museu Paranaense a partir de 1979, data de falecimento
de Kozak, que não possuía herdeiros. São muitos os documentos imagéticos deste acervo relacionados aos Kaingang e Xokleng do sul do Brasil, especialmente Paraná e Santa Catarina. Em 1966, Vladimir Kozak ainda conseguiu fazer o registro da manufatura de redes em urtiga brava por uma índia Xokleng idosa, que usou bigorna e batedor em diabásio para a retirada da fibra. Dessa mesma época, o cineasta documentou em filme e fotografias a produção de cerâmica por outra índia Xokleng, em Ibirama, Santa Catarina, através das técnicas do modelado e roletado, com queima a céu aberto e argila coletada na própria região. Ainda, em 1960, Kozak filmou a confecção de cerâmica tradicional cabocla do litoral central paranaense pela Senhorinha Romão e auxiliares, que utilizavam uma mistura de técnicas indígenas e luso-brasileiras.
Em 1954, com o apoio de Loureiro Fernandes,
foi criado o Instituto de Pesquisas da UFPR, que junto com o Museu Paranaense, rea-lizou diversas escavações em sítios do Paraná. Logo depois veio a separação da Universidade, mas o Museu continuou a desenvolver pesquisas arqueológicas intensivas em praticamente todo o território paranaense.
O acervo do Museu Paranaense foi dividido
com a criação de várias instituições no século XX, como por exemplo, em 1963, na fundação do Museu de Arqueologia e Artes Populares da Universidade do Paraná, em Paranaguá.
Novos museus e centros culturais criados no interior do Paraná na década de 1990 também
receberam o empréstimo por longa duração de peças do acervo arqueológico do Museu Paranaense3.
Nestas instituições (Figura 1) existem materiais expostos Kaingang e/ou Xokleng, e arqueológicos da Tradição Itararé-Taquara.
No Museu Paranaense, desde 2002, exis-tem reservas técnicas climatizadas e o acervo ar-queológico e etnológico está sendo mantido em temperatura de 21o C e umidade de 60%, cons-tantes. Os materiais arqueológicos estão separados por matéria-prima, higienizados, numerados individualmente,
organizados em caixas de plástico com estrutura alveolar, de cor transparente e/ou cinza, etiquetadas segundo a ordem de numeração das coleções e protegidas com papel de ph neutro. As embalagens tem dimensões padronizadas de 35 x 24,4 x 13 cm, e estão organizadas em estantes de aço, com mezanino, algumas esmaltadas e outras com pintura em epoxi-pó, a mais recomendada (Parellada, 2006).
As coleções arqueológicas e etnológicas
do Museu Paranaense estão informatizadas através do banco de dados Access, onde facilmente
são visualizadas características básicas para identificar as coleções. O banco de dados do acervo arqueológico, com cerca de 2.500 coleções e 305.000 peças, constitui um conjunto
de tabelas relacionadas, sendo que desse total cerca de 600 coleções e 55.000 peças são da Tradição Itararé-Taquara.
O acervo etnológico do Museu Paranaense
reúne cerca de 3.000 peças, classificadas segundo o Thesauro da Funai (Motta & Oliveira, 2006). Desse total cerca de 300 peças são atribuídas
aos Kaingang e 250 aos Xokleng. Dentre os materiais classificados como Kaingang, os que possuem maior destaque são as armas, como arcos
e flechas, alguns ricamente decorados, sendo grande a presença de cestos e chapéus. Porém, existem poucos vasilhames, alguns com forma de porongos, a maioria com influência cabocla. No acervo Xokleng existem muitos arcos e flechas,
grandes lanças, a maioria com pontas em ferro batido, além de cestos em taquara e cipó imbé, alguns revestidos internamente de cera de abelha. As demais peças estão representadas por tembetás em osso, nó de pinho e guajuvira; virotes
em madeira e diabásio; e bolsas em urtiga brava, cujas tramas parecem assemelhadas a motivos
de vasilhames arqueológicos do Museu.
Fig.
1 – Planta de localização de áreas mencionadas no texto, onde está a localização de alguns museus, projetos e sítios arqueológicos com materiais Itararé-Taquara no Paraná.
Discussões sobre a
ocupação ceramista Itararé-Taquara no Paraná
Em território paranaense as ocupações humanas mais antigas, já datadas, são de cerca de 10.000 anos, sendo relacionadas a grupos caçadores
coletores nos vales dos rios Tibagi e Igua-çu. Há cerca de 4.000 anos atrás, com o clima tornando-se mais quente e úmido e as florestas de araucária em expansão, aparecem os primeiros vestígios de horticultores e ceramistas em território atualmente compreendido pelo Estado do Paraná, associados à Tradição Itararé-Taquara.
O manejo de espécies florestais com frutos, como o pinhão e a pitanga, e o início da prática agrícola, podem ter colaborado no aumento populacional e na ocupação intensiva de novos espaços. O cultivo agrícola pode ter origem na escassez de alimentos causada por mudanças climáticas, como aponta o mito da agricultura em grupos Kaingang, relatado por Borba (1908), fenômenos esses que poderiam ser provocados pelo El Niño (Barghini, 2004).
Os territórios precisavam ser delimitados,
pois aumentava a densidade demográfica, e as áreas manejadas para a garantia da coleta, caça, extração de matéria-prima, como as rochas, mine-rais, madeiras, plantas para trançado e cestaria, e da argila para cerâmica, além de locais para cultivo
agrícola. A cerâmica, nesse caso, parece estar associada a uma maior estabilidade habitacional, apesar da possibilidade dela já estar sendo confeccionada
mesmo sem a horticultura.
A Tradição Itararé-Taquara é característica das Terras Altas Sul-brasileiras, cujas populações são relacionadas à família lingüística Jê (Chmyz, 1968; Schmitz, 1988). Através de análises lingüísticas,
Urban (1992) sugere que o núcleo de origem
e radiação da família Jê possa ser entre as nascentes dos rios São Francisco e Araguaia, em planaltos do Brasil central, próximos à antiga área Xacriabá. Possivelmente houve troca genética, e um processo de dinâmica cultural, entre os povos que migravam do Brasil Central e os caçadores-coletores já existentes em território paranaense, sendo que isso pode ter ocorrido com mais de um grupo caçador coletor.
A ocupação Itararé-Taquara deu-se, preferencialmente, em planaltos cobertos por campos, associados a floresta subtropical com pinheiros araucária, havendo assentamentos em vales de rios, no litoral e na serra atlântica. Observa-
se também a ocupação de abrigos, cavernas e estruturas semi-subterrâneas, com grande dife-renciação de usos (Beber, 2004; Chmyz, 1968, 1995; Reis, 2002; Schmitz, 1988, 1991). Ainda existem referências a monólitos, alinhamentos de pedras e megálitos, discutidos em detalhe por Langer e Santos (2002), no vale do Iguaçu, e sepultamentos com pedras no vale do médio Ribeira e no Tibagi, descritos, respectivamente, por Robrahn (1989) e Mota el al (2005).
Muito provavelmente parte das pinturas rupestres encontradas no Paraná sejam relacionadasà Tradição Itararé-Taquara (Parellada, 2003) e as gravuras rupestres mapeadas no médio rio Iguaçu por Chmyz (1968, 1969) foram filiadas a esta tradição. No baixo Iguaçu, nos sítios Ouro Verde e Cruz Alta (Figura 1), existem ocupações destes ceramistas em áreas que apresentam gravuras
rupestres geométricas.
Em Misiones, no nordeste argentino, Menghin (1957) descreveu sítios com cerâmica lisa, e outros com elevações no solo, com 20 m de diâmetro e 3 m de altura, chamando-os de túmulos, inseridos em anéis circulares de terra, com diâmetro entre 60 e 180 m, onde ocorria cerâmica fina, mas com engobo vermelho e negro,
e incisões no bojo externo. Denominou este conjunto de Complexo Eldoradense, relacionando-
o a grupos Jê, porém não fazendo uma filiação
direta aos Kaingang daquela região.
A cerâmica Itararé-Taquara caracteriza-se, em sua maioria, pelo pequeno volume e espessura
fina, sendo os artefatos líticos mais representativos
as mãos de pilão, lâminas de machado lascadas ou polidas, geralmente em formato petalóide,
talhadores, raspadores e lascas. No leste e norte do Paraná a cerâmica apresenta geralmente superfícies alisadas, com aplicação de engobo negro e/ou vermelha. Entretanto, no centro-sul paranaense ocorrem em maior proporção fra-gmentos cerâmicos com as faces externa decoradas
com incisões geométricas, marcadas com malha e/ou tecidos, e mesmo carimbadas, sendo alguns padrões recorrentes no sul do Brasil, conforme
dados observados em Silva (2001).
Em 1967, Chmyz (1967) definiu a Fase cerâmica Itararé, a partir de vestígios recuperados
na confluência dos rios Itararé e Paranapa-nema. Em 1968, ampliou os estudos no Paraná e caracterizou as Tradições Itararé e Casa de Pedra, diferenciando-as, inicialmente, pelas formas
e tratamentos de superfície dos vasilhames cerâmicos (Chmyz, 1968), e aventou a hipótese da Casa de Pedra corresponder aos Kaingang, e a Itararé aos Xokleng.
Ao mesmo tempo, em 1967, no nordeste gaúcho, Eurico Miller definiu a Fase cerâmica Taquara, com as chamadas “casas subterrâneas”, e Brochado et al (1969) a Tradição Taquara. Miller (1971) sugeriu a unificação das Tradições Itararé e Taquara devido à similaridade, e vários autores publicaram artigos questionando as diferenças, mínimas, entre estas e a Tradição Casa de Pedra (Mentz Ribeiro, 1980; Miller Jr, 1978; Schmitz, 1988, 1991). Na década de 1980, houve a utilização
do termo Tradição Regional Itararé/Casa de Pedra, que agregava as duas descritas no Paraná, por Chmyz (Robrahn, 1989).
Noelli (1999), Reis (2002) e Beber (2004) analisaram, em detalhe, a arqueologia relacionada
aos Jê no sul do Brasil, e de problemas interpretativos
decorrentes de métodos do PRONAPA,
evidenciando a necessidade da reavaliação das Tradições Itararé, Casa de Pedra e Taquara. Araújo (2001, 2007) aponta várias semelhanças entre as diferentes Fases e Tradições dos Jê meridionais,
propondo alternativas para um termo unificador das três tradições, selecionando o composto Itararé-Taquara, que adotamos aqui.
De Masi (2006) aponta datações de até 4810-4750 (cal) anos AP para sítios Itararé-Taquara estudados no baixo vale do Canoas, em Santa Catarina. No baixo Ivaí, no município
paranaense de Guaporema, no nível intermediário
do sítio José Vieira (Figura 1), foram caracterizados vestígios Itararé-Taquara, sendo que a datação de 3435 +175 anos AP (Gsy-82) parece estar relacionada a este nível.
Chmyz et al (1999) relacionam várias datações de radiocarbono para sítios Itararé-Taquara, algumas bastante recuadas e que ainda estão sendo avaliadas, separando-as por Fases. Assim,
na Fase Açungui o período ficaria entre 3825 a 190 anos AP; na Fase Xagu, de 2355 a 715 anos AP; na Fase Candói, de 2055 a 715 anos AP; e na Fase Cantu, de 845 a 470 anos AP. As datas mais antigas são de sítios do médio rio Iguaçu.
Em áreas limítrofes ao nordeste do Paraná, junto ao médio e alto Ribeira, foram estudados muitos sítios Itararé-Taquara (Robrahn,
1989; Robrahn-González, 1997; Robrahn-
González & De Blasis, 1998), com datações
de 920, 595 e 270 anos AP (Beta). Próximo a Curitiba, Chmyz (1995) pesquisou vários sítios
Itararé-Taquara, datando um localizado às margens do rio Passaúna, o PR CT 53, em 848 + 70 anos AP e 458+50 anos AP (Beta). Parellada (2006) pesquisou o abrigo da Janela, no nordeste paranaense, município de Sengés (Figura 1). Este sítio-acampamento de populações Itararé-Taquara, onde foram também documentadas pinturas rupestres, apresenta amostras de carvão de uma das fogueiras datada por AMS em 1790 210 anos AP (ANU- 192-27).
Alguns autores, como Chmyz (1976), Neves et al (1984) e Neves (1988), sugerem que houve um grande deslocamento populacional no sentido planalto-litoral em 950 anos AP, devido às pressões territoriais sofridas pelos grupos Itararé-Taquara, em confronto, possivelmente,
com os Tupiguarani. Juntamente com Beck (1974), apontam que, a partir dessa data, houve assentamentos tardios dos Itararé-Taquara em sambaquis da costa. Na superfície de vários sambaquis do litoral paranaense, de Guaraqueçaba
a Guaratuba, caracterizou-se cerâmica Itararé-
Taquara (Chmyz, 1976; Parellada & Gottardi Neto, 1993).
Assim, provavelmente há cerca de 1000 anos atrás pode ter ocorrido um retorno a áreas “míticas” ancestrais, devido às mudanças climáticas ou mesmo em função das pressões de outros grupos ceramistas organizados, mais ao sul, como os Guarani, e ao norte, como os Tupi (Parellada, 2006).
Novas abordagens na
caracterização Tecnológica da cerâmica Jê Meridional
A caracterização tecnológica da cerâmica arqueológica no Paraná ainda está cercada por muitas incertezas, pois houve ênfase apenas na análise macroscópica da pasta, na morfologia e em aspectos decorativos. Por sua vez, análises arqueométricas
foram realizadas através de estudos pontuais, representados pelos trabalhos de Appoloni
et al (1997), Silva (1999) e Parellada (2006).
Apesar da cerâmica Itararé-Taquara possivelmente
possuir cerca de 4.000 anos, os índios da família lingüística Jê meridional, atualmente representados no Paraná por 9.000 índios Kaingang
e 50 Xokleng não produzem mais cerâmica tradicional. Miller Jr (1978) realizou um deta-lhado levantamento em campo de métodos de manufatura, queima e tratamento de superfície com índias Kaingang do interior de São Paulo, sendo que naquela época no Paraná já não havia registro de índios Jê que fizessem cerâmica. Assim,
o Museu Paranaense, em parceria com ou-tras instituições, vêm desenvolvendo projetos que visam ampliar o conhecimento sobre a tecnologia cerâmica arqueológica paranaense, podendo esta transformar-se em uma alternativa de renda para algumas comunidades indígenas no Paraná.
No acervo do Museu também existem tecidos
Kaingang e Xokleng do século XIX, em fibras de urtiga brava, como mantas com trama fechada (os curús), decoradas com pinturas ou bordados em preto e vermelhos, e malhas com tramas abertas, como bolsas com alças, algumas com padrões semelhantes
a tipos decorativos externos de cerâmica Itararé-Taquara (Parellada, 2007).
Deve ser comentado que entre vários objetos e mesmo padrões decorativos Kaingang e Xokleng, etno-históricos e atuais, as formas tem proporções semelhantes a das habitações tradicionais. Assim, podem ser observadas as ilustrações de casas de Ca-en-gagn da Província do Paraná, feitas por Keller (1974) em 1866. O interior de uma habitação desenhada por Keller mostra detalhes e aspectos geométricos, das dimensões
e do arranjo espacial de objetos e indivíduos
dentro da casa (Parellada, 2006). A largura
e a altura são praticamente as mesmas, e a abertura para entrar na habitação tem altura de um terço do total da parte frontal, sendo visua-lizados cestos, vasilhames e esteiras.
De acordo com dados de pesquisa arqueológica
realizada entre 1999 e 2005 no alto vale do Ribeira, nordeste paranaense (Parellada, 2006), as estruturas de habitação em paleo-aldeias Jê, caracterizadas por fotointerpretação, revelam que as casas retangulares foram cons-truídas em grande parte dos sítios cerâmicos Itararé-Taquara dos conjuntos Marrecas e Morro Grande, apresentando comprimento e largura muito variáveis, entre 10x 6m a 20x 8m (sendo que a medida mais recorrente é a 15x 6m). As datações de sítios Jê naquela região concentram-se entre 1000 e 800 anos AP, portanto, antes do contato com os colonizadores europeus.
Alguns dados
macroscópicos do acervo cerâmico Itararé-Taquara
do museu paranaense
Várias coleções de cerâmica Itararé-Taquara do Museu Paranaense já foram estudadas,
principalmente em relação a aspectos tecnológicos,
como o tipo de argila e de pasta, tipo e quantidade de antiplástico, método de manufatura,
tipo e temperatura de secagem e queima e espessura da parede (Rye, 1981; Shepard, 1956). Também foi caracterizado o tratamento de superfície,
nas faces externas e internas, bem como descritas as formas, fazendo-se analogias com a cerâmica produzida por grupos históricos Kaingang
e Xokleng (Miller Jr, 1978; Noelli et al, 2003; Robrahn- González, 1997; Silva, 1999).
No trecho X, paranaense, do Gasoduto Bolívia-Brasil (Gasbol) foram analisados cerca de 4.800 fragmentos de cerâmica Itararé-Taquara (Figura 1). De uma forma geral, esta cerâmica é pouca espessa, possuindo como antiplásticos feldspato e quartzo, com grãos de até 6 mm de comprimento máximo, cerâmica moída, e raros grãos arredondados de hematita. A queima é geralmente incompleta, com o núcleo acinzentado,
sendo caracterizado em apenas um sítio (Volta Grande 2) um objeto modelado, provável conta de adorno. As bases são planas, côncavas e convexas e as formas cilíndricas, semi-esféricas, globulares e ovais, sendo reconstruídas 14 formas nos conjuntos Marrecas, Bomba, São Sebastião e Morro Grande. Em parte dos fragmentos detectou-
se engobo negro e entre 10 a 15% do total, engobo vermelho, que não havia sido registrado antes no Ribeira.
O método de manufatura da pasta do material cerâmico simples é o acordelado e o paleteado, sendo rara a observação macroscópica dos cordéis. No tipo simples os antiplásticos são areia fina a grossa, predominando a primeira. Na maior parte dos exemplares aparecem cristais
de quartzo e pedaços de feldspato com tama-nho entre 0,5 a 3 mm. Raros são os fragmentos com carvão e grânulos de hematita, que ocorrem
com dimensões de até 1,5 mm. A textura, na maior parte dos exemplares, apresenta-se homogênea,
com poucos alveólos de ar distribuídos
na massa. A fratura é geralmente irregular e pouco friável. Há pouca variação entre os conjuntos
Marrecas, Bomba, São Sebastião e Morro Grande. A maioria possui pasta com tons cinzas a negros e queima com oxidação incompleta. Predomina no material a cor marrom escura a avermelhada, havendo grande proporção de marrom claro e bege. Geralmente, a superfície externa é bem alisada, com sinais do uso de alisadores,
sendo comuns as manchas de queima. Em geral, os fragmentos são ásperos ao toque e alguns apresentam-se erodidos, trincados e com antiplásticos aflorando na superfície.
A cerâmica decorada foi classificada como possuindo engobo negro, geralmente incorporado
através do esfumaramento, e engobo
vermelho, normalmente recobrindo toda a superfície, aparecem em maior proporção (20% dos fragmentos, no conjunto Morro Grande). É importante destacar que a cerâmica escavada possui, geralmente, cor um pouco diferenciada da original, quando recém-queimada. As variações
na cor ocorrem devido a diversos fatores, entre os mais comuns estão: ação mecânica (como a erosão e a abrasão), depósitos causados
pelo uso, percolação de água, bactérias, ácidos
e substâncias orgânicas presentes no solo e reações químicas em alguns elementos constituintes dos pigmentos dos engobos e pinturas.
Ainda os diferentes acessos de ar durante a queima e o resfriamento podem causar variações
de cor na superfície dos vasilhames; sendo comuns manchas de queima (Rye, 1981).
Em alguns dos vasilhames cerâmicos restaurados, recuperados no resgate do Gasbol, observam-se fragmentos com amplas variações de cor. Acredita-se que com a quebra do recipiente
na época da ocupação das áreas, os fra-gmentos devem ter sido descartados, e assim, estando espalhados e dispostos em níveis dife-rentes, ou mesmos posições distintas, parte deles
foram reaquecidos com temperaturas altas (800º a 1000ºC), que podem acontecer em queimadas.
Este fator determinou que uma parte da cerâmica apresentasse tonalidades mais claras. Fazendo com que anomalias de cor aparecem em 5% dos vasilhames restaurados. As estruturas
especializadas, como as de cozinha, são as com maiores chances de ficarem preservadas, e o tipo de abandono do sítio produz diferenças na disposição de refugos nas estruturas.
Em 1996, nos estudos de impacto ambiental
executados para o planejamento da Pequena Central Hidrelétrica Guaratuba, pela Copel, junto à Serra do Mar paranaense (Figura 1), foram cadastrados seis sítios Itararé-Taquara. Nestes sítios, alguns em terrenos íngremes, ocorria cerâmica associada a microlascas, raspadores
e talhadores, em dois deles também havia vestígios de cerâmicas neobrasileira (Parellada, 2006). Em fotografias aéreas4 foram observadas estruturas ovaladas a elipsoidais, relacionadasàs paredes de habitações de antigas aldeias.
Os sítios mediam de 80 x 100 m a 150 x 150 m, com a camada arqueológica geralmente aflorando à superfície, devido a perturbação causada por atividades antrópicas, como plantações
de mandioca e banana. A cerâmica, com
Fig. 2 - Forma de vasilhame cerâmico reconstruído do sítio arqueológico Elídia Furquim, situado no município de São José dos Pinhais (PR).
Fig. 3 - Formas de vasilhames cerâmicos reconstruídos do sítio arqueológico Ribeirão Potreiro, situado no município de Guaratuba (PR).
manufatura acordelada e paleteada, teve queima
com oxidação incompleta, o que tornou a pasta com tons escuros, raramente ocres. Os antiplásticos
são, em maior proporção, grãos de quartzo hialino e leitoso, sub-angulares a sub-arredondados, com até 5 mm, ocorrendo em menor freqüência feldspatos, mica, cerâmica moída, carvão e hematita. A fratura é irregular,
oscilando de compacta a friável. As espessuras
dos bojos variam de 3 a 13 mm, sendo que predominam os na faixa de 5-6 mm. A cor da superfície varia do marrom claro ao negro, aparecendo com menor freqüência os tons ocre a laranja. Os tipos de tratamento de superfície identificados foram o engobo vermelho e o negro,
sendo que alguns fragmentos apresentam aderidas na face interna crostas de restos alimentares,
alguns com espessura de 3 mm.
A reconstituição parcial destes vasi-lhames revelou formas globulares a arredondadas
pequenas, sendo que o diâmetro da boca varia de 9 a 22 cm. Por sua vez, as bases são levemente planas, côncavas e convexas (Figuras 2 e 3). No sítio Ribeirão Potreiro foi coletado o maior número de fragmentos cerâmicos (130) e materiais líticos (15).
Silva (1999) ressalta que somente através da análise das cadeias operatórias é possível a verificação
da natureza e das motivações, simbólicas e/ou tecno-funcionais e adaptativas, da seleção de estilos tecnológicos por determinadas culturas. O estilo tecnológico pode ser definido, segundo Reedy e Reedy (1994), como a forma em que os indivíduos desenvolvem um trabalho, incluindo as opções na escolha de materiais e técnicas de produção. Baseada nesta concepção, Silva (1999) faz uma análise comparativa detalhada de dados etno-históricos relacionados a cerâmica Kaingang e Xokleng, buscando diferenciações entre as cadei-as operatórias destes dois grupos. São verificados aspectos, como a seleção, extração e tratamento da matéria-prima, incluindo argila e antiplásticos, e o processo de manufatura, inclusive as formas de construção dos vasilhames, de secagem, queima e acabamento de superfície. A autora destaca a semelhança dos estilos tecnológicos para a produção dos vasilhames cerâmicos desses dois grupos e a importância do aprofundamento dos estudos de coleções etnográficas para tentar esclarecer a dife-renciação entre a cerâmica Kaingang e Xokleng.
Em 1866, Keller (1974: 17) descreveu a cerâmica Coroado, observada em grupos do rio Tibagi, no Paraná: “As panellas de barro bem cozido tem uma forma geral menos elegante de que as dos Cayoás, porém distinguem-se por um polido ou verniz durável de côr preta que sabem dar-lhes pela fricção com as folhas do palmito. Às vezes mostrarão ao lado exterior ornamentos do mesmo estylo como são os dos curús”.
Em 1939, índios Kaingang mais idosos de Palmas, relataram para Fernandes (1941) a tradição feminina da confecção das panelas de barro (kukrõ). Inicialmente, algumas variedades de argila, nas barrancas dos rios, eram selecionadas,
para depois fazerem roletes, que superpostos formavam vasilhames. A superfície era simplesmente
alisada ou decorada externamente através de incisões, feitas antes da queima do vasilhame, com varetas de madeira ou com a extremidade do sabugo de milho.
Fernandes (1941) cita o uso de gomos de taquaruçu para fazer pequenas vasilhas, com diâmetro de 17 cm e altura de 16 cm, inclusive gomos de diâmetro menor eram usados, tais como copos, na festa dos mortos. Havia farta utilização dos porongos, de aspecto e volume diferenciados, frutos secos de cucurbitáceas, que possuem múltiplos usos, seja para acondicionamento
de líquidos, grãos e pigmentos, bem como para a preparação de alimentos. Alguns eram decorados com figuras de animais, como os recuperados por Borba (1908) no final do século XIX, e que fazem atualmente parte do acervo do Museu Paranaense.
Arqueometria e Cerâmica Itararé-Taquara
A utilização de técnicas nucleares não-destrutivas tem colaborado na identificação de pigmentos de pinturas, tanto em construções, como em quadros e afrescos. No Brasil têm-se alguns trabalhos com cerâmicas arqueológicas pintadas, como os descritos em Appoloni et al (1997).
As técnicas de análise geralmente usadas na identificação de pigmentos são a Espectroscopia
Raman, que detecta a composição molecular; a Espectroscopia com Fluorescência (SEM- EDX), que observa a composição dos elementos e tem excelente resolução espacial; e a Fluorescência de Raio X (XRF). Esta última permite a possibilidade de levar a campo um equipamento portátil, mais compacto, ou utilizar-se no laboratório equipamentos
que oferecem maior complexidade de informações.
Os resultados são melhores com pigmentos
inorgânicos, sendo a técnica não destrutiva e a mais importante para identificar os pigmentos de vasilhames cerâmicos maiores, sem danificá-los. Ainda se usa o Espalhamento Compton, além de técnicas de irradiação com partículas carregadas, como Emissão de Raios X Induzida por Prótons (o PIXE) ou a Emissão de Raios Gama Induzida por Prótons (o PIGE), nas quais tem-se a caracterização da composição elementar. Há ainda a microscopiaótica, na qual pode ser definida a composição elementar e molecular, que tem boa resolução espacial.
Esta técnica pode ser não-destrutiva, micro-destrutiva ou destrutiva.
Os pigmentos orgânicos, por terem componentes com número atômico baixo, são melhor detectados pelo ERDA, um método de irradiação com partículas carregadas, onde é rea-lizada a Análise por Detecção de Recuo Elástico. A composição da pasta, segundo Appoloni et al (1997), pode ser analisada pelos seguintes métodos:
Densitometria por Transmissão de Raios Gama (GRT), para verificar a estrutura interna e a homogeneidade da amostra; e Retroespa-lhamento Rutherford (RBS), para identificar os elementos químicos que compõe a amostra.
Na cerâmica arqueológica Itararé-Taquara, além dos métodos de manufatura pelo modelado e roletado já descritos anteriormente na bibliografia, estudos recentes no Museu Paranaense,
desenvolvidos através de arqueologia experimental, associada a análise de tipos e direções de fraturas em fragmentos e peças cerâmicas arqueológicas,
apontaram a manufatura de parte da cerâmica pela técnica do paleteado, que explicaria
como foram confeccionados alguns pequenos
vasos com altura maior que largura, e com as paredes bastante finas.
No paleteado confeccionava-se o vasi-lhame inicialmente através de um cone de argila
apoiado em seixo arredondado de pedra, que era batido sucessivamente com uma paleta de madeira ou outro seixo, fazendo-se peças de diferentes formas e tamanhos. Foram realizados vários exames radiográficos em material cerâmico
Itararé-Taquara e Guarani, na clínica médica Diagnosis, através de conjunto radiológico RC 300D-Salgado & Herman de capacidade máxima de 300 miliampére, com timer eletrônico de precisão,
sendo o tempo de exposição de 0,06 s e a radiação variando entre 52 e 60kV. As peças analisadas foram posicionadas em mesa Bucky, com acabamento em alumínio, gaveta de aço inox e grade anti-difusora 8.1-80.
As radiografias confirmaram que alguns vasilhames Itararé-Taquara foram confeccionados
pela técnica do paleteado, observando-se uma massa muito homogênea e a ocorrência de marcas de impactos, com formas ovaladas a circulares de dimensões variadas. Nas radiografias
de objetos feitos pela técnica do roletado, comum em vasilhames Guarani, podem ser visualizados
traços da junção de cordéis, a maioria
horizontalizados, e, em algumas amostras, cordéis de composição diferenciada, devido a argila e os antiplásticos possuírem proporções ou origens variadas. Assim, tanto a técnica do paleteado, como a do roletado, pode ser caracte-rizada pela radiografia, isso com a correta seleção da intensidade de radiação a ser aplicada.
Na técnica do modelado a argila era moldada com as mãos, e no caso da cerâmica Jê meridional podiam ser utilizados porongos, frutos ocos, como moldes internos. Esses frutos eram queimados com a argila aderida na superfície,
desaparecendo com as altas temperaturas, mas deixando impressões no interior dos vasi-lhames. Esta técnica também era empregada na confecção de pequenos vasinhos e cachimbos.
Na técnica do roletado, usado tanto por grupos Tupi-Guarani como Jê, os vasos eram confeccionados
através de roletes ou cordéis de argila, sucessivamente ligados e apoiados uns sobre os outros. Depois de secos a sombra, havia a sucessão
de brunidura ou polimento da superfície externa através de pequenos seixos arredondados, principalmente em silexito, folhas de palmito ou espátulas em madeira ou concha, que foram caracterizados em documentos etno-históricos e em escavações arqueológicas desenvolvidas no Paraná. A queima da matéria orgânica se dá a 600º C, o que faz com que parte dos antiplásticos, como carvão e componentes orgânicos da argila, decomponham-se com temperatura elevada.
O engobo é uma fina camada de pigmentos,
aplicados posteriormente a manufatura do vasilhame, na superfície, antes, durante ou depois da queima. Pode modificar a cor e aumentar
a impermeabilização da peça, sendo que a cerâmica Itararé-Taquara comumente apresenta
o engobo negro e vermelho. O engobo negro consegue-se através do esfumaramento: quando o vasilhame se torna rubro devido a temperatura na queima, é colocado sobre a palha de milho seca, e assim ocorre uma reação de combustão, onde o carbono adere intensamente à superfície que fica com um película negra assemelhada a um verniz. Em sítios mais protegidos do intemperismo
químico e físico, como em abrigos-sob-rocha, esse verniz ou o próprio polimento das peças pode ser melhor observado.
O engobo vermelho, geralmente inorgânico
e relacionado ao óxido de ferro moído diluído em água, é aplicado sobre a superfície do vasilhame, com maior freqüência, antes da queima. Porém, pode ser colocado depois, o que diminui a durabilidade
da cor e a própria impermeabilização.
Considerações Finais
O Museu Paranaense tem um rico patrimônio sobre os grupos Jê meridionais, porém como passou por diferentes sedes e administrações,
muitas vezes as informações básicas
de origem da peça acabaram se perdendo. Estas, porém, quando resgatadas, podem trazer importantes contribuições para as discussões interpretativas
na arqueologia, na etno-história e na antropologia. Em relação a cerâmica esse fato aconteceu, pois alguns materiais etnográficos e arqueológicos que tinham se extraviado, em meio às seis mudanças de sede da instituição e agora está em sua sétima localização, foram novamente identificados e analisados, o que permitiu algumas
associações com dados etno-históricos.
Os ancestrais dos Jê meridionais, representados
pela Tradição Itararé-Taquara, tiveram pelo menos dois momentos de ocupação diferenciada dos espaços em território paranaense: a primeira, quando chegaram, provavelmente há cerca de 4.000 anos atrás, e ocuparam os vales de grandes rios, como o Ivaí e o Iguaçu, dispersando-se tanto para sul, como deslocando-se até a Serra do Mar.
No leste e norte do Paraná a cerâmica apresenta geralmente superfícies alisadas, com aplicação de engobo negro e/ou vermelha. Entretanto,
no centro-sul paranaense ocorrem em maior proporção fragmentos cerâmicos com as faces externa decoradas com incisões geométricas,
marcadas com malha e/ou tecidos, e mesmo carimbadas, sendo alguns padrões dos desenhos recorrentes no sul do Brasil.
As diferenças estéticas e tecnológicas da cerâmica Itararé-Taquara no Paraná, ao longo dos possíveis 4.000 anos de sua existência, exis-tem e claramente houve opções culturais dife-renciais que devem ser relativizadas também com as possibilidades de disponibilidade ambiental, conforme a área de estudo, na seleção da matéria-prima, no método de manufatura, na decoração das superfícies, no tempo de secagem, na temperatura
de queima, e na possível associação do uso da cerâmica envolta a malhas, trançados e cestaria. Como é um período de tempo longo, as analogias com grupos Jê meridionais que foram descritos em território paranaense por viajantes e conquistadores europeus nos séculos XVI e XVII, e com os Kaingang e Xokleng que conseguiram sobreviver aos grandes impactos com a sociedade envolvente, devem ser extremamente relativizadas e contextualizadas.
A caracterização de mais uma técnica de manufatura, o paleteado, para esta cerâmica, traz mais um novo elemento de diferenciação na análise tecnológica. Certamente, novos estudos arqueométricos e a arqueologia experimental, além da melhor compreensão das cadeias opera-tórias necessárias para a confecção dos diferentes tipos de cerâmica Itararé-Taquara, contribuirão na diferenciação de estilos e, possivelmente, em novas estratégias classificatórias que refinem o conhecimento arqueológico no Paraná.
Artigo submetido à Revista da SAB em abril de 2008. Aprovado em junho de 2008.
1 Museu Paranaense/ Secretaria de Estado da Cultura do Paraná. Rua Kellers, 289, Curitiba – Cep. 84010-100. Paraná, Brasil. E-mail: parelladaclau@ig.com.br
2 Atualmente representados pelos Kaingang e Xokleng e descritos em documentações históricas em território paranaense, como Guaianás, Gualachos, Chiquis, Dorins e Camperos, entre outras denominações, e em seguida ao contato com os jesuítas do Guairá no século XVII, como Coroados.
3 Como é o caso do Museu do Parque Estadual de Vila Rica do Espírito Santo (Fênix) em 1990; do Centro Cultural de Cidade Gaúcha em 1994 (baixo rio Ivaí); e do Museu Regional do Iguaçu em 1999 (junto à Usina Hidrelétrica de Segredo Ney Braga, no médio rio Iguaçu) (Bruno, 1999; Parellada, 1997, 2006).
4 Vôo 1980 (Instituto Ambiental do Paraná), escala 1:25.000.
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