A LEI DAS COTAS ELEITORAIS DE GÊNERO E SUA INFLUÊNCIA NA CANDIDATURA E NA ELEIÇÃO DE MULHERES PARA A CÂMARA DOS DEPUTADOS DO BRASIL

THE LAW OF THE ELECTORAL QUOTES OF GENDER AND THEIR INFLUENCE ON APPLICATION AND ELECTION OF WOMEN FOR THE BRAZILIAN PARLIAMENT

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Laís Tojal Coelho de Barros*

DOI: https://doi.org/10.46906/caos.n23.48402.p181-196

 

Resumo

O estudo visa discutir os dados e as questões que influenciam a eleição de mulheres na Câmara de Deputados brasileira. As mulheres representam a minoria na casa legislativa, em especial as mulheres negras. A Lei 10.304 de 2009, que alterou a Lei 9.504, trouxe a obrigatoriedade de que cada partido ou coligação preencha no mínimo 30% e no máximo 70% para candidaturas de cada sexo. O presente trabalho analisa os dados quantitativos das mulheres que foram candidatas antes e depois da obrigatoriedade da cota, e quantas vieram a se eleger. Analisa, também, a candidatura e eleição das mulheres negras nos pleitos de 2014 e 2018, quando a declaração de cor/raça se tornou obrigatória para todos os candidatos. Com base nos dados apresentados e em diversos autores que escrevem sobre os temas propostos, é feita a análise de motivos influenciadores da não proporcionalidade na candidatura e eleição de mulheres, com foco especial em mulheres negras.

Palavras-chave: Gênero; Eleição; Câmara dos Deputados; Mulher Negra.

Abstract

The study aims to discuss the data and issues that influence the election of women to the Brazilian Chamber of Deputies. Women represent the minority in the legislature, especially black women. Act 10304 of 2009, which amended Act 9504, made it mandatory for each party or to fill a minimum of 30% and a maximum of 70% for applications of each sex. The present work analyzes the quantitative data of woman who were candidates before and after the quota obligation and how many were elected. It also examines the participation and election of black women in the 2014 and 2018 elections, when the color / race statement became mandatory for all candidates. Based on the data presented and so many authors who write about the proposed themes, the analysis of reasons influencing the non-proportionality in the candidacy and election of women is made, with special focus on black women.

Keywords: Gender; Election; Parliament; Black Woman.

 

1 Introdução

 

O presente estudo se propõe a apresentar o conteúdo da Lei 9.504, que estabelece as normas das eleições, com destaque para o seu artigo 10, que institui as cotas eleitorais de gênero. Procura identificar sua influência na eleição de mulheres para a Câmara dos Deputados em 2002, 2006, 2010, 2014 e 2018 e, especificamente, na eleição de mulheres negras em 2014 e 2018.

Tal influência é medida a partir da análise de dados apresentados pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) sobre as eleições citadas, e da análise dos fatores que influenciam a candidatura e a eleição de mulheres, especialmente de mulheres negras.

O artigo foi divido em três subtítulos. O primeiro, intitulado “Cotas eleitorais de gênero”, apresenta a evolução das leis que tratam sobre o tema, com foco na Lei 12.034 de 2009, que torna obrigatória o preenchimento de 30% no mínimo, e 70% no máximo para a candidatura de cada sexo.  O segundo, “Análise de dados quantitativos de mulheres candidatas e eleitas para a Câmara dos Deputados”, aborda a comparação entre a candidatura e a eleição de mulheres antes e depois da referida obrigatoriedade. Esse subtítulo apresenta, também, a análise dos dados sobre a candidatura e eleição de mulheres negras nas eleições de 2014 e 2018, que foram as duas eleições em que houve a obrigatoriedade – exigência do TSE – de declaração da cor/raça pelo candidato. O terceiro subtítulo trata da sub-representação das mulheres, em especial das mulheres negras, nos espaços de poder, com foco voltado à Câmara dos Deputados, apresentando as questões que influenciam a eleição destas mulheres.

 

2 Cotas Eleitorais de Gênero

 

A Lei 12.034 de 2009 institui as chamadas cotas eleitorais de gênero. Ela foi criada e aprovada depois de uma pressão internacional na década de 90, especialmente na América Latina, para que houvesse maior participação feminina na política, com a finalidade de consolidar o processo democrático que vinha acontecendo após o fim dos regimes ditatoriais no continente. No Brasil, uma das formas de aprimorar a democracia foi a criação da citada lei.

Em 1995 a Deputada Federal Marta Suplicy, endossada por outras deputadas, apresentou o projeto de lei que propunha cota mínima de 30% para a candidatura de mulheres para as eleições relacionadas à Câmara Municipal de todo Brasil, para o pleito que iria ocorrer no ano seguinte. A proposta foi aceita, porém com uma redução de 10% no percentual proposto originalmente, assim, a Lei nº 9.100 de 29 de setembro de 1995 foi aprovada estabelecendo que deveriam ser reservados 20% das vagas para mulheres. Passou a vigorar nas eleições de 1996, cujo artigo 11 tem a seguinte redação:

Art. 11. Cada partido ou coligação poderá registrar candidatos para a Câmara Municipal até cento e vinte por cento do número de lugares a preencher.

§ 3º Vinte por cento, no mínimo, das vagas de cada partido ou coligação deverão ser preenchidas por candidaturas de mulheres (BRASIL, 1995).

No ano de 1997, houve uma alteração com a aprovação da Lei 9.504 de 30 de setembro 1997. A nova lei foi aplicada para as eleições de 1998 e elevou para 30% o mínimo, e 70% o máximo de candidaturas de cada sexo. O termo “mulheres”, vigente na lei anterior, foi substituído pela expressão “cada sexo”. Além disso, houve a expansão das cotas para as esferas estadual e federal. O seu artigo 10 traz a seguinte redação:

 

Art. 10.  Cada partido ou coligação poderá registrar candidatos para a Câmara dos Deputados, a Câmara Legislativa, as Assembleias Legislativas e as Câmaras Municipais no total de até 150% (cento e cinquenta por cento) do número de lugares a preencher, salvo:  

§ 3º Do número de vagas resultante das regras previstas neste artigo, cada partido ou coligação deverá reservar o mínimo de trinta por cento e o máximo de setenta por cento para candidaturas de cada sexo (BRASIL, 1997).

Em 2009, a Lei 12.034 altera a Lei 9.504, que estabelece as normas das eleições, na chamada “minirreforma” eleitoral. Na lei anterior havia a obrigação da reserva de vagas, porém não do preenchimento. A nova lei muda o termo “deverá reservar” para “preencherá”, havendo uma obrigatoriedade no preenchimento das vagas por candidatura de cada os sexo, segundo explicitado pelo texto do artigo 10 da referida lei:

 

Art. 10. Cada partido ou coligação poderá registrar candidatos para a Câmara dos Deputados, a Câmara Legislativa, as assembleias legislativas e as câmaras municipais no total de até 150% (cento e cinquenta por cento) do número de lugares a preencher, salvo:

§ 3º Do número de vagas resultante das regras previstas neste artigo, cada partido ou coligação preencherá o mínimo de 30% (trinta por cento) e o máximo de 70% (setenta por cento) para candidaturas de cada sexo (BRASIL, 2009. Grifos da autora).

O termo “sexo” no lugar de mulheres, alterado na lei de 1997, foi mantido com o intuito de tentar evitar questionamentos sobre o tratamento diferenciado para mulheres. Contudo, sua função permaneceu a mesma em relação a homens e mulheres, tendo em vista que o número de candidatos homens superou, nas eleições anteriores, o de mulheres.

O citado artigo 10 só é aplicado às eleições proporcionais, o que engloba a Câmara dos Deputados, Câmara Legislativa, Assembleia Legislativa e Câmaras municipais. No âmbito federal, aplica-se apenas à Câmara dos Deputados.

As cotas eleitorais de gênero incentivaram a criação de outras ações afirmativas para incentivar a participação feminina na política. O Tribunal Superior Eleitoral, em 2018, decidiu de forma unânime pela reserva de, pelo menos, 30% dos recursos do Fundo Especial de Financiamento de Campanha, conhecido como Fundo Eleitoral, para financiar candidaturas femininas. Os ministros do tribunal entenderam que o mesmo percentual deve ser considerado em relação ao tempo destinado à propaganda eleitoral gratuita no rádio e na TV, segundo informações contidas no site do referido Tribunal (TSE, 2018). Essa decisão está de acordo com a das cotas e é uma forma de tornar a candidatura das mulheres mais competitiva.

Mesmo com as referidas leis, não houve um aumento expressivo nas candidaturas e, principalmente, na eleição de mulheres. Por meio da análise dos números relacionados às eleições de 2002 até 2018, a seguir é possível perceber que tais leis não foram suficientes para trazer uma mudança substancial em relação à representação feminina na Câmara de Deputados brasileira.

 

3 Análise de Dados Quantitativos de Mulheres Candidatas e Eleitas para a Câmara dos Deputados

 

3.1  Apresentação e análise dos dados

 

Apesar de a primeira lei de alcance nacional sobre cotas eleitorais de gênero, ter vigorado a partir das eleições de 1998, sua aplicação ainda era facultativa. Somente a partir de 2009, com a Lei 12.034, elas se tornarão obrigatórias. Os dados a seguir irão mostrar a quantidade de mulheres candidatas para os cargos de deputada federal, e a quantidade de mulheres eleitas para o mesmo cargo entre 2002 e 2018, com base em dados divulgados pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e compilados pelo Centro Feminista de Estudo e Assessoria (CFEMEA), organização não governamental feminista e antirracista fundada em Brasília, cujo objetivo é fazer a comparação entre a situação anterior e posterior à implementação da Lei 12.034 de 29 de setembro de 2009.

 

Quadro 1 – Dados das eleições em 2002 para Câmara dos Deputados (gênero de candidatos e eleitos)

Eleições 2002 – Câmara dos Deputados

Homens

3.909 (88,5%)

Mulheres

509 (11,5%)

Total de candidatos/as

4.418

Homens Eleitos

471 (91,8%)

Mulheres Eleitas

42 (8,1%)

Total de eleitos/as

513

Fonte: Elaborado pela autora a partir de dados compilados pelo CFEMEA (2002)

 

Em 2002 já é possível observar a diferença da porcentagem entre candidatos e candidatas, não chegando a 20% o número de mulheres e a 10% o número de eleitas. Das mulheres que se candidataram, apenas 8,1% foram eleitas.

 

Quadro 2 – Dados das eleições em 2006 para Câmara dos Deputados (gênero de candidatos e eleitos)

Eleições 2006 – Câmara dos Deputados

Homens

4.499 (88,2%)

Mulheres

652 (11,8%)

Total de candidatos/as

5.515

Homens Eleitos

468 (91,3%)

Mulheres Eleitas

45 (8,7%)

Total de eleitos/as

513

Fonte: Elaborado pela autora a partir de dados compilados pelo CFEMEA (2006)

            Nas eleições de 2006, o quadro quase não se altera em comparação a 2002. O número de mulheres candidatas não chega aos 20%, novamente. Quanto às eleitas, há quase um empate nas porcentagens, ou seja, tanto em 2002 quanto em 2006, a taxa não atinge os 10%. Apenas 7% das candidatas para deputada foram eleitas, menos que a eleição de 2002.

 

Quadro 3 – Dados das eleições em 2010 para Câmara dos Deputados (gênero de candidatos e eleitos)

Eleições 2010 – Câmara dos Deputados

(primeira após a obrigatoriedade da cota de gênero)

Homens

4.179 (80,6%)

Mulheres

1.007 (19,4%)

Total de candidatos/as

5.186

Homens Eleitos

468 (91,3%)

Mulheres Eleitas

45 (8,7%)

Total de eleitos/as

513

Fonte: Elaborado pela autora a partir de dados compilados pelo CFEMEA (2010)

 

Como  pode-se observar, apesar da obrigatoriedade de, no mínimo, 30% das candidaturas serem destinadas a cada sexo, o número de candidatas, novamente, não chega a 20%. O número de eleitas permanece na casa dos 8%, apesar de ter havido um discreto aumento de candidatas em comparação com as eleições anteriores. Apenas 4,4% das candidatas foram eleitas para o cargo de deputada, havendo uma diminuição em relação às eleições anteriores.

 

Quadro 4 – Dados das eleições em 2014 para Câmara dos Deputados (gênero de candidatos e eleitos)

Eleições 2014 – Câmara dos Deputados

Homens

4.864 (68,16%)

Mulheres

2.273 (31,8%)

Total de candidatos/as

7.137

Homens eleitos

462 (90,1%)

Mulheres eleitas

51 (9,9%)

Total de eleitos/as

513

Fonte: Elaborado pela autora a partir de dados compilados pelo CFEMEA (2014)

 

            Nas eleições de 2014, há o cumprimento da lei da cota de gênero, porém quase no mínimo dos 30%. Tal situação não refletiu de forma expressiva no número de eleitas, que não chegaram à casa dos 10%, como nas eleições anteriores. Somente 2,2% das candidatas foram eleitas para deputadas. Em comparação a 2002, 2006 e 2010 a porcentagem de candidatas vem aumentando, porém, a porcentagem de eleitas vem caindo. Em relação à quantidade de eleitas, houve um pequeno aumento em 2014 em relação à eleição de 2010.

 

Quadro 5 – Dados das eleições em 2018 para Câmara dos Deputados (gênero de candidatos e eleitos)

Eleições 2018 – Câmara dos Deputados

Homens

5.446 (68,3%)

Mulheres

2.526 (31,7%)

Total de candidatos/as

7.972

Homens eleitos

436 (75%)

Mulheres eleitas

77 (15%)

Total de eleitos/as

513

Fonte: Elaborado pela autora a partir de dados compilados pelo CFEMEA (2018)

 

            Em 2018, novamente, as cotas foram cumpridas de forma mínima em relação às candidaturas. Houve um aumento em relação às eleitas para a Câmara, mas ainda não chegou a atingir a marca de 20%. Do número de candidatas, apenas 3% foram eleitas. Houve um aumento mínimo em relação a 2014.

            Os gráficos a seguir mostram a comparação entre as eleições de 2002, 2006, 2010, 2014 e 2018 em relação à eleição de mulheres.

 

Gráfico 1 – Mulheres candidatas e eleitas para a Câmara dos Deputados (2002-2018)

Fonte: Elaborado pela autora a partir dos dados apresentados nos quadros anteriores

 

Gráfico 2 – Mulheres candidatas e eleitas para a Câmara dos Deputados (2002-2018)

Fonte: Elaborado pela autora a partir dos dados apresentados nos quadros anteriores

 

De acordo com os dados dos gráficos, há um aumento razoável em relação ao número de candidatas. Comparando a eleição de 2002, que contava com 11,5% de mulheres candidatas, à eleição de 2018, que contava com 31,7%, o aumento é superior a 20% na inscrição de mulheres candidatas. Contudo, esse aumento no número das inscrições, não se reflete de forma proporcional no número de eleitas. As linhas do gráfico 2, correm paralelamente nas eleições de 2002 e 2006 (período anterior à vigência da Lei 12.034),  registrando uma diferença pequena entre o número de candidatas e o número de eleitas (pouco mais de 3%), sendo que a partir de 2010 (após a vigência da referida lei), as linhas começam a se afastar, alcançando o maior distanciamento em 2014, voltando a se aproximar no pleito seguinte. Em 2018, a diferença entre o número de candidatas e o de eleitas sobe para a casa dos 15%.

 

3.2 Eleição de mulheres negras

 

            Os números apresentados anteriormente estão relacionados à eleição de mulheres, tendo apenas o recorte de gênero. Os números a seguir comparam a candidatura e a eleição de mulheres brancas, pardas e negras nas eleições de 2014 e de 2018 para o cargo de deputada federal. Somente esses dois pleitos foram selecionados, porque é a partir de 2014 que o Tribunal Superior Eleitoral passou a exigir que cada candidato/a declarasse a cor/raça segundo a classificação do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) no registro da candidatura.

 

Quadro 6 – Mulheres candidatas e eleitas para a Câmara de Deputados nas eleições de 2014 (quanto a cor/raça autodeclarada)

Deputada Federal – Eleições 2014

Candidatas brancas

1.244 (54%)

Candidatas pardas

741 (32,6%)

Candidatas pretas

264 (11,6%)

Total de candidatas

2.273

Brancas eleitas

41(80,4%)

Pardas eleitas

7 (13,7%)

Pretas eleitas

3 (5,8%)

Total de eleitas

51

Fonte: Elaborado pela autora a partir de dados compilados do site do TSE

 

            Segundo as autoras Flávia Rios e Edilza Sotero (2019, p. 4), as mulheres negras no Brasil, conforme classificação do IBGE, são o somatório das que se autodeclaram pardas e pretas. Nas eleições para deputados federais de 2014, 44,2% das candidatas se declararam negras, em números absolutos foram 1.005, das quais apenas dez foram eleitas, representando 1,95% do total geral de deputados eleitos (homens e mulheres).

 

Quadro 7 – Mulheres candidatas e eleitas para a Câmara de Deputados nas eleições de 2018 (quanto a cor/raça autodeclarada)

Deputado/a Federal – Eleições 2018

Candidatas brancas

1.397 (55%)

Candidatas pardas

734 (29%)

Candidatas pretas

358 (14,1%)

Total de candidatas

2.526

Brancas leitas

63(81,8%)

Pardas eleitas

8 (10,3%)

Pretas eleitas

5 (6,5%)

Total de eleitas

77

Fonte: Elaborado pela autora a partir de dados compilados do site do TSE

 

            Nas eleições para de 2018, o número de candidatas negras representou 43,2%, apresentando uma pequena diminuição em relação da eleição anterior. Das 1.092 candidatas, apenas 13 foram eleitas, representando 2,5% do total de deputados (513), tendo um pequeno aumento em relação à eleição de 2014, inclusive no número total de mulheres eleitas.

Os números apresentados demonstram que ainda há uma sub-representação feminina, mesmo com a obrigatoriedade trazida pela lei de cotas eleitorais de gênero. Em 2019, na composição da Câmara dos Deputados, que possui 513 cadeiras, apenas 77 são ocupadas por mulheres, representando 15% do total, segundo o site da Câmara dos Deputados. No Senado Federal, que possui 81 cadeiras, apenas 12 possuem ocupação feminina, representando, também, 15% do total, segundo o site do Senado Federal.

A situação da falta de representatividade agrava-se ainda mais quando se trata de mulheres negras. A composição da Câmara dos deputados só conta com 13 mulheres negras, o que corresponde a 2,5% do total de cadeiras. Atualmente, só existem 2 senadoras, o que representa 2,4% das 81 cadeiras.

Pode-se afirmar que há uma baixa quantidade de mulheres e, mais baixa ainda, a quantidade de mulheres negras ocupando o cargo de deputada federal. Essa presença política numérica é necessária para que diversos segmentos possam apresentar suas demandas por meio de representantes que compartilhem suas vivências.

 

4 Sub-representação das Mulheres, em Especial Mulheres Negras, nos Espaços de Poder

 

Inicialmente é necessário compreender o significado de uma sub-representação. Segundo Shirlei Santos de Jesus Silva, o termo é utilizado para conceituar a pouca ou quase nula representatividade de algum grupo em determinados contextos (SILVA, 2015). Segundo o artigo 45 da Constituição Federal do Brasil: “A Câmara dos Deputados compõe-se de representantes do povo, eleitos, pelo sistema proporcional, em cada Estado, em cada Território e no Distrito Federal” (BRASIL, 1988). O Brasil possui uma composição social diversa de gênero e de raça/etnia. Segundo a Pesquisa por Amostra de Domicílios Contínua (PNAD), divulgada em 2016 pelo IBGE, as mulheres representam 51,5% da população brasileira. Segundo a mesma pesquisa, divulgada em 2018, os pardos e pretos representam, respectivamente, 46,5% e 9,3%, juntos somando a maioria da população. Tomando como base o artigo de Silva, citado acima, é possível perceber que há uma sub-representação do “povo”, tendo em vista que negros e mulheres representam a maioria da população do país, mas não ocupam a maioria das cadeiras na Câmara dos Deputados.

A questão que provoca a existência de diversos motivos que dificultam a ascensão da mulher dentro de espaços de poder, como a política, refere-se à estruturação da sociedade brasileira, uma vez que se baseia na dominação masculina. Segundo os autores Luís Felipe Miguel e Flávia Biroli (2014, p. 102), “a posição das mulheres não é apenas ‘diferente’ das dos homens. É uma posição social marcada pela subalternidade. Mulheres possuem menos acesso às posições de poder e de controle dos bens materiais”. [1] Segundo Heringer (2002), quanto ao racismo, a posição dos negros é subalterna em relação aos brancos dentro da estrutura social brasileira. Esta autora, que integra o Centro de Estudos Afro-brasileiros do Instituto de Humanidades da Universidade Cândido Mendes do Rio de Janeiro, aponta a existência de uma dominação branca, e como essa dominação reflete nos espaços de poder. E no caso da mulher negra, ela tem que enfrentar sua subalternidade duplamente, em relação ao sexo e à raça.

A dupla discriminação sofrida, revela como são oprimidas pelo sistema patriarcal e, ao mesmo tempo, são subjugadas por causa de sua raça, tendo em vista a intersecção entre raça e gênero. Isso faz com que elas não ocupem os espaços de poder, não sendo diferente com a política. Enquanto há um esforço social legislativo para que as mulheres sejam minimamente representadas, há um esforço maior e menos visível pela representação da mulher negra (SILVA, 2015).

A condição de mulher negra se diferencia da condição de mulher branca em diversos sentidos. Até mesmo dentro de movimentos de mulheres há esta diferenciação, pois para a mulher negra é necessário que ela, a princípio, supere o medo do racismo para adentrar em movimentos que são majoritariamente compostos por mulheres brancas. A autora Ângela Davis mostra tal questão quando trata das mulheres negras sendo subjugadas durante o Movimento Sufragista nos Estados Unidos. Enquanto as mulheres brancas acreditavam que o direito ao voto as colocaria em uma posição de igualdade com os homens, as mulheres negras preocupavam-se com sua existência enquanto pessoa. Para elas, não era relevante ter o mesmo direito que os homens, tendo em vista que seus companheiros negros eram explorados pelos empregadores. Segundo a autora, “a igualdade política não abriria a porta da igualdade econômica” (DAVIS, 2016, p. 146).[2]

A autora relata a história do movimento feminista nos EUA, mas pode ser vista como um reflexo da forma como as mulheres negras são tratadas em diversas situações, não só naquele país. Mesmo dentro do movimento de mulheres, as pautas e questões relacionadas às mulheres negras, são preteridas em nome de questões “gerais”, majoritariamente trazidas por mulheres brancas. Na escala de representação parlamentar no Brasil, a mulher negra está abaixo dos homens brancos, das mulheres brancas e dos homens negros.

Diversos motivos podem influenciar negativamente a eleição das mulheres como, falta de investimento dos próprios partidos nas candidaturas femininas; disponibilidade de tempo para se dedicar às atividades políticas diante de suas atribuições familiares; incentivo familiar e social para adentrar nessa esfera ocupada majoritariamente por homens, entre outros (MIGUEL; BIROLI, 2014). Esses motivos ficam ainda mais evidentes na vida das mulheres negras. Os partidos não investem nas suas candidaturas por motivos de sexo e de raça, e a sociedade não acredita que elas deveriam ocupar tais lugares. Sem a intenção de exaurir os possíveis motivos, compreende-se que todos eles representam grandes obstáculos para a ascensão das mulheres na carreira política.

As dificuldades que as mulheres negras encontram para ascender aos espaços de poder, a exemplo do parlamento, não decorrem de situações individuais, nem de questões particulares. Muito menos estão ligadas a questões legais, tendo em vista que não há nenhuma lei que proíba a mulher negra de candidatar-se e eleger-se a nenhum cargo político. Decorrem, principalmente do racismo e da discriminação fundada no sexo, os fatores que as segregam daqueles espaços, como se elas não fossem dignas de a eles pertencerem.

 

5 Considerações Finais

 

                A primeira lei de cotas eleitorais de gênero foi criada em 1995, com aplicação nas eleições de 1996, porém sua obrigatoriedade só passou a existir em 2009, sendo aplicada às eleições de 2010. Como podemos observar, nesse ano, a obrigatoriedade da aplicação da lei não causou um impacto considerável na candidatura de mulheres, pois o número de inscrições de candidatas concorrendo à Câmara dos Deputados, não chegou a atingir o mínimo estabelecido para cada sexo, ou seja, os 30%.

            Quanto à quantidade de eleitas, pouco se alterou antes e depois da obrigatoriedade das cotas, havendo um pequeno aumento gradativo, cuja maior porcentagem ocorreu no ano de 2018, quando a taxa atingiu 15% do número total de cadeiras da Câmara dos Deputados.

            Em relação às mulheres negras, a análise dos números antes e depois da obrigatoriedade da cota se torna inviável, pois foi só a partir da eleição de 2014 que o TSE instituiu a obrigatoriedade de todo candidato autodeclarar sua cor/raça. Mesmo assim, analisando os números referentes às eleições de 2014 e 2018, fica evidente que as mulheres negras têm uma sub-representação no parlamento brasileiro. E mesmo sem dados para mensurar a questão, antes de 2014, pode-se levantar a hipótese de que a lei das cotas eleitorais não teria influenciado, de forma significativa, o quadro atual, tendo em vista que o número de negras eleitas permanece pífio diante do conjunto de deputados eleitos, mesmo dentro do subconjunto das mulheres.

            São diversos os fatores que influenciam (positiva e negativamente) a participação feminina na política, e sua sub-representação no parlamento. As mulheres, por influência de uma cultura de dominação masculina, são vistas como inferiores e menos capazes que os homens. E as mulheres negras são duplamente discriminadas, tanto pelo gênero como pela raça (e pela classe). O racismo presente na sociedade brasileira coloca a mulher negra em um patamar inferior em relação às mulheres brancas, o que lhe dificulta ainda mais o acesso aos espaços de poder.

Outro empecilho para que não haja avanço considerável na participação feminina, deve-se ao fato de que, para que haja o aumento, é necessária a diminuição da participação masculina. Há uma necessidade de que os privilégios de quem ocupa majoritariamente os espaços de poder, os homens brancos, sejam revistos, inclusive por eles.

            Mesmo não apresentando resultado quantitativo satisfatório, as cotas eleitorais de gênero representam um avanço para a participação feminina na política. Elas não são o suficiente para reverter a situação de desvantagem das mulheres, mas revelam a desigualdade que existe entre os dois gêneros para adentrar os espaços de poder, e é um incentivo ao debate para que se repense a lógica de dominação masculina (e “branca”) nesses ambientes.

 

Referências

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Estabelece normas para eleições. Brasília: Presidência da República, [1997]. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L9504.htm. Acesso em: 19 dez. 2019.

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Recebido em: 30/09/2019.

Aceito em: 06/11/2019.

 

DOIhttps://doi.org/10.46906/caos.n23.48402.p181-196

 

 

 



* Graduada em Direito pela Faculdade Estácio Alagoas/Brasil. Pós-graduada em Direito e Processo do Trabalho pela Escola Superior da Magistratura da 19º Região/Brasil. Graduanda em Ciências Sociais pela Universidade Federal de Alagoas/Brasil. Mestranda em Estudos Sobre as Mulheres: Gênero, Cidadania e Desenvolvimento pela Universidade Aberta de Lisboa/Portugal. E-mail: laistojal@hotmail.com.

[1] Os autores discutem as principais contribuições da teoria política feminista produzida a partir dos anos 1980, e apresentam os termos em que os debates se colocam dentro do próprio feminismo, mapeando as posições de diferentes autoras e correntes.

[2] Ângela Davis traça um poderoso panorama histórico e crítico das imbricações entre a luta anticapitalista, a luta feminista, a luta antirracista e a luta antiescravagista, passando pelos dilemas contemporâneos da mulher. O livro é considerado um clássico sobre a interseccionalidade de gênero, raça e classe.