EDITORIAL

DOI: https://doi.org/10.46906/caos.n26.59562.p7-11

 

E

ste número abre mais um caminho na trajetória da Caos. Traz dossiê temático cujo assunto se volta para o universo dos negros e negras brasileiros, ou dos afro-brasileiros, afrodescendentes, afrodiaspóricos. Mas não é somente isso que o distingue. É uma coletânea elaborada por negros e negras, que além de serem intelectuais, e de fora dos muros das ciências sociais, profissionalmente, eles e elas dançam, representam, contam histórias — artistas, “artivistas”, dançarinas, capoeirista, performers, contadora de história — e, antes de tudo, são militantes. Produzem escritas e imagens engajadas que contam as suas histórias, as histórias de um Brasil que por muito tempo esteve ausente, e, ao mesmo tempo, reivindicam outra história.  O dossiê Poéticas políticas afrodiaspóricas: abordagens interdisciplinares — assim como o que o seguirá no número de dezembro próximo, tratando sobre o albinismo e suas interseccionalidades, com produções de diferentes áreas do conhecimento e, sobretudo, escrito por pessoas com albinismo — toca em uma questão importante para a produção acadêmica na atualidade. São textos ensaísticos e empíricos produzidos por pessoas que, diante de um contexto duradouro no qual os/as “subalternos/as” não tiveram direito à fala institucionalizada, reivindicam o direito de falar sobre si. São eles e elas falando a partir de si e por si.

O dossiê foi organizado pelo professor Stênio Soares, a quem direcionamos os nossos agradecimentos, e lamentamos o fato de ele não ter redigido o texto de apresentação devido a questões pessoais, cabendo a mim a tarefa, o que, com prazer receoso, fiz no lugar oportuno.

Além dos textos que formam o dossiê, apresentamos três artigos livres, uma resenha, um texto na seção do Ofício de sociólogo e três artigos escritos pelos ganhadores do Prêmio Honorífico Florestan Fernandes, edição 2018.

Vamos, então, aos textos.

Após os textos do dossiê, vêm os artigos que compõem a seção Prêmio Honorífico Florestan Fernandes, concurso que se  destina a escolher e premiar as melhores monografias produzidas pelos alunos e alunas egressos/as do Curso de Ciências Sociais anualmente. Foi instituído no ano de 2000, veio no mesmo conjunto de inciativas que criou a Caos. A exemplo desta, não manteve regularidade desde a sua criação, vindo a ser retomado no ano passado. Nos anos em que se efetivou, a Caos se incumbiu de publicar as monografias vencedoras. Nos 25 números publicados até o ano passado, seis foram dedicados ao Prêmio. A partir deste número, não mais publicaremos as monografias na íntegra, mas sim artigos delas derivados. A apresentação dos trabalhos premiados será feita na seção correspondente pelo coordenador do Curso de Ciências Sociais. Aproveita-se para agradecer ao professor Aécio Amaral por ter se encarregado de revisar os artigos da seção.

O texto que abre a seção dos artigos livres — Controle parlamentar por meio dos discursos dos deputados na 55ª legislatura — foi escrito pelo mestre em Poder Legislativo e especialista em Orçamento Público, Ronaldo Quintanilha da Silva. O texto examina instrumentos de fiscalização e controle parlamentar e discursos de deputados federais do Brasil no período que compreende a 55ª Legislatura. Usando técnicas de análise de conteúdo e análise de discurso, chega à conclusão de que, em termos numéricos, o controle parlamentar decresceu no período; decréscimo que também se evidenciou nos discursos proferidos pelos deputados federais nas sessões do “Grande Expediente” da Câmara. Esse decréscimo se deve a muitos fatores, e como propõe o autor, não pode ser explicado de forma absoluta apenas como um redução da necessidade de fiscalização e controle, o que ressalta a importância de aprofundamentos de estudos sobre a função típica de fiscalizar do Poder Legislativo.

O segundo artigo livre, Gestão da vida e biopolítica nas tramas e tecituras da covid-19 no Brasil, escrito pelo mestre e doutorando em Ciências Sociais, Kleiton Wagner Alves da Silva Nogueira, constrói uma interpretação dos mecanismos adotados pelo Governo Federal no combate à pandemia de Covid-19. Utiliza como chave de leitura o conceito de “biopolítica”, sistematizado por Michel Foucault. O ponto forte da sua interpretação é a análise documental realizada sobre um corpus que contém quatro dispositivos jurídicos, considerados pelo autor como os mais importantes dentro de um universo de aproximadamente 3.000 documentos emanados dos órgãos governamentais brasileiros. Como resultado, percebeu que esses dispositivos se vinculam diretamente ao controle e vigilância institucionalizados sobre os corpos, alimentados por um saber-poder médico dentro do que Foucault chamou biopolítica. Indo mais além, lança a hipótese de que no Brasil, durante a pandemia em foco, o Governo tem praticado a biopolítica em sua versão mais cruel, ou seja, a necropolítica: deixar morrer em favor de uma retomada imediata das atividades econômicas.

O terceiro artigo, Militares no governo Bolsonaro:  tutela à democracia brasileira?, escrito por Antonio Alves de Vasconcelos Filho, mestrando em Ciência Política e Relações Internacionais e bacharel em Ciências Jurídicas, dedica-se a analisar a relação entre o governo do presidente Jair Bolsonaro e os militares, especialmente o Exército. Para fazer a análise, primeiramente o autor revisa os laços que sempre existiram entre a República e os militares, destacando os momentos quentes da relação, a exemplo do que aconteceu entre 2013 e 2018. Arranjado o quadro de contextualização, o objeto começa a ser analisado. O governo do presidente Bolsonaro representa o período da República em que se registra o maior número de militares em cargos diretos e indiretos em seus quadros. Assim, em resposta à pergunta presente no título do artigo, o autor diz que há uma tutela por parte do Exército para com a República — bastante forte e visível no período estudado — e que esse fenômeno dificulta a cultura democrática brasileira, e suas raízes se encontram em nossa própria formação histórica.

Na sequência, o livro de uma renomada antropóloga é resenhado por outra não menos renomada. Os negros de Pedra d’Água: um estudo de identidade étnica — história, parentesco e territorialidade numa comunidade rural, publicado em 2020, de autoria da antropóloga e professora da UFCG, Elizabeth Christina de Andrade Lima, é resenhado pela antropóloga e professora da UFPB, Maristela Oliveira de Andrade. A resenhista nos mostra como a autora do livro — uma publicação temporã da dissertação de mestrado da autora, defendida em 1990 na UFPB/Campina Grande — realizou um percurso etnográfico em torno do processo de construção da identidade étnica de moradores de uma comunidade quilombola chamada Pedra d’Água, situada no município de Ingá, estado da Paraíba. A escrita do livro, ilustrada por belos registros visuais, revela os múltiplos aspectos da vida cotidiana de uma comunidade rural negra. Nas palavras da resenhistas, a importância desse estudo também reside no seu caráter pioneiro, isto é, antecipou-se aos primeiros laudos antropológicos de reconhecimento dos quilombolas, realizados entre 1992 e 2003.

       Fechando o número, os leitores terão à disposição a versão escrita de palestra proferida pelo professor do Departamento de Ciências Sociais desta universidade (DCS), Rogério Souza Medeiros, tendo por mediadora a professora Simone Brito do mesmo Departamento. A palestra faz parte da programação elaborada pelo DCS para compor o quadro de suas atividades acadêmicas do segundo semestre de 2020. Tomou a forma do Seminário Ciências Sociais em Debate: crise e crítica social em tempos de Covid-19, que incluiu 14 minicursos e 10 palestras. Professores/as do DCS, dentro da área específica de atuação de cada um/a, procuraram avaliar, refletir, perscrutar, sugerir e propor algo sobre a crise provocada pela pandemia de Covid-19. O professor Rogério encerrou o ciclo com a palestra A pandemia e as nossas desigualdades duradouras, na qual procurou desdobrar possíveis relações entre as desigualdades sociais e os efeitos da pandemia, mostrando como uma pode  potencializar a outra. A principal chave de leitura utilizada foi o conceito de Charles Tilly, Durable inequality, traduzido livremente pelo palestrante como “desigualdade duradoura”. Da sua análise, (1) evidencia como os brasileiros toleram os altos índices de desigualdades tão marcantes na nossa realidade, chegando à (2) constatação de que, no Brasil, tem-se naturalizado (normalizado) facilmente os altos índices de mortes causadas pela pandemia. Em outras palavras, o autor sugere que entre as duas constatações existe uma homologia de estrutura.

Terminando o editorial, trazemos as informações sobre as estatísticas de composição do número.

Para o dossiê, recebemos onze manuscritos. Desse conjunto, dois foram rejeitados no desk review: um, por ficar muito aquém do número mínimo exigido de palavras; o outro, por ter sido retido na verificação de similaridade. O terceiro foi rejeitado no processo final de avaliação — depois de ter recebido a avaliação de dois pareceristas, a autora não respondeu às solicitações. Foram, portanto, aprovados oito manuscritos: sete artigos e um ensaio visual.

Para a seção de artigos livres, foram submetidos oito manuscritos. Desses, quatro foram rejeitados no desk review. O motivo principal para a rejeição foi a não adequação às normas da Caos. Em alguns casos, fizemos solicitações de adequações, porém os autores optaram por retirar a submissão.

Duas resenhas foram submetidas. As duas foram aprovadas no desk review. Na avaliação por pares, uma delas foi considerada apta para publicação imediata. A outra, porém, foi considerada incipiente, precisando de modificações substanciais, e deveria ainda ser enviada para nova rodada de avalição, estado em que se encontra atualmente.

Quanto à palestra, ela se inseriu neste número a partir do convite do editor ao autor. Aceito o convite, os editores providenciaram a transcrição, e se iniciou o fluxo editorial. O processo de avaliação se deu entre o autor, a mediadora e os editores no formato aberto.

A produção deste número envolveu 28 avaliadores e avaliadoras (sem considerar as substituições), o tempo médio entre a solicitação e a reposta foi de vinte dias.  Neste número, o registro de atraso ou silêncio dos pareceristas foi mínimo. Aproveitamos para agradecer a todos e todas que prontamente atenderam a demanda. O processo de avaliação não sofreu alterações em relação ao número anterior, fortalecendo a avaliação por pares (peer review) e ainda prevalecendo o duplo cego (double blind). Sobre este último expediente, estamos avaliado a possibilidade de abrir a avaliação, procurando seguir os princípios da Ciência Aberta, porém temos encontrado resistência dentro dos próprios órgãos da revista e em relação ao público. É uma questão que se encontra em pauta permanente como assunto importante da identidade da Caos, às vezes, deixado um pouco de lado em favor de assuntos logísticos de uma revista que se faz com muitas cabeças e poucos braços.

No fluxo editorial, fez-se a primeira avaliação (desk review), selecionou-se avaliadores, mediou-se o diálogo entre autores e avaliadores, relendo e analisando os pareceres, releu-se as segundas versões dos manuscritos, cotejou-se as duas versões, sugeriu-se modificações, e rejeitou-se quando se teve que rejeitar algum manuscrito. Por último, revisou-se o português, as normas da ABNT e se fez a diagramação. Antes, porém, os trechos em inglês foram revisados pelo professor Terry Mulhall. Depois disso, a versão final foi enviada a/os autores/as para validação. Aprovada por eles/as, fez-se os últimos acertos, e o manuscrito, finalmente, virou artigo, resenha, ensaio visual etc., pronto para ser oferecido ao público.

A capa, que já vinha sendo pensada desde o início do processo pela professora Aina — gerente de capa —, foi esboçada e enviada ao artista e designer gráfico, Jonas de Sene Pinto, profissional que nos acompanha há algum tempo, a quem remetemos agradecimentos pela qualidade do trabalho que nos tem prestado. Também agradecemos a Larissa Ferreira que permitiu a utilização de uma das fotografias do seu acervo para a composição da capa. Estendemos os agradecimentos à dançarina e pesquisadora Carolina Alves, cuja imagem aparece na capa.  

Com os textos lidos e relidos várias vezes, chegou a hora de escrever o editorial e a apresentação do dossiê. Tudo pronto. O passo seguinte foi converter as peças em HTML e PDF para carregá-las no site da revista. Trabalho paciente, iterativo e demorado. Nos dois meses que antecedem a publicação, a jornada de trabalho se aproxima das catorze horas diárias.

Finaliza-se com essa radiografia para mostrar a/o leitor/a os bastidores de uma revista acadêmica pequena. Fazê-la, “apesar de” e “por conta” do volume de trabalho, vale a pena.

 

 Boa leitura.

       Os editores.

DOI: https://doi.org/10.46906/caos.n26.59562.p7-11

 

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