“UM FRAGMENTO DA LIBIDO E O REPRESENTANTE DO MUNDO”[1]: elementos para uma antropologia filosófica a partir de Theodor Adorno

“A FRAGMENT OF LIBIDO AND THE REPRESENTATIVE OF THE WORLD”: elements for a philosophical anthropology from Theodor Adorno

 

Esdras Bezerra Fernandes de Araújo *

                                                                                                       

 

 

DOI: https://doi.org/10.46906/caos.n30.65835.p123-138  

 

 

 

Resumo

A intenção deste texto é abordar os aspectos de uma antropologia filosófica apreensível a partir da elaboração adorniana acerca da ideologia e da experiência sob o capitalismo tardio. Para desenvolver esse argumento, é necessário: (i) apresentar sumariamente a interpretação e o lugar da ideologia na composição teórica de Adorno; em seguida, (ii) indicar que o entendimento adorniano acerca de uma condição humana irrealizável, especialmente sob o capitalismo, é o verdadeiro continuum histórico, ao invés de um sujeito histórico e/ou político; e, assim, (iii) esboçar como a relação entre constituição de uma estrutura de personalidade e a própria condição humana, fruto da interseção entre teoria crítica e psicanálise, são fundamentais para uma crítica do capitalismo em prol de um novo mundo e uma nova humanidade. Para alcançar os objetivos indicados, foi realizada uma revisão teórica, cotejando os textos de Theodor Adorno com análises de comentadores contemporâneos, destacando as suas conclusões críticas acerca da noção de subjetividade na teoria social de seu tempo — especialmente psicologia e psicanálise —, imbricada com sua permanente crítica da ideologia como aspecto basilar de sua crítica ao capitalismo.

Palavras-chave: Theodor Adorno; crítica da ideologia; crítica do sujeito; antropologia filosófica.

 

Abstract

This text is about the approach of aspects by a philosophical anthropology from T. Adorno elaboration about ideology and experience under late capitalism. To develop this argument it is necessary (I) to briefly present the interpretation and place of ideology in Adorno's theoretical composition and then (II) indicate that the Adorno understanding of an unachievable human condition, especially under capitalism, is the true historical continuum and then (III) outline how the relationship between the constitution of a personality structure and the human condition itself, result of the intersection between critical theory and psychoanalysis, are fundamental to a critique of capitalism necessarily intertwined with a critique of subjectivity. To get the objectives indicated, a theoretical review was carried out, from the texts of Theodor Adorno and analyses of contemporary commentators, highlighting his critical conclusions about the notion of subjectivity in the social theory of his time — especially psychology and psychoanalysis — mixed with his permanent criticism of ideology as the basic aspect of his criticism of capitalism.

Keywords: Theodor Adorno; criticism of ideology; subject's criticism; philosophical anthropology.

 

 

Toda imagem de ser humano é ideologia, exceto a negativa.

Theodor Adorno (2015, p. 103)

 

Introdução

 

O esforço adorniano de fazer convergir sociologia e psicanálise, conservando a crítica como aspecto constituinte do esforço teórico, manifesta-se desde Dialética do esclarecimento — a sua contribuição em parceira com Max Horkheimer. Desde ali seria possível perceber o esforço em recorrer a “uma antropologia materialista para dar conta da violência do capitalismo monopolista em suas variantes supostamente antagônicas, apontando para as raízes da barbárie na constituição mesma da civilização” (REGATIERI, 2019, p. 21). Nesse sentido, é que o presente texto busca articular essa antropologia de base materialista em conjunto com outros destaques da obra adorniana, especialmente a partir da sua concepção de ideologia. Por meio da observação do seu trato com o fenômeno da simbolização da realidade como momento conjunto da reprodução das próprias condições de produção desse mundo tal qual ele é apresentado. Assim sendo, acredita-se que a noção de ideologia tem centralidade na construção desse argumento, por articular a relação dos indivíduos com o mundo, com outros indivíduos e, fundamentalmente, com a sua própria constituição enquanto sujeitos.

O esforço deste texto é observar os modelos de análise e crítica da ideologia propostos por Theodor Adorno como fundamentos de uma antropologia filosófica presente em sua obra. Essa hipótese vem da centralidade que a questão do sujeito de conhecimento assume nos debates sobre ideologia. Considera-se que a teorização adorniana problematiza como esse mecanismo de elaboração da realidade, em seu conteúdo e forma, é marcado pela falsidade e verdade do real quando de sua representação. É importante explicitar que esforços similares, indicando tanto a presença desse fundamento antropológico (SAFATLE, 2017, 2019) quanto da correlação entre crítica do sujeito e crítica da ideologia (ROBLES, 2018), assim como de heranças teóricas assumidas e denegadas (VUILLEROD, 2020), já se apresentam no debate público acerca da construção teórica desse autor. Essas leituras, especialmente as de Robles (2018) e Safatle (2019), desempenham um papel determinante na organização do próprio argumento desenvolvido aqui. Em grande medida, a articulação desta interpretação se desenvolve por meio do desdobramento da noção de ideologia a partir da composição de elementos da psicanálise e da sociologia de base marxista feita pelo autor. Isso permite destacar a apreensão de elementos que fundamentam, em termos de constituição humana, a emergência do elemento ideológico da sociabilidade. Para isso, o que se discute neste trabalho é — a partir do desenvolvimento de uma noção de sujeito, que emerge juntamente com a crítica da ideologia e enquanto fruto da sociabilidade capitalista — o apontamento dos termos de uma humanidade elementar que serve de substrato sobre o qual o processo de representação do real, de constituição ideológica da realidade pode emergir, ao mesmo tempo em que se configura a partir de determinantes outras de sua própria emergência.

 

Ter por objeto o mundo enquanto tal

 

Umas das marcas indeléveis da caracterização dos estudos mais popularizados dos integrantes da assim chamada primeira geração do Instituto de Pesquisa Social, normalmente conhecida como Escola de Frankfurt, é a atenção dedicada à crítica da ideologia e a deferência à teoria psicanalítica. Theodor Adorno é um expoente dessa condensação. Os seus escritos sobre cultura, com destaque à crítica estética e sociológica da produção cultural, são marcados por referências críticas à forma e conteúdo presentes na massificação da produção e distribuição de bens culturais no capitalismo tardio. A crítica de Adorno se caracteriza, pela demarcação analítica de seus contemporâneos, com a passagem do capitalismo concorrencial do século XX para o capitalismo monopolista que se consolida após a crise de 1929. Nesse período, que é marcado pela reestruturação política, econômica e social das formações sociais capitalistas, os teóricos da teoria crítica frankfurtiana desenvolvem esforços a fim de compreender as particularidades da nova fase do capitalismo e, assim, conceber quais os caminhos possíveis de crítica radical ao sistema. Nesse esforço é que, em um primeiro momento, debruçam-se sobre os elementos políticos, econômicos, tecnológicos e de origem social do novo modelo. Nomes como Franz Neumann, Friedrich Pollock, Herbert Marcuse, Otto Kirchheimer e Arcadius Gurland integram um debate fundamental, e quase que fundacional, da fase do Instituto sob a direção de Max Horkheimer. Nesse momento, as atenções se voltam para a tese de Pollock acerca do capitalismo de Estado como caracterização da fase monopolista. As respostas de seus colegas vêm de todos os lados: da política, com Neumann e Kirchheimer; do debate sobre razão e tecnologia, de Marcuse; da revolução tecnológica, de Gurland. Dois outros nomes não aparecem nesse primeiro momento da construção das bases sobre as quais os programas de pesquisas individuais já mencionados se definem: Max Horkheimer e Theodor Adorno. Segundo Regatieri (2019), as agendas de pesquisa são marcadas por esse momento inicial, tendo impacto direto sobre a herança teórica mais destacada dos pesquisadores engajados no Instituto, incluindo os dois que abstiveram de participar explicitamente do debate. Horkheimer, especificamente, detinha o cargo de diretor, o que, por questões de formalidade, o impossibilitaria de desenvolver por si mesmo uma posição crítica sobre qualquer uma das proposições. No caso de Adorno, a questão estava vinculada ao seu interesse de pesquisa. Mesmo assim, ambos não deixam de desenvolver uma observação acerca das particularidades da experiência sob o capitalismo em sua nova fase. Essa atenção faz emergir, em 1947, a obra: Dialética do esclarecimento.

Nesse escrito, o destaque para a cultura é evidente. Na verdade, essa seria a contribuição sistematizada de Adorno e Horkheimer, ainda que mais tardiamente apresentada sobre o debate de seus colegas (REGATIERI, 2019). Uma maior atenção será dedicada à elaboração dos autores contida nesse livro, mas, por enquanto, é pertinente evidenciar a posição e proposição subterrânea dessa obra, pois elas remetem a uma marca de origem a partir da qual é compreensível o esforço da teorização adorniana em reiterar o caráter ideológico da produção cultural.

É importante explicitar a complexidade da noção adorniana de ideologia, na qual não cabe nem a caracterização limitadora de falsa consciência, nem a concepção de representação pura e simplesmente. Ambas integram a leitura sobre ideologia visto que “a universalidade dos pensamentos, como a desenvolve a lógica discursiva, a dominação na esfera do conceito, eleva-se fundamentada na dominação do real” (ADORNO; HORKHEIMER, 1985, p. 28). A produção ideológica do mundo, na perspectiva crítica de Adorno, assim como para Horkheimer, diz respeito a um momento de entendimento do mundo, como um esforço de apreensão de sentido da experiência. Ou seja, há, de fato, uma condição mesma na qual são produzidos universais que assumem posição de interpretação da lógica da concretude. Nesse sentido, a ideologia não é desprovida de vínculo com a realidade, pois, ao mesmo tempo em que elabora a sua coerência, também a cria na esfera do conhecimento. Assim, a representação, como momento da ideologia, não pode ser simples falsificação, como uma arbitrariedade externa. Na verdade, a ideologia, naquilo que possui de falseamento, é uma necessidade da própria concretude.[2] Esse elemento constituinte da ideologia — a sua correspondência, mas não espelhamento imediato do real — é determinante do elemento de obnubilação da realidade. Em outros termos, é exatamente por estar vinculada à experiência concreta que a ideologia assume caráter mistificador dela. Esse comportamento é uma necessidade sistêmica, e é a partir da observação da produção ideológica sob o capitalismo que essa noção pode ser desenvolvida. A existência do fenômeno ideológico é uma condição intrínseca das relações entre o sujeito e seu objeto de conhecimento, que, no caso da ideologia, é a totalidade da vida. Isso integra, nesse sentido, um aspecto elementar de sua própria constituição. “Sem um imediato não se pode falar do mediado, assim como não é possível encontrar um imediato não mediado” (ADORNO, 2013, p. 140). Mas essa lógica de apreensão/atribuição de sentido ao concreto toma uma forma específica sob o capitalismo, ou, pelo menos, nessa fase do processo histórico, é possível captar o seu mais elevado desenvolvimento.

Sob o capitalismo, dada toda sua estruturação como um sistema baseado na lógica de produção fundamenta no modelo industrial, a dispersão da elaboração ideológica é acelerada. Na sua fase monopolista, em especial, é que emerge um tipo de produção no qual os elementos de uma constituição cultural histórico-social, por meio dos objetos culturais, são dispersos acelerada e massivamente. A própria lógica industrial estrutura a produção cultural e, assim como no universo da produção em geral, a repetição do mesmo se torna fundamento efetivo desse fenômeno. A natureza particular do universo cultural e sua relação com o fomento de referenciais, sobre os quais os indivíduos desenvolvem os termos de sua subjetivação, tornam esse processo um caso com suas próprias particularidades. A produção cultural está diretamente associada à significação e, consequentemente, ao momento afirmativo da experiência em que expõe seus elementos constituintes. Ou seja, na esfera da cultura, há um aspecto determinante que diz respeito à reprodução dos sentidos estruturantes da vida social. A questão marcante para Adorno é que, na massificação da produção cultural, “o instante é reduzido ao presente abstrato” (ADORNO, 2020, p. 166), ou seja, a própria conformação da ação e do desenrolar da vida é reduzido a um referencial geral que não possui mais meios de ser elaborado criticamente.

Visto que a esfera da cultura tem essa vinculação constituinte com a reprodução simbólica da vida, na reconfiguração sofrida pela emergência da sociedade de classes e sua evolução a partir de desdobramentos internos de suas estruturas, a produção cultural assume um caráter afirmativo de suas próprias condições materiais de existência. Mais diretamente: a formatação própria assumida sob o capitalismo monopolista evidencia a reprodução sequencial e em massa dos termos nos quais a justificação da realidade, inerentes à produção cultural, radicalizam-se para a naturalização da vida tal qual ela é. Nesse sentido, tanto a apreensão crítica das relações sociais que fundamentam essa sistemática quanto a ideologia parte do mundo como ele é. A diferença é que a disposição à teorização crítica compreende que há esse fator de reprodução sistêmica no entendimento advindo da elaboração massificada da cultura, que se estende até o nível mais fundamental da reprodução: a subjetividade que é representada nos termos da naturalidade.

 

Criaturas sem criador

 

Ao que indica Robles (2018), Adorno escaparia de perder-se em pensar nos termos da identidade por meio de sua crítica da ideologia, que também implicava uma crítica à própria noção de sujeito presente na tradição hegeliana do marxismo do começo do século XX — com especial destaque a Lukács e a sua concepção do proletariado como sujeito histórico. Contudo, dado que era um leitor de Hegel e atento ao trato dedicado à epistemologia pela filosofia de seu tempo, Adorno acaba por elaborar, em seus termos, a relação sujeito-objeto partindo da experiência do capitalismo tardio. Ainda que a não-identidade seja o elemento constituinte dessa relação, e, portanto, a impossibilidade de realização do primeiro no segundo seja a condição mesma da fratura subjetiva, é possível perceber que, a partir da sua elaboração acerca da ideologia e da relação desta com as estruturas mentais do sujeito, Adorno desenvolve uma concepção própria de sujeito. Na verdade, defende-se aqui a interpretação na qual seria exatamente pela concepção de uma condição humana sob a regularidade da privação de autodeterminação subjetiva e material que Adorno tem condições de elaborar a centralidade da ideologia na reprodução do idêntico como fundamento da experiência. Ainda que Adorno atribua ao sujeito de razão crítica a capacidade de superar a condição concreta que o determina, diferentemente da intransponibilidade das bases pulsionais da subjetividade nas esferas consciente e, especialmente, inconsciente elaboradas por Freud, é importante ressaltar que, antes dessa elaboração que orienta sua proposição acerca de uma nova dialética necessária à construção de um mundo que ainda não existe, ele propõe uma antropologia na qual a dominação e a razão instrumental são elementos constituintes tanto do plano objetivo quanto do subjetivo simultaneamente.

A tentativa de resolução das questões advindas do esforço do marxismo hegeliano, ou, mais explicitamente, as problemáticas levantadas por Lukács no esforço de superar o mecanicismo da Segunda Internacional, imprimem sobre o pensamento adorniano uma marca permanente (ROBLES, 2018). Uma dessas evidências é a pertinência da questão do sujeito e da constituição objetiva da subjetividade, um aparente oxímoro facilmente resolvido quando se parte das concepções materialistas. Enquanto para o filósofo húngaro a resolução da questão é a concepção do proletariado como sujeito histórico-político detentor da posição material de desenvolvimento da verdadeira apreensão do real e de sua possível mudança, para o filósofo alemão, por sua vez, a história é apreendida em termos mediados pela herança hegeliana. Nessa perspectiva, uma ratio pode ser apreendida, a qual transcende à determinação histórica da classe e se baseia em relações sociais de dominação que atravessam a história. Justamente por isso, essas relações de dominação exercem uma influência determinante sobre a estruturação das subjetividades. Adorno destaca a dominação como fundamento da exploração e de sua crítica à ideologia, embora reconheça que essas relações de dominação também possam ser observadas nos termos da disparidade econômica (JAEGGI, 2008). O proletariado como sujeito histórico some na elaboração adorniana, mais do que isso, na verdade ele é demovido dessa posição e não mais teria o papel de núcleo social de um processo revolucionário capaz de romper com as determinações da sociabilidade capitalista, como elaborado por Lukács e a tradição marxista em geral. Com esse movimento, Adorno coloca no centro de sua reflexão a centralidade da ideologia como processo de representação do real que vai além do simples espelhamento intelectivo da experiência. Mas, ao fazer isso, acaba por fundamentar a legitimação das relações concretas sobre as quais a história seguiu o seu desenrolar. A ideologia, nesse caso, tem seu momento de verdade na relação com o ordenamento geral da vida social, mas que não pode reduzir a compreensão do fenômeno à identidade entre objetividade-subjetividade. Essa compreensão não é derivada exclusivamente de um procedimento sociológico, mas é mediada por outras referências, em especial a psicanálise.

Ao recuperar Ulisses, “precisamente como um protótipo do indivíduo burguês, cujo conceito tem origem naquela autoafirmação unitária” (ADORNO; HORKHEIMER, 1985, p. 53), a consideração acerca da história humana desloca-se à centralidade da dominação. Em vez de tomar a história universal, marcada em si pela centralidade epistêmica da humanidade, a partir da progressiva realização humana e da Razão, recorrer ao mito como recurso de elaboração dos fundamentos do esclarecimento possibilita trazer à vista que o encadeamento histórico é marcado pela permanência de uma conformação da natureza interna e externa: uma constrição elementar fundadora da subjetividade e da compreensão do mundo como objeto, que define a constituição da racionalidade e, por conseguinte, é característica permanente da experiência. A possibilidade dessa reflexão reside na confluência proposta numa crítica da ideologia que incorpora os termos da psicanálise em um sentido antropológico, destacando que o caráter crítico da teoria freudiana reside exatamente na exacerbação do indivíduo como núcleo fundamental de sua análise. Ou seja, “Freud salvaguardou a essência da socialização ao se deter firmemente na existência atomizada do indivíduo” (ADORNO, 2015, p. 49). Tendo por cerne analítico o indivíduo, a teoria freudiana evidenciaria a contradição determinante da vida social: a impossibilidade de realização do indivíduo é fruto da impossibilidade objetiva. Assim, o que caracteriza a experiência social nessa dialética indivíduo-sociedade é a frustação e o sofrimento. Dado que a possibilidade de existência desse sujeito é a condição mesma de sua irrealização, a legitimidade do método psicanalítico repousa em “penetrar nas profundezas arcaicas do indivíduo e tomá-lo como um absoluto que somente se vincula à totalidade através de sofrimento e penúria da vida” (ADORNO, 2015, p. 63).

As considerações adornianas acerca da formação das personalidades no capitalismo tardio (ADORNO, 2019), que corresponde à fase monopolista, fazem aparecer mais apontamentos sobre esse esforço de estabelecimento de um topos. Quanto à constituição da personalidade, naquilo que compete à observação do seu conteúdo, Adorno (2019, p. 84) é categórico em indicar a configuração histórico-social como aspecto determinante da composição dessa esfera da subjetividade. Em grande medida, para ele, a personalidade é um aspecto histórico localizável, em vez de uma manifestação da particularidade do indivíduo em si. No esforço de ampliar a categorização disso, que ele observou como personalidade autoritária, ele conseguiu perceber que a regularidade dessa estrutura de personalidade é generalizável à sociedade. Nessa perspectiva, a dissidência é menos apreensível na observação interna aos grupos socioeconomicamente delimitados. Apesar de conceber que a formação social é fonte das condições de efetivação dessa personalidade, Adorno indica que a dissidência interna aos grupos é mais comum do que entre grupos distintos e, diante disso, no que compete à composição mais geral da ordem social, o que fundamenta essa relação estaria em outro âmbito da vida que não o da determinação econômica. A sua conclusão imediata a partir desse dado apresenta uma proposição que, à primeira vista, pode ser considerada questionável em termos de coerência interna.

A possível questionabilidade dessa proposição é a de que, como ele mesmo concebe em outros escritos, “[...] a ideologia atual acolhe a psicologia dos indivíduos sempre já mediatizada pelo universal, do mesmo modo que incessantemente reproduz nos indivíduos o universal” (ADORNO, 2009, p. 289). Assim sendo, há uma base sobre a qual a ideologia reproduz as suas próprias condições de correspondência com o real, ou seja, é a partir de um ordenamento específico da reprodução da vida, seja simbólica ou materialmente falando, que a ideologia pode se preservar sem ser apenas uma falsa consciência, o que tornaria a superação das relações falseadas muito mais fáceis. O momento de verdade da ideologia está diretamente vinculado à representação da experiência concreta, interpolando-a ao nível da consciência e, assim, formatando os indivíduos de seu próprio tempo e espaço. Essa conclusão adorniana tem a ver com a sua afirmação constante dos termos da psicanálise, na verdade, dos fundamentos da hipótese do inconsciente, assim como da sua consideração acerca da autonomia (nem tanto) relativa da cultura — esta última com especial destaque à relação entre pensamento crítico e mudança a partir do universo da cultura (ADORNO, 2020, p. 271-273). A questão acerca da coerência diria respeito a uma necessária incompatibilidade entre as proposições freudianas acerca das estruturas psíquicas e a crítica imanente, característica da teoria crítica. Contudo, o próprio Adorno apresenta os argumentos pelos quais elabora a sua apreensão de Freud e do seu teor crítico.

 

Da hipótese à tópica

 

No caso adorniano, por excelência, a mediação freudiana é marcante e se evidencia na construção de um tipo de sujeito — e, consequentemente, de uma forma basilar da subjetividade — determinado pelas estruturas fundamentais da psiqué, que se apresentam como próprias da condição humana. As estruturas mentais são impregnadas dos traços advindos do momento fundacional da sociabilidade humana em geral, vinculado ao “violento assassínio do chefe e à transformação da horda paterna em uma comunidade de irmãos” (FREUD, 2011, p. 84). A constituição das estruturas mentais seriam as mesmas, ainda que mediadas pelos mecanismos de ocultamento e/ou redirecionamento socio-historicamente determinados.

Ao recorrer à Odisseia, Adorno e Horkheimer (1985) apresentam as bases pelas quais a noção de dominação se constitui ao longo da história. A centralidade da dominação da natureza se destaca no caso de Ulisses e a vitória sobre o gigante Polifemo (ADORNO; HORKHEIMER, 1985, p. 68-72). Ao destacar esse caso, é possível apreender o fundamento da relação entre pensamento e natureza, a dialética do esclarecimento que se manifesta desde a mais básica representação da separação entre o mundo humano e o mundo natural, entre uma condição própria da externalidade radical e a particularidade humana que se professe antagônica. Quando Ulisses e seus servos foram aprisionados pelo gigante Polifemo em uma caverna, eles enfrentaram a impossibilidade de exercer sua vontade sobre a natureza. O destino deles era se tornar a refeição do gigante quando a noite chegasse. No entanto, nesse contexto desafiador, Ulisses usou sua astúcia para encontrar uma solução e garantir sua sobrevivência. Assim, o drama se desenrola em torno de mais um episódio da vitória da astúcia.

A leitura desse episódio, assim como a da obra homérica e a da apresentação da base sobre a qual a razão instrumental se baseia, é amplamente conhecida, mas aqui o destaque que importa é de outra aparição nesse episódio. Diante da relação entre a violência impositiva da natureza representada pelo gigante Polifemo, sua força avassaladora e sua insaciável fome, e a impotência humana de alterar o próprio destino, simbolizada pela prisão na caverna e a desproporção de forças como meio de imposição da vontade, a escolha de Ulisses em se apresentar como Ninguém revela muito mais sobre a constituição da subjetividade do que meramente ser um artifício astucioso para contornar a situação. No momento em que a impossibilidade de sua vitória ainda está dada, quando a natureza externa se impõe como força intransponível, o sujeito proprietário, que é sujeito de vontade e constitui a emergência da estrutura de personalidade de Ulisses como senhor de suas terras e de seus servos, compreende-se a si mesmo como incapaz de efetivação. Ao nomear-se como Ninguém, Ulisses reconhece sua nulidade a partir da constatação de sua incapacidade de realização. É diante da brutalidade fundamental da natureza que o sujeito perde sua existência fundada na dominação do mundo material — das coisas e das pessoas. Nessa autopercepção, “a distância do sujeito com relação ao objeto, que é o pressuposto da abstração, está fundada na distância em relação à coisa, que o senhor conquista através do dominado” (ADORNO; HORKHEIMER, 1985, p. 27-28). Justamente por essa condição concreta de aparecimento da estrutura psíquica de Ulisses, condição marcada pela cisão entre ele e o mundo da natureza, assim como dele com os outros, é que a impossibilidade de reproduzir a dominação que lhe é constituinte se torna um elemento a partir do qual ele se entende e, por isso, se apresenta à natureza como incapaz de se autodeterminar. Entretanto, a sequência desse episódio apresenta outros fatores aos quais retorna a possibilidade das condições de efetivação dessa subjetividade e, a partir disso, a condição de dominação da natureza é uma premissa à qual a vida estaria condenada.

Depois de conseguir impossibilitar o gigante de distinguir entre homens e ovelhas, cegando-o com a ajuda de uma estaca enfiada no olho, Ulisses tem sua primeira vitória sobre a natureza, mas ainda não pode fugir da possibilidade de sua fúria. Agora, disfarçado de animal, vestindo a pele de uma das ovelhas do rebanho de Polifemo, consegue fugir da caverna entre os animais vivos, junto com seus servos. Ao fim disso, quando a vitória sobre o gigante já era definitiva, Ulisses pôde, enfim, fazer-se reconhecer pelo que é: senhor sobre o mundo. No momento em que se apresenta, diz seu nome e faz o gigante e o universo saberem quem o feriu, mas sem matá-lo, sem neutralizar definitivamente uma força natural, Ulisses se afirma como sujeito de razão. Esse é o momento afirmativo da dominação, que posteriormente apresenta seu elemento negativo de autocoação quando ocorre outra vitória sobre o indeterminado pela identidade: as sereias. No momento de confronto com o mundo, quando ele se compreende enquanto subjetividade nos termos de um ser para si, ao mesmo tempo em que a sua constituição fundamental se afirma como imanência, como condição mesma de um ser em si. Essa imanência da vitória sobre a natureza, sempre externa, que obscurece a relação com a natureza interna, e que, por outro lado, se afirma a partir do controle sobre o inassimilável. A vitória do herói converte-se em condenação, assim como a outra face da racionalização, que ao impor-se e dominar o mundo objetivo, só o faz mediante o constrangimento das bases pulsionais, fazendo emergir o sujeito dessa relação. Ao se reafirmar por meio da dominação, vencendo mesmo sem a capacidade de eliminar de forma definitiva o não-idêntico externo e interno, Ulisses e seus servos, que são essenciais para essa efetivação, são condenados a vagar pelos mares, lutando contra a fúria natural representada na maldição de Poseidon, solicitada por seu filho, o gigante cego.

O desenvolvimento da reflexão de Horkheimer e Adorno, assim como o desenvolvimento específico da teoria do segundo, não se afasta mais da teoria freudiana e da psicanálise em geral. Os esforços em pensar as condições do capitalismo tardio, o capitalismo monopolista do século XX, são caracterizados por essa conexão permanente entre objetividade e subjetividade. “Freud fornecerá a Adorno, inicialmente, a possibilidade de ampliar a reflexão sobre as formas de instauração sensível da sujeição social, ou seja, a maneira com que a sujeição social impõe através das múltiplas formas disciplinares de constituição da sensibilidade e da vida sensível” (SAFATLE, 2019, p. 180, grifo do autor).

Desde a Dialética do esclarecimento, Adorno se dedica a observar a relação entre o capitalismo e a conformação dos aspectos mais elementares da condição humana que, para ele, são melhor apreensíveis recorrendo à incorporação da teoria psicanalítica ao instrumental teórico da/para crítica. Algumas ressalvas a esse campo são feitas por ele ao longo dos seus textos específicos, especialmente quando está considerando o campo da psicanálise, as vertentes que contestam aspetos da teoria freudiana, a relação entre psicologia e sociologia na explicação da experiência social sob o capitalismo (ADORNO, 2015). O primeiro momento de recurso à psicologia é seguido de considerações críticas acerca dessa área de conhecimento e de seus procedimentos, importa destacar que a clínica, por exemplo, é alvo de críticas contundentes por compreender procedimentos de adequação que se fundamentam em um culturalismo estéril, do ponto de vista da crítica, mas extremamente produtivo no sentido da adequação das psiquês à reprodução das condições de sua própria patologia. Ou seja, para Adorno (2015, p. 67-68), a possibilidade crítica da psicanálise reside na apreensão da explicitação das estruturas mentais da subjetividade, visto que esse movimento da teoria freudiana diz respeito à própria explicitação da subjetivação sob o capitalismo. Ou seja, quando Freud tomou as bases mais elementares da psiquê como necessariamente humanas, generalizando uma estrutura mental à condição natural, ele pôde alcançar o mais profundo desse fenômeno exatamente por não dourar a pílula da diagnose da constituição humana, característica da modernidade capitalista.

Justamente por tomar a humanidade como uma condição trans-histórica, mediada pelos termos objetivados da dominação, Freud pode ser recuperado como o momento mais alto do pensamento burguês, que explicita as raízes da representação do mundo e dos sujeitos. Desse modo, recuperado nisso, que ele aponta como mais fundamental na determinação dos termos da experiência, o fundador da psicanálise aponta que a história da humanidade é estruturada sobre a cisão entre cultura e natureza, esta última ainda apresentada em termos de natureza interna e externa. Diante disso, Safatle (2019) pode observar a produção tardia de Adorno, sua Dialética negativa, como um esforço em compreender a processualidade de constituição e ruptura com essa determinação historicamente burguesa de naturalização da fratura subjetiva como condição própria da humanidade. Ainda que essa cisão humano-natureza seja um aspecto de representação do mundo fundamental da experiência histórica da sociedade burguesa, assim como indicado no começo da questão da verdade presente no ideológico, as relações concretas se dão como se a assim o fossem. Ou seja, ainda que o argumento da necessidade de separação entre cultural e natural seja determinante da/para autorreprodução do sistema inteiro, tanto em sentido material quanto ideologicamente, e diga respeito a uma fase histórica da história humana, esse modelo de separação e antagonismo se põe como determinante dos termos das possibilidades de ação dos indivíduos, determinando os termos de sua subjetivação. Em resumo, o que Adorno consegue apontar com a recuperação da centralidade da dominação na constituição da subjetividade é que a irrealização do humano, em todas as suas potencialidades e capacidades de experienciar o mundo, rompendo com os limites concretos definidos por modos de exploração, assim como de regimes necessariamente articulados de dominação e propriedade, é a determinante perene da condição humana historicamente objetivada. Desse modo, a denúncia da dominação como elemento regular possibilita observar que é na afirmação da ideologia que se estabelece a irrealização humana e, portanto, é na necessidade do ainda não realizado, do não-idêntico, que reside a possibilidade de emancipação humana.

 

Conclusão

 

Todo esse esforço adorniano é fruto de sua dedicação à observação dos modos pelos quais o mundo da cultura se organiza na nova fase do capitalismo, aquela na qual a lógica industrial determina explicitamente esse setor. No período considerado por ele, a reestruturação do campo cultural assume as feições de um mercado no qual os grandes conglomerados começam a tomar forma, e, dada a necessidade concorrencial inerente a todo mercado, a própria significação do mundo é entranhada de sentidos de reprodução das condições que permitem a dominação do mundo material e espiritual. Justamente nesse período, emerge o diagnóstico trágico adorniano acerca da superação do capital estritamente associado aos movimentos clássicos de luta da classe trabalhadora. Para ele, com a remodelação da nova fase do capitalismo, nem mesmo o Estado serve de instrumento para a determinação da política sobre a economia, visto que a lógica da segunda determina, em forma e conteúdo, a própria lógica cultural de modo explícito. Nesse sentido, ele pode afirmar que “[...] a perversão da verdade, o controle ideológico, não se restringem de modo algum ao simples âmbito da leviandade inócua ou da baixeza cínica. A doença não medra em indivíduos maldosos, mas sim no sistema. Por isso ela corrói também aqueles que, na medida do permitido, propõem-se ambições mais altas e querem permanecer íntegros” (ADORNO, 2020, p. 229).

Ainda que possa parecer, a indicação adorniana da falibilidade intrínseca de qualquer tentativa de eticidade dentro do sistema não diz respeito a esforços de ruptura estrutural. Na verdade, ao perceber os rumos tomados pela produção cultural, que indicam suas bases e a inerente inadequação dos sujeitos a si e ao mundo, Adorno evidencia que a única possibilidade de saída desse encurralamento histórico é a superação da própria condição de subjetivação dos indivíduos. Sendo esses os meios pelos quais a reprodução material e ideológica ocorre, é por meio deles que o passo de superação geral deve ser dado, desde que seja feito a partir de uma perspectiva necessariamente crítica. Ou seja, somente ao perceber as condições históricas, sociais e subjetivas de reprodução da dominação capitalista, considerando-a como modo de produção material e de subjetividades equivalentes — mesmo que irrealizáveis e talvez necessariamente irrealizáveis —, é que se tornaria possível vislumbrar a negação radical do mundo afirmativo.

Vladimir Safatle (2017) considera a existência de uma antropologia na elaboração da dialética adorniana, visto que a correlação entre os elementos destacados —  como natureza e relação sujeito-objeto — faz com que a dialética negativa se funde na crítica radical à própria condição humana sob o capitalismo, fazendo emergir uma proposição na qual a própria concepção de natureza humana, até mesmo a constituição material dessa natureza, seja posta sob o crivo da formatação histórica e da relação entre externo e interno, entre natureza objetiva e subjetiva. No esforço de indicar a radicalidade da crítica adorniana e situá-la numa herança marxiana de crítica ao pensamento da identidade de linha hegeliana, Safatle evidencia a necessidade de emergência desse humano inteiramente outro, realizável e impossibilitado pelas condições de sua objetivação, mas determinado pela forma que até mesmo as suas sensibilidades assumem, despontando como determinadas e determinantes da existência. Nesse sentido, a abordagem psicanalítica adorniana não perde o seu caráter crítico, como poderia ser erroneamente denunciado, mesmo considerando as questões relacionadas à centralidade das estruturas mentais como fenômeno natural. É a partir do mais elevado da teoria burguesa, como a de Freud, que Adorno incorpora, tendo esse caráter de classe como pressuposto da incorporação, a fim de desenvolver uma crítica da irrealização do sujeito como resultado de seu projeto político-filosófico. Até mesmo a forma de sujeito própria para a realização do capital é incapaz de se realizar, afinal, até mesmo essa estrutura subjetiva é tomada como mercadoria por meio da qual o capital ascende ao status de único sujeito pleno.

 

 

Referências

ADORNO, Theodor. Indústria cultural. São Paulo: Editora Unesp, 2020.

ADORNO, Theodor. Estudos sobre a personalidade autoritária. São Paulo: Editora Unesp, 2019.

ADORNO, Theodor. Ensaios sobre psicologia social e psicanálise. São Paulo: Editora Unesp, 2015.

ADORNO, Theodor. Conteúdo da experiência. In: ADORNO, Theodor. Três estudos sobre Hegel. São Paulo: Editora Unesp, 2013. p. 133-174.

ADORNO, Theodor. Espírito do mundo e história natural. In: ADORNO, Theodor. Dialética negativa. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2009. p. 250-298.

ADORNO, Theodor W.; HORKHEIMER, Max. Dialética do esclarecimento: fragmentos filosóficos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 1985.

FREUD, Sigmund. Psicologia das massas e análise do eu e outros textos (1920-1923). São Paulo: Companhia das Letras, 2011.

JAEGGI, Rahel. Repensando a ideologia. Civitas, Porto Alegre, v. 8, n. 1, p. 137-165, 2008. Disponível em: https://revistaseletronicas.pucrs.br/ojs/index.php/civitas/article/view/4326. Acesso em: 18 fev. 2023.

REGATIERI, Ricardo P. Capitalismo sem peias: a crítica da dominação nos debates no Instituo de Pesquisa Social no início da década de 1940 e na elaboração da Dialética do esclarecimento. São Paulo: Humanitas: FAPESP, 2019.

ROBLES, Gustavo Matías. Sobre la constitución ideológica del sujeto: Theodor Adorno y Louis Althusser. Revista de Filosofía, Madrid, v. 43, n. 1, p. 85-102, 2018. Disponível em: https://doi.org/10.5209/RESF.60201. Acesso em: 18 fev. 2023.

SAFATLE, Vladimir. Dar corpo ao impossível: o sentido de dialética a partir de Theodor Adorno. Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2019.

SAFATLE, Vladimir. Materialismo e dialéticas sem Aufhebung: Adorno, leitor de Marx; Marx, leitor de Hegel. Veritas, Porto Alegre, v. 62, n. 1, p. 226-256, 2017. Disponível em: https://doi.org/10.15448/1984-6746.2017.1.26210. Acesso em: 18 fev. 2023.

VUILLEROD, Jean-Baptiste. Adorno et Althusser, lecteurs de Hegel. Astérion, Lyon, n. 22, 2020. Disponível em: https://doi.org/10.4000/asterion.5046. Acesso em: 18 fev. 2023.

 

Recebido em: 15/02/2023.

Aceito em: 15/05/2023.

 

DOI: https://doi.org/10.46906/caos.n30.65835.p123-138  

 

 

 



[1] O trecho completo, origem do destaque, é “O conceito do eu é dialético, psíquico e não psíquico, um fragmento da libido e um representante do mundo.” (ADORNO, 2015, p. 107).

* Graduado em Ciências Sociais pela Universidade Federal da Paraíba (UFPB), Brasil. E-mail: esdrasbfaraujo@gmail.com.

[2] A complexidade da concepção adorniana, e frankfurtiana em geral, sobre esse dilema entre falso e verdadeiro na constituição da ideologia, é o que Jaeggi (2008, p. 145) chama de “primeiro paradoxo da crítica da ideologia”. A ideologia é falsificação e verdade ao mesmo tempo, há uma correspondência entre ela e a realidade representada, não como uma passagem direta do material ao ideal, mas uma necessidade falsa necessariamente falsa, visto que sua correspondência com o real é de reprodução das condições de sua própria existência. O resultado da ideologia na constituição do entendimento é a normalização do já existente, sendo assim, o que há de verdadeiro e de falso é a experiência em si.

 

 

_____________________

Desenho de um círculo

Descrição gerada automaticamente com confiança médiaÉ permitido compartilhar (copiar e redistribuir em qualquer suporte ou formato) e adaptar (remixar, transformar e “criar a partir de”) este material, desde que observados os termos da Licença  CC BY-NC 4.0.