Vulnerabilidade Socioambiental: proposição de temas e indicadores para cidades brasileiras

Ana Cecília Feitosa de Vasconcelos*.1 Gesinaldo Ataíde Cândido.2 Eliza Maria Xavier Freire.3

1 Professora do curso de Administração da Universidade Federal de Campina Grande (UFCG). Doutoranda em Desenvolvimento e Meio Ambiente pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN). ORCID: 0000-0002-7848-4602

2 Professor Titular da Universidade Federal de Campina Grande (UFCG). Professor permanente dos Programas de Pós-Graduação em Administração da Universidade Federal da Paraíba e da Universidade Federal de Campina Grande. ORCID: 0000-0002-3112-0254

3 Professora Titular da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN). Professora permanente nos programas de Pós-Graduação em Desenvolvimento e Meio Ambiente da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN). ORCID: 0000-0001-9486-6347

*Autora para correspondência: acvasconcelos@gmail.com

Recebido em 04 de dezembro de 2018. Aceito em 12 de fevereiro de 2019. Publicado em 26 de setembro de 2019.

Resumo - Este artigo tem como objetivo propor um arcabouço teórico composto de temas e respectivos indicadores capazes de, ao serem aplicados, traduzir o nível de vulnerabilidade socioambiental nas cidades brasileiras. Este estudo utilizou a revisão sistemática da literatura, por meio de consulta nas bases de dados Scientific Eletronic Library Online (SciELO) e Web of Science publicados entre os anos 2000 e 2018. Foram analisados 20 artigos e 06 livros. Os resultados apresentam um conjunto de oito temas e 134 indicadores que viabilizam uma nova perspectiva para a análise da vulnerabilidade socioambiental, constituindo uma ferramenta que visa colaborar para os estudos sobre o tema e para o planejamento e a definição de ações de políticas públicas que visem melhor estruturar as cidades, tornando-as vivas, com qualidade de vida e capazes de serem sustentáveis para os seus citadinos.

Palavras-chave: Vulnerabilidade Socioambiental; Urbano; Indicadores; Cidades.

Vulnerabilidad Socioambiental: planteamiento de temas e indicadores para ciudades brasileñas

Resumen - Este artículo tiene como objetivo plantear una estructura teórica compuesta por temas y respectivos indicadores capaces de traducir el nivel de vulnerabilidad socioambiental en las ciudades brasileñas cuando aplicados. Este estudio utilizó la revisión sistemática de la literatura, por medio de consulta en las bases de datos Scientific Eletronic Library Online (SciELO) y Web of Science publicados entre los años 2000 y 2018. Se analizaron 20 artículos y 06 libros. Los resultados presentan un conjunto de ocho temas y 134 indicadores que viabilizan una nueva perspectiva para el análisis de la vulnerabilidad socioambiental, constituyendo una herramienta que pretende colaborar para los estudios sobre el tema y para la planificación y la definición de acciones de políticas públicas que objetiven mejor estructurar las ciudades, haciéndolas vivas, con calidad de vida y capaces de ser sostenibles para sus ciudadanos.  

Palabras clave: Vulnerabilidad Socioambiental; Urbano, Indicadores; Ciudades.

Socio-environmental vulnerability: proposition of themes and indicators for Brazilian cities

Abstract - This study aims to propose a theoretical framework of themes and related indicators that, when applied, would be capable of translating the level of environmental vulnerability in Brazilian cities. It used the systematic literature review, by consulting the Scientific Electronic Library Online (SciELO) and Web of Science databases published between 2000 and 2018. Twenty articles and six books were analyzed. The results present a set of eight themes and 134 indicators that make possible a new perspective for the socio-environmental vulnerability analysis, constituting a tool that aims to collaborate for studies on the theme and for the planning and definition of public policy actions that aim at a better structuring of the cities, making them alive, with quality of life and capable of being sustainable for their citizens.

Keywords: Socio-Environmental Vulnerability; Urban, Indicators; Cities.

Introdução

A intensidade com que o processo de urbanização ocorreu no Brasil no século XX foi uma das principais causas que fomentaram as problemáticas sociais que envolveram e ainda envolvem o país até os dias atuais. Ao passo que a urbanização impulsionou o crescimento econômico favoreceu um cenário de injustiças e desigualdades. Uma das principais características do processo de urbanização era ter, na construção das cidades, um meio de dominação no qual explorar e enriquecer, eram prioridades maiores que cuidar e planejar o surgimento adequado das cidades.

Conforme expõe Maricato (2001), o surgimento dos primeiros centros urbanos se deu com os espaços de financiamento de comercialização dos bens primários. Esses espaços surgiram em função da produção, em meados do século XVI em função da produção do açúcar; nos séculos XVII e XVIII com a descoberta do ouro; e no século XIX com a produção de café como necessidade de um ambiente de comercialização desses produtos que atendessem ao mercado europeu.

Neste contexto, o processo de urbanização passa a ter um papel preponderante na estruturação da moderna sociedade, pois, assim como o território, a própria sociedade impulsiona o seu processo, não só com o foco nas atividades econômicas, mas, sobretudo, como incentivadora de novos padrões de relações sociais, como as de produção e de estilo de vida (Lefebvre 2008).

Neste período, constata-se que o processo de urbanização se caracteriza como acelerado, desigual e concentrador, bem como diversificado e completo em virtude de ter acontecido de forma heterogênea nos variados territórios do país (Santos 2013). É nesse contexto que a urbanização brasileira se consolida e a expansão demográfica e o processo de terceirização da economia se tornam evidentes. No entanto, só a partir da década de 1940 que se verifica uma inversão da população rural em urbana. Segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE - (2016), em 1940 a taxa de urbanização do Brasil era de 31,24% e em 2010, ano do último Censo Demográfico, esta taxa alcança 84,36%. Ou seja, em 70 anos houve uma inversão quanto ao lugar de residência predominante da população brasileira.

Esse intenso e desordenado processo de urbanização, derivado da falta de um melhor planejamento urbano, trouxe uma série de impactos e consequências para as cidades, dentre as quais se podem citar a favelização, o aumento da violência nas cidades, os níveis de poluição, maior incidência de enchentes e aumento do número de subempregos.

Na maioria das cidades brasileiras é bastante visível a segmentação socioespacial, onde a porção mais periférica, constituída pela parte mais pobre da população, encontra-se desprovida de serviços e até mesmo de espaços adequados de convivência social. Conforme Lemos e Higuchi (2011), morar em lugares que não possuem condições mínimas de habitabilidade acarreta em sofrimento diário e impedimento de uma apropriação do ambiente como espaço de moradia digna. Isto demonstra que uma parte da população fica à margem da vida das cidades o que, para Kaztmam (2005), forma um processo de segregação e “isolamento social” resultante do binômio precariedade e instabilidade do mercado de trabalho e dos serviços que não são oferecidos a esta parte da população. Conclui-se, desse modo, que a pobreza é resultante não só do modelo socioeconômico vigente, mas também da forma como se apresenta a estrutura espacial da cidade que faz com que determinadas regiões estejam mais suscetíveis a um processo de vulnerabilidade.

O entendimento de vulnerabilidade socioambiental seguido neste artigo é o apresentado por Alves el al 2010, que o apresenta como sendo “a sobreposição ou cumulatividade de problemas e riscos sociais e ambientais que se concentram em determinadas áreas, espalhadas por toda a metrópole. ” Nesse sentido, a análise da vulnerabilidade socioambiental deve envolver um entendimento integrado das condições de vida de uma população, compreendendo que os impactos advindos dos desastres naturais reconfiguram os cenários urbanos e impactam a forma e condição de vida das pessoas, mas também, que o contexto de construção da sociedade e do processo de expansão urbana nas cidades brasileiras faz com que uma parte da população desconheça seus direitos à cidadania e experimente de forma intensa uma sobreposição de desigualdades sociais, dentre as quais: pobreza, segregação espacial e ausência de conforto urbano.

Em face do exposto, a premissa estabelecida neste estudo é de que a vulnerabilidade socioambiental no Brasil decorre, preponderantemente, do processo de expansão urbana das cidades e das questões sociais advindas desse processo. Para tanto, torna-se necessário o desenvolvimento de instrumentos de avaliação para a vulnerabilidade socioambiental que permitam um entendimento mais coerente com a realidade brasileira.

Nesse sentido, tomando como referência a premissa citada, este estudo tem como objetivo propor um arcabouço teórico composto de temas e respectivos indicadores capazes de, ao serem aplicados, traduzir o nível de vulnerabilidade socioambiental nas cidades brasileiras. Para tanto, se tomou como base os estudos relacionados à vulnerabilidade socioambiental no Brasil, bem como aos estudos desenvolvidos no contexto urbano.

Este estudo caracteriza-se como exploratório, utilizando como técnica de pesquisa a revisão sistemática da literatura, por meio de artigos consultados nas bases de dados Scientific Electronic Library Online (SciELO) e Web of Science publicados entre os anos 2000 e 2018. Também foram incluídas consultas a seis livros considerados fundamentais à compreensão sobre questões urbanas, seguindo critérios de seleção, os quais estão delimitados no item dos aspectos metodológicos.

Em termos estruturais, este artigo apresenta, além destas considerações iniciais que contextualiza a problemática do estudo, os fundamentos teóricos que embasaram o artigo, seguidos pelos aspectos metodológicos do estudo, resultados e as considerações finais.

Fundamentação Teórica

Vulnerabilidade Socioambiental

A discussão sobre vulnerabilidade passou a despertar o interesse de pesquisadores e instituições de pesquisa, em decorrência dos crescentes índices de desigualdades sociais, da segregação socioespacial e do processo de urbanização desordenado das cidades.

Para se compreender o conceito de vulnerabilidade é preciso compreender o conceito de risco, uma vez que estão interligados. Segundo o relatório sobre Redução de Risco de Desastres do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (UNDP), risco é “o número de mortes em um evento perigoso em relação à população total exposta a tal evento” (UNDP 2004; p.98). Dessa forma, parte-se do pressuposto comum de que é a vulnerabilidade que explica o porquê dos diferentes níveis de risco que diferentes grupos experienciam ao serem submetidos a perigos naturais de mesma intensidade (Braga et al. 2006).

D’Ercole (1994), Blaikie et al. (1994) e Acserald (2006) estabelecem uma relação de causa e efeito entre natureza e sociedade, reconhecendo que os fatores de risco estão associados a um certo grau de exposição a uma situação crítica, natural ou social, que gera vulnerabilidade em determinados grupos. Sendo assim, a noção de vulnerabilidade passa a ser um produto de determinados contextos espaciais, socioeconômicos, demográficos, culturais e institucionais, sensível às condições locais e à dimensão temporal (Kuhlicke et al. 2011).

Para Cutter (2001), vulnerabilidade corresponde ao “potencial para a perda”. Para a autora, a vulnerabilidade inclui tanto os “elementos de exposição ao risco” como os “fatores de propensão às circunstâncias que aumentam ou reduzem as capacidades da população, das infraestruturas ou dos sistemas físicos para responder e se recuperar de ameaças ambientais” (Cutter 2011 p.60).

Não é apenas a relação natureza e sociedade gera a vulnerabilidade, mas existe muita vulnerabilidade em relação a direitos básicos, na medida em que não só os sistemas públicos de proteção social foram sempre restritos e precários, como também, em anos recentes, houve desmonte de serviços e novas regulamentações que se traduziram em perda de direitos adquiridos (Kowarick 2000).

Estudar a vulnerabilidade envolve uma discussão ampla e relevante por ter caráter multidisciplinar. Além disso, indica que a suscetibilidade das pessoas a problemas e danos está relacionada, principalmente, ao conjunto das profundas transformações sociais, econômicas e ambientais (Kowarick 2009). Um conceito viável para analisar essas relações é o de ‘vulnerabilidade socioambiental’, que pode ser definido como a coexistência, cumulatividade ou sobreposição espacial de situações de pobreza/privação social e de situações de exposição a risco e/ou degradação ambiental. Assim, é justamente a combinação dessas duas dimensões – social e ambiental – que está sendo considerada situação de vulnerabilidade socioambiental (Alves 2006).

A compreensão de vulnerabilidade envolve também aspectos relacionados à gestão urbana, pois, como apresentam Dubois-Maury e Chaline (2002, p. 10), “a vulnerabilidade da cidade concerne evidentemente aquela dos homens e dos bens que ela concentra, mas ela implica, muitas vezes também, aquela de seus poderes, de sua imagem e de sua dimensão”.

Nesse sentido, Mendonça (2010) defende que a vulnerabilidade socioambiental urbana evidencia a heterogeneidade dos impactos advindos dos riscos que se abatem sobre uma dada população, constituindo ambos (risco e vulnerabilidade socioambiental urbana), uma seara de alta complexidade para a compreensão e gestão urbana.

É com base nesse entendimento que se defende que, para a análise de problemas complexos como é o caso da vulnerabilidade socioambiental, se deve pensar na utilização de indicadores que possam estar interligados e que agreguem informações que possam retratar fielmente uma realidade.

Indicadores de Vulnerabilidade Socioambiental

A palavra indicador é originário do latim indicare e refere-se a algo que serve para apontar, indicar, estimar, mostrar algo através de sinais ou indícios (Hammond et al, 1995). Pode-se considerar que são variáveis que são escolhidas para medir um conceito abstrato com o intuito de orientar decisões sobre determinado fenômeno de interesse.

Para Van Bellen (2005) os indicadores devem ser entendidos como variáveis, ou seja, a representação operacional de um atributo (qualidade, característica, propriedade) de um sistema, cujo objetivo principal consiste em agregar e quantificar informações ressaltando sua significância, visando melhorar o processo de comunicação e entendimento dos fenômenos complexos.

A utilização dos indicadores tem sido basilar na formulação de políticas públicas, pois possibilitam uma análise atual, conhecendo verdadeiramente a situação que se almeja modificar, como também o monitoramento temporal, permitindo um melhor acompanhamento das variáveis analisadas, uma melhor avaliação dos processos e planejamento de ações e, por conseguinte melhor utilização dos recursos investidos.

Para o IBGE (2010, p. 33),

Indicadores são ferramentas constituídas por uma ou mais variáveis que associadas através de diversas formas, revelam significados mais amplos sobre os fenômenos a que se referem. Entretanto, a complexidade desse conceito com suas múltiplas dimensões e abordagens tem dificultado a utilização mais consciente e adequada destas ferramentas.

Vale destacar que a função dos indicadores é o de mensurar uma realidade complexa e que é constituída por uma variedade de partes que se complementam e estão em constante relação de interdependência. Nessa perspectiva, torna-se preponderante identificar as interligações existentes entre os diversos aspectos relacionados ao conceito do fenômeno que se está estudando, aqui de forma específica, a vulnerabilidade socioambiental, para se obter soluções também interligadas para os problemas existentes e potenciais.

Desse modo, qualquer indicador, quer seja ele descritivo ou normativo, se apresenta com uma significância própria. Ou seja, quando comparado com as outras formas de informação dentro do contexto que se está sendo estudado, que definirá a sua importância no direcionamento do planejamento e de ações. Assim, não basta ser apenas significativo para os tomadores de decisão, é preciso antes de tudo, que revele a realidade da sociedade, devendo ser, portanto, importante para o público em geral.

Um bom indicador é aquele que é capaz de revelar uma realidade, simplificando as informações relevantes, comunicando-as e esclarecendo suas facetas. Para Van Bellen (2002), os indicadores são de fato um modelo da realidade, mas não podem ser considerados como a própria realidade, entretanto devem ser analiticamente legítimos e construídos dentro de uma metodologia coerente de mensuração.

Para a análise de problemas complexos como é o caso da vulnerabilidade socioambiental, se deve pensar na utilização de indicadores que possam estar interligados e que agreguem várias informações que possam retratar o mais próximo possível uma realidade.

Com base nesta compreensão, e por entender que a vulnerabilidade socioambiental é um tema abrangente, complexo e multifacetado, diversos enfoques têm sido dados nos estudos realizados por instituições e pesquisadores, com o objetivo de se obter uma forma mais adequada de sintetizá-la e mensurá-la. Vários são os sistemas de indicadores de vulnerabilidade socioambiental existentes na literatura, dentre os quais, alguns estão destacados no Quadro 1.

Quadro 1. Sistemas de Indicadores de Vulnerabilidade Socioambiental

Modelos de Mensuração da Vulnerabilidade Socioambiental

Abordagem

Indicadores de Vulnerabilidade (Maior 2014)

Refere-se a uma metodologia de cunho participativo para cálculo e análise do nível de vulnerabilidade socioambiental da população na cidade de João Pessoa. Para tanto, fez uso da análise de percepção dos citadinos em relação a sua situação de vulnerabilidade.

Indicador e avaliação da vulnerabilidade socioambiental no município de São Paulo (Gamba e Ribeiro 2012)

Este trabalho apresenta uma análise multidimensional da vulnerabilidade do município de São Paulo frente a processos relacionados a eventos extremos de precipitação, sobretudo escorregamentos de vertentes. Ele indica a estreita relação entre vulnerabilidade social e infraestrutural com áreas mais suscetíveis a este tipo de fenômeno, situação que caracteriza a segregação urbana.

Modelo de Mensuração da Vulnerabilidade de Alves (2010)

Foi desenvolvido no contexto urbano do Litoral Paulista, contendo 16 cidades, para identificar áreas com alta vulnerabilidade às mudanças climáticas, permitindo, assim, a construção de indicadores em escala desagregada, que representem as dimensões da vulnerabilidade – susceptibilidade e exposição ao risco ambiental – com a integração de dados socioeconômicos, demográficos e ambientais.

Modelo de Mensuração de Almeida (2010)

Refere-se a sua pesquisa de tese, na qual estudou as vulnerabilidades socioambientais de rios urbanos na Região Metropolitana de Fortaleza-CE e teve como objetivo analisar os riscos e as vulnerabilidades socioambientais de rios urbanos no Brasil, tendo a bacia hidrográfica do rio Maranguapinho, localizada na Região Metropolitana de Fortaleza (RMF), como área de estudo de caso para compreensão das inter-relações das vulnerabilidades sociais e exposição aos riscos naturais, principalmente os riscos de inundações.

Índice de vulnerabilidade socioambiental para a vigilância e gestão de desastres naturais no RJ – IVSA

(Guimarães et. al. 2005)

Tem como objetivo um indicador composto para predição de vulnerabilidade na ocorrência de desastres naturais. O índice foi aplicado nos municípios do estado do Rio de Janeiro e comparado aos números oficiais da Defesa Civil.

Social Vulnerability Index (SoVI) (Cutter et al. 2003)

É uma avaliação quantitativa das características que influenciam a vulnerabilidade social aos riscos (préacontecimentos) e facilita a comparação entre unidades geográficas (distritos, secções censitárias) em termos dos seus níveis relativos de vulnerabilidade social. Os perfis socioeconómicos são gerados a partir da informação dos censos e submetidos a um procedimento estatístico para reduzir o número de variáveis a um conjunto menor de fatores que descrevem a vulnerabilidade.

Fonte: Revisão teórica (2017)

A partir da identificação e da análise dos diversos sistemas de indicadores existentes, percebe-se que ainda existem lacunas na literatura, dentre as quais a ausência de variáveis ao estudo da vulnerabilidade socioambiental específico para o contexto urbano, sobretudo para as cidades brasileiras, como as questões sociais que caracterizam o surgimento e desenvolvimento das cidades Segundo Jacobi (2006), a dinâmica urbana excludente e segregadora determina uma paisagem cada vez mais vulnerável, marcada pela prevalência da estratégia de sobrevivência que privilegia práticas de deterioração do ambiente urbano e exposição ao risco. Neste sentido, Kowarick (2009) afirma que o quadro de risco de desastres é decorrente do processo de favelização urbana no Brasil e das precárias condições de vida das populações pobres aglomeradas em territórios abandonados e excluídos de todos os direitos (Kowarick 2000).

Embasada em todas as discussões até aqui realizadas, o tópico seguinte explicitará os procedimentos metodológicos para a o alcance do objetivo proposto, explicitando um conjunto de indicadores capazes de analisar a vulnerabilidade de cidades brasileiras.

Aspectos Metodológicos

Este estudo caracteriza-se como exploratório, utilizando-se como técnica de pesquisa a revisão sistemática da literatura com o objetivo de propor um arcabouço teórico composto de temas e respectivos indicadores capazes de, ao serem aplicados, traduzir o nível de vulnerabilidade socioambiental nas cidades brasileiras. Para tanto, se tomou como base os estudos relacionados à vulnerabilidade socioambiental no Brasil, bem como aos estudos desenvolvidos no contexto urbano.

Para revisão sistemática da literatura esse estudo seguiu o proposto por Denyer e Tranfield 2009; De Medeiros et al. 2014; Garza-Reyes 2015: formulação da questão, localização dos estudos, avaliação e seleção dos estudos, análise e síntese, relatar e usar os resultados.

Este estudo caracteriza-se como exploratório, utilizando-se como técnica de pesquisa a revisão sistemática da literatura com o objetivo de identificar estudos desenvolvidos no Brasil, relativos ao estudo sobre a temática ‘Urbano’. Foram consultados no período de agosto de 2017 a maio de 2018, artigos publicados entre os anos 2000 e 2018, de acesso livre e indexados nas bases de dados SciELO e Web of Science. Para tanto, foram utilizadas palavras-chave, como também o sinal de asterisco no final das palavras para recuperar as variações dos sufixos: As palavras-chave utilizadas foram: “vulnerabilidade socioambiental”, vulnerabilidade urbana, vulnerabilidade socioambiental urbana, índices de vulnerabilidade socioambiental urbano, indicadores de vulnerabilidade socioambiental urbano e sistema de indicadores de vulnerabilidade socioambiental urbano, no idioma português e inglês, os quais possibilitaram encontrar 187 publicações.

Inicialmente, foi realizada uma triagem para identificação dos artigos que se repetiam nas plataformas analisadas. Em seguida, fez-se a exclusão dos artigos que não apresentaram nominalmente “sistemas de indicadores”, “indicadores” ou “índices” no corpus do texto do artigo. Ou seja, que faziam apenas uma citação de uma das palavras-chave em seu título ou resumo. Foram excluídos os artigos que utilizavam autores em sua metodologia que já havia sido utilizado por outros autores. No final, obteve-se como resultado 61 publicações do tipo estudo de caso que foram lidos e analisados de forma sistemática, buscando: a) identificar os indicadores aplicados; b) identificar possíveis temas.

No segundo momento foram analisados cada um dos artigos para se estudar os sistemas de indicadores propostos e verificar os indicadores apresentados. Ademais, nos artigos que não apresentavam um sistema de indicadores de forma explícita, buscou-se identificar os temas analisados por eles. Após a análise e seleção destes textos, o resultado foi de 20 referências que embasaram a proposição de temas e indicadores.

Como complemento às análises dos artigos, foram incluídas seis livros considerados fundamentais à compreensão sobre questões urbanas. Para a escolha destas obras foram definidos os seguintes critérios: a) estudos empíricos que descreveram a realidade urbana em cidades brasileiras, ao passo que evidenciaram variáveis importantes de serem analisadas em qualquer outra cidade; b) estudos que traziam no seu cerne abordagem teóricas e metodológicas relacionadas ao fenômeno da urbanização e as suas implicações com a vulnerabilidade socioambiental. Estes critérios se pautaram na necessidade de identificar variáveis que ao serem analisadas, possibilitassem retratar o cenário de vulnerabilidade das cidades brasileiras para além dos desastres naturais. Desta feita, os autores escolhidos foram Kowarick (2009), Souza (2009); Jacobs (2011), Rogers (2015), Gehl (2015), Rolnik (2015).

Após concluída a leitura e revisão de todos os textos, foi elaborado um quadro para se realizar um comparativo entre todos os autores e verificar a frequência com que os temas se apresentavam nos estudos, de modo que quanto maior fosse a frequência com que os temas se apresentassem, mais relevantes eram para compor o conjunto de indicadores para análise da vulnerabilidade socioambiental para cidades brasileiras.

Como forma de visualizar esquematicamente a descrição do procedimento de buscas dos artigos, a Figura 1 representa o delineamento metodológico utilizado.

Figura 1. Delineamento metodológico da pesquisa.

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Após o delineamento do percurso metodológico seguido, o tópico seguinte explicita a sua operacionalização.

Apresentação e Análise dos Resultados

Os resultados apontam que há poucos estudos que tratam diretamente a temática específica desta pesquisa. Dos 26 estudos levantados, 17 tratam do conceito de vulnerabilidade socioambiental com o enfoque nos desastres naturais, nove fazem uma relação dos conceitos da vulnerabilidade socioambiental com as questões urbanas, delineando sua implicação no direcionamento de políticas públicas.

Foram analisados 20 artigos e 06 livros. A análise de todos esses estudos permitiu a identificação dos temas fundamentais para o estudo sobre o Urbano, possibilitando a seleção dos respectivos ‘Indicadores’ que comporão o conjunto proposto para a análise da vulnerabilidade socioambiental para cidades brasileiras.

Após a análise de todos os estudos constatou-se que as variáveis apresentadas circundam em torno de alguns aspectos que se repetem. Para identificar quais os temas serão propostos para analisar a vulnerabilidade socioambiental em cidades brasileiras, foi gerada, inicialmente, uma nuvem de palavras (Figura 2) a partir dos textos analisados para que se pudesse observar a frequência com que determinados aspectos se apresentavam nos diversos estudos.

Figura 2. Nuvem de palavras dos temas que serão propostos.

C:\Users\Ana Cecília\Desktop\Tese_Arquivo Final\nuvem de palavras_artigo 01.jpg



Como se pode observar na nuvem de palavras, algumas variáveis se sobrepõem a outras: Social, Educação, Saúde, Moradia, Ambiental e Renda. Tal fato evidencia a presença e a frequência com que estes aspectos foram apresentados e reiterados pelos diversos estudos que foram analisados. Assim sendo, tais variáveis são definidas como temas e serão o eixo norteador para se analisar a vulnerabilidade socioambiental nas cidades brasileiras.

Com base na identificação dos temas foi elaborada um quadro para analisar a frequência com que os temas se apresentam nas publicações. É importante ressaltar que alguns temas apresentados serão tratados como sinônimos de outros, por se entender que existe apenas uma diferença de nomenclatura e não de significado.

A elaboração desse Quadro 2 foi importante, pois permitiu identificar os temas analisados por cada autor ao desenvolverem seus estudos sobre a vulnerabilidade e sobre as questões urbanas, consolidando um conjunto de temas que possuem uma relação direta com o fenômeno da vulnerabilidade socioambiental, sobretudo no cenário urbano.

Quadro 2. Frequência dos temas tratados nas publicações analisadas

Autores

Temas

Social (1)

Educação e Cultura (2)

Trabalho e Renda (3)

Ambiental (4)

Moradia (5)

Política (6)

Justiça (7)

Saúde (8)

Infraestrutura urbana (9)

Segurança (10)

Herculano (2000)

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Sposati (2000)

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Braga, Freitas e Duarte (2002)

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Nahas (2002)

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Rossetto (2003)

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Machado (2004)

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Braga (2006)

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Morato (2008)

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Figueiredo (2008)

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Ribeiro (2008)

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Souza (2009)

Roggero (2009)

 

 

 

 

 

 

 

 

Kowarick (2009)

Florissi (2009)

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Veiga (2010)

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Jacobs (2011)

Pessoa (2012)

Araújo (2013)

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Maricato (2014)

Maior (2014)

Roggero (2015)

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Rogers (2015)

Gehl (2015)

Rolnik (2015)

Martins e Cândido (2015)

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Pereira; Vieira (2016)

Gomes e Gomes (2017)

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Frequência absoluta

27

21

22

21

25

8

12

17

17

13

Frequência relativa

100%

78%

81%

78%

93%

30%

44%

63%

63%

48%



Como pode ser observado no quadro 2, a análise das publicações permitiu a identificação de 10 temas importantes para a temática deste artigo. O tema 1 (Social) foi o único a ser unanimidade entre todos os autores, o que denota a sua relevância quando se trata das questões a serem resolvidas ao se estudar as cidades. Em seguida se apresentam os temas 5, 3, 2, 4 (Moradia, Trabalho e Renda, Educação e Cultura e Ambiental), respectivamente, foram os que se apresentaram com maior frequência, com mais de 70% nos estudos analisados. Tal constatação evidencia a importância das condições de moradia, relacionadas com as questões de trabalho e renda que pode proporcionar melhor condições de vida e dignidade, bem como do nível educacional da população e as opções de cultura oferecidas. O tema Ambiental se apresentou com o mesmo percentual que o tema Educação e Cultura, com 78%. Assim sendo, estes temas são fatores condicionantes para se analisar de forma mais aprofundada os entraves sociais existentes nas cidades brasileiras, permitindo uma melhor compreensão sobre o que afeta mais diretamente a vulnerabilidade socioambiental e, de um modo geral, viabilizando o planejamento e a definição de soluções possíveis.

Em seguida se apresentam os temas 8 e 9 (Saúde e Infraestrutura urbana) ambos com 63%, denotando que são variáveis relevantes para os estudos que envolvem as cidades. O tema 10 (Segurança) e o tema 7 (Justiça), apesar de serem uma das grandes preocupações a serem sanadas nas cidades brasileiras, foram os que se apresentaram com frequência mediana, com 48% e 44%, respectivamente. O tema 6 (Política) apresentou-se com 30%, a menor frequência dentre os estudos analisados. Tal fato pode ser justificado pela ausência de indicadores mensuráveis disponíveis nas bases de dados oficiais do país que estejam diretamente ligados com estas questões.

O quadro 2 permitiu definir um marco teórico e ordenador para construção de um sistema de indicadores para análise da vulnerabilidade socioambiental para cidades brasileiras, em que se tem o ponto de partida pautado nos 10 temas identificados. Para cada uma das duas dimensões1 da vulnerabilidade socioambiental, a social e a ambiental, organizaram-se os temas apresentados na matriz e para cada um deles, foram alocados os respectivos indicadores, de modo a se obter um conjunto capaz de permitir a mensuração da vulnerabilidade socioambiental para a realidade das cidades brasileiras.

Nesse processo, os 10 temas apresentados anteriormente foram reduzidos a 08, considerando que:

  1. o tema social foi excluído por ser homônimo a uma das Dimensões e por se compreender que ele engloba os temas saúde, educação e cultura, trabalho e renda, moradia e segurança; e poderia ser analisado por meio destes.
  2. o tema ambiental foi renomeado por ser homônimo a uma das Dimensões e por ser amplo e englobar outros temas. Assim sendo, o Ambiental passou a ser a Dimensão, e o tema denominado de Meio Ambiente.
  3. os temas Política e Justiça foram fundidos em um só tema, denominado Governança, por se entender que tais temas são complementares e são constituídos por indicadores que se assemelham.

Após a definição dos temas, foram selecionados indicadores que pudessem retratar o tema em que está contido. Para tanto, além de utilizar os indicadores apresentados pelos autores que compuseram o quadro 2, buscou-se identificar junto ao IBGE, de modo específico nas publicações do Censo, dos Indicadores Sociais e Perfil dos Municípios, outros indicadores que pudessem analisar os temas aqui propostos.

Deste modo, com base na revisão realizada de modo sistematizado, propõe-se neste estudo um conjunto de indicadores de vulnerabilidade socioambiental constituído por duas dimensões (Social e Ambiental), oito temas (Saúde, Educação e Cultura, Trabalho e Renda, Moradia, Segurança, Infraestrutura Urbana, Governança e Meio Ambiente) e 134 indicadores conforme os Quadros 3 e 4.

Quadro 3. Dimensão Social para análise da Vulnerabilidade Socioambiental em Cidades Brasileiras

Dimensão

Temas

Indicadores

Indicadores existentes

Indicadores propostos

Social

Saúde

Oferta de serviços básicos de saúde; Profissionais de Saúde; Taxa de estabelecimento de saúde; Taxa de estabelecimentos de saúde; Taxa de leitos hospitalares/SUS por 1000 habitantes; Unidades de média complexidade; Taxa de unidades de atenção básica; Atendimento odontológicos do SUS; Imunização contra doenças infecciosas infantis; Taxa de mortalidade infantil; Esperança de vida ao nascer; Taxa de fertilidade; Taxa de adolescentes grávidas; Taxa de abortos; Taxa de casos de dengue; Taxa de casos de zika; Taxa de casos de chicungunya.

07

10

Educação e Cultura

Taxa de Alfabetização; Taxa de Escolarização; Taxa de escolarização líquida no Ensino Médio; Taxa de escolarização líquida no Ensino Fundamental; Proporção de jovens de 15 a 17 anos sem ensino fundamental completo; Taxa de escolas de ensino fundamental e médio na proximidade; Taxa de matrículas escolares; Pessoas consideradas potencialmente ativa (15-59 anos) que não sabem ler e escrever; População em idade escolar; Percentual de professores secundários; Taxa de distorção idade-série; Acesso a computador em casa; Acesso público à internet; Taxa de museu na proximidade; Taxa de biblioteca na proximidade; Taxa de teatro na proximidade; Número de estádios e ginásios poliesportivos (ou equipamentos desportivos).

15

02

Trabalho e renda

Índice de Gini; Razão rendimento masculino/feminino; Rendimento mensal domiciliar per capita urbano; Rendimento familiar per capita (٪ até 1/2 SM); ٪ de famílias com rendimento de 10 a 20 SM; ٪ de responsáveis por domicílio particular permanente com rendimento mensal de até 2SM; ٪ de famílias chefiadas por pessoas jovens; ٪ de famílias chefiadas por pessoas idosas; População (urbana) com rendimento mensal domiciliar per capita nominal de até 1/4 salário mínimo; Famílias atendidas por transferências de benefícios sociais; % de mulheres jovens responsáveis pelo domicílio; % de mulheres idosas responsáveis pelo domicílio; Taxa de famílias monoparentais com chefia feminina (“mães solteiras”); Taxa de pessoas ocupadas nas empresas do setor informal; Taxa de Ocupação; Taxa de desemprego; Taxa de Formalidade da Ocupação; Taxa de indústrias na cidade; Taxa de empresas com incentivos fiscais; População urbana em extrema pobreza.

14

06 

Moradia

Adequação de moradia; Taxa de pessoas que moram em casa própria; Taxa de assentamentos subnormais na cidade; População em aglomerados subnormais; Taxa de casas localizadas próximas à córregos e/ou em ambientes sujeitos à inundação; Taxa de casas localizadas em áreas de acentuada declividade; Domicílio com banheiro - esgotamento sanitário - rede geral; Percentual de domicílios servidos por rede de esgotamento sanitário; Acesso a esgotamento sanitário; % de domicílios particulares permanentes inadequados; % de domicílios particulares permanentes sem banheiro; % de domicílios particulares permanentes com dois ou mais banheiros; Densidade média de moradores por dormitório; Acesso ao sistema de abastecimento de água; Percentual de domicílios servidos por rede de água; Domicílios com abastecimento de água - Rede geral, com banheiro; Acesso a serviço de coleta de lixo doméstico; Percentual de domicílios servidos com algum tipo de coleta de lixo; Densidade média de moradores de rua; Domicílios com acesso a rede elétrica; População atendida com frequência de 2 ou 3 vezes por semana pelo serviço de coleta de resíduos; Taxa de conjunto habitacional de interesse social

15

07

Segurança

Acesso à justiça; Prevenção de delinquência juvenil; Taxa de assaltos; Pessoas (adultos e adolescentes) dependentes químicos (álcool, drogas); Taxa de violência nas escolas públicas; Taxa de empresas ou profissionais de segurança privada; Profissionais de segurança pública por mil habitantes; Taxa de vítimas de acidentes de trânsito; Taxa de mortalidade por homicídios.

04

05 

 

 

Total de indicadores

55

30


Legenda: Os indicadores propostos estão destacados em negrito.



A Dimensão Social está composta pelos Temas Saúde, Educação e cultura, Trabalho e renda, Moradia e Segurança e por um total de 85 indicadores. O tema saúde é composto por 17 indicadores; o tema Educação e Cultura por 17 indicadores; o tema trabalho e renda por 20 indicadores; o tema moradia por 22 indicadores e o tema segurança por 9 indicadores. Dos 85 indicadores que compõem a Dimensão Social 30 são novos indicadores propostos neste trabalho para análise das cidades brasileiras.

As variáveis sociais foram apontadas com mais frequência pelos estudos analisados na revisão sistemática. Tal fato se deve a dois motivos: 1) a facilidade com que estes indicadores são mensurados e a sua disponibilidade nas bases de dados; 2) as questões sociais são preponderantes para se analisar a vulnerabilidade socioambiental nas cidades brasileiras.

Os indicadores da Dimensão Social estão direcionados à análise de alguns aspectos sociais que influenciam na qualidade de vida das pessoas e no acesso de forma igualitária aos serviços oferecidos à população. Ademais, revelam questões sociais de quem vive em condições de pobreza nas cidades e que, por ocuparem zonas mais periféricas, não dispõem de condições mínimas de habitação, saneamento básico, acesso à saúde, dentre outros. Este cenário, além de promover baixa qualidade de vida para a população e promover um nível de insustentabilidade na cidade, a coloca à margem da vida das cidades e sem o sentimento de pertencimento e inclusão na própria cidade em que vivem.

A Dimensão Ambiental é composta pelos temas Infraestrutura urbana, Governança e Meio ambiente, e por um total de 49 indicadores. O tema Infraestrutura urbana é composto por 14 indicadores; o tema Governança por 18 indicadores e o tema Meio Ambiente por 17 indicadores.

Quadro 4. Dimensão Ambiental para análise da Vulnerabilidade Socioambiental em Cidades Brasileiras

Dimensão

Temas

Indicadores

Indicadores existentes

Indicadores propostos

Ambiental

Infraestrutura Urbana

Taxa de urbanização; Taxa de crescimento da população; Densidade demográfica urbana; Taxa de espaço público para caminhada; Taxa de espaços públicos de permanência; Taxa de praças e/ou parques; Equipamentos públicos; Taxa de ciclovias; Sistema Integrado de Transporte Coletivo; Média de ônibus por linhas; Abrangência do sistema de transporte coletivo; Qualidade da Frota de ônibus; Taxa de automóveis; Taxa de Acidentes no trânsito.

03

29

Governança

Conselho Municipal de segurança pública; Conselho Municipal do Patrimônio Cultural; Conselho Municipal de Transporte; Legislação urbanística e ambiental; Legislação municipal de preservação do patrimônio histórico e cultural; Normas para construção e edificações; Normas para urbanização e regulamentação fundiária; Plano Diretor participativo; Despesas com melhoria e ampliação do sistema de transporte; Despesas com direito à cidadania; Despesas com patrimônio cultural e difusão da cultura; Despesas com gestão ambiental; Despesas com Saneamento Básico Urbano; Despesas com Habitação Urbana; Despesas com Infraestrutura Urbana; Despesas com planejamento e orçamento; Secretaria municipal de planejamento urbano; Órgãos de defesa do consumidor.

0

18

Meio Ambiente

Consumo médio de energia elétrica urbana; Iluminação pública; Empresas de produção de energias alternativas; Consumo per capita de água(m3/hab); Aferição do cloro residual na água; Amostras de cloro residual dentro do padrão de qualidade; Aferição de turbidez na água; Amostras de turbidez dentro do padrão de qualidade; Aferição de coliformes totais na água; Amostras de coliformes totais dentro do padrão de qualidade; Esgoto tratado em relação ao coletado; Destino do lixo; Coleta seletiva do lixo; Resíduos sólidos urbanos per capita; Serviços de limpeza urbana; Áreas de proteção ambiental; Taxa de árvores per capita

14

03 

 

 

Total de indicadores

17

32


Legenda: Os indicadores propostos estão destacados em negrito.



É importante observar que os estudos analisados na revisão sistemática apontaram as questões de meio ambiente e infraestrutura urbana como temas frequentes com 77% e 62%, respectivamente. No entanto, dos 49 indicadores que compõem a Dimensão Ambiental apenas 17 indicadores eram analisados nestes estudos e que em sua maioria se concentrava no Tema Meio Ambiente. Assim sendo, 32 novos indicadores são propostos neste estudo por se entender a necessidade de uma análise mais aprofundada sobre as questões ambientais nas cidades brasileiras.

O tema Governança engloba os temas política e justiça e apresentaram 31% e 46% dos estudos, respectivamente. Mesmo apresentando-se com um percentual que os colocam em destaque, não foi identificado explicitamente muitos indicadores possíveis de analisá-los. Desse modo, partiu-se para as diversas bases de dados com o intuito de identificar indicadores capaz de traduzir o tema Governança. Foram definidos 18 indicadores capazes de verificar como as cidades possibilitam um cenário mais equitativo e igualmente regimentado para todas as pessoas. Os indicadores que compõem o tema Governança são categóricos, sendo portanto, analisados de forma binária e medidos pela sua presença/ausência nas cidades. Além disso, diz respeito a análise para cidade e não para bairros como os demais indicadores, pois analisam os órgãos, documentos e regimentos existentes nas cidades.

A proposição de um número maior de indicadores visa suprir a lacuna da ausência de indicadores para análise das questões ambientais e possibilitar o conhecimento sobre um quantitativo maior de variáveis possíveis e que consigam retratar o seu respectivo tema e, por conseguinte, compor de forma mais abrangente a compreensão sobre a vulnerabilidade socioambiental nas cidades brasileiras.

Os indicadores propostos para a Dimensão Ambiental traçam um perfil da cidade, analisando questões que envolvem o bem-estar, qualidade de vida, questões ambientais, instrumentos públicos, de gestão pública e participação ativa da população, bem como de infraestrutura urbana que a cidade disponibiliza para a população, permitindo identificar a relação da população com a cidade, através de variáveis que analisam o envolvimento dos citadinos e o uso que fazem dos ambientes públicos.

O arcabouço de 134 indicadores apresentados, dos quais 62 indicadores são novas proposições para a análise da vulnerabilidade urbana em cidades brasileiras, constitui uma ferramenta que visa colaborar para a análise de tal fenômeno, permitindo assim, o planejamento e a definição de ações de políticas públicas que visem melhor estruturar as cidades, tornando-as vivas, com qualidade de vida e capazes de serem sustentáveis para os seus citadinos.

Desse modo, o conjunto de indicadores propostos permite maior flexibilidade para sua aplicação, uma vez que o pesquisador pode fazer a escolha dos indicadores que irão compor sua análise, buscando aqueles que tenham maior facilidade de acesso, ou ainda os que tenham os dados mais atualizados para a cidade que será analisada, não condicionando assim, a análise de um tema e da respectiva dimensão a um indicador específico.

Considerações Finais

Analisar a vulnerabilidade socioambiental das cidades brasileiras, ultrapassando os limites de compreensão para além dos desastres naturais, constitui-se um importante avanço nos estudos acerca da temática, permitindo outros olhares e a inserção de outros construtos teóricos para facilitar o seu entendimento.

O marco metodológico proposto neste estudo permite a consolidação de um conjunto de indicadores para, quando da sua aplicação, possibilitar a análise da vulnerabilidade socioambiental em cidades brasileiras, contribuindo para uma análise mais profícua e alinhada com a realidade brasileira, principalmente por não estar embasada unicamente na ótica dos desastres naturais, mas englobando a perspectiva das questões sociais, de justiça social, de cidadania e que visam o bem estar da cidade, variáveis estas, que são mais latentes e reais no contexto brasileiro.

Fatalmente a Dimensão Social dispõe de um maior quantitativo de temas e indicadores que conseguem traduzi-la e analisa-la sob um quantitativo maior de aspectos. Isso decorre da diversidade de estudos com foco nos aspectos sociais, bem como da quantidade de indicadores disponíveis nas diversas bases de dados, dentre elas o IBGE. Tal fato endossa a relevância dos estudos que envolvem as problemáticas sociais no Brasil e o quanto demandam novos estudos que visem o diagnóstico, o monitoramento e o direcionamento de ações para mitiga-las.

Por outro lado, a Dimensão Ambiental se apresentou com menor quantitativo de variáveis. Tal fato direcionou para que, neste estudo, fosse realizada a proposição de um número maior de novos indicadores para esta dimensão, apontando para a necessidade do desenvolvimento de estudos que busquem estabelecer formas de mensuração e de métricas e que tornem estes indicadores quantificáveis, promovendo assim, mais avanços nos estudos sobre a vulnerabilidade socioambiental em contextos urbanos.

Estas questões, quando analisadas, proporcionam novos entendimentos sobre o fenômeno, por estar pautada nas especificidades do Brasil, fomentando o planejamento e a gestão, a partir de uma perspectiva integradora e sistêmica. Quando analisadas em uma escala intraurbana, podem contribuir para um plano de avaliação de políticas e programas específicos para atender cada região ou cada bairro, respondendo mais prontamente às demandas mais pujantes.

Desse modo, este estudo, ultrapassa os ditames acadêmicos e revela-se como um importante instrumento de apoio para os gestores públicos, contribuindo para o direcionamento de políticas que visem o bem-estar da cidade e da sociedade. No entanto, não se apresenta aqui a intenção de exaurir a discussão sobre os indicadores que visem a análise da vulnerabilidade socioambiental para as cidades brasileiras, mas, sobretudo, contribuir com os estudos sobre a temática dada a sua complexidade de entendimento e análise.

Agradecimentos

Agradecimentos: ao apoio financeiro concedido pela CAPES por meio do Edital Nº55/2013 Pro-Integração/CAPES sob o projeto intitulado “Vulnerabilidade Socioambiental como decorrência do transbordamento urbano: estudos longitudinais em regiões metropolitanas no Nordeste brasileiro”.

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1 São consideradas duas dimensões para a análise da vulnerabilidade socioambiental, pois conforme define Alves (2006) é a coexistência ou sobreposição espacial entre grupos populacionais muito pobres e com alta privação (vulnerabilidade social) e áreas de risco ou degradação ambiental (vulnerabilidade ambiental). Portanto, para a análise do fenômeno vulnerabilidade socioambiental, tomou-se com ponto de partida a necessidade de análise das condições sócias e ambientais das cidades brasileiras.