Interferência do avanço agrícola na qualidade ambiental das nascentes dos córregos Lagoa Seca e Lajeado da APA Serra do Lajeado, em Palmas-TO
Juliane Farinelli Panontin1*, Deize Carneiro Queirós2, Paulo Waikarnase Xerente2, Claudiane Lima Ribeiro2, Adriana Malvásio3, MagaleRambo3, Odair Giraldin3
1 Doutoranda em Ciências do Ambiente.PPGCiamb. Universidade Federal do Tocantins
2 Mestrandos em Ciências do Ambiente. PPGCiamb. Universidade Federal do Tocantins
3 Doutores. Professores do Programa de Pós Graduação em Ciências do Ambiente PPGCiamb. Universidade Federal do Tocantins
*Autor para correspondência: juliane.farinelli@gmail.com
Recebido em 02 de abril de 2019. Aceito em 17 de setembro de 2019. Publicado em 26 de setembro de 2019.
Resumo - O objetivo do trabalho foi avaliar se o avanço agrícola já evidenciado na APA Serra do Lajeado está interferindo na qualidade das nascentes de rio. O avanço agrícola foi verificado pela análise de área de cobertura florestal da APA pelo MAPBiomas, pelo quantitativo de produção de soja, além de estudos em literatura. A análise da preservação das nascentes foi realizada conforme protocolo de avaliação de impacto ambiental e a qualidade da água foi avaliada através de análises físicas, químicas e microbiológicas e analisada estatisticamente utilizando Análise de Componentes Principais (ACP). Os trechos de rio a jusante da nascente foram analisados por meio de protocolo de avaliação rápida (PAR). Os resultados indicaram aumento do avanço agrícola na APA Serra do Lajeado. As nascentes, embora apresentem alto grau de preservação, apresentam contaminação por coliformes, sendo sua água imprópria para o consumo. Os trechos de rios mais antropizados foram aqueles localizados próximos a área de agricultura.
Palavras-chave: Agricultura; Água; Rios.
Interferencia del avance agrícola en la calidad ambiental de las nacientes de los arroyos Lagoa Seca y Lajeado de la APA Serra do Lajeado, en Palmas-TO
Resumen - El objetivo del trabajo fue evaluar si el avance agrícola demostrado en la APA Serra do Lajeado interfiere en la calidad de las nacientes del río. El avance agrícola fue verificado por el análisis de un área de cobertura forestal de la APA por el MAPBiomas, a través del cuantitativo de producción de soja, además de estudios en literatura. El análisis de la preservación de los manantiales fue realizado conforme protocolo de evaluación de impacto ambiental y la calidad del agua fue evaluada por medio de parámetros físicos, químicos y microbiológicos y analizados estadísticamente utilizando Análisis de Componentes Principales (ACP). Los tramos de río aguas abajo del manantial fueron analizados por medio de protocolo de evaluación rápida (PAR). Los resultados indicaron aumento del avance agrícola en la APA Serra do Lajeado. Las nacientes, aunque presentan alto grado de preservación, presentan contaminación por coliformes, siendo su agua impropia para el consumo. Los tramos de ríos más antropizados fueron aquellos ubicados cerca del área de agricultura.
Palabras clave: Agricultura; Agua; Ríos.
The interference of the agricultural advance in the environmental quality of the springs of the streams of Lagoa Seca and Lajeado of the APA Serra do Lajeado
Abstract - The aim of this study was to evaluate if the agricultural advance, evidenced in the APA Serra do Lajeado, is interfering in the quality of the springs. The agricultural advance was verified by the analysis of the forest cover area of the APA using MAPBiomas data and soybean production, besides studies in the literature. The analysis of the preservation of the springs was performed according to the environmental impact assessment protocol and the water quality was evaluated through physical, chemical and microbiological parameters and analyzed statistically using Principal Component Analysis (PCA). The river sections downstream from the source were analyzed through a Rapid Assessment Protocol (RAP). The results indicated an increase in agricultural progress in the APA Serra do Lajeado. Even with the high degree of preservation, the springs presented contamination by coliforms, so water was considered unappropriated for consumption. The sections of the rivers most impacted by humans were located near agriculture area.
Keywords: Agriculture; Water; Rivers.
Introdução
As áreas de proteção ambiental (APAs) são incluídas como unidades de conservação que tem a finalidade de proteger in situ os ecossistemas e a biodiversidade que, além de orientar o processo descontrolado de ocupação, asseguram a sustentabilidade do uso e manejo dos recursos naturais. Em uma APA não é exigida a desapropriação das terras, sendo possível o desenvolvimento de atividades econômicas, como atividades de produção e criação, atividade industrial, além de núcleo populacional urbano e rural, desde que todas devidamente licenciadas pelo órgão ambiental responsável e através de uma perspectiva sustentável, com equilíbrio entre a conservação e a antropização (Brasil 2018).
Criada pela Lei estadual 906, de 20 de maio de 1997, a Área de Proteção Ambiental (APA) Serra do Lajeado, em Palmas-TO, funciona como área de amortecimento de impacto ambiental do Parque Estadual do Lajeado (PEL), sendo de responsabilidade do Instituto Natureza do Tocantins, NATURATINS, o zelo e gestão, tanto da APA quanto do Parque. O plano de manejo, elaborado em 2003, define o zoneamento da APA e as normas que presidem o uso e manejo dos seus recursos naturais, para compatibilizar a proteção com o uso dos recursos naturais e, assim, garantir a sua conservação (Marangon e Agudelo 2004; Machado 2007). Segundo o Plano de Manejo, a APA representa importante zona de recarga dos aquíferos profundos (Furtado e Cristo, 2018), drenada pelas bacias do rio Tocantins, do rio Sono e do rio das Balsas (Seplan 2012) além das cabeceiras dos formadores da bacia do ribeirão Piabanha (Naturatins 2018).
Como esse complexo hidrográfico está diretamente relacionado com o abastecimento de água da região, se o avanço agrícola sobrepor os limites estabelecidos, pode levar a contaminação excessiva de águas das nascentes, o que pode comprometer a saúde da população regional de forma geral, além de causar impactos ambientais cumulativos que podem afetar a capacidade de recuperação ou resiliência do sistema socioecológico (Buschbacher 2014), necessitando, portanto, de instrumentos de gestão na bacia hidrográfica, como medidas de monitoramento da qualidade das águas, visando assegurar para todas as gerações água em quantidade e qualidade adequadas, pois embora o desenvolvimento local nas APAs seja eminente, é necessário voltar o olhar para que este não interfira em fatores primordiais para a sobrevivência do ecossistema, conforme preconiza o desenvolvimento sustentável no sentido socioecológico, considerado como uma estratégia utilizada em longo prazo, para melhorar a qualidade de vida da sociedade, integrando aspectos ambientais, sociais e econômicos (Buschbacher 2014; Feil e Schreiber 2017).
Dentre as medidas de monitoramento que podem ser utilizadas, alguns estudos apontam a análise macroscópica das nascentes (Gomes et al. 2005; Amorim et al. 2016), análise físico química e microbiológica da água (Vieira et al. 2006), bem como a aplicação de Protocolos de Avaliação Rápida (PAR) para trechos de rios (Rodrigues e Castro 2008; Pedroso e Colessanti 2017) como metodologias eficientes para este controle.
Logo, o objetivo deste trabalho foi comparar a qualidade ambiental das nascentes da APA, bem como a qualidade de suas águas, uma vez que estas podem estar prejudicadas pelo avanço agrícola de seu entorno.
Material e Métodos
Mapeamento do Avanço Agrícola
Para análise das transformações ambientais na APA, foi realizado estudo do avanço agrícola por meio de pesquisas nos sites MapBiomas, IBGE e Naturatins, que compilam as séries históricas de mapas e gráficos. Foi realizada uma análise evolutiva, no período compreendido entre os anos de 2001 a 2017, baseado na utilização de imagens de satélites do projeto MapBiomas (Landsat 5, 7 e 8), que quantifica as mudanças na cobertura do solo em gráficos e mapas.
Local de Estudo
As duas nascentes escolhidas para análise encontram-se destacadas na Figura 1, sendo a nascente do córrego Lagoa Seca identificada como Nascente 1, localizada próximo ao local de agricultura e a nascente do córrego Lajeado, identificada como Nascente 2, em local pouco mais afastado da área de agricultura. Os pontos foram escolhidos de acordo com as imagens de satélite. O estudo foi realizado em novembro de 2018.
Figura 1. Área de estudo, evidenciando a localização geográfica da nascente dos córregos Lagoa Seca (Nascente 1) e da nascente do córrego Lajeado (Nascente 2).
Fonte: Seplan (2012)
Análise Macroscópica da Qualidade Ambiental das Nascentes
A avaliação ambiental macroscópica das nascentes foi realizada por análise dos parâmetros relacionados a coloração da água, odor da água, lixo no entorno, objetos ou substâncias flutuantes, espuma, substâncias oleosas, esgoto, vegetação ao redor, utilização por animais e por humanos, tipo de proteção do local, proximidade à residências e localização. Cada parâmetro foi avaliado em escala que variou de 1 a 3, sendo quanto mais próximo de 3, melhor a condição do parâmetro na nascente. Após análise dos critérios, foi realizada a somatória de todos os parâmetros e classificado de acordo com o grau de preservação (Dias 1998; Gomes et al. 2005)
Análise da Água das Nascentes
Cerca de 1 litro de água de cada nascente foi coletado manualmente em frasco esterilizado, posicionado contra a corrente, sendo o mesmo aberto somente no momento da coleta e imediatamente fechado, identificado e acondicionado em caixa isotérmica com gelo e transportadas ao Laboratório de Resíduos Sólidos (LABRESOL) e Laboratório de Pesquisa em Química ambiental e de Bicombustíveis (LAPEQ) do Campus de Palmas da Universidade Federal do Tocantins–UFT e mantidos sob refrigeração até o início das análises em período não superior a vinte e quatro horas. Para a análise físico-química das nascentes, foram analisados pH, condutividade (CND), temperatura (TMP), turbidez (TBZ), sólidos totais dissolvidos (STD), fósforo (PO4), nitrito (NO2), nitrato (NO3), amônia (NH4), oxigênio dissolvido (OD) e demanda bioquímica de oxigênio (DBO) (APHA 2005).
Para as análises microbiológicas, utilizou-se a técnica Colilert®,(NMP/100mL) por meio da mistura da amostra no reagente Colilert®, com posterior transferência da solução para uma cartela estéril (100 ml), a qual foi selada e mantida incubada a 35±2 ºC durante 24 h (1º leitura) e 48 h (2º leitura-confirmação). Os resultados foram obtidos pela relação de valores positivos entre os quadrados maiores e menores da cartela, com aqueles verificados na tabela padrão NMP (número mais provável em 100 mL de água) para o teste Colilert® (APHA 2005).
Os resultados foram confrontados com os parâmetros determinados pelo Conselho Nacional do Meio Ambiente (CONAMA) nº 357/2005 e pela Portaria nº 05/2017 do Ministério da Saúde, pois os chacareiros utilizam a água de nascentes para consumo in natura.
Análise Estatística
As análises estatísticas e multivariadas foram realizadas por análise de componentes principais (PCA) (Brereton 1992; Wold et al. 1987), no qual, por meio de um procedimento matemático é possível projetar a matriz de dados com muitas variáveis, em um espaço de dimensão menor, reduzindo a dimensionalidade do conjunto dos dados. Assim, um novo sistema de eixos é construído, que podem ser denominados componentes principais (PC) e que representam a matriz de dados. Como resultado, as informações mais importantes e relevantes se tornam mais fáceis de serem interpretadas (Brereton 2000).
Nesse estudo a PCA foi aplicada para as duas amostras coletadas nas duas diferentes nascentes, no período de novembro de 2018, utilizando rotação varimax, e os dados foram normalizados para uma análise exploratória verificando possíveis agrupamentos das amostras, e verificando, a relação que existe entre as amostras (escores) e as variáveis (pesos).
Protocolo de Avaliação Rápida (PAR) para Análise de Trechos de Rios
Para avaliar a preservação do curso do rio a jusante da nascente, procedeu-se a aplicação do protocolo de avaliação rápida (PAR) em 5 trechos após a nascente do córrego Lagoa Seca e 4 trechos a partir da nascente do córrego Lajeado, utilizando o PAR proposto por Rodrigues e Castro (2008), para trechos de alto curso, por se tratarem de trechos próximos às nascentes.
Os parâmetros Disponibilidade de substratos/habitats, Nível de soterramento, Regime velocidade e profundidade, Depósito de sedimentos, Escoamento da água do canal, Alteração do canal, Corredeiras, Estabilidade de margens, Proteção de margens por vegetação, Análise da conservação da vegetação do entorno e Estado de conservação da vegetação próxima foram avaliados utilizando escala de 0 a 20 e os últimos 4 parâmetros foram avaliados para cada margem, separadamente. Ao final foi realizada a somatória dos parâmetros e classificação de cada ponto. A aplicação do protocolo foi realizada por três pessoas diferentes e a média para cada ponto foi considerada para a classificação.
Resultados e Discussão
Mapeamento do Avanço Agrícola - Alterações da Cobertura Vegetal na APA Serra do Lajeado entre 2001 e 2017
Dentre os diversos parâmetros que podem ser utilizados para observação do avanço agrícola, a cobertura vegetal é um dos mais promissores, pois permite o monitoramento de área desmatada. A cobertura vegetal da APA oscilou entre os anos de 2001 a 2017 (Figura 2). Em 2001, ano de criação do Parque estadual do Lajeado, era de aproximadamente 92.200 ha, já em 2017 apresentou uma redução para aproximadamente 88.500 ha, constatando-se uma supressão de quase 5.000 ha no período. Entre os anos de 2001 a 2006, a cobertura vegetal apresentou uma redução de aproximadamente 3.800 ha, enquanto entre os anos de 2006 a 2017, as mudanças na cobertura vegetal foram menores (MapBiomas 2018).
Figura 2. Total de área com cobertura vegetal florestal na APA Serra do Lajeado nos anos de 2001 a 2017.
Fonte: MapBiomas (2018).
Pode-se verificar que somente em 2006, após cinco anos da criação do Parque Estadual do Lajeado que se percebeu uma redução da supressão da cobertura vegetal natural, possivelmente devido a pelo menos três fatores: (1) limitações oferecidas pelas características do solo, como a declividade para o avanço agrícola; (2) a estabilidade da ocupação humana sendo que, a maioria das propriedades exercem agricultura de subsistência; (3) em razão das medidas protetivas direcionadas para a APA e projetos de recuperação de áreas degradadas.
O crescimento do avanço agrícola observado enquadra-se nas observações feitas por Lima et al. (2018), que mostraram, por imagens de satélite, que a vegetação da APA era mais abundante em 2001 e em 2016 a mesma se encontrava profundamente alterada. Ao mesmo tempo, há também as transformações de loteamentos de antigas propriedades em condomínios de chácaras, localizados, principalmente, nas porções oeste e sudoeste, da área da pesquisa, como enfatizadas no estudo de Furtado e Cristo (2018). Além disso, também é possível citar a influência do novo zoneamento, realizado em 2001, que definiu a área em três zonas, com diferentes porcentagens para cada classificação: 1) Zona Serrana (25,5%), sendo esta uma zona de preservação; 2) Zona de Conservação, subdividida em função das suas especificidades: 2a) Zona de Recuperação (2,9%), 2b) Zona de Uso Especial (15,6%), 2c) Zona de Uso Extensivo (23,7%) e 3) Zona de Uso Intensivo (32,3%) (Naturatins 2003), totalizando em 56% a área de uso intensivo e extensivo, o que demonstrou uma tendência de tornarem a maior parte da área em condição utilitária para o uso, ainda que com restrições estabelecidas no zoneamento.
O índice de focos de queimadas dentro ou perto de Unidades de Conservação são altíssimos. Segundo Lima et al. (2018), a cada ano ocorre aumento de focos de queimadas dentro da APA Serra do Lajeado e mesmo com a capacidade de regeneração do cerrado presente na área, que pode ser notado logo depois das primeiras chuvas fazendo as folhagens se brotarem rapidamente, a cobertura vegetal da área vem diminuindo (Seplan 2012; Lima et al. 2018), isso provavelmente porque muitas queimadas na APA ocorrem para o desmatamento para o plantio de soja. A produção de grãos apresentou crescimento superior a 180% nos últimos 10 anos no estado do Tocantins, destacando-se na produção de grãos, sobretudo a soja, o arroz, o milho e o feijão (Seagro 2018). O município de Aparecida do Rio Negro teve o maior aumento na produção de soja entre os municípios integrantes da APA, passando de 4.200 ha de área plantada em 2004 para 21.000 ha em 2017 (IBGE 2017). Percebem-se muitos problemas quanto à utilização e preservação dos recursos naturais e que estes fatores podem contribuir negativamente para a qualidade da água das nascentes dentro da APA Serra do Lajeado, tornando necessárias melhores práticas agrícolas, com o cumprimento das leis e mais pesquisas que possam garantir a qualidade das águas disponíveis para consumo à população que as utilizam.
Impacto Ambiental na Qualidade das Nascentes da APA Serra do Lajeado
As mudanças no uso e cobertura da terra podem acarretar impactos sobre uma ampla gama de ambientes e atributos da paisagem, incluindo a qualidade da terra, ar, clima e dos recursos de água (Lambin et al. 2003), que podem impactar desde a nascente até o baixo curso do rio. A análise macroscópica realizada apontou para nascentes com diferentes níveis de classificação (tabela 1).
Tabela 1. Pontuação e classificação da qualidade das nascentes frente ao impacto ambiental, por meio de análise macroscópica.
Parâmetros |
Pontuação |
|
Nascente do córrego Lagoa Seca 10º 06’ 05.0” S e 48º 11’ 31.7”W |
Nascente do córrego Lajeado 10º 05’ 57.6” S e 48º 12’ 44.8”W |
|
Coloração da água |
(3) transparentes |
(3) transparentes |
Odor da água |
(3) Sem cheiro |
(3) Sem cheiro |
Lixo no entorno |
(3) Sem lixo |
(3) Sem lixo |
Materiais flutuantes |
(3) Sem material flutuante |
(3) Sem material flutuante |
Espuma |
(3) Sem espuma |
(3) Sem espuma |
Substâncias oleosas |
(3) Sem óleos |
(3) Sem óleos |
Esgoto |
(3) Sem esgoto |
(3) Sem esgoto |
Vegetação ao redor |
(2) Baixa degradação |
(3) Preservada |
Utilização animal |
(3) Não detectado |
(3) Não detectado |
Utilização humana |
(1) Presença |
(1) Presença |
Tipo de proteção do local |
(1) Sem proteção |
(3) com proteção, mas sem acesso |
Proximidade às residências |
(2) Entre 50 e 100metros |
(2) Entre 50 e 100metros |
Localização |
(3) Parques ou áreas protegidas |
(3) Parques ou áreas protegidas |
Total |
32 |
36 |
Classificação |
Razoável |
Bom |
Foi possível verificar que fatores como a proteção do local, associado a proximidade com residências e o estado da vegetação do entorno da nascente, foram determinantes para diferenciar as duas nascentes estudadas. Na nascente do córrego Lagoa Seca, a vegetação já apresentava alguns sinais de degradação, como desmatamento do entorno, com presença de indícios de uso por humanos, que foi detectado por dois pontos de represa logo abaixo a nascente, além de não apresentar qualquer proteção. O parâmetro de uso por humanos foi o mesmo para as duas nascentes, uma vez que nos dois locais há indício de uso humano. A nascente do córrego Lagoa Seca apresentou maior indicativo de uso, uma vez que a área era de fácil acesso e muito desprotegida. A nascente do córrego Lajeado, todavia, apresentava menos indícios de uso por humanos. Entretanto, como a nascente fica em propriedade privada, com uma residência próxima (cerca de 75m), o parâmetro de uso por humanos foi considerado para este ponto também. Os demais parâmetros analisados não apresentaram diferenças entre as duas nascentes estudadas, não apresentando quaisquer sinais de impacto.
Além do exposto, vale ressaltar que de acordo com a legislação CONAMA 303/2002, em seu artigo3-II, as nascentes e raio mínimo de cinquenta metros dela, são considerados áreas de proteção permanente (APP), com a finalidade de proteção da bacia hidrográfica. Contudo pode-se observar que a área das represas não respeita a legislação, uma vez que foram antropizadas em distância inferior a 100m da nascente.
Analisando os resultados é possível verificar que a nascente do córrego Lajeado é, de fato, macroscopicamente mais preservada que a nascente localizada mais próxima a área de avanço agrícola. Gomes et al. (2005) verificaram que a maioria das nascentes localizadas na Bacia do Rio Uberabinha apresentavam-se degradadas, principalmente pela falta de proteção e pela proximidade com residências, o que pode indicar que as nascentes da APA Serra do Lajeado, com o passar do tempo, possam apresentar maior degradação ambiental.
Análise Estatística para Avaliar a Qualidade Física, Química e Microbiológica das Nascentes
Os resultados da PCA dos parâmetros físicos, químicos e biológicos das amostras de água, são mostrados na Figura 3.
Figura 3. Gráfico de escores das duas primeiras componentes principais contendo as (A) variáveis e (B) as amostras.
As duas primeiras PCs explicam 12 e 88% da variância total, respectivamente. A PC1 foi capaz de diferenciar a amostra com maior pH e condutividade, enquanto a PC2 foi capaz de agrupar a amostra com maior concentração de amônia, fósforo, nitritos em geral, STD e parâmetros biológicos.
Já os valores de DBO, OD e turbidez (Figura 4), que praticamente não apresentaram diferenças significativas entre as duas amostras, não tiveram uma separação bem definida, ficando tanto em PC1 como também PC2.
Uma análise estatística descritiva (média e desvio padrão) foi realizada para os teores de cada analito para as duas amostras coletadas (Figuras 4 e 5). De acordo com os dados coletados pelos autores, o maior intervalo, em valores absolutos, foi observado para os coliformes totais (198 – 613 NMP/100 mL), seguido de Escherichia coli (9,8 – 77 NMP/100 ml) e temperatura (25,2 – 25 º C). Por outro lado, o menor intervalo foi para os nitratos (0,004-0,009 mg/L) e nitritos (0,01-0,1 mg/L). Altos coeficientes de variação indicam uma grande variabilidade nos pontos coletados, o que é justificado pela natureza dessas amostras, uma mais exposta à degradação e outra mais preservada.
Figura 4. Análise descritiva e estatística dos parâmetros físicos e químicos das amostras de água coletadas nas nascentes dos córregos Lagoa Seca e Lajeado (Dados: autores).
Legenda: (Temp) Temperatura, (Turb) turbidez, (Cond) condutividade, (STD) sólidos totais dissolvidos, (Nitri) nitrito, (Nitra) nitrato, (NH3) amônia, (P) fósforo, (DBO) demanda bioquímica de oxigênio, (OD) oxigênio dissolvido.
Considerando o parâmetro pH, as medidas diferiram entre as duas amostras, na amostra 2, correspondente a nascente do Córrego Lajeado, o pH foi levemente ácido, isto deve-se, provavelmente, pela decomposição da matéria orgânica, visto que o local é caracterizado por uma mata densa e preservada (Franca et al. 2006), além do emprego de corretivos e fertilizantes utilizados em áreas agrícolas.
De acordo com a Resolução do Conama 357/2005 a Demanda Bioquímica de Oxigênio (DBO), para corpos d’água de classes 2, corresponde a 5,0 mg/L. Portanto a análise da DBO ficou abaixo do limite estabelecido pela resolução, indicando baixa quantidade de matéria orgânica (Adôrno et al. 2013), podendo ser consideradas águas limpas.
A turbidez encontra-se dentro dos limites estabelecidos pela Resolução do Conama 357/2005. A turbidez na água é causada pela matéria orgânica e inorgânica em suspensão. Concentrações elevadas de turbidez estão relacionadas ao escoamento pelas águas superficiais (Sardinha et al. 2008; Amorim et al. 2016).
No caso do fósforo, a água da nascente do córrego Lajeado apresentou concentração acima dos limites da legislação pertinente, provavelmente, pelas características do solo na microbacia, ou até mesmo por processos naturais como chuva, dissolução de rochas e decomposição da matéria orgânica ou a processos antropogênicos como uso de fertilizantes, pesticidas e esgotos (Merten e Minella 2002; Galatto et al. 2011; Alves et al. 2016).
Já a baixa qualidade microbiológica da água, devido a presença de coliformes e E. coli nas amostras (Figura 5) indica que a água não estava própria para o consumo humano, segundo a Portaria de Consolidação (PRC) nº 5/2017 do Ministério da Saúde. A atenção com a qualidade da água é uma questão de saúde pública, uma vez que esta contaminação pode levar a transmissão de doenças e afetar a saúde da comunidade (Amaral et al. 2003; Barbieri et al. 2013).
Figura 5. Análise descritiva e estatística dos parâmetros biológicos das amostras de água coletadas nas nascentes dos córregos Lagoa Seca e Lajeado.
A contaminação microbiológica apresentada nas amostras de água das nascentes dos córregos Lagoa Seca e Lajeado pode estar relacionada à esgotos não tratados e fezes de animais que são arrastadas pelas chuvas (Daneluz 2015). Resultados semelhantes foram encontrados por Scapin et al. (2012), que encontraram 56,4% das amostras analisadas da água de mananciais de propriedade rurais contaminadas por coliformes totais e termotolerantes. Portanto, águas captadas das nascentes teriam que passar, no mínimo, por cloração para estarem próprias para o consumo.
Aplicação do PAR a Jusante das Nascentes
A análise dos trechos a jusante das nascentes foi realizada utilizando o PAR para parâmetros que devem ser avaliados para trechos de alto curso, uma vez que os pontos próximos as nascentes se enquadram nesta categoria.
A classificação dos pontos foi ótima para o primeiro ponto nas duas nascentes. A nascente do córrego Lagoa Seca apresentou os dois pontos seguintes com classificação regular. Os demais pontos para as duas nascentes foram considerados ótimos (tabela 2).
Tabela 2. Pontuação atribuída a análise dos trechos de rio pelo Protocolo de Avaliação Rápida (PAR), em trecho de alto curso do córrego Lagoa Seca, em cinco diferentes pontos e do córrego Lajeado, conforme metodologia proposta por Dias (1999 e Gomes et al. (2005).
Pontos |
|||||
Trechos de alto curso do Córrego Lagoa Seca |
|||||
P1: 10º05’590 S 48º12’452W |
P2: 10º09’972 S 48º12’462W |
P3: 10º05’543 S 48º12’471W |
P4: 10º05’585 S 48º12’497W |
P5: 10º05’552 S 48º12’510W |
|
Disponibilidade de substratos/ habitats |
18 |
14 |
14 |
16 |
16 |
Nível de soterramento |
18 |
4 |
4 |
14 |
14 |
Regime velocidade e profundidade |
18 |
4 |
4 |
18 |
18 |
Depósito de sedimentos |
20 |
4 |
4 |
14 |
14 |
Escoamento da água do canal |
18 |
18 |
18 |
18 |
18 |
Alteração do canal |
18 |
6 |
6 |
12 |
16 |
Corredeiras |
18 |
8 |
8 |
16 |
16 |
Estabilidade de margens |
9 + 9 |
9 + 0 |
9 + 0 |
9 + 9 |
9 + 9 |
Proteção de margens por vegetação |
10 + 10 |
10 + 4 |
10 + 1 |
10 + 10 |
10 +10 |
Análise da conservação da vegetação nas proximidades |
9 + 9 |
9 + 0 |
9 + 0 |
9 + 9 |
9 + 9 |
TOTAL |
182 |
95,3 |
81,3 |
168 |
176,7 |
Classificação |
Ótima |
Regular |
Regular |
Ótima |
Ótima |
Trechos de alto curso do Córrego Lagoa Seca |
|||||
P1: 10º06’057 S 48º11’304W |
P2: 10º06’018 S 48º11’313W |
P3: 10º06’024 S 48º11’320W |
P4: 10º06’018 S 48º11’322W |
||
Disponibilidade de substratos/ habitats |
18 |
20 |
20 |
20 |
|
Nível de soterramento |
18 |
20 |
20 |
20 |
|
Regime velocidade e profundidade |
18 |
20 |
20 |
20 |
|
Depósito de sedimentos |
20 |
20 |
20 |
20 |
|
Escoamento da água do canal |
20 |
20 |
20 |
20 |
|
Alteração do canal |
20 |
20 |
20 |
20 |
|
Corredeiras |
18 |
20 |
20 |
20 |
|
Estabilidade de margens |
10 + 10 |
10 + 10 |
10 + 10 |
10 + 10 |
|
Proteção de margens por vegetação |
10 + 10 |
10 + 10 |
10 + 10 |
10 + 10 |
|
Análise da conservação da vegetação nas proximidades |
10 + 10 |
10 + 10 |
10 + 10 |
10 + 10 |
|
TOTAL |
185 |
175,7 |
187 |
198 |
|
Classificação |
Ótima |
Ótima |
Ótima |
Ótima |
Em relação aos trechos da primeira nascente, foi possível verificar que o segundo e o terceiro pontos apresentaram maiores indícios de impactos ambientais. Os trechos 2 e 3 apresentaram áreas de barragem com uma das margens desmatada e com sinais de erosão. No ponto 3 a barragem apresentava trampolim interno e, a água era transportada para o quarto ponto de aplicação do PAR, através de um cano. Os dois últimos pontos apresentaram características de menor impacto ambiental, com as margens preservadas, vegetação natural, rio com padrão normal, sem influência de atividades antrópicas.
Já nos trechos relacionados a segunda nascente, embora apresente proximidade com residência, são classificados como ótimo pois apresentam sinais de preservação. Os trechos avaliados apresentam vegetação natural, rio com padrão normal, sem influência de atividades antrópicas e margens estáveis. Apenas quatro pontos foram avaliados, pois o seguimento do curso do rio se apresentou em uma fitofisionomia densa, o que impossibilitou o adentramento sem que houvesse desmatamento.
Conclusão
A partir das análises realizadas, pode-se verificar que o avanço agrícola na APA Serra do Lajeado está impactando na qualidade das nascentes estudadas. Embora a análise estatística dos parâmetros físicos e químicos das amostras coletadas não indicou irregularidade perante a legislação pertinente, foi evidenciado contaminação microbiológica, tanto por coliformes, como por E. coli, o que torna a água destas nascentes impróprias para o consumo, o que leva ao comprometimento da saúde da comunidade em caso do consumo desta água, que pode acarretar em emergências hospitalares, principalmente em crianças e idosos, devendo ser observado que não há hospital próximo a APA. Paralelamente, observou-se degradação antrópica nos pontos 3 e 4, a jusante da Nascente do córrego Lagoa Seca, evidenciada principalmente pela formação de pequenas barragens, o que pode acarretar em danos ambientais cumulativos e prejudicar o corpo d´água, uma vez que os pontos de erosão podem levar ao assoreamento de pontos a jusante, além de prejudicar a disponibilidade futura de água do corpo hídrico da região
Nossos achados indicam que a comunidade que habita o entorno das nascentes, bem como aqueles que utilizam áreas de plantação próximas a nascente não têm informações a respeito de como a qualidade da água pode ser afetada por ações antrópicas e dos prejuízos que o consumo desta água pode ocasionar. Logo, a discussão sobre Políticas Públicas de gestão ambiental e proposição de ações informativas e educativas sobre o adequado uso dos recursos hídricos são fundamentais para aumentar o conhecimento da população sobre a importância desta APA e dos seus recursos naturais para possibilitar a melhoria da qualidade de vida dos moradores, bem como para proteger o meio ambiente, fazendo com que a unidade possa cumprir o papel para a qual foi pensada e instituída.
Devem-se incluir nessas ações informativas e educativas tanto capacitações aos proprietários no âmbito da Educação Ambiental e Saúde Pública, quanto ações educativas nas escolas, tanto dentro da APA quanto em seu entorno.
Agradecimentos
Os autores agradecem à Universidade Federal do Tocantins, aos Estados do Tocantins e Maranhão, funcionários da APA Serra do Lajeado e Parque Estadual do Lajeado.
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