OS MODELOS DE COMERCIALIZAÇÃO DE LIVROS ELETRÔNICOS PARA BIBLIOTECAS:
perspectiva do Direito
THE BUSINESS E-BOOKS MODELS TO LIBRARIES:
Law perspective
Thaisa Lopes Caldeira1
Murilo Bastos Cunha2
RESUMO
Com o surgimento dos livros eletrônicos a indústria do conteúdo (produtores e fornecedores) se viram frente a necessidade de elaboração de um novo modelo de negócios para comercializar os livros nesse novo suporte. Esses modelos ainda são pouco discutidos na literatura acadêmica e carecem de clareza quanto a questões contratuais e jurídicas. O artigo propõe elucidar as questões jurídicas que cercam os modelos de negócios dos livros eletrônicos, de modo a facilitar futuras contratações que atendam melhor os objetivos da biblioteca. Para alcançar o objetivo o artigo utilizou-se a metodologia revisão de literatura. A pesquisa revela que enquanto os livros impressos se solidificaram em modelo proprietário de aquisição, os livros eletrônicos voltam-se para um modelo de provisão de acesso, que implica na perda do controle do conteúdo por parte das bibliotecas. Dos cincos modelos de negócios que a literatura apresenta, um é voltado para a aquisição, enquanto os outros quatro são voltados para a provisão de acesso, ou seja, apenas uso. Conclui-se que com o surgimento dos livros eletrônicos, a indústria do conteúdo passou a exercer maior controle sobre a distribuição do conteúdo, em detrimento da biblioteca.
Palavras-chave: Modelo de negócios. Livro eletrônico. Aquisição. Posse. Propriedade.
ABSTRACT
With the advent of electronic books, the content industry (producers and suppliers) faced the need to develop a new business model to market the books in this new medium. These models are still little discussed in the academic literature and lack clarity on contractual and legal issues. The article proposes to elucidate the legal issues surrounding electronic book business models in order to facilitate future hires that better meet the library’s objectives. To reach the objective the article was used the literature review methodology. The research reveals that while print books have solidified into a proprietary acquisition model, electronic books turn to a model of access provision, which implies loss of control of content by libraries. Of the five business models that the literature presents, one is geared toward acquisition, while the other four are geared toward providing access, just use. It is concluded that with the advent of electronic books, the content industry began to exercise greater control over the distribution of content, to the detriment of the library.
Keywords: Business model. E-book. Acquisiton. Possession. Property
Artigo submetido em 31/05/2019 e aceito para publicação em 17/09/2019
1 INTRODUÇÃO
Até o surgimento dos livros eletrônicos, o comércio dos livros impressos era baseado em modelos de aquisição proprietária: compra, doação e permuta (trocas). Quando os livros eletrônicos surgem a indústria do conteúdo se vê frente a uma nova realidade: a de que livros podem ser compartilhados de forma rápida e indiscriminada. E diante de tal questão novas formas de comercializar o conteúdo digital surgem. Essas formas podem ser aglutinadas como modelos de provisão de acesso, e identificadas na literatura como modelo de negócios de livros eletrônicos. É, portanto, comum encontrar trabalhos que abordam sobre os seguintes modelos: acesso perpétuo, assinatura eletrônica, pagamento por visualizações e aquisição direcionada pela demanda.
Este artigo trata-se de uma revisão de literatura sobre o livro eletrônico e seus modelos de negócios, e foi construído de modo a reunir conceitos da biblioteconomia com o direito civil brasileiro. Inicia apresentando as diferenças existentes na estrutura entre um livro impresso e um livro eletrônico que afetam seu comércio do ponto de vista da propriedade. Na sequência apresenta os modelos de negócios com base em uma classificação voltada as possibilidades de contratos comerciais que são estabelecidos entre os fornecedores e bibliotecas.
2 O LIVRO ELETRÔNICO
A comercialização e a negociação de livros com usuários e bibliotecas passa antes pela compreensão do livro enquanto um objeto passível de propriedade. Os conceitos e direitos que envolvem um livro são de aplicação complexa, uma vez que, para o objeto (bem ou coisa), serão aplicados os conceitos jurídicos da propriedade privada concernentes ao bem ou à coisa. No entanto, para o conteúdo, serão aplicados os direitos da vertente da propriedade intelectual, mais especificamente os direitos autorais.
É necessário que se compreenda que um livro, ao menos por um determinado período, será objeto de dois proprietários, o autor – proprietário do conteúdo – e o dono do objeto material – proprietário do suporte que carrega o conteúdo. O fato de um livro possuir “dois senhores” sempre ocasionou alguns imbróglios jurídicos, acadêmicos e até mesmo práticos, no sentido cultural dessa prática.
Do ponto de vista do suporte, o livro pode ser classificado como manuscrito, impresso e eletrônico. Para cada uma dessas classes, os elementos do livro (conteúdo, instrumento de escrita e suporte) se repetem. Ocorre que, enquanto os livros eram apenas manuscritos ou impressos, a soma de tais elementos resultava em apenas um objeto, o livro em seu produto final. Quando o livro evolui para o meio eletrônico, o cenário muda. Não há mais apenas um único objeto material, o livro às vezes precisará de dois ou três componentes. As Figuras 1 a 6 ilustram o que acaba de ser exposto.
Figura 1 - Livro manuscrito
Fonte: Google Imagens
Figura 2 – Elementos do livro manuscrito
Fonte: Os autores
Figura 3 – Livro impresso
Fonte: Google Imagens
Figura 4 – Elementos do livro impresso
Fonte: os autores
Figura 5 – Livro Eletrônico
Fonte: Site Amazon
Figura 6 – Elementos do livro eletrônico
Fonte: os autores
A pessoa que adquire um livro impresso será proprietária do livro enquanto suporte, e terá em sua posse um conteúdo que não é seu. Por ter a propriedade desse suporte, a pessoa poderá utilizá-lo como bem entender, ou seja, poderá guardar, emprestar, vender, doar, desfazer-se dele, etc. Todavia, em razão de possuir apenas a posse do conteúdo, sobre ele a pessoa sofrerá limitações. Essas limitações são reguladas por lei, que, no caso do Brasil, trata-se da Lei de Direitos Autorais. Um exemplo limitante, é a permissão da reprodução do conteúdo. O proprietário do livro (suporte) não pode reproduzir o conteúdo em mais de 20% (vinte por cento).
Como visto na Figura 6, os livros eletrônicos sofreram um desmembramento de seus elementos, e para Morris e Silbert (2011) essa volatilidade oferece novas oportunidade de distribuição pela indústria do conteúdo, o que acarreta uma multiplicidade de novos modelos de negócios.
As autoras destacam que, em razão desse novo ambiente, os fornecedores e editores de e-books têm procurado encontrar modelos de negócios que protejam o conteúdo contra a pirataria – ou seja, a reprodução ilegal – e que, ao mesmo tempo, sejam fontes geradoras de receitas.
É importante que se compreenda que os modelos de negócios que surgiram para comercializar livros eletrônicos para usuários e bibliotecas em sua maioria não fornecem aos usuários a posse de seu conteúdo, apenas o seu uso. Mas na prática o que esses conceitos (propriedade, posse e uso) significam? Para elucidar o assunto se faz necessário adentrar em conceitos jurídicos, assim o próximo tópico apresenta o conceito de propriedade voltado para o livro enquanto um objeto.
3 PROPRIEDADE
Propriedade é um conceito existente apenas na doutrina do direito brasileiro. A legislação não traz esse conceito materializado. A construção do conceito é feita por analogia ao artigo 1228, do Código Civil, que trata sobre os direitos do proprietário, e assim dita “o proprietário tem a faculdade de usar, gozar e dispor da coisa, e o direito de reavê-la do poder de quem quer que injustamente a detenha”. Assim com base no transcrito, a doutrina interpreta, que proprietário será aquele que detém uma propriedade. (GONÇALVES, 2018).
Por deter uma propriedade, e, portanto, ser um proprietário, este terá direitos de uso, gozo, disposição e retomada do bem. Essas características são conhecidas na doutrina como elementos constitutivos da propriedade.
Os elementos constitutivos da propriedade encontram-se descritos no art. 1.228 do Código Civil, já mencionado anteriormente. Sendo assim, a pessoa que tiver a faculdade de usar, gozar e dispor do bem será titular plena da propriedade. Ocorrendo o desmembramento de um deles, o exercício da propriedade passa a ser limitado.
De acordo com Gonçalves (2018a, p. 225), os elementos são assim descritos:
a) Direito de uso (jus utendi): primeiro elemento constitutivo da propriedade; trata da faculdade que o dono tem de servir-se do bem e assim utilizá-lo da maneira que lhe convier.
b) Direito de gozo (jus fruendi): poder de perceber os frutos e aproveitar economicamente seus produtos.
c) Direito de dispor da coisa (jus abutendi): poder de transferir a coisa, de gravá-la de ônus e de aliená-la a outrem a qualquer título.
d) Direito de reaver a coisa (rei vindicatio): proteção dada ao proprietário para que, na hipótese de que outrem venha tomá-la, este possa reivindicá-la.
Destaca-se que, para Gonçalves (2018a), o que de fato denota a importância do proprietário não é o uso em si, mas a capacidade de disposição, pois o uso poderá ser objeto de outros institutos legais.
O titular da propriedade, o proprietário, também é denominado pela doutrina como dono, ou seja, aquele que possui o domínio sobre o bem. De acordo com Lafayette (apud GONÇALVES, 2018a), o domínio é suscetível de se dividir em tantos direitos elementares quantas forem as formas pelas quais se manifesta a atividade do homem sobre os bens. Em outras palavras, isso significa dizer que, tendo o domínio sobre o bem, o homem poderá criar inúmeras utilizações para ele.
3.1 Posse
Segundo Fernandez (2011, p. 48a), a posse é “poder de fato, instaura-se pelo exercício de fato de algum poder do domínio. A propriedade é poder de direito. Só se adquire por título justo e de uma maneira conforme o direito”.
Num sentido “comum”, a posse é a denominação de algo que se porta, que se tem, ou seja, algo que demanda contato. Seria então um fenômeno visível. “Ao ver alguém com algo, vejo o possuidor – não sei se vejo o proprietário, ou a posse em sentido jurídico” (FERNANDES, 2011, p. 43).
Gonçalves (2018a), no mesmo sentido, declara que a doutrina brasileira acolheu a teoria de Ihering para conceituar posse. Para o autor, a posse é uma conduta de dono, ou seja, sempre que houver exercício de poderes de fato sobre uma propriedade, lá estará a configuração da posse. Assim dispõe o art. 1.196 do Código Civil: “possuidor é todo aquele que tem de fato o exercício pleno ou não, de algum dos poderes inerentes à propriedade” (BRASIL, 2002).
Imagine uma pessoa que seja dona de um imóvel e resolve alugá-lo. No momento em que essa pessoa aluga a propriedade, o terceiro, identificado como locatário, passa a exercer o poder sobre o imóvel, que a posse permite. Esse exercício de poder pode ser um exercício fático, no caso o uso da propriedade, ou apenas um exercício de direito, uma sublocação, por exemplo. Na segunda possibilidade, o terceiro julga que é mais vantajoso, por exemplo, deixar a casa disponível para uso de terceiros em épocas de temporada. Nesse caso, ele, por ter a posse jurídica adquirida com a locação, disponibiliza-a temporariamente a outros.
O exemplo da posse também pode ser aplicado ao livro. Se uma biblioteca compra um livro impresso, ela poderá fazer o que bem entender com relação ao suporte material: trocar a capa, encadernar vários volumes criando um único, rasgar, queimar, etc. As ações anteriormente citadas se dão em razão da propriedade, e não da posse. Em razão da posse, o exemplo adequado seria o empréstimo. Ou seja, sobre aquele suporte, ela permite que outrem loque o livro.
No que se refere à posse do conteúdo, ela é recebida pela biblioteca no momento da compra do suporte do livro. É sabido que as leis de direitos autorais impõem algumas limitações ao exercício de terceiros sobre a obra dos autores (ex.: a distribuição e a cópia não autorizada). Quando uma biblioteca adquire um livro impresso, ela não detém a propriedade do conteúdo, que é do autor, ela detém apenas a posse desse conteúdo. Por esse motivo, a biblioteca não pode simplesmente digitalizar todo o seu acervo e colocá-lo disponível aos seus usuários, a menos que aquele conteúdo seja de domínio público.
Uma vez que a posse se dá em razão do poder de domínio de um bem, diferentes tipos de posse poderão ser exercidos. Segundo Fernandes (2011, p. 52-56), os tipos de posse podem ser classificados da seguinte forma:
a) Posse plena: é a que tem o proprietário no exercício de suas faculdades de proprietário do bem.
b) Posse direta: é a que tem o não proprietário a quem cabe o exercício de uma das faculdades do domínio, por força de obrigação ou direito.
c) Posse indireta: é a que conserva o proprietário quando se demite, temporariamente, de um dos direitos elementares do domínio, cedido a outrem seu exercício.
d) Posse justa: é aquela adquirida legalmente, sem vício jurídico externo.
e) Posse injusta: é aquela violenta (emprego de força), clandestina (realizada de forma oculta) ou precária (obtida por abuso de confiança), adquirida de forma ilícita, também dita posse viciada.
f) Posse de boa-fé: quando há vícios, mas o possuidor os desconhece (ex.: adquirir coisa furtada, sem saber).
g) Posse de má-fé: quando há vícios, e o possuidor os conhece.
Tomando a classificação acima, pode-se dizer que o autor possui sobre sua obra não publicada, posse plena; e sobre sua obra pública, a posse indireta. Por sua vez, a biblioteca que possui diversas obras em seu acervo possui posse plena e justa sobre o suporte, e posse direta sobre o conteúdo. Se a biblioteca digitalizar conteúdo protegido por direitos autorais, sobre o conteúdo que foi materializado em novo suporte, ela exerce uma posse injusta precária ou viciada, e, portanto, contrária à lei.
Por fim, cabe destacar alguns efeitos que a posse gera a seu proprietário no que diz respeito a direitos, e ao possuidor, no que diz respeito a obrigações. Ao proprietário, gera o direito a indenização por danos que o possuidor tenha causado, além de direito aos frutos e produtos daquela propriedade. Isso significa dizer que, ao possuidor, não proprietário, é assegurado o domínio e o uso e gozo do bem sobre o qual exerce alguns direitos de proprietário.
3.2 Usufruto
Quanto à definição de usufruto, Gonçalves (2018a, p. 484) afirma:
Segundo o conceito clássico, originário do direito romano, usufruto é o direito de usar uma coisa pertencente a outrem e de perceber-lhe os frutos, ressalvada sua substância (usus fructus est ius alienis rebus utendi fruendi, salva rerum substantia).
No usufruto, haverá dois titulares de direitos, um será o usufrutuário e o outro o proprietário, caracterizado, nessa hipótese, como nu-proprietário. No usufruto, há o desmembramento dos poderes da propriedade: com o nu-proprietário ficam os direitos de dispor e reaver o bem e com o usufrutuário os direitos de uso e gozo, dos quais será temporariamente titular. (GONÇALVES, 2018a, p. 485).
O usufruto será também inalienável, ou seja, não passível de transferência. Entretanto, sua exploração é permitida. Tal característica também decorre por força da lei, in verbis: “Art. 1393. Não se pode transferir o usufruto por alienação, mas o seu exercício pode ceder-se por título gratuito ou oneroso”.
Sobre o tema, Gonçalves esclarece:
Embora vedada a alienação do usufruto, a cessão de seu exercício é permitida, como expresso no art. 1.393. Desse modo, o usufrutuário pode, por exemplo, arrendar propriedade agrícola que lhe foi dada em usufruto, recebendo o arrendamento, em vez de ele mesmo colher os frutos e assumir os riscos do investimento.
3.3 Uso
O uso possui algumas das características do usufruto, tais como o desmembramento da propriedade e a temporalidade, por isso é entendido na doutrina como uma forma de usufruto restrito (FERNANDES, 2011). No usufruto, ao usufrutuário são concedidos o uso e a fruição; no uso, como o próprio nome diz, tem-se apenas o uso.
Em realidade, o uso nada mais é do que um usufruto limitado. Destina-se a assegurar ao beneficiário a utilização imediata da coisa alheia [...]. O direito real de uso confere a seu titular, assim, a faculdade de, temporariamente, fruir a utilidade da coisa que grava. Ao usufrutuário correspondem o jus utendi e o jus fruendi; ao usuário, apenas o jus utendi, isto é, o direito de usar a coisa alheia, sem percepção de seus frutos. (GONÇALVES, 2018a, p. 512-513)
Observa-se que, nas palavras de Gonçalves (2018a), o uso não possui um conceito sofisticado, é simples. Ao que detém o direito de uso é concedido apenas o uso.
Compreendido os conceitos dos elementos jurídicos de uma propriedade, o próximo capítulo irá discorrer sobre os modelos de negócios dos livros com base em uma classificação realizada pelos autores: a de aquisição, fundamentada na posse e na propriedade e a provisão de acesso, fundamentada no uso.
4 MODELOS DE NEGÓCIOS
Segundo Serra (2015), o modelo de negócios adotado para livros eletrônicos é diferente dos modelos de negócios de livros impressos. Além disso, há diferença entre o modelo para pessoas físicas (uso pessoal) e pessoas jurídicas (bibliotecas – uso compartilhado). O livro eletrônico destinado ao uso pessoal é comercializado pelas livrarias em seus sítios, por meio do comércio eletrônico. Já para bibliotecas, eles são disponibilizados por licenciamento por meio de fornecedores, tais como agregadores de conteúdo, editoras etc.
4.1 Aquisição
a aquisição proprietária trata da modalidade de negociação que permite que o suporte com o conteúdo da informação sejam adquiridos. Não deve ser confundida com o termo que a literatura apresenta como “aquisição perpétua”. Neste estudo, usa-se o termo “acesso perpétuo” para designar um modelo de negócios que, nas literaturas nacional e estrangeira (SERRA, 2015, 2018; SHEEHAN, 2013; GRIGSON, 2011; MORRIS; SILBERT, 2011), é conhecido como “aquisição perpétua”. O modelo de acesso perpétuo será explicado mais adiante em tópico específico, dentro dos modelos que versam sobre provisão de acesso.
Relembrando conceitos já estudados, o livro possui três elementos: suporte, conteúdo e instrumento de escrita. Na aquisição proprietária, ocorre o aquirimento da propriedade de, ao menos, um desses elementos se livro impresso (suporte), de dois deles se livro eletrônico (suporte e instrumento de escrita/leitura) e da aquisição da posse sobre o conteúdo. Destaca-se que o conteúdo sempre será de propriedade do autor. Portanto, os elementos que irão definir a aquisição proprietária serão os seguintes: a propriedade sobre o suporte e a posse sobre o conteúdo. Diante do exposto, serão possíveis quatro categorias: compra, doação, permuta e o download.
4.1.1 Compra
Compra é a aquisição consolidada e amplamente praticada pelas bibliotecas. Consiste na seleção e aquisição de material a ser disponibilizado. Neste modelo de aquisição, a biblioteca prioriza as necessidades de informação dos usuários de sua instituição, sem considerar as demais instituições que possam ter os mesmos interesses.
Segundo o dicionário de Cunha e Cavalcanti (2008, p. 20), a aquisição é um “procedimento relativo à incorporação das aquisições em um acervo, depois da comparação com a encomenda e verificação do item”. Quando os autores definem a aquisição como a incorporação de materiais após a encomenda, há implícito, na ideia de encomenda, um “pedido”, uma “requisição”. Portanto, não é absurdo inferir que, nessa definição, a aquisição é associada à compra. Ressalta-se que, juridicamente, a compra é a contraprestação financeira pela aquisição de um bem.
Quando se fala na aquisição pura e simples, que, neste artigo, qualificou-se como aquisição proprietária, apenas para fins didáticos, a relação de compra e venda se dá por meio de uma biblioteca com um ou mais fornecedores para aquisição de material bibliográfico, que, neste caso, é o livro. Os contratos dos fornecedores das bibliotecas podem ser: livreiros, editores e distribuidores.
4.1.1.1 Assinatura de publicações impressas periódicas
A assinatura tem implícita em si o cumprimento de um serviço, portanto, não se trata de mera aquisição de material. Andrade e Vergueiro (1996) incluem, como materiais periódicos, publicações editadas em partes sucessivas, com intervalos regulares ou não, mas que tenham por propósito uma certa continuidade indefinida. São exemplos de materiais periódicos: jornais, revistas, anuários, séries monográficas, anais de eventos, entre outros.
É uma modalidade de compra contínua, portanto não finda com o recebimento do material, que demandará maior controle por parte do bibliotecário. O pagamento também costuma ser seriado, logo poderá ser prévio ou posterior à entrega do produto.
Como dito anteriormente, trata-se de uma modalidade que combina a prestação de serviços com a entrega de um produto, por isso será a única modalidade que, se for contratada por uma biblioteca regida pelo direito público, terá a escolha de regime de contratação de serviços.
4.1.1.2 Download por transferência de arquivo
O termo “download” provém da língua inglesa, mas é utilizado corriqueiramente pelos “falantes” da língua portuguesa. Em inglês, down tem o significado de “baixar”, “descarregar”, e o termo load terá vários significados. No presente caso, trata-se de um substantivo, que significa “carga”. Assim, ao unir os dois termos, tem-se a ideia de “baixar uma carga”. No uso comum, o termo significa “baixar um arquivo de dados”, ou seja, indica que um arquivo está sendo “baixado”. Sendo assim, o título deste tópico tem por objetivo justamente remeter a esse uso comum.
Dito isso, conclui-se que uma aquisição proprietária é considerada um download, pois implica a posse do conteúdo e a propriedade do suporte. Se um livro eletrônico é comercializado em formato PDF, ele poderá ter seu conteúdo comercializado de modo a permitir a transferência para o adquirente daquele arquivo digital. Será de responsabilidade do adquirente a aquisição dos demais elementos (software e hardware) necessários para a leitura.
Uma vez que a compra foi realizada e o arquivo com conteúdo foi baixado, o controle de uso será do adquirente, não do fornecedor, diferentemente do que ocorre no download por streaming. Para não acarretar confusão, foi utilizado o termo “download por transferência de arquivo”, porque, nos casos de serviços de streaming, ainda que o conteúdo seja baixado, não será controlado pelo adquirente, e sim por seus fornecedores.
4.1.2 Doação
As doações são da ordem de dois tipos: solicitadas e espontâneas. Vergueiro e Andrade (1996) abordam que frequentemente as bibliotecas têm interesse na obtenção de publicações por meio de doações. Então, há alguns casos em que são elaboradas cartas a instituições governamentais ou particulares, que solicitam de fato doações de itens específicos. A justificativa para tais pedidos costuma ser de ordem econômica e cultural. As doações espontâneas serão aquelas realizadas por terceiros, sem que, para isso, tenha havido qualquer iniciativa da biblioteca. Para as doações espontâneas, recomenda-se que sejam aplicadas as regras contidas na modalidade de seleção.
4.1.3 Permuta
A permuta compreende a troca de um bem por outro sem que haja contraprestação monetária. Sobre o assunto, Andrade e Vergueiro (1996, p. 68) discorrem:
Basicamente, um programa de permuta consiste em um acordo preestabelecido entre duas instituições, com o compromisso mútuo de fornecimento de publicações das próprias entidades, de obras duplicadas ou retiradas do acervo ou de obras recebidas em doação, mas sem interesse para incorporação ao acervo.
É uma forma de negociação que também pode ocorrer entre a biblioteca e seus usuários, em uma hipótese de reposição de livro perdido, que esteja indisponível para compra, por exemplo. Figueiredo (1993) aponta a troca de publicações editadas entre instituições como um caso corriqueiro nesse modelo de negócios (permuta). Vergueiro e Andrade (1996) apontam como comum a lista de duplicatas em programas de permuta.
4.2 Provisão de acesso
O que irá diferenciar a provisão de acesso da aquisição proprietária será a posse do conteúdo. O conteúdo é controlado por aquele que o detém. No caso da aquisição proprietária, a biblioteca possui completo domínio sobre o suporte e, consequentemente, a posse sobre o conteúdo. Nos modelos de provisão de acesso, quem detém a posse do conteúdo são os fornecedores, que disponibilizam o acesso e o uso. Ao abordar a provisão de acesso sob a ótica do licenciamento, Serra (2018) observa:
O licenciado [...] representa desafios, uma vez que a contratação pela biblioteca é realizada por meio de modelos de negócios que definirão como será o uso e por quanto tempo o título estará disponível aos usuários. A leitura será mediada por uma plataforma proprietária, com acesso controlado e restrições para realização de download, leitura off-line, impressão, cópia de trechos e inclusão de anotações e marcações, entre outros aspectos definidos pelo fornecedor. Independentemente de qual seja o fornecedor, a leitura será sempre realizada na plataforma da terceira parte com quem o licenciamento foi firmado. A biblioteca pode ou não incluir os títulos licenciados em seu catálogo. Se o fizer, a descoberta dos títulos digitais pode ser realizada na ferramenta do fornecedor ou no catálogo on-line (OPAC – Online Public Access Catalogue) da biblioteca, mas a leitura será sempre mediada pela plataforma proprietária. (SERRA, 2018, p. 116, grifo nosso)
O termo “licenciado” remete à ideia de que os livros que são negociados por provisão de acesso serão sempre negociados por meio de plataformas controladas por terceiros. E tendo a provisão de acesso outros dois modelos, não se julgou o termo adequado por não contemplar os outros tipos.
Serra e Silva (2014) acreditam que o modelo de provisão de acesso, denominado por eles de licenciamento, seja um problema para a biblioteca. Segundo os autores:
Para a biblioteca, ter a licença de uso e não a propriedade dos livros eletrônicos, é um problema, uma vez que o controle da existência, permanência e utilização das publicações licenciadas são determinantes para o desenvolvimento de coleções e manutenção dos serviços prestados. (SERRA; SILVA, 2014, p. 5)
Morris e Silbert (2011) relatam que esses modelos surgem porque fornecedores e editores de e-books têm necessidade de desenvolver modelos de compra que atraiam as bibliotecas, e que, ao mesmo tempo, protejam o conteúdo negociado de atividades ilícitas (pirataria) e ainda gerem e protejam a receita deles. Como resultado, há uma variedade de opções disponíveis para bibliotecas que desejam criar coleções de livros eletrônicos. Como provisões de acesso a livros eletrônicos, foram identificados quatro modelos de negócios: acesso perpétuo, assinatura eletrônica, pay-per-view e demand drive acquisition.
4.2.1 Acesso perpétuo
É também conhecido na literatura como modelo de aquisição perpétua ou ainda propriedade perpétua (MORRIS; SILBERT, ٢٠١١). No entanto, como não é um modelo que implica propriedade, usa-se nesta pesquisa o termo “acesso perpétuo”. Para Morris e Silbert (٢٠١١), trata-se de um modelo bastante escolhido pelos bibliotecários por guardar certa similaridade com o modelo de negócios dos livros impressos.
O uso do livro é condicionado a um acesso por vez, ou seja, esse modelo não permite que vários usuários acessem ao mesmo tempo. Além disso, o livro pode ser acessado ad eternum, por isso não há necessidade de renovação de licença. Por essa razão, costuma ter um valor elevado. Sobre esse modelo, Morris e Silbert (2011) relatam que o preço por esse tipo de livro eletrônico é comumente mais alto que o de um livro impresso.
Como não há transferência do arquivo eletrônico, o livro fica disponível por meio de uma plataforma de acesso. Em alguns casos, o fornecedor pode exigir pagamento pelo custo de hospedagem. (GRIGSON, 2011). Neste modelo, a biblioteca adquire acesso como se fosse um exemplar, e quanto maior o número de acessos adquiridos maior o preço daquele título.
Georgas (2015) destaca que, mesmo sendo um modelo de acesso perpétuo, a biblioteca poderá ficar sem aquele título, pois, por razões que envolvem direitos autorais, o fornecedor poderá ser “obrigado” a retirar o conteúdo da plataforma. Esse acesso perpétuo costuma ser negociado usualmente no comércio varejista, ou seja, para o consumidor final. Para compreender de forma mais clara, segue um exemplo: se determinado usuário comprar um livro na Amazon, somente poderá ler aquele livro pelo aplicativo Kindle. O aplicativo, enquanto software, é de acesso e uso gratuito, ou seja, qualquer pessoa poderá baixá-lo. Entretanto, se esse usuário for proprietário de outro dispositivo leitor, tal como o Kobo, a leitura desse livro não será permitida. O mesmo fato irá ocorrer com livros eletrônicos adquiridos na Saraiva, que se encontram vinculados ao aplicativo Lev, que é o aparelho leitor da loja. (COSTA, 2015).
Lynch (2001, p.4) chama a atenção para esse assunto e dispõe que:
Problemas graves já estão surgindo aqui. Ao comprar um e-book, deve-se especificar para qual plataforma se está comprando, e alguns e-books estão disponíveis apenas para plataformas específicas (e não para outras plataformas funcionalmente equivalentes) simplesmente porque o fornecedor não produziu um arquivo em o formato específico para cada plataforma disponível.
Esse modelo não parece ser tão atrativo assim para as bibliotecas. Além disso, para os fornecedores, Serra (2015) destaca que também não se trata de um modelo de negócios interessante, pois pode representar queda na venda de livros impressos.
Não é um modelo interessante aos fornecedores, temerosos com os riscos de distribuição descontrolada ou uso indevido, além de venda de uma licença que pode ser consultada por diversos usuários, mesmo que na opção monousuário. Ao comprar um título, a biblioteca não adquire diversos exemplares como ocorre com livros impressos, representando queda nas vendas do fornecedor. (SERRA, 2015, p. 124/5).
Por fim, cabe chamar a atenção para o fato de que o acesso perpétuo deixa a cargo do fornecedor toda a parte de preservação da informação. Dessa forma, fica a seguinte questão: se a empresa fornecedora falir, e não puder mais sustentar os servidores que armazenam o conteúdo e demais itens de infraestrutura, como a biblioteca poderá resolver? São questões importantes, e o bibliotecário responsável deve refletir sobre elas antes de tomar suas decisões.
4.2.2 Assinatura eletrônica
A assinatura é um modelo de negócios que se tornou muito comum para usuários pessoais, principalmente com os serviços de streaming, como Netflix e Spotify. Esses modelos são conhecidos como assinaturas por pacote, ou seja, aquelas que contemplam produtos de títulos diversos. Cabe destacar que as assinaturas eletrônicas para as bibliotecas surgiram com os periódicos eletrônicos. Naquela época, era comum a negociação com editoras de revistas que continham títulos, às vezes, até singulares.
No modelo de negócios de assinatura, a biblioteca contrata um pacote que reúne vários títulos. Durante o período vigente da assinatura, a biblioteca disponibilizará o acesso daqueles títulos a seus usuários. Sobre o assunto, Grigson (2011) relata que os custos de assinatura costumam ser mais baixos, e os custos da plataforma já tendem a estar inclusos.
Uma assinatura geralmente fornece acesso apenas por um período específico, de modo que, se a taxa anual não for mais paga, o e-book ou pacote não estará mais acessível. Por esse motivo, os preços das assinaturas geralmente são mais baixos do que os preços de compra, e o modelo de preços pode ser mais simples, já que as taxas de plataforma são geralmente incluídas. (GRIGSON, 2011, p. 28)
Apesar do custo mais baixo, Albitz e Brennan (2012) chamam a atenção para a instabilidade, uma vez que o conteúdo é alugado, e a biblioteca não tem nenhuma garantia de que os títulos permanecerão disponíveis. Se surgir nova edição ou, ainda, se o contrato firmado com um autor findar, o conteúdo poderá desaparecer da base.
A questão é tão latente que Georgas publicou, ainda em 2015, um artigo intitulado O caso do desaparecimento de e-book: bibliotecas acadêmicas e assinatura de pacotes. Na publicação, o autor relata os problemas que instituições universitárias podem enfrentar caso determinado livro que, antes estava disponível na base, seja excluído ou substituído por outro.
Morris e Silbert (2011) também destacam que, na assinatura eletrônica, o conteúdo incluído é selecionado pelo fornecedor ou editor, e as bibliotecas não têm a oportunidade de escolher os títulos que lhe apetecem. No mesmo sentido de Georgas (2015) e Albitz e Brennan (2012), Morris e Silbert (2011) relatam que é comum que o conteúdo do pacote contratado seja alterado durante a vigência do contrato. Em razão de tal fato, os autores ressaltam a importância de que o bibliotecário tome conhecimento disso, para o caso de uma possível supressão ou adição de registros MARC em seus sistemas.
4.2.3 Pay-per-view (PPV)
O modelo de Pay-Per-View (PPV) é também identificado como Short Term Loan (STL). Funciona como um aluguel de títulos específicos, tal como na TV a cabo. Neste modelo, o usuário tem acesso a todos os títulos que se encontram na plataforma e, caso se interesse por algum título que não esteja no acervo, solicita o acesso mediante pagamento. O acesso será exclusivo daquele usuário e terá prazo estipulado. Ao final do prazo, o livro é “devolvido” novamente à plataforma. (SCHELL, 2011).
Sobre esse modelo de pagamento por exibição, Morris e Silbert (2011) destacam que é uma maneira econômica de fornecer acesso ao conteúdo de livros eletrônicos, uma vez que o pagamento só ocorre em razão do que de fato é utilizado (acessado). No entanto, lembram que a biblioteca deverá estar disposta e preparada para aceitar taxas contínuas, pagas sempre que o conteúdo for utilizado (acessado).
4.2.4 Demand Drive Acquisition (DDA)
Serra e Silva (2014) destacam que, desde que o modelo Demand Drive Acquisition (DDA) surgiu, por volta dos anos 2000, já foi identificado por diversas nomenclaturas, tais como: Patron Driven Selection (seleção orientada pelo usuário), Patron Drive Initiated (iniciativa dirigida pelo usuário), Patron Driven Purchasing (compra dirigida pela usuário) e Demand Driven Acquisition (aquisição orientada por demanda).
Neste modelo, o catálogo do fornecedor seria, em parte ou inteiramente, disponibilizado para que pudesse ser consultado pelos usuários. Depois de uma quantidade de acessos a ser definida pelo bibliotecário, a obra passaria a fazer parte da coleção da biblioteca, em processo automático de licenciamento (NIXON; FREEMAN; WARD, 2011, p. 3).
A seleção seria feita pelo usuário, e não pelo bibliotecário. Após uma quantidade de acessos realizados, o livro passaria a ser considerado integrante daquela coleção. Esse modelo é uma combinação dos modelos “acesso perpétuo” e “pay-per-view”. Basta observar que, assim como no pay-per-view, os livros encontram-se disponíveis para visualização e acesso. Conforme os livros são acessados, a biblioteca realiza o pagamento por eles. Entretanto, ao atingir uma quantidade de acessos, o livro passa a ser parte do acervo daquela biblioteca, sem que ela precise realizar novo pagamento, caracterizando-se assim como acesso perpétuo.
Cabe trazer a discussão as palavras de Serra e Silva (2014, p. 10):
Price (2009, p. 3) pontua que a diferença entre a aquisição no modelo PDA e o método tradicional consiste no tempo de vigência do licenciamento: o usuário dá início ao licenciamento (temporário ou definitivo) da obra solicitada após o acesso a mesma, enquanto que para o bibliotecário o licenciamento vigora antes da publicação ser utilizada.
Na fala dos autores, ao que parece, o método tradicional para aquisição de livros eletrônicos seria o acesso perpétuo, pois a diferença se dá pelo licenciamento. Discorda-se dos autores, nesse ponto, pois o método tradicional que poderia ser o mais utilizado ou o que mais se assemelha às práticas já existente seria o modelo de transferência por download. Ademais outro ponto de discordância é o tratamento dado ao modelo de negócios acesso perpétuo, como sendo uma possibilidade de aquisição de conteúdo pela biblioteca. Se o licenciamento é uma forma de prestação de serviço, não há aquisição, pois mesmo que seu caráter seja perpétuo, o exercício de domínio se dará por outra instituição que não a biblioteca.
Pontuada tais ressalvas, a fala dos autores é importante para que se perceba que o modelo permite certa flexibilidade que os demais não têm. Exemplificando: determinada biblioteca contrata uma plataforma específica neste modelo por um período de vigência de cinco anos. Essa mesma biblioteca estabelece que, após o número de 100 acessos, a obra será “adquirida”. Se o centésimo acesso ocorrer no primeiro ano, a obra poderá ser acessada pelos dois anos seguintes de forma ilimitada sem que seja necessário pagar pelo acesso. Esse é um exemplo de licenciamento temporário. O licenciamento seria definitivo, se ocorresse na modalidade de acesso perpétuo.
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Ficou demonstrado que a estrutura do livro eletrônico sofreu alterações significativas e voláteis. O desmembramento permite que a indústria produtora do conteúdo não entregue ao usuário final a posse do conteúdo, permitindo-lhe apenas o direito ao uso, mediado pelo acesso.
Para os usuários finais que adquirem os livros eletrônicos nas livrarias virtuais, aparentemente predomina o modelo de negócios acesso perpétuo. Ou seja, o usuário adquire uma licença de uso para leitura daquele livro nos aplicativos (softwares) e este acesso deve ser eterno. O que passa a sensação de segurança para o usuário de que ele sempre terá acesso ao conteúdo. Porém, uma vez que este acesso é apenas para aquele usuário, e costuma estar vinculado a uma conta em nuvem, se este usuário morre, seus herdeiros não terão acesso àquele conteúdo. Diferentemente do que ocorre com coleções impressas.
A Amazon também disponibiliza um modelo de assinatura eletrônica, muito similar aos serviços de streaming, tal como Netflix. O usuário paga um valor mensal por mês, pode ler até 10 livros simultaneamente, e quantos livros quiser, dos que estão disponíveis no programa denominado Kindle Ilimited.
Para empresas, instituições e bibliotecas os modelos de negócios que predominam para livros eletrônicos, também são os de provisão de acesso. Acredita-se que haja uma predominância do modelo de negócios assinatura eletrônica. Porém, tal análise carece de outros estudos, e não foram encontrados durante a revisão de literatura.
Modelos como o Pay-per-view e o Demand Drive Acquisiton foram modelos encontrados predominantemente na literatura estrangeira, o que permite inferir que ainda não são modelos negociados pela indústria do conteúdo nacional.
Um ponto que merece ser discutido pelos bibliotecários é qual a perda para a biblioteca do controle do conteúdo do livro. Se os livros forem contratados por modelos de provisão de acesso, isso implica que a posse do conteúdo não fica com a biblioteca, mas sim com a empresa que disponibiliza esse acesso. A biblioteca continua cumprindo seu papel de disponibilizar o conteúdo, sim, em parte sim. Porém, e quanto a função de guarda? Esta não é mais necessária?
Considerando que são as empresas que produzem o conteúdo que irão realizar a guarda e o controle desse conteúdo, terão eles as mesmas finalidades sociais e culturais que uma biblioteca? Não seria uma perda institucional para a biblioteca a ausência do controle do conteúdo?
Um outro ponto a ser destacado é que algumas plataformas que fornecem acesso de livros mediante pagamento para as bibliotecas, restringem o download ou impressão de conteúdo, quando não cobram por esses serviços. Portanto, o que seria nos livros impressos a reprodução, seria nos eletrônicos a impressão ou o download. Ocorre que essas reproduções, em alguns casos, não estão em consonância com a legislação de direitos autorais. Há casos em que o usuário não pode reproduzir mais que 10% da obra, e há casos em que é permitido ao usuário a impressão de toda a obra. Assim fica uma outra questão: até que ponto a propriedade de um autor ou os direitos de um leitor podem ser limitados pela indústria do conteúdo?
As questões apontadas acima tem por intuito chamar atenção do profissional bibliotecário para as transformações que vem ocorrendo e que parecem ainda não terem sido percebidas por uma ausência de compreensão sobre o livro enquanto um objeto passível de propriedade. Também são questões que merecem investigações mais profundas por outros pesquisadores, e que espera-se que possam motivar novos estudos.
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1 Mestranda em Ciência da Informação pela Universidade de Brasília, Brasil. ORCID http://orcid.org/0000-0002-3910-4072. E-mail: thaisa.caldeira@gmail.com
2 Docente permanente no Programa de Pós-Graduação em Ciência da Informação. Universidade de Brasília, Brasil ORCID http://orcid.org/0000-0002-5725-9932. E-mail: murilobc@unb.br
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