PROMOVENDO O DIÁLOGO ENTRE CIÊNCIA DA INFORMAÇÃO E AUDIODESCRIÇÃO:
a urgência da preservação digital e de políticas de salvaguarda
PROMOTING THE DIALOGUE BETWEEN
INFORMATION SCIENCE AND AUDIO-DESCRIPTION:
the urgency of digital preservation and safeguard policies
Tamires Neves Conceição1
Rubens Ribeiro Gonçalves da Silva2
RESUMO
A audiodescrição, por sua função de acesso à informação, alinha-se à Ciência da Informação, tendo sido objeto de pesquisa de mestrado, realizada no Programa de Pós-graduação em Ciência da Informação da Universidade Federal da Bahia. Como objetivo de investigação, buscou-se compreender o modo como teorias, técnicas e práticas da Ciência da Informação podem beneficiar o processo de inclusão social e de acessibilidade, além do empoderamento de pessoas com deficiência visual, a partir do conceito de informação audiodescritiva. A pesquisa, qualitativa e quantitativa, de caráter exploratório, teve como fundamento o método de abordagem dialético-materialista. O seu universo constituiu-se por universidades federais e estaduais, em cujos quadros há grupos e núcleos de pesquisa que trabalham com audiodescrição no Brasil. Como técnica de coleta de dados, foram aplicados questionários online a partir de amostragem não aleatória por julgamento; quanto aos procedimentos, além do estatístico, optou-se também pela análise comparativa. Os resultados obtidos constataram a falta de conhecimento da maioria dos profissionais audiodescritores sobre ações de preservação digital e sobre políticas de salvaguarda dos conteúdos audiodescritos produzidos pelos grupos e núcleos de que fazem parte. Concluiu-se que, para manter a memória da audiodescrição passível de acesso por longo prazo, são necessárias ações promovidas em conjunto por profissionais da Audiodescrição e da Ciência da Informação para a preservação e o acesso digitais baseados em políticas adequadas de salvaguarda.
Palavras-chave: Audiodescrição. Informação audiodescritiva. Preservação digital. Ciência da Informação.
ABSTRACT
Audiodescription, due to its function of access to information, aligns with Information Science. It was the subject of a Master Degree research, carried out in the Graduate Program in Information Science, Federal University of Bahia. The objective of the study was to understand how theories, techniques and practices of Information Science can benefit — from the suggested concept of audio-descriptive information — the process of inclusion and social accessibility and the empowerment of people with visual impairment. The research, qualitative/quantitative, exploratory in nature, was based on the Materialist dialectical method of approach. The universe of the research was characterized by Federal and State universities which have research groups and centers working with audio-description in Brazil. Online questionnaires were applied as data collection technique, through non-random statistical samples, by judgment. Comparative analyses and statistics were performed as procedure methods. The obtained results found the lack of knowledge of most of the audio-descriptive professionals about digital preservation actions and safeguarding policies of audio-descriptive contents produced by the groups and centers to which they are part of. It was concluded that — in order to maintain the audio-description memory susceptible to long-term access — actions promoted jointly by Audio-Description and Information Science professionals are needed for digital preservation and access based on appropriate safeguard policies.
Keywords: Audio-description. Audio-descriptive information. Digital preservation. Information Science.
Artigo submetido em 26/04/2020 e aceito para publicação em 14/08/2020
1 INTRODUÇÃO
O presente artigo tem sua origem nos resultados de pesquisa de mestrado desenvolvida no Programa de Pós-graduação em Ciência da Informação da Universidade Federal da Bahia, no âmbito da linha de pesquisa Políticas e Tecnologias da Informação, com foco na temática da Audiodescrição (AD), ou seja, a transposição de signos visuais em verbais, relevante na acessibilidade e inclusão social de pessoas com deficiência visual, disléxicos e idosos.
Na pesquisa buscou-se compreender como a Ciência da Informação (CI) poderia auxiliar o campo da AD, impulsionando os processos de inclusão social, acessibilidade e empoderamento das pessoas com deficiência visual. A expressão deficiência visual contempla as pessoas cegas e pessoas com visão reduzida. Assim, adotou-se a expressão “pessoa com deficiência visual” para incluir todo o público (cegos ou com visão reduzida), já que a partir da década de 1990 se consagrou está terminologia como a ideal (SASSAKI, 2005, s.p.).
Quanto à inclusão social, nos referimos a ações praticadas pela sociedade para se adequar à realidade das pessoas com deficiência, promovendo oportunidades de crescimento e desenvolvimento social para este público, os tornando cidadãos independentes e autônomos (SASSAKI, 1999). O conceito de acessibilidade refere-se à participação das pessoas com deficiência, em atividades sociais, sem limitações físicas, sensoriais ou intelectuais (PORTAL BRASIL, 2013, s.p.).
Já o empoderamento,
[...] significa em geral a ação coletiva desenvolvida pelos indivíduos quando participam de espaços privilegiados de decisões, de consciência social dos direitos sociais. Essa consciência ultrapassa a tomada de iniciativa individual de conhecimento e superação de uma situação particular (realidade) em que se encontra, até atingir a compreensão de teias complexas de relações sociais que informam contextos econômicos e políticos mais abrangentes (PEREIRA, 2006, s.p)
Analisaram-se grupos e núcleos de pesquisa de universidades federais e estaduais brasileiras que lidam com a temática da AD em âmbito profissional e de pesquisa. Trata-se de pesquisa do tipo exploratória, qualitativa/quantitativa, baseada no método de abordagem dialético-materialista, que proporcionou fundamentos epistemológicos para a análise da possibilidade de diálogo entre a CI e a AD. A partir de reflexões acerca das condições materiais de existência que esta abordagem permite, foi possível compreender historicamente a AD, a relevância de um efetivo conceito para o que se denomina como informação audiodescritiva e sua correlação com a inclusão social e a acessibilidade de sujeitos com deficiência visual.
A pesquisa teve como problema a seguinte questão: “Como as teorias, técnicas e práticas da Ciência da Informação podem agir no desenvolvimento da inclusão e acessibilidade sociais de pessoas com deficiência visual, através da informação audiodescritiva?”.
Esclarecemos o entendimento de que as teorias são a base epistemológica, as técnicas remetem a “conjunto de regras aptas a dirigir eficazmente uma atividade [...] regido por normas e provido de certa eficácia”, e as práticas refletem a “ação ou o que diz respeito à ação [...] uma ideia que pode ser concretizada” (ABBAGNANO, 2012, p. 921 e p.1106).
A hipótese para o problema investigado foi a de que a inexistência de ações de preservação e políticas de salvaguarda adequadas para a informação audiodescritiva promove déficit na formação da memória social da AD no Brasil.
O objetivo geral da pesquisa foi o de compreender como a CI pode atuar no processo de inclusão e acessibilidade sociais e no empoderamento de pessoas com deficiência visual. Os objetivos específicos para compreender o que foi proposto no objetivo geral foram:
(1) Identificar como a tecnologia audiovisual, através do processo da AD, pode auxiliar na inclusão e acessibilidade sociais de pessoas com deficiência visual;
(2) Caracterizar o papel da CI, no contexto da informação audiodescritiva, para promover a independência e autonomia de pessoas com deficiência visual;
(3) Propor estratégias de preservação e de salvaguarda da informação audiodescritiva produzida pelos grupos e núcleos de pesquisa investigados.
O universo da pesquisa constituiu-se por universidades federais e estaduais, em cujos quadros havia grupos e núcleos de pesquisa que trabalham com AD no Brasil. Como técnica de coleta de dados foram aplicados questionários online, em amostragem não aleatória, do tipo por julgamento. Os dados foram analisados com base em métodos de procedimentos comparativo e estatístico.
A pesquisa foi relevante devido à urgência do aumento e do aprimoramento dos estudos sobre a temática da AD na área da CI, pois ambas trabalham com acesso à informação e atendem a um público em comum (pessoas com deficiência visual), sendo necessário que a AD adote ações de preservação digital (que visam a manter a integridade e a autenticidade das informações) e implemente políticas de salvaguarda (que garantem a preservação) para manter o acesso à sua memória por longo prazo. Por seu turno, a CI precisa incorporar o recurso da tecnologia assistiva em seu currículo e no âmbito das unidades de informação, para suprir as demandas informacionais daquele público.
Percebeu-se, com a pesquisa, a necessidade de se desenvolver efetivamente um conceito para informação audiodescritiva, pois o que existia até então era o uso desta expressão apenas como uma noção, desprovida de embasamento epistemológico. Casttels e Ipola (1973, p.12) explicam a diferença entre uma noção e um conceito: uma noção refere-se à “unidade de significação de um discurso ideológico”; o conceito remete à “unidade de significação de um discurso científico”. Portanto, foi com base nessa definição de ‘conceito’ que foi apresentado, na pesquisa de mestrado (CONCEIÇÃO, 2017), em caráter preliminar, o conceito de informação audiodescritiva.
Atualmente, dando-se continuidade à pesquisa em nível de doutoramento em CI, pretende-se efetivar a construção do conceito de informação audiodescritiva com base nas teorias, práticas e técnicas da área, após constatadas sérias lacunas nas ações dos grupos e núcleos de pesquisa, no que se refere às ações de preservação digital e às políticas de salvaguarda dos conteúdos informacionais audiodescritos.
Ante o exposto, apresentam-se a seguir as reflexões acerca da possibilidade do diálogo entre a área da CI e o campo da AD, os resultados alcançados na pesquisa de mestrado e indicações sobre a continuidade da pesquisa.
2 REFLEXÕES SOBRE A POSSIBILIDADE DE DIÁLOGO ENTRE A CIÊNCIA DA INFORMAÇÃO E A AUDIODESCRIÇÃO
A percepção da necessidade do diálogo entre área da CI e o campo da AD, por meio da troca de saberes, deu-se a partir de um entrelaçamento dos conceitos aqui adotados para AD, CI, informação, memória, preservação digital e salvaguarda, para então se pensar no conceito de informação audiodescritiva.
A AD é definida como a tradução de impressões visuais em palavras, visando a preencher a lacuna existente entre som e imagem com o objetivo de ampliar a possibilidade de compreensão, no caso aqui específico, das pessoas com deficiência visual. Trata-se, portanto, de um recurso de acessibilidade, pois proporciona a inclusão desse público em cenas culturais, de lazer, acadêmicas e profissionais, das quais muitas vezes é excluído por não conseguir visualizar o que está acontecendo a sua volta sem o auxílio de um audiodescritor (profissional que realiza a AD). Portanto, a AD constitui-se como meio de promoção da autonomia e da independência das pessoas com deficiência visual, estando associada a “[...] um conjunto de técnicas e estratégias, o trabalho de um grupo, experiência e arte” (MOTTA; ROMEU FILHO, 2010, p.17).
A institucionalização da AD permitiu aperfeiçoar e ampliar algo que já era similarmente (mas não idealmente) realizado por familiares e amigos, transformando numa ação técnica, uma tradução realizada por um profissional audiodescritor (um audiodescritor-roteirista ou um audiodescritor-locutor/audiodescritor-narrador), profissão com proposta de regulamentação pelo Projeto de Lei nº 5.156, de 2013 (BRASIL, 2013). Percebe-se que esse recurso é imprescindível para o desenvolvimento do cidadão com deficiência visual. E, assim, as teorias, técnicas e práticas da CI mostram toda sua relevância no que se refere a organizar, preservar e facilitar o acesso desse público a conteúdos informacionais audiodescritos.
A CI é caracterizada como uma área científica social aplicada, que tem como complexo e amplo objeto de estudo a informação, visando à promoção do acesso, registro, armazenamento, disseminação, transmissão e recuperação da informação. Na atual constituição social movida pelos processos de globalização e contextualizada pelo ciberespaço, a CI vem enfrentando novas problemáticas e desafios para buscar soluções de preservação digital dos conteúdos informacionais audiovisuais, hoje tão amplamente utilizados e disseminados na sociedade. Assim, a promoção do acesso e o consequente registro e armazenamento das informações requerem dos profissionais da CI ações e pesquisas mais específicas para manter tais conteúdos preservados digitalmente e salvaguardados.
A CI, em sua origem, surge de um projeto interdisciplinar (SARACEVIC, 1996). No entanto, observam-se ações de conjugação entre a CI e outras áreas, na maioria das vezes disciplinares, onde apenas a CI busca conteúdos de outros campos do saber e os utiliza para analisar seu objeto de estudo, a informação. Vê-se muito pouco as outras áreas ou disciplinas fazendo o mesmo, ficando perceptível apenas uma relação de proximidade, mas não exatamente de cooperação/ligação de saberes, como é proposto pela ação interdisciplinar. A proposta aqui é a de se promover e viabilizar um melhor trânsito entre os conhecimentos produzidos pela AD e pela CI para atender ao indivíduo com deficiência visual, buscando-se um diálogo profícuo. Entende-se que a proposição de um efetivo conceito de informação audiodescritiva proporcionará a aproximação e uma melhor troca teórica e prática entre área da CI e o campo a AD.
O nascimento da CI, segundo Capurro e Hjorland (2007), está associado ao conceito de informação como um conhecimento comunicado e disseminado pelas redes de computadores, adquirindo, assim, papel essencial na sociedade contemporânea.
Buckland (1991) afirmou que a informação pode ser percebida como processo, como conhecimento e como coisa: o processo é caracterizado quando alguém é informado e quando isto o transforma; o conhecimento, como aquilo que é percebido e que pode aumentar as incertezas; e a coisa, quando se atribui sentido para objetos, dados e documentos. Na pesquisa adotou-se a informação como um processo, envolvendo a cognição, a consciência, a interação e a transformação do indivíduo a partir do acesso a diversos saberes.
O conceito de informação compreendido como um processo cíclico e contínuo também está respaldado pela teoria segundo a qual a informação “[...] é entendida como processo que promove a ampliação da consciência acerca da possibilidade de conhecer e agir num determinado contexto social” (SILVA, 2002, p.1). Conforme o autor, um processo “[...] é uma concatenação qualquer de eventos ou de fenômenos — fisiológicos, psicológicos, sociais e até físicos — que apresentam alguma unidade ou que se reproduzem com certa regularidade” (idem, p.18). A partir dessa abordagem conceitual, portanto, a informação é aqui compreendida como um processo de expansão da consciência que, por intermédio dos conteúdos informacionais, constitutivos do processo chamado informação, leva o indivíduo a um estágio de “consciência informacional”, ou seja, “uma consciência da possibilidade do conhecimento e da ação informada” (ibidem, p. 44).
Dialeticamente, a constituição de uma sociedade se dá também por meio de fluxos informacionais, interconectando a cultura, a economia, a política, a tecnologia e os aspectos sociais de uma época. Sendo assim, o que foi produzido torna-se parte da memória de uma coletividade situada historicamente, como resultado de períodos também historicamente específicos, e que, por isso, deve atentar para a proteção desta memória, constituinte da história daquele ambiente social, com as especificidades de suas condições materiais de existência.
Desde quando a AD começou a ser legalizada no Brasil e os grupos e núcleos de pesquisa começaram a atuar no seu desenvolvimento, mostrou-se como necessário o cuidado com os conteúdos que foram (e que vêm sendo) audiodescritos, para que a história seja disseminada e preservada, de modo a aumentar-se a representatividade da informação audiodescritiva na sociedade e também para que mais pessoas com deficiência visual se identifiquem com esta realidade e exijam cada vez mais do Estado a sua implementação.
Segundo Le Goff (1990, p.250), “A memória é um elemento essencial do que se costuma chamar identidade, individual ou coletiva, cuja busca é uma das atividades fundamentais dos indivíduos e das sociedades de hoje, na febre e na angústia”. O autor demonstra-nos que a memória salva o passado e serve como base para o presente e o futuro. Candau (2011, p. 89) complementa essa ideia afirmando que “A memória, portadora de uma estrutura possível de futuro, é sempre uma memória viva”. Assim, o presente da AD, que vem se construindo no Brasil desde 2003, deve ser registrado e preservado digitalmente, para que se busque a consolidação do registro do passado do campo e para que este possa auxiliar as técnicas de AD do futuro e disseminar cada vez mais esse recurso de tecnologia audiovisual.
A memória é representada na sociedade por meio de lembranças e vestígios históricos (HALBWACHS, 1990). Segundo Halbwachs (1990, p.53), a memória se enriquece de lembranças antigas e novas; logo, ao preservar os conteúdos produzidos pela AD, será possível manter-se o acesso do público com deficiência visual aos registros do campo, por longo prazo, mostrando o desenvolvimento, as alterações e melhorias do uso do recurso da AD, representada pela informação audiodescritiva produzida pelos grupos e núcleos de pesquisa brasileiros.
Lembranças e vestígios históricos estão presentes na memória social. Percebe-se que:
Se entendermos por memória a manutenção de qualquer recorte de ações culturais vividas por uma sociedade, somos levados a considerar o caráter de imobilização ou o congelamento das ações selecionadas, a fim de que possamos preservar aquele momento social.[...]
A memória social é assim retida, por meio das representações que processamos, quer na esfera pessoal – memória individual – quer na esfera coletiva – memória pública. Desse modo, ao falarmos em memória, falamos em representação [...]
Os espaços de representação da memória, esses sim, são sempre móveis, uma vez que a dinâmica do processo social absorve e transforma, continuamente, não só as ações como as reproduções. E é essa propriedade que garante a geração do conhecimento e, consequentemente, o desenvolvimento a sociedade (DODEBEI, 1997, p.66).
A memória social, segundo Dodebei (1997), faz parte das análises da CI. De acordo com Netto e Dodebei (2017), a informação e a memória na CI são retratadas nas temáticas: Memória, cultura e patrimônio; Imagem, informação e memória; e Informação, preservação e memória, tendo esta última “tríade” menos presença nos diálogos da área. Porém, já foi destacado pela própria Dodebei (2012) a necessidade de se refletir sobre esses três conceitos (Informação, preservação e memória) para se manter um equilíbrio entre a disseminação da informação e sua preservação para posterior acesso. A autora afirma que:
O excesso de informações e sua organização são objeto de vários estudos no campo da Ciência da Informação, assim como para o campo da Memória assistimos na virada do século o desejo incontrolável de reter a memória social, a exemplo da construção de museus, monumentos e comemorações. Delineiam-se dessas observações duas questões ou tensões que se reforçam mutuamente: a produção de informações por um lado, e, por outro lado, a manutenção dessas em arquivos digitais. (DODEBEI, 2012, p. 3)
Fica clara a relevância na CI de pesquisas na temática da tríade informação, preservação e memória adotando-se sérias medidas de preservação digital para que se mantenham a autenticidade, a integridade e a recuperação das informações disseminadas e assim promover-se o contínuo acesso. Devido à expertise dos profissionais da CI em organizar, gerir, disseminar, representar, recuperar e preservar a informação, percebe-se a possibilidade de diálogo com a AD, no qual se buscará minimizar o déficit no desenvolvimento da memória do campo, através das ações de preservação digital e de políticas de salvaguarda na gestão dos conteúdos informacionais audiodescritos produzidos.
A memória da sociedade globalizada vem sendo gerada massivamente por muitos recursos tecnológicos digitais, que as ações de preservação devem acompanhar e promover, de forma a proporcionar a recuperação da informação, e assim auxiliar na construção da consciência dos sujeitos sobre determinado fato. Sabe-se da complexidade para se estabelecer ações de preservação digital com normas que garantam o acesso indefinidamente no transcorrer do tempo. O que se vê comumente é a noção de “acesso por longo prazo”, mas sem uma definição precisa.
O conceito de preservação adotado nesta pesquisa refere-se ao conjunto de ações que colaboram com a integridade de um documento, com sua autenticidade, manutenção e acesso por longo prazo. Mais especificamente no que se refere à preservação digital, tais ações devem prever continuidade através de diferentes gerações tecnológicas, com independência para a eventual necessidade de substituição de suportes ou alteração de formatos digitais (ARQUIVO NACIONAL, 2006a). Sobre o entendimento acerca do termo salvaguarda, utilizou-se o conceito proposto por Ferreira (2019), que vai apropriadamente além das ações da preservação tecnicamente dita, ao fazer referência às políticas que visam a “garantir a preservação”. Complementarmente, vale destacar o significado proposto pelo Instituto do Patrimônio Artístico e Cultural da Bahia (IPAC, 2019, s.p.) para o termo “salvaguardar”, ou seja, “Assegurar a permanência da memória de um povo e sua cultura”.
Com tais fundamentos conceituais, pode-se, então, refletir acerca da proposição de um conceito de ‘informação audiodescritiva’ — explicitado na pesquisa de mestrado (CONCEIÇÃO, 2017), e que, como já mencionado, expande-se atualmente em pesquisa de doutorado em curso —, o qual vem sendo efetivamente construído com base epistemológica nas teorias, técnicas e práticas da CI. Com isso, visa-se a promover um significado à expressão, que hoje (já no ano de 2020) ainda não é apresentada como um conceito efetivamente consolidado no campo da AD. Destaque-se que embora a expressão já exista, ainda não consta em norma da Associação Brasileira de Normas Técnicas relativa ao tema (ASSOCIAÇÃO..., 2016).
Foi em Conceição (2017) que se iniciou uma reflexão sobre o conceito de informação audiodescritiva como um tipo de representação elaborada no processo informacional relativo aos conteúdos informacionais audiodescritos, tendo como usuários pessoas com deficiência visual, disléxicos e idosos. Portanto, uma representação que integra um procedimento de AD, o qual, por sua vez, constitui-se numa tecnologia assistiva. Essas tecnologias oferecem à pessoa com deficiência maior autonomia, habilidades, independência, qualidade de vida, novos aprendizados e uma maior acessibilidade nos contextos sociais, com mais mobilidade, dentre outros aspectos que potencializam as ações deste público no seu cotidiano (BERSCH, 2008).
As tecnologias da informação e comunicação impulsionam novos comportamentos dos sujeitos, nos processos de acesso, transmissão e recuperação de conteúdos informacionais; e como a CI é uma área científica social aplicada, orientada ao desenvolvimento do sujeito como cidadão, por meio do acesso à informação, não pode ficar à parte do cenário de ações de preservação digital dos conteúdos produzidos no âmbito da AD.
Frohmann (2006) aborda o registro da informação como dinâmica social, relacionando a informação com práticas sociais e públicas do quadro político, econômico e cultural da sociedade atual. A dinâmica social se estabelece pela relação do sujeito com o objeto e a realidade que o cerca. O autor relata a importância da materialidade da informação, que permite estabelecer uma ligação para relacionar a informação a práticas sociais e públicas, auxiliando a compreender o funcionamento dos registros de informação/sistemas de informação. Para ele, o conceito de materialidade auxilia o registro da informação em caráter público e material, pois a materialidade permite que a informação seja fixada, armazenada naquele momento histórico, podendo ser pesquisada futuramente por outros usuários, em contextos históricos diferentes.
Esse processo informacional influencia a percepção da história pelo indivíduo usuário, pois a partir do que foi materializado é que ele estabelecerá a sua relação com os objetos do contexto histórico em que vive. Dessa forma, percebe-se a importância do profissional da CI, no momento de aplicar as teorias, técnicas e práticas da área, pois suas ações têm relevância vital na construção do processo informacional do indivíduo.
Uma realidade ressaltada por Frohmann (2006) é que, dependendo do contexto político, econômico, social e cultural da época em que ocorra a materialidade da informação, esta pode ser armazenada de forma incompleta no que se refere aos interesses do poder social dominante estabelecido. Isso poderia acarretar uma compreensão distorcida ou recortada dos fatos para um usuário futuro, que teria de buscar outros registros de informação para efetivamente compreender um registro eventualmente alterado por interesses político-sociais de então. Há, de fato, a necessidade de o indivíduo procurar conduzir seu processo informacional, procurando a interação de saberes, de modo a desenvolver uma conscientização mais adequada sobre o contexto sócio-histórico em que se vê envolvido.
Um paradigma social, segundo a concepção de Capurro (2003), é composto pelas relações do sujeito com o seu meio. Esse aspecto social permite ao indivíduo interpretar as informações que recebe e, assim, gerar conhecimento crítico e consciência sobre os fatos sociais. Essa socialização proporciona a construção das relações e da compreensão pelo indivíduo do mundo externo. Por meio da interação de saberes sociais, o homem estabelece sua consciência sobre determinado fato histórico, mas para tal precisa ter contato com o ambiente material e com os objetos históricos que o constituem. Essa realidade representa a abordagem de Shera (1977) sobre a relevância da sociabilidade humana para manter seu intelecto em constante construção.
Observou-se na pesquisa que o diálogo entre a CI e a AD pode existir, pois ambas trabalham com o objeto informação para atender usuários com deficiência visual, quando há presença da informação audiodescritiva nas cenas culturais. Percebe-se, então, a AD e a informação audiodescritiva como elementos de um processo de mediação que possibilita o acesso à informação àquelas pessoas. Assim, correlaciona-se a ação mediadora e a área da CI e seus profissionais, que podem auxiliar nesse processo, uma vez que dispõem de expertises teóricas (base epistemológica), práticas (a ação) e técnicas (conjunto de regras) capazes de possibilitar a aquele público o acesso por longo prazo à informação audiodescritiva por meio da preservação digital e da salvaguarda de conteúdos audiodescritos.
A Biblioteconomia, por exemplo, subárea da CI, tem sua participação no diálogo com a AD através das estratégias de organização, representação e recuperação da informação, possibilitando aos profissionais da AD compreenderem o fluxo organizacional necessário para tornar-se a informação acessível a todos os públicos, sejam ou não de pessoas com deficiência sensorial, física ou intelectual. No caso específico da pesquisa, que trata de informação audiodescritiva, de conteúdos audiodescritos e seus metadados, faz-se necessária a compreensão das etapas (organização, representação e recuperação) para manter a memória da AD acessível por longo prazo.
A Arquivologia, também subárea da CI, é outra expertise base para esse processo, com ações de preservação digital e políticas de salvaguarda, pois lida com conteúdos informacionais de documentos, indicando, assim, os procedimentos adequados para se manter a informação íntegra e autêntica quando de seu eventual acesso.
No caso da AD, as instituições acadêmicas demonstram interesse em publicizar as pesquisas realizadas por seus grupos e núcleos de pesquisa, o que torna a Arquivologia fundamental com relação à preservação digital e à elaboração de políticas de salvaguarda da memória documental da AD. A gestão de seus acervos também deve ser conduzida com base em boas práticas reconhecidas internacionalmente e, especialmente, em normas nacionais e internacionais dirigidas aos arquivo, que orientam o acesso seguro por longo prazo ao conteúdo registrado em ambientes digitais adequados pela legislação arquivística.
Essas ações legitimam e ampliam as possibilidades de diálogo entre a área da CI e o campo a AD, realmente proporcionando a troca de conhecimentos, onde a CI poderá auxiliar no desenvolvimento de acesso mais adequados procedimentos para à memória da AD por longo prazo, e a AD trará para a CI a possibilidade de entender um fundamental recurso de tecnologia assistiva, sua importância no processo da inclusão e da acessibilidade de pessoas com deficiência visual, disléxicos e idosos, público que necessita de informação como qualquer outro.
Nesse sentido, a AD colabora na ampliação do papel social da CI, colocando-a efetivamente em prática ao auxiliar aquele público no acesso à informação, tornando-o, assim, constituído por cidadãos mais ativos. Com os conteúdos produzidos pela AD preservados será possível disseminá-los amplamente, além de proporcionar um maior conhecimento sobre a temática, colaborando com a implementação do recurso nas cenas sociais.
3 PERSPECTIVAS SOBRE AS AÇÕES DE PRESERVAÇÃO DIGITAL E POLÍTICAS DE SALVAGUARDA NA AUDIODESCRIÇÃO
Existem diversos obstáculos para a preservação digital, apesar da sua relevância social: a dificuldade em se desenvolver procedimentos que possibilitem, mais facilmente, ações efetivas que modifiquem o cenário atual de perda de conteúdos informacionais, devido, por exemplo, às constantes mudanças e atualizações de softwares e formatos; o fato de a preservação ser caracterizada como custo e não como um investimento necessário; o desenvolvimento das tecnologias da informação sem um diálogo pertinente entre profissionais que lidam com a informação, para sua melhor adequação; a lacuna de uma regulamentação que assegure recursos financeiros, previstos orçamentariamente, para ações de preservação digital; a escassez de habilidades e competências dos profissionais da CI e da AD para desenvolverem e implementarem práticas de preservação digital; as dificuldades no entendimento e adoção das normas de preservação digital; a quase inexistência de efetivos planos de preservação digital; e a implementação efetiva da preservação digital como disciplina essencial para os profissionais da CI (CABERO, 2017).
Com referência à salvaguarda, Ferreira (2019, p. 165) defende que não se deve confundi-la com a preservação em si, já que a primeira deve ocupar-se exatamente em “[...] garantir a preservação, não somente por meio da adoção de diretrizes técnicas internas e ações institucionais cooperativas de preservação, propriamente dita, mas regida por uma legislação que a determine, e resulte em políticas efetivas, justamente para que as garantias se efetivem plenamente (preservação e acesso)”. Percebe-se então, que a autora reflete sobre a possibilidade de ir além da produção de um plano de gestão, propondo que se busquem políticas mais amplas, que impliquem efetivamente na garantia da permanência dos conteúdos informacionais acessíveis por longo prazo. A autora destaca esse aspecto referindo-se especialmente a acervos audiovisuais, que são também os principais documentos produzidos pelos grupos e núcleos estudados em nossa pesquisa. Nesse sentido,
Quando os estudantes de preservação de imagens em movimento de hoje alcançarem a sua marca de 25 anos de carreira (ou mesmo antes), fitas de vídeo terão deixado de existir. Não só a fabricação de fitas de vídeo terá cessado, ao mesmo tempo em que o mundo irá completar sua transição para a produção baseada em files, mas também a maior parte das fitas de vídeo existentes mantidas em arquivos não terá mais sinais recuperáveis a serem transferidos (TADIC, 2014, s.p.).
Tadic (2014) retrata a preocupação da sociedade globalizada, pronunciadamente imagética, com a preservação de conteúdos informacionais digitais. Os formatos e suportes tendem a mudar a uma velocidade extraordinária; assim, sempre existirá determinado suporte ou formato que não poderá ser mais acessado, por isso a necessidade de se garantir a preservação digital desses conteúdos, que poderão ser disponibilizados futuramente, sem sofrer alterações, devido à evolução tecnológica.
No campo da AD, percebeu-se que os grupos e núcleos de pesquisa analisados realizam as ações de preservação digital e políticas de salvaguarda de maneira distinta e muitas vezes equivocadamente, segundo o que compreendem por estes termos. Na análise foram identificados problemas (de infraestrutura, de gestão e de conhecimento), comentados adiante, que proporcionaram a realização de uma comparação entre as diferentes atitudes observadas, adotando-se o método da árvore de problemas, hierarquizando-os esquematicamente (para compreender melhor a árvore de problemas, consultar Conceição (2017, p.129)).
O ideal seria que esses grupos e núcleos de pesquisa conseguissem armazenar e registrar seus conteúdos em acervos que seguissem as normas nacionais e internacionais de arquivos, basicamente a Norma Geral Internacional de Descrição Arquivística – ISAD(G) (ARQUIVO NACIONAL, 2000), a Norma Brasileira de Descrição Arquivística – NOBRADE (ARQUIVO NACIONAL, 2006), a Norma Internacional de Registro de Autoridade Arquivística para Entidades Coletivas, Pessoas e Famílias – ISAAR(CPF) (ARQUIVO NACIONAL, 2008a), a Norma Internacional para Descrição de Instituições com Acervo Arquivístico – ISDIAH (ARQUIVO NACIONAL, 2008b), a Norma Internacional para Descrição de Funções – ISDF (ARQUIVO NACIONAL, 2008c) e o modelo de referência Open Archival Information System – OAIS (INTERNATIONAL ORGANIZATION FOR STANDARDIZATION, 2012).
Em 2007, quatro anos após sua primeira edição internacional como norma ISO (de 2003), o modelo OAIS foi traduzido no Brasil como SAAI - Sistema Aberto de Arquivamento de Informação. Atualmente, no entanto, a versão brasileira encontra-se desatualizada, após a revisão feita em 2012 pela ISO na referida norma internacional, e por isto optou-se por não incluir a norma brasileira (ABNT NBR 15.472:2007) entre os títulos de nossa seção de Referências, constando apenas a versão atual em inglês da norma internacional.
Com base nas normas supracitadas, os grupos e núcleos de pesquisa poderiam, então, estabelecer ações efetivas de preservação digital, desenvolvendo políticas de salvaguarda que permitiriam o acesso à memória da AD por longo prazo. Naturalmente, tornar-se-iam mais conscientes de que esse processo é difícil e requer investimento financeiro e intelectual, tendo-se que concentrar esforços para a capacitação de seus membros, mesmo que muitas vezes, no entanto, tais recursos não estejam disponíveis para o grupo/núcleo, por questões administrativas. Nesses casos, na esfera pública, não há outro caminho que não o sempre reiterado (e incansável) empenho profissional cotidiano na argumentação técnico-científica para a sensibilização das autoridades decisoras de instituições da República.
A evolução tecnológica e o quadro referente às ações de preservação digital e políticas de salvaguarda, encontrados nos grupos e núcleos de pesquisa, impulsionaram a proposta do Repositório Legatum – Sonus et Imago (RL-SI) como possível solução para o desenvolvimento da memória da AD brasileira. Esse repositório digital é um dos produtos da Iniciativa Legatum, do Grupo de Estudos sobre Cultura Representação e Informação Digitais (CRIDI), realizado em desenvolvimento cooperativo, com o apoio do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), para auxiliar no processo de preservação de documentos audiovisuais digitais, inclusive de conteúdos audiodescritos, através de um acesso remoto confiável.
Destinado a “[...] reunir e compartilhar informações sobre acervos audiovisuais e iconográficos custodiados por instituições públicas de países da cultura latina” (CRIDI, 2018, s.p.), o RL-SI é constituído pelo AtoM (Access to Memory), software livre para acesso remoto, e pelo Archivematica, software livre para preservação digital.
Esse ambiente e suas ferramentas online foram apresentados aos grupos e núcleos de pesquisa como proposta para a preservação digital da produção dos conteúdos audiodescritos e a sua respectiva informação audiodescritiva, de forma gratuita, ampliando o acesso e a visibilidade da temática. O RL-SI, apesar de ser produto de iniciativa recente, apresenta-se como bastante atrativo e diferenciado para o campo do acesso e da preservação digital de conteúdos audiovisuais digitais, permitindo o acesso de forma rápida e segura.
A proposta de trazer o campo da AD para o ambiente de desenvolvimento, pesquisa e experimentação do RL-SI oferecerá uma nova perspectiva para os estudos dessa temática, pois envolverá a CI no diálogo com as áreas que já desenvolvem esse recurso de tecnologia assistiva, proporcionando às pessoas com deficiência visual mais uma oportunidade de conhecer e ampliar a disseminação da AD em âmbito nacional e internacional.
4 METODOLOGIA
As universidades federais e estaduais que contam com grupos e núcleos de pesquisa que desenvolvem ações acadêmicas e profissionais sobre AD compuseram o universo desta pesquisa. Os líderes/vice-líderes e os membros desses grupos/núcleos foram os respondentes do questionário online para coleta de dados.
A amostra, selecionada a partir da técnica de amostragem não aleatória por julgamento, constituiu-se das seguintes instituições: Universidade Federal da Bahia, com o grupo Tradução, Mídia e Audiodescrição (TRAMAD-UFBA); Universidade Federal de Pernambuco, com o Núcleo de Acessibilidade (NACE-UFPE); Universidade Federal de Minas Gerais, com o Núcleo de Estudos da Tradução (NET-UFMG, que por questões administrativas não pôde participar por completo da pesquisa); e a Universidade Estadual do Ceará, com o grupo Legendagem e Audiodescrição (LEAD-UECE).
As quatro universidades selecionadas apresentaram maior representatividade por contarem, nos grupos e núcleos de pesquisa, com professores com vasta publicação sobre o tema da AD, sendo alguns reconhecidos nacional e internacionalmente pelos seus trabalhos. Além desses aspectos, foi relevante para o julgamento da escolha dessas quatro universidades a questão do tempo de coletas de dados, considerando o período conferido a uma pesquisa de mestrado.
Outro fator que colaborou com a decisão sobre a amostra foi a insuficiência de recursos financeiros para se viajar a cada estado onde a universidade estivesse situada (tendo-se acesso físico apenas à UFBA): com grupos e núcleos de pesquisa sendo constituídos por uma média de dez a 20 (vinte) componentes a serem pesquisados, seria mais dificultoso controlar tal contingente de respondentes por e-mail e por telefone no intervalo de tempo determinado para a pesquisa.
Trata-se, conforme já mencionado, de uma pesquisa do tipo exploratória (cujo propósito é o de trazer familiaridade com o tema), qualitativa e quantitativa. A união dessas três modalidades auxiliou o desenvolvimento da pesquisa, tendo-se no aspecto qualitativo, em Ciências Humanas e Sociais, uma modalidade muito adequada para analisar ideias e opiniões que geram a base para a produção textual; por seu turno, a modalidade quantitativa, caracterizada como objetiva, enriquece o contexto com dados numéricos, estatísticos ou não, oferecendo mais subsídios para as análises (CONCEIÇÃO, 2017).
O método de abordagem adotado na pesquisa foi a dialética marxiana. Tendo por base o trabalho de Konder (2004), podemos afirmar que essa abordagem metodológica propõe que as relações sociais são baseadas nas condições materiais da existência, cujas contradições podem levar à explicitação da exploração de um segmento ou classe social por outro, podendo gerar, como consequência, a exclusão; no entanto, a percepção e o conhecimento acerca das reais condições materiais de existência podem também resultar na transformação do indivíduo e da sociedade, de forma contínua e cíclica. O indivíduo deve ter em consideração, no processo de desenvolvimento de sua consciência, os aspectos que configuram o percurso histórico da sociedade e cultura em que vive, sendo preciso correlacionar, com regularidade, as informações a que se tem acesso com a história que constitui aquela sociedade (aspectos culturais, políticos, sociais e econômicos).
Esse método de abordagem, baseado no pensamento de Karl Marx (1818-1883) — ao qual Friedrich Engels (1820-1895) deu continuidade — suscita não somente o pesquisador, mas todo indivíduo e a sociedade como um todo, a questionar as contradições que passam a perceber, pela observação e participação atentas, e pela análise dos fatos histórico-sociais, modificando suas consciências e suas relações com o mundo, para, a partir daí, compreender melhor o problema social e enfrentar as contradições.
Por essas razões, a dialética marxiana ajudou a compreender o objeto de estudo da pesquisa realizada, a AD e sua correlata informação audiodescritiva, pois com esse olhar histórico é possível elaborar análises e críticas mais abrangentes, menos superficiais, entender o problema do desenvolvimento da memória da AD e a urgente necessidade da implantação de ações de preservação digital e de políticas de salvaguarda, além de observar melhor para entender e avaliar como estas ações podem transformar o cotidiano de pessoas com deficiência visual, colaborando com as possibilidades de ampliação de sua consciência e com a constituição do indivíduo como cidadão crítico.
A dialética marxiana não propõe apresentar verdades absolutas, mas expor reflexões e contradições passíveis de modificarem a realidade vigente e o ser humano, pois “[...] o conhecimento é totalizante e a atividade humana, em geral, é um processo de totalização, que nunca alcança uma etapa definitiva e acabada” (KONDER, 2004, p.36). Assim, a pesquisa também não buscou oferecer uma solução definitiva para resolver a questão do desenvolvimento da memória da AD brasileira. A proposta é a de — constatadas as limitações, a exclusão, as contradições — apresentar ideias passíveis de aplicação prática para que se pense sobre o tema e se ampliem as discussões sobre a preservação digital dos conteúdos audiodescritos, por meio do diálogo entre a CI e a AD, conscientizando seus profissionais audiodescritores da importância destas ações para a recuperação da informação audiodescritiva.
Segundo Villar (1979, p.159), “O ‘fato histórico’ é aquele que afeta por uma mutação as relações estruturais existentes”. Assim, as relações estruturais das pessoas com deficiência visual serão melhor construídas em relação ao mundo externo quando aquelas pessoas estiverem realmente incluídas e quando tiverem efetivo acesso a cenas culturais, acadêmicas, profissionais e de lazer; o recurso da AD é relevante para que tais relações sejam estabelecidas adequadamente, dignamente, contribuindo para que o sujeito se torne um cidadão crítico.
Citando Câmara (2007), “[...] para Marx a história é necessária para todo o desenvolvimento da humanidade, e o ‘espírito’ é apenas o resultado da interação de forças materiais e objetivas (mesmo quando criadas pelo gênero humano) com a prática histórica dos indivíduos” (CÂMARA, 2007, p. 377). A relevância do desenvolvimento da memória da AD se dá exatamente pela necessidade de construção dessas relações interativas, pois através dos registros e do armazenamento dos conteúdos audiodescritos, dentro das normas de preservação digital, a história da AD será propagada e seu público-alvo poderá conhecer melhor o recurso que impulsiona a sua independência e autonomia sociais.
Essas reflexões, trazidas pela adoção da referida abordagem metodológica, conduziram a opção pelo questionário online, desenvolvido no software de pesquisa Survey Monkey, na sua versão Gold, como técnica de coleta de dados. Elaboraram-se três questionários online que representavam a amostra da pesquisa, um destinado aos líderes e vice-líderes, um outro aos demais membros dos grupos e núcleos de pesquisa, e um terceiro reservado a um pesquisador respondente específico, aplicado a ele isoladamente, porque à época este pesquisador não estava participando efetivamente dos grupos/núcleos de pesquisa investigados, selecionados em nossa amostra por julgamento; no entanto, sua participação foi requerida devido à relevância de suas ações de investigação científica no estado de Pernambuco, que o tornavam referência sobre o tema da AD em todo o país (CONCEIÇÃO, 2017), e suas respostas foram consideradas à parte da amostra da pesquisa.
Blogs, sites e redes sociais dos grupos e núcleos de pesquisa participantes também foram analisados, para compreender a organização e estrutura utilizada, juntamente ao levantamento bibliográfico realizado para o estudo das temáticas envolvidas em suas práticas cotidianas (CONCEIÇÃO, 2017). Elaborou-se um termo de anuência de pesquisa para manter a privacidade dos pesquisados, o qual foi enviado por e-mail aos participantes, juntamente com os links dos questionários. Concluídos os testes prévios realizados, os questionários foram aplicados a 45 respondentes (assim como ao pesquisador que colaborou isoladamente como respondente).
O questionário designado “Audiodescrição para membros dos grupos/núcleos de pesquisa 2016 – oficial”, foi direcionado para os integrantes desses grupos e núcleos (pesquisadores doutores, doutorandos, mestres, mestrandos, graduados ou graduandos, oriundos de áreas diversas). O segundo questionário foi aplicado aos líderes e nomeado “Audiodescrição para líderes 2016 – oficial”. O terceiro questionário, direcionado ao referido pesquisador não-integrante dos grupos e núcleos de pesquisa analisados, foi denominado “Audiodescrição”. Os três questionários tiveram como objetivo compreender o que os respondentes conheciam acerca da constituição de um acervo, de ações de preservação digital e de políticas de salvaguarda.
Mais especificamente, com estes instrumentos de coleta de dados buscou-se:
1) compreender o conhecimento dos pesquisados sobre os conceitos de preservação (ações que buscam manter a autenticidade, integridade e acesso por longo prazo no ambiente digital ou tradicional analógico) e de salvaguarda (políticas que visam a garantir a preservação);
2) saber se incorporavam ações de preservação e políticas de salvaguarda aos conteúdos informacionais audiodescritos;
3) perceber se entenderiam a importância da utilização de repositórios digitais que adotassem softwares de acesso livre e de preservação digital, em acordo com normas nacionais e internacionais, como uma alternativa para a solução para a permanência da memória da AD no Brasil.
Dos 45 respondentes advindos da amostra, alcançou-se um retorno de 28 respostas (62,2%). Obteve-se a colaboração de oito respondentes do TRAMAD-UFBA (ou 28,6% da amostra), 18 (dezoito) do LEAD-UECE (64,3%) e dois do NACE-UFPE (7,1%). O período de resposta aos questionários online ocorreu de maio a setembro de 2016.
Em Conceição (2017) foram apresentados os gráficos, quadros e tabelas que organizam os dados coletados (e para cuja reapresentação aqui não haveria espaço suficiente). Aquela infografia é resultante dos métodos de procedimentos comparativo e estatístico aplicados aos dados coletados, com objetivo de se perceber como os grupos e núcleos de pesquisa vêm preservando e salvaguardando os conteúdos audiodescritos.
O método de procedimento comparativo permitiu “[...]analisar o dado concreto, deduzindo do mesmo os elementos constantes, abstratos e gerais.” (MARCONI; LAKATOS, 2003, p. 107). Trata-se de um procedimento adequado a pesquisas do tipo qualitativo e/ou quantitativo com objetivo de “[...] apontar vínculos causais, entre os fatores presentes e ausentes” (idem, p. 108). O método de procedimento estatístico, por sua vez, forneceu “[...] uma descrição quantitativa da sociedade, considerada como um todo organizado”. É uma forma de descrição racional dos fatos, um método de procedimento que lida com a experimentação e a prova de determinada situação, por meio de uma análise precisa (ibidem, p. 109).
A escolha do procedimento estatístico ocorreu para que, de forma quantificável, fosse possível medir e analisar, com base no referencial teórico utilizado, os parâmetros das unidades de amostragem, suas ações relativas ao que se denominou informação audiodescritiva e a percepção dos grupos e núcleos de pesquisa no que se refere às ações de preservação digital e às políticas de salvaguarda no desenvolvimento da memória da AD brasileira. Na próxima seção são analisados os dados coletados dos diferentes grupos e núcleos.
5 RESULTADOS
Observa-se que as práticas de preservação digital e de salvaguarda utilizadas ainda são frágeis e incipientes em alguns grupos e núcleos de pesquisa, e totalmente insipientes em outros, ocasionando déficit no devido cuidado relativo à memória da AD. Segundo Hollós (2014, p. 49), “A informação só se transforma em documento se lhe for adicionado o atributo de memória. Sem o registro e a possibilidade de transmissão, as ações de informação e memória, portanto, o arquivo não pode existir”. Para um futuro usuário, não é suficiente a existência no presente de um acervo audiovisual, é preciso uma gestão adequada, baseada em ações de preservação digital e em políticas de salvaguarda do conteúdo ali reunido.
Na análise dos dados relativos à compreensão dos respondentes acerca da diferença terminológica entre preservação e salvaguarda, 65,2% dos respondentes do questionário “Audiodescrição para membros dos grupos/núcleos de pesquisa 2016 - oficial” e 50% dos respondentes do questionário “Audiodescrição para líderes 2016 - oficial” afirmaram não saber distinguir os termos, o que dificulta ações associadas a estas práticas e políticas com os conteúdos audiodescritos produzidos. Segundo Tavares (2012), a memória depende das ações de preservação, daí a relevância de se compreender a diferença dos termos e o que eles significam para o desenvolvimento do acesso por longo prazo à memória da AD.
Apesar do desconhecimento acerca da especificidade desta terminologia, 75% dos membros e 86,9% dos líderes respondentes declararam entender a importância da preservação digital dos conteúdos informacionais audiodescritos, demonstrando a possibilidade de diálogo entre a área da CI e o campo a AD, por meio das teorias, técnicas e práticas dos profissionais da CI, que podem auxiliar nas ações de preservação digital dos referidos conteúdos.
Quando questionados sobre como realizavam ações de preservação, por exemplo, 75% dos respondentes do questionário “Audiodescrição para líderes ٢٠١٦ - oficial”, e 56,5% dos respondentes do questionário “Audiodescrição para membros dos grupos/núcleos de pesquisa 2016 - oficial” informaram utilizar formatos de arquivo digital proprietários, ao invés de utilizarem opções associadas a formatos abertos, conforme recomendado por estudos na área da preservação digital.
Esse déficit nas ações de preservação digital, no momento de armazenamento dos conteúdos audiodescritos, ocorre porque os profissionais da AD ainda não conhecem ou dialogam com teorias, técnicas e práticas da CI, acarretando uma organização e um registro incorretos dos arquivos produzidos, expondo-os, assim, ao risco da perda total ou parcial, o que pode provocar séria lacuna nos registros históricos da AD que vêm sendo desenvolvidos pelos grupos e núcleos de pesquisa analisados.
Ao serem questionados sobre a criação de um ambiente digital acessível nas principais línguas de origem latina, que pudesse preservar esse conteúdo audiodescrito, 95,6% dos membros e 75% dos líderes consideraram relevante que esse ambiente fosse criado, percebendo a viabilidade de sua criação. No que se refere à importância do audiodescritor em adquirir consciência do processo de preservação e salvaguarda do conteúdo que produz, 91,3% dos membros e, por unanimidade, os líderes, confirmaram compreender tal importância, reconhecendo a relevância do papel deste profissional no contexto do registro dos conteúdos audiodescritos no país.
As respostas analisadas permitiram compreender que a efetividade da utilização de um repositório digital como o RL-SI foi constatada pelo retorno positivo de 75% dos respondentes do questionário “Audiodescrição para líderes 2016 - oficial” e por 95,6% dos respondentes do questionário “Audiodescrição para membros dos grupos/núcleos de pesquisa 2016 - oficial”, que concordam com a utilização de um padrão de ações de preservação digital para os conteúdos audiodescritos. Assim, a proposição da pesquisa de inserir conteúdos informacionais audiodescritos em um repositório digital que siga as normas de preservação nacionais e internacionais, como é o caso do RL-SI, pode proporcionar maior acesso aos conteúdos audiodescritos, além de preservá-los digitalmente e salvaguardá-los, promovendo-se, então, um mais adequado desenvolvimento para a memória da AD.
Percebe-se, a partir dos resultados dos questionários direcionados à UECE-LEAD e à UFBA-TRAMAD, a constatação, primeiramente, do desconhecimento terminológico e relativas às ações, práticas, teorias e técnicas inerentes aos processos de preservação e de salvaguarda; a infraestrutura é outro problema observado, pois estes dois grupos/núcleos dispõem de espaços em suas universidades destinados aos acervos audiovisuais, mas pelo que foi relatado ainda utilizam métodos muito simples (mas ineficazes) para proteger esses registros, ou seja, existe uma margem para aprimorar essa infraestrutura (CONCEIÇÃO, 2017).
Na UFPE-NACE, teve-se apenas a perspectiva de um dos respondentes do questionário destinado aos membros (o questionário direcionado aos líderes e vice-líderes foi respondido de forma incompleta, impossibilitando essa percepção do problema), o que permitiu perceber que o núcleo enfrenta problemas de gestão, infraestrutura e conhecimento, nem mesmo possuindo um acervo até aquele momento, apesar da compreensão acerca da importância da adoção de ações de preservação digital e políticas de salvaguarda (CONCEIÇÃO, 2017). Fica clara, portanto, a relevância da necessidade de adoção das teorias, práticas e técnicas da CI no contexto da AD para se promover o acesso por longo prazo a sua memória.
6 CONCLUSÃO DA PESQUISA E CONTINUIDADE DOS ESTUDOS
Concluiu-se que os grupos e núcleos de pesquisa apresentavam problemas de infraestrutura, gestão e conhecimento, no que se refere a ações de preservação e a políticas de salvaguarda dos conteúdos informacionais audiodescritos. Observou-se também a necessidade do urgente diálogo entre a área da CI e o campo da AD, para que a memória da AD não sofra grandes perdas em sua história.
Nota-se que através do desenvolvimento de um efetivo conceito de informação audiodescritiva é possível contribuir-se para a inclusão social e a acessibilidade das pessoas com deficiência visual, ao utilizar-se a AD em cenas sociais e culturais, mantendo-se paralelamente a sua memória em desenvolvimento.
Pelos dados coletados, que demonstraram déficit nas ações de registro e armazenamento das informações pelos grupos e núcleos de pesquisa, confirmou-se a hipótese de que sem esse urgente diálogo entre a área da CI e o campo da AD há grande risco de perda dos conteúdos audiodescritos que representam a história da AD no Brasil.
Constatou-se que as teorias, técnicas e práticas da CI podem auxiliar no desenvolvimento da AD no Brasil e no processo de inclusão, acessibilidade e empoderamento das pessoas com deficiência visual, incentivando as ações de preservação digital e as políticas de salvaguarda, por meio do conceito da informação audiodescritiva. Foi possível identificar como a tecnologia audiovisual auxilia no campo da acessibilidade e na inclusão de pessoas com deficiência visual, bem como caracterizar o papel da CI no contexto da AD. Também conseguiu-se propor estratégias de preservação digital, através do RL-SI, para auxiliar no desenvolvimento da memória da AD brasileira.
A memória da AD só poderá ser desenvolvida de forma efetiva se as ações de preservação digital e as políticas de salvaguarda estiverem presentes no desenvolvimento de conteúdos audiodescritos pelos grupos e núcleos de pesquisa analisados. Por isso, foi sugerida a utilização de um dos produtos da Iniciativa Legatum, o RL-SI.
Em conformidade com o método de abordagem dialético-materialista adotado, são necessárias transformações no cenário analisado, com base na lei dialética do “salto qualitativo” (KONDER, 2004). A aplicação da lei é possível com a adoção do repositório RL-SI, aceita pelos grupos e núcleos investigados, que trará perspectivas de melhoria na qualidade das ações de preservação digital e de salvaguarda dos conteúdos informacionais audiodescritos.
Outra lei da dialética materialista, implícita nesta pesquisa para a amostra analisada, é a da “ação recíproca”, do “encadeamento dos processos”, em que tudo se relaciona (KONDER, 2004). Com a proposta do RL-SI, pode-se mostrar que as áreas de Letras, Pedagogia e Comunicação, que estão lidando com a informação audiodescritiva, podem e devem estimular o relacionamento com as teorias, práticas e técnicas da CI, de forma a proporcionar um maior desenvolvimento nos processos de inclusão e de acessibilidade de pessoas com deficiência visual, por meio da informação audiodescritiva. O encadeamento de processos de cada área do saber pode promover mudanças em alguns contextos, novas formas de se trabalhar e de aprimorar ações que já vêm sendo realizadas, com a consequente preservação digital dos conteúdos audiodescritos.
Observa-se que, ainda que sejam necessárias à evolução constante, o regular aprimoramento, o contínuo enfrentamento dos problemas e desafios característicos de ambientes de tal constituição tecnológica, no que se refere à preservação digital e à salvaguarda dos acervos aqui mencionados, com o RL-SI é possível que se vislumbre um novo paradigma para a AD no contexto da informação audiodescritiva, proporcionando efetivas melhorias para o campo.
A pesquisa sobre o tema da AD, conforme citado anteriormente, teve prosseguimento no nível de doutoramento, com previsão de conclusão para o primeiro semestre do ano de 2021. Os grupos e núcleos analisados no mestrado já participam efetivamente da continuidade da pesquisa, quando também serão submetidos ao teste de aperfeiçoamento no ambiente do RL-SI.
Novos grupos e núcleos vêm nos complementando com dados atualizados e também participarão do teste de aperfeiçoamento do RL-SI, quando então espera-se consolidar o entendimento acerca da eficácia do diálogo entre a área da CI e o campo da AD, a efetiva viabilidade do uso de um repositório digital construído com base em softwares livres de acesso e preservação digital e os esperados benefícios que ações de preservação digital e políticas de salvaguarda venham a proporcionar ao desenvolvimento da memória da AD.
Essas ações são propostas com base na efetiva consolidação do conceito de informação audiodescritiva, iniciado na pesquisa de mestrado e em consolidação na pesquisa de doutorado em curso. Colaboradores respondentes da área da CI foram inseridos na atual fase da pesquisa, de forma a reunir-se elementos que permitam analisar como estes profissionais percebem as possibilidades de diálogo e de auxílio que a área pode prover à AD, com relação à preservação digital e à salvaguarda de conteúdos informacionais audiodescritos.
Prevê-se que sejam disponibilizados aos pesquisados da AD, na fase de observação participante da pesquisa de doutoramento, um manual e um vídeo produzidos pela Autora no âmbito do grupo de pesquisa do qual faz parte, com a colaboração de seus demais membros, para auxiliar os pesquisados (membros, líderes e vice-líderes dos grupos e núcleos de pesquisa), que também nos fornecerão novos dados complementares, e para facilitar e direcionar o uso do ambiente digital do RL-SI.
Sabe-se o quanto é complexo manter esse diálogo entre a área da CI e o campo a AD, já que as temáticas envolvidas mantêm estudos em andamento sobre assuntos relativamente novos para a ciência, como é o caso da preservação digital audiovisual, com estruturas amplas e complexas, que requerem uma maior dedicação à pesquisa e a ações colaborativas entre profissionais e pesquisadores da área da CI e do campo a AD. Mesmo entendendo a utilização desses repositórios como possível solução para a preservação digital dos conteúdos informacionais audiodescritos, compreende-se a dificuldade que será enfrentada na pesquisa de doutorado em promover o diálogo efetivo entre as universidades contatadas, por meio dos seus grupos e núcleos de pesquisa, apesar dos retornos positivos dessas instituições no processo de colaboração com a pesquisa, pois na continuidade da investigação não estão sendo adotadas amostragens estatísticas, e sim a totalidade dos grupos e núcleos.
Entende-se que cabe à CI, por meio do conceito de informação audiodescritiva, iniciar esse diálogo, por dispor de técnicas, práticas e teorias que permitem embasar ações de preservação digital e, assim, auxiliar no desenvolvimento histórico da AD brasileira e de sua memória, registrando, armazenando, preservando digitalmente e salvaguardando seus conteúdos audiodescritos. Considerando, então, essa compreensão e a lacuna constatada no mestrado, identificou-se a necessidade de dar continuidade à reflexão e à pesquisa, para uma efetiva consolidação do conceito de informação audiodescritiva na CI.
Financiamento: A pesquisa de mestrado foi realizada com Bolsa CAPES. A pesquisa de doutorado vem sendo realizada também com Bolsa CAPES.
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1 Doutoranda no Programa de Pós-Graduação em Ciência da Informação. Bolsista CAPES. Universidade Federal da Bahia, Brasil. ORCID: https://orcid.org/0000-0001-6908-1345. E-mail: tamires.neves@ufba.br
2 Professor Colaborador no Programa de Pós-Graduação em Ciência da Informação Universidade Federal da Bahia, Brasil. ORCID https://orcid.org/0000-0003-3791-2014. E-mail: rubensri@ufba.br
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