LEVANTAMENTO DOS FATORES DE UTILIZAÇÃO DE LICENÇAS CREATIVE COMMONS

SURVEY OF CREATIVE COMMONS’ FACTORS OF USE IN AN INFORMATION SOCIETY

Maria Carolina Zanini Ferreira1

Clarissa Stefan Teixeira2

Enrique Muriel-Torrado3

RESUMO

Na sociedade da informação, o compartilhamento de conhecimento e informação tornou-se um de seus principais ativos e pontos de discussão. Uma das questões levantadas concerne ao acesso aberto de obras intelectuais no meio digital por meio das licenças Creative Commons, que acabam tornando-se mecanismos de disseminação legal para esses ativos. Apesar da temática ser amplamente difundida ainda carece de estudos relativos aos fatores que levam os usuários a recorrerem especificamente essas licenças. Portanto, o objetivo central do presente estudo é identificar esses fatores de utilização dos Creative Commons, utilizando a Teoria Unificada de Aceitação e Uso de Tecnologia (UTAUT 2) e um levantamento bibliográfico de estudos com o público -alvo escolhido: (professores, repositórios, periódicos, pesquisadores, profissionais que utilizam Creative Commons para compartilhar obras em museus, e bibliotecários). O levantamento resultou na identificação de 17 fatores de utilização sendo os principais: colaboração, acessibilidade, aprendizado e propriedade intelectual.

Palavras-chave: Acesso Aberto. Creative Commons. Fatores. Direito Autoral.

ABSTRACT

In the information society, knowledge and information sharing has become one of its main assets and points of discussion. One of the issues in this context, concerns the open access of intellectual works in the digital environment through Creative Commons licenses, which end up becoming mechanisms of legal dissemination for them. Although the theme is widely disseminated, there is still a need for studies related to the factors that lead users to use these licenses specifically. Therefore, the main goal of this study is to identify the factors of use of Creative Commons, using the Unified Theory of Acceptance and Use of Technology (UTAUT 2) and a bibliographic survey of studies with the chosen target audience: (teachers, repositories, journals, researchers, professionals who use Creative Commons to share works in museums, and librarians). The survey resulted in the identification of 17 usage factors, which the main factors are: collaboration, accessibility, learning and intellectual property.

Keywords: Open Access. Creative Commons. Factors. Copyright.

Artigo submetido em 29/04/2020 e aceito para submissão em 03/05/2020

1 INTRODUÇÃO

Ao longo das últimas décadas a sociedade vem sofrendo mudanças constantes com o
avanço das tecnologias da informação e comunicação (TICs), proporcionando um fluxo de
informação intenso, colaborativo e desterritorializado, não apresentando “barreiras de tempo e espaço”, onde os usuários descobriram o potencial de compartilhar informações, conhecimento e conteúdos. Consequentemente essa realidade trouxe também discussões acerca de normas que dispõem sobre a proteção e compartilhamento desses ativos (LIMA; SANTINI, 2008; COUTINHO, 2011).

Essas normas estão relacionadas à propriedade intelectual, mais especificamente em relação aos direitos autorais (MANTOVANI; DIAS; LIESENBERG, 2006). Ao considerar que a criação das normas autorais aconteceu antes do surgimento das atuais formas de compartilhamento (internet) de obras intelectuais, movimentos como o Creative Commons, mecanismos de licenciamento de obras intelectuais, começaram a surgir a fim de buscar meios que pudessem adequar a proteção autoral (seu direito moral), mas ao mesmo tempo o livre compartilhamento desses ativos.

Esses tipos de licenciamento estão conquistando cada vez mais espaço não somente com desenvolvedores de softwares, que introduziram a ideia do copyleft, mas principalmente por acadêmicos e institutos de pesquisa, assim como a própria comunidade (pessoas físicas que não necessariamente se encontram nesses meios). Segundo dados do Creative Commons ([201-]) mais de 1.4 bilhão de obras são licenciadas atualmente por meio desse tipo de licenciamento em mais de 50 países, incluindo o Brasil.

Estudos como de (BARBROOK, 2003; SILVEIRA, 2006; LIMA; SANTINI, 2008) , apontam que o compartilhamento e a liberdade são as bases da criatividade e inovação. Argumentam que a partir dos acontecimentos históricos e grandes avanços de criação e da própria inovação são resultado de múltiplos fatores, e que dentre eles se encontram a acumulação de saber e o seu livre compartilhamento. Ter como base tal entendimento de que, em um mundo digital que possui as características apresentadas acima, é uma realidade que não vai ao encontro com a prevista em legislações, como dos direitos autorais, é importante para a compreensão das ferramentas que são utilizadas. Entretanto, faz-se necessário uma compreensão mais profunda dos motivos ou fatores que levam um usuário a utilizar as licenças.

Esses motivos que levam uma pessoa a compartilhar seu bem intelectual de forma livre para compartilhamento parte de uma série de decisões anteriores e consecutivas que irão induzir como será a forma de licenciamento que poderá utilizar para atingir determinado fim e que não necessariamente será somente, o livre compartilhamento e/ou acesso. Aqui é interessante oferecer um exemplo, de como a Microsoft, empresa inicialmente contrária a licenças copyleft, mais tarde adotou-as como forma se inserir em determinados nichos de mercado.

Um exemplo que pode ser mencionado, segundo estudo levantado por Muriel-Torrado e Pinto (2019), 18% dos periódicos científicos voltados para Ciência da Informação, apresentam erros de informações ou contradições em suas licenças, além de estudos como o de Ferreira (2020) que evidenciam que muitos usuários ainda não sabem que o licenciamento por meio de Creative Commons está também inserido dentro do arcabouço legal dos direitos autorais, e acabam comentando usos equivocados dessas licenças.

Logo, a problemática se faz presente, afinal, o que de fato faz com que as pessoas utilizem as licenças? É pela complexidade da lei ou por novos comportamentos sociais que foram surgindo em resultado ao mundo digital? Como compreender as consequências desses licenciamentos, apontando quais as mudanças que deveriam ser realizadas, se não se entende primeiramente o que levou essas pessoas a utilizarem as licenças de acesso aberto? Foi pela ideia de fato do livre compartilhamento? Alguma estratégia de mercado? Foi pela grande visibilidade que tais licenças alcançaram a nível global?

Portanto, o objetivo principal do presente estudo é identificar quais são os fatores que levam as pessoas a utilizarem as licenças Creative Commons. É importante mencionar que o presente estudo não pretende exaurir o tema mas apontar os resultados coletados e apresentar uma breve discussão dos principais fatores evidenciados no levantamento.

2 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS

A pesquisa sob o ponto de vista do seu objetivo que é identificar os fatores de utilização das licenças de Creative Commons, é classificada como de caráter descritivo exploratório pois envolve o uso de técnicas padronizadas de coleta de dados e observação sistemática que permitem levantar e analisar fatores que levam as licenças a serem utilizadas pelos usuários (PRODANOV; FREITAS, 2013).

É importante observar que a abordagem do estudo foi teórico-empírica uma vez que visa confrontar abordagens teóricas com uma realidade empírica semelhante, confrontando fatores encontrados na literatura, por meio de um levantamento bibliográfico (DEMO,١٩٨٥).

Para atingir esse objetivo, a pesquisa segue as seguintes fases: a primeira foi identificar um embasamento científico que possa auxiliar na identificação de fatores; a segunda foi, dentro da perspectiva de tal embasamento, traçar estratégias para identificar estudos que poderiam contribuir na identificação de fatores de utilização das licenças Creative Commons; a terceira a partir dos estudos levantados, levantar os fatores coletados e relacioná-los com a UTAUT.

Para a identificação dos fatores de utilização das licenças, foi necessário procurar embasamento científico que pudesse auxiliar nesse processo de reconhecimento. Logo, optou-se em utilizar o modelo UTAUT 2 (Unified Theroy of Acceptance and Use of Technology) ou em português Teoria Unificada de Aceitação e Uso de Tecnologia proposto pelos autores Venkatesh et al (2012). Por meio de um levantamento, identificaram teorias/modelos (relacionados as áreas de psicologia, sociologia e sistema da informação) que apontam fatores críticos para o processo de adoção e aceitação de novos mecanismos no sistema da informação, conforme mostra o Quadro 1:

Quadro 1 – Fatores críticos da UTAUT 2.

FATORES UTAUT 2	DESCRIÇÃO
Expectativa de Desempenho	Grau a qual um indivíduo acredita que usar o sistema ou a nova tecnologia irá ajudá-lo a obter ganhos no desempenho do seu trabalho.
Expectativa de Esforço	Grau de facilidade associado ao uso do sistema.
Influência Social	Grau em que um indivíduo percebe que outras pessoas importantes acreditam que ele deveria usar o novo sistema.
Condições Facilitadoras	Grau em que um indivíduo acredita que existe uma infraestrutura organizacional e técnica para suportar o uso do sistema.
Motivação Hedônica	Grau de diversão ou o prazer percebido em usar uma tecnologia.
Custo	Valor de compra ou uso de uma nova tecnologia.
Hábito	Grau em que as pessoas tendem a realizar comportamentos automaticamente por causa da aprendizagem.

Fonte: Elaborado pelos autores com base em Venkatesh et al (2012); Alves; Pereira (2014).

É importante, todavia, explicar o porquê da utilização do modelo UTAUT ٢ no levantamento dos fatores para as licenças do Creative Commons. Apesar da UTAUT 2 ser denominada como um modelo de aceitação e utilização de novas tecnologias, e apesar das licenças não serem em si novas tecnologias, elas surgem devido ao uso dessas novas TICs, tornando-se mecanismos inovadores de relação contratual entre os autores de obras intelectuais e usuários dessas novas plataformas (SANTINI, LIMA, 2008).

Nesta nova forma de licenciamento, para que as Creative Commons sejam acessíveis por todos e em todos os meios de comunicação (intangíveis), elas foram idealizadas em três camadas para que pudessem ser licenciadas, que são: texto legal (considerada a parte legal tradicional), legível por humanos (facilitar a utilização das licenças para qualquer usuário) e legível por máquinas (que são a CC oferecidas em versão digital expressos em um formato que as aplicações informáticas, motores de pesquisa e outros tipos de tecnologia possam compreender (LESSIG, 2005). Logo, essa conjuntura evidencia o que Rebouças & Santos (2017, p. 541) destacam, que a maneira de como as sociedades consomem os bens culturais e a criação da “noção de direito autoral moderna”, estão diretamente ligados às transformações tecnológicas de determinado período.

Por estarem intrinsicamente ligadas as essas novas formas de compartilhamento e criação de informação, parte-se do pressuposto que, os constructos que levam os usuários a utilizarem as licenças, estão inseridos em um contexto de novas tecnologias de compartilhamento e acesso às obras artísticas e científicas. Por isso, para compreender essas novas práticas de acesso e compartilhamento legais, como é o caso desses tipos de licenciamento, no contexto do ambiente digital, optou-se pela UTAUT 2, que oferece uma base já inserida nessas novas tecnologias, para que a partir dos constructos apresentados, sejam levantados os constructos (fatores) de utilização das licenças de Creative Commons.

Tendo em vista os constructos da UTAUT 2 – expectativa de desempenho; expectativa de esforço, influência social; condições facilitadoras e motivação hedônica - como base para identificar os fatores que levam as licenças a serem utilizadas, dentro dessas novas tecnologias, o estudo se baseou em um levantamento de caráter bibliográfico e sistemático, onde identificou-se artigos científicos que pudessem auxiliar neste processo de identificação. De modo a proporcionar as bases lógicas da investigação e identificação dos artigos científicos, foi realizado por meio do método dedutivo, onde partiu-se de uma contextualização dos fatores da UTAUT 2, que foram utilizadas como norteadores, partindo dessa contextualização onde já leva em consideração a utilização de novas tecnologias – para então descer ao particular, que é o caso dos fatores das próprias licenças Creative Commons (GIL, 2008).

Com isso, para realizar a identificação desses fatores, o meio técnico de investigação, isto é, a forma de obtenção, processamento e validação dos fatores pertinentes, optou-se pelo método comparativo onde foram selecionados estudos particulares as quais desenvolveram pesquisas acerca de utilizações das licenças por meio de especialistas e profissionais (professores, repositórios, periódicos, pesquisadores, profissionais que utilizam Creative Commons para compartilhar obras em museus, bibliotecários) permitindo assim que os autores do presente estudo pudessem comparar as relações existentes entre cada caso e coletando os fatores mais encontrados no levantamento. Alguns critérios foram definidos na escolha dos estudos relevantes para serem selecionados e assim traçar os fatores, de modo que o foco não possa ser perdido durante a pesquisa ou selecionar os mesmos pelos motivos errados. Relembrando que os critérios foram baseados nos constructos da UTAUT 2, utilizando assim alguns pontos chaves:

• Identificar artigos que pudessem contribuir na identificação de causas ou motivos que um indivíduo ou uma organização utiliza uma licença Creative Commons. (O que levou esses usuários a utilizar as licenças CC levando em consideração cada constructo da UTAUT 2?)

• Buscar se existem fatores internos ou externos que possa levar a utilização mais decorrente desses mecanismos;

• Buscar estudos de casos que possam contextualizar a utilização das licenças por meio dos usuários;

• Pesquisar relatórios, documentos de organizações e especialistas que possam trazer mais informações e/ou práticas sobre a utilização dessas licenças;

Com a definição de como seria direcionado a pesquisa desses artigos, agora para chegar na conclusão que um elemento identificado poderia ser de fato considerado um fator, ou não, foram estabelecidos os seguintes critérios de identificação segundo Mattar (2001, p. 31):

• A variação concomitante – é o estabelecimento de uma hipótese em que há uma ocorrência de uma variação conjunta entre uma possível causa (x) e um efeito (y);

• Ordem de ocorrência das variáveis no tempo – a causa (x) deve anteceder o efeito (y), para que se possa estabelecer relação entre os dois;

• Eliminação de outros fatores: nesta fase, diferentemente dos dois casos anteriores, não existe regra para aplicação deste critério. Deve-se usar a própria experiência e sensibilidade para encontrar e eliminar outros fatores.

Tal esquematização resultou na identificação de 34 artigos científicos encontrados nas bases de dados Scopus e Web of Science em 2019, utilizando a língua inglesa para a pesquisa de palavras-chaves, conforme demonstra a Figura 2:

Figura 2 - Seleção de artigos para as Licenças Creative Commons.

Fonte: Elaborado pelos autores.

É importante lembrar que, as licenças Creative Commons não são utilizadas apenas para licenciamento de artigos científicos e obviamente, não servindo apenas como forma de licenciamento para editoras e periódicos, por exemplo. Por isso, na escolha dos artigos também foram levados em consideração outros ativos ou formas de compartilhar sua obra intelectual que não necessariamente fosse um artigo licenciado apenas para um periódico, ampliando assim o público de análise dos fatores não focando em apenas um público mas um conjunto de grupos como profissionais que utilizam os CC (anteriormente citados) mas também indivíduos que queiram compartilhar suas obras sem intermediários.

Após a identificação dos 17 fatores oriundos dos estudos levantados anteriormente, o próximo passo foi relacioná-los em cada constructo estabelecidos pela UTAUT 2. É importante lembrar que a premissa de relacionar os fatores com os constructos já tinha sido previamente pensado (conforme os critérios utilizados acima), não causando conflitos nessa relação. Por fim, a etapa final consistiu análise dos principais fatores desse levantamento, explorando principalmente as maiores frequências de aparecimento, considerando quantas vezes cada fator apareceu nos artigos levantados. Compreender quais são esses fatores que influenciam na escolha das licenças Creative Commons torna-se a principal contribuição do estudo. Entender o porquê um usuário escolhe uma licença, é crucial para futuras discussões a respeito de mudanças da legislação vigente, em adaptações dentro de uma normativa legal que possam auxiliar a sua utilização que, como já fora brevemente comentado, ainda carece de compreensão e adequada aplicação. Para complementar os quatro principais fatores, complementa-se com estudos e dados externos, realizando um cruzamento dos dados para que possam embasar os resultados encontrados.

3 REFERENCIAL TEÓRICO

A noção de espaço e tempo mudou drasticamente ao longo dos anos devido ao fluxo incontrolável de informações e conhecimento e suas respectivas distribuições e compartilhamentos, oriundo de novas tecnologias de informação e comunicação (TICs). O conceito de sociedade da informação está atrelado a uma comunidade global interconectada, onde a informação em suas várias dimensões, modos e fases desempenha um papel de liderança e transformação nos setores políticos, econômicos e sociais (DUFF, 2001).

De acordo com os autores Pimenta et al (2015, p. 134) essa mudança trazida pela maior abertura no acesso à informação científica, afetou consequentemente os meios de comunicação científica pois “o processo de comunicação científica deriva do próprio processo de se fazer ciência” que por sua vez traz diferentes modelos de gestão desses ativos, principalmente a partir do surgimento de novas tecnologias relacionadas à circulação e publicização do conhecimento científico.

Essa transformação começou com a crise dos periódicos que teve seu início década de 80, devido ao aumento constante das assinaturas e pela escassez de financiamento para manutenção das coleções, oportunizando o estabelecimento de publicações eletrônicas não somente para instituições públicas de pesquisa que não tinha acesso a grande parte do conteúdo de conhecimento científico gerado, como principalmente para países em desenvolvimento com baixo investimento em ciência (PIMENTA et al, 2015).

Logo, novas alternativas começam a ser procuradas para a distribuição e desenvolvimento para os periódicos científicos. Com isso, os TICs que já eram conhecidos no ambiente acadêmico, tornam-se uma alternativa que poderia fornecer diversas possibilidades de armazenamento e distribuição, e quase sempre segundo Mueller (2006, p.31) ainda poderia “suprir” as editoras do processo.

O artigo que marcou essa transição, Scholarly Skywriting and the Prepublication Continuum of Scientific Inquiry, de Steven Harnard (1991), onde contextualizava o skywriting (escrever nos céus), uma ideia para explicar a sua visão para o futuro: onde afirmava que “a disseminação da palavra escrita na “Era Pós-Galáxia de Gutenberg” seria como escrever no céu, que permitiria assim que todo mundo pudesse ver e adicionar as suas contribuições (MUELLER, 2006).

Com isso os primeiros periódicos eletrônicos começaram a aparecer na década de 1990, juntamente com novas formas de publicação eletrônica e acesso à pesquisa que segundo Björk (2004), podem ser classificadas em periódicos científicos eletrônicos; acadêmicos e com revisão por pares; servidores de e-prints, isto é, repositórios para assuntos específicos e; auto arquivamento em páginas essenciais pessoais dos autores. E foi mediante a esse contexto, que começam a surgir iniciativas concretas de acesso aberto a pesquisa científica.

Para Gomes (2006, p. 2), a “rapidez das inovações tecnológicas envolvendo o conjunto das atividades inerentes à comunicação científica”, apresenta um paradoxo envolvendo a produção agora considerada inovadora de textos científicos (inseridos agora em novas tecnologias). As diversas possibilidades de publicação eletrônica possibilitaram renovação e mudança no modelo dominante, quer seja pela publicação direta de artigos pelos próprios autores na internet, pelo compartilhamento digital das obras, assim como a criação e operação de bases de dados de artigos produzidos pela comunidade científica (GOULART, FLORES, 2017).

No livro Wealth of Networks, Yochai Benkler (2006) explica que a nova dinâmica que se configura agora em nossa sociedade é uma modalidade de organização de produção caracterizada como radicalmente descentralizada, colaborativa e geralmente não proprietária, caracterizada pela partilha de recursos e produtos amplamente distribuídos, tendo indivíduos que cooperam entre si sem depender de sinais de mercado ou comandos gerenciais, denominada pelo autor como “commons-based peer production” (produção colaborativa baseada em recursos comuns)

Portanto, o acesso aberto surge nessa contextualização onde o compartilhamento de repositórios e artigos científicos surgem devido a potencialidade do ambiente digital a qual estão inseridos. Acesso Aberto, segundo Björk (2004), significa que um usuário poderá ter acesso a essa publicação, permitindo não somente a sua leitura mas também a sua impressão e distribuição para fins não comerciais, sem pagamentos ou restrições. Posteriormente, Peter Suber (2012, p.4 ), complementa essa definição, alegando que a literatura do acesso aberto é digital, online, gratuita e “livre” da maioria dos direitos autorais, licenciamento e restrições.

A permissão que mais usuários tenham acesso ao conhecimento científico pode se dar por meio de duas formas, uma delas tornando disponível para mais pessoas que poderão usá-lo e liberando pessoas. Todavia, o movimento do acesso aberto apresenta duas principais distinções que são as vias verde e dourada que determina onde as obras poderão estar distribuídas. Na via verde, o periódico poderá ser restrito mas permite o arquivamento e o trabalho pode estar disponível em um repositório. Já na via dourada, a obra poderá estar disponível em uma revista de acesso aberto (SUBER, 2012; MURIEL-TORRADO; PINTO, 2018).

Todavia, é necessário mencionar que as mudanças não foram sentidas apenas no meio científico em relação a periódicos, mas também em dados científicos provindos de outros atores além da academia, como por exemplo, órgãos governamentais; mais a empresas e demais organizações que começaram a compartilhar seus dados (CLABO, RAMOS-VIELBA, 2015).

Por isso, o movimento de acesso aberto ganha notoriedade nesse cenário onde a informação é ilimitada e instantânea e tem sua definição discutida e ratificada na Iniciativa de Acesso Aberto de Budapeste (Budapest Open Access Inititative - 2002) que prevê “acesso aberto” como a disponibilização gratuita na internet, permitindo a qualquer usuário a ler, baixar, copiar, distribuir e imprimir, sem nenhuma barreira financeira, legal ou técnica” sendo que o autor possa ter o controle sobre a integridade de seu trabalho e de ser reconhecido e citado pela sua obra (PIMENTA et al, 2015, p. 135).

A Declaração de Budapeste foi amplamente discutida e aprimorada nas declarações de Bethesda (2003) e Berlim (2003), que trazem a importância de abordar a publicação de acesso livre, que deverá atender a concessão a todos os usuários por parte do autor e titular dos direitos, o acesso livre, irrevogável e universal (por meio da licença), para copiar, usar, distribuir, transmitir e exibir o trabalho publicamente e realizar trabalhos derivados em qualquer forma digital (PIMENTA et al, 2015).

Todavia, ao compartilhar suas informações e obras intelectuais, tão importante quanto a reutilização e compartilhamento desses dados é o estabelecimento de suas condições legais de uso, especialmente quando esses ativos forem afetados por direitos de propriedade intelectual, mais precisamente, os direitos autorais (CLABO, RAMOS-VIELBA, 2015). Com essas novas possibilidades de compartilhamento de bens intelectuais, surgem novos debates que geram questionamentos em relação aos direitos autorais. Tais direitos asseguram os direitos do autor ao mesmo tempo que dispõe sobre formas de licenciamento, compartilhamento e utilização de uma obra. Entretanto, a normativa autoral não corresponde à realidade de compartilhamento e acesso à informação pois geralmente impõe restrições que não condizem para um ambiente digital.

Araújo (2011) explica que a característica principal da internet é possibilitar que conteúdos sejam circulados e manipulados de forma ilimitada. Porém, quando observado a normativa (e aqui, podemos considerar a legislação brasileira do direito autoral a Lei n. 9.610, de 19 de fevereiro de 1998), encontra-se a pretensão de aplicar a sua vigência sobre o ambiente digital como se fosse igualmente aplicável fora dele, o que é incompatível com a propensão de circulação das ideias e obras na internet.

Vale considerar mais um fator: a criação das normas autorais fora criada antes do surgimento desta nova forma de compartilhamento (internet) de obras intelectuais e também do software. Logo, a propagação de licenças acabou servindo como resposta para questionamentos relacionados ao compartilhamento de demais obras intelectuais, tais como, livros, artigos, softwares (também considerados dentro do âmbito autoral), filmes, músicas, entre outros assim como estabelecer um quadro de ação que pudesse favorecer maior capacidade de disseminação e reutilização pelos usuários finais.

Foi então, que movimentos como o do software livre, plataformas abertas disponibilizadas para o público e demais mecanismos de compartilhamento de obras intelectuais, começaram a surgir a fim de buscar meios que pudessem adequar a proteção autoral, mas ao mesmo tempo o livre compartilhamento desses ativos.

Pimenta et al (2015, p. 136) aponta para um ponto importante em relação a esses movimentos em que ‘’ao tornar público (uma obra intelectual), não significa dizer que estejam em domínio público”. Isso vai ao encontro com a afirmação de Wachowicz (2016, p. 338), que afirma que cada “conquista tecnológica é acompanhada de novos desafios para o Direito”. Neste caso, o objetivo desses movimentos ainda consiste em conciliar a proteção intelectual de uma obra ou um ativo por quem o titulariza ao mesmo tempo que lida com as transformações tecnológicas que trazem criações de caráter essencialmente coletivo de bens intelectuais assim como sua disseminação e compartilhamento.

Nesse espaço, o copyleft surge com forma de licenciamento de softwares de forma livre, onde os autores conservam a sua capacidade de reivindicar a autoria (direito moral) mas permitindo que terceiros possam copiar e usar livremente as informações e a obra como convir. Entretanto, o copyleft ainda continua sendo uma relação contratual que tem como base os direitos autorais, como qualquer outra licença tradicional que estabelece direitos e deveres entre o autor e quem o publica (LIMA; SANTINI, 2008).

Posteriomente, em 2002, dentro dessa concepção de copyleft, Lawrence Lessing sugeriu a criação de licenças públicas (denominadas Creative Commons) padronizadas que já pudessem estabelecer os direitos concedidos, tornando mais fácil organizar, acessar, compartilhar, modificar e distribuir obras intelectuais em rede (BRANCO, BRITTO, 2013; LIU, 2014). Essa forma contratual de produtos e usuários de sistemas e conteúdos permite que se compartilhem os trabalhos pela internet, estabelecendo termos que devem ser respeitados para compartilhamento de suas obras e permitindo ao mesmo tempo que o autor mantenha os direitos que considere oportuno (LIMA; SANTINI, 2008).

Vale mencionar que as obras intelectuais se estendem na proteção somente de artigos científicos e demais publicações escritas. O direito autoral é uma proteção que abrangem todas as criações decorrentes de espírito humano de caráter científico, literário, artístico ou industrial. Por isso é considerado proteção ( e também o licenciamento por meio do Creative Commons) para músicas, fotografias, pinturas, vídeos, entre outros. ( DUARTE, PEREIRA, 2009, p. 6).

As licenças são categorizadas da seguinte forma (CREATIVE COMMONS, [200-]):

• CC BY – a mais permissiva de todas, permite a distribuição, remixagem adaptação e criação a partir do seu trabalho, mesmo que para fins comerciais, desde que seja atribuído o crédito ao autor pela criação original.

• CC BY SA – permite a remixagem, adaptação e criação a partir da obra compartilhada, mesmo para fins comerciais, desde que sejam atribuídos os devidos créditos ao autor e que sejam licenciadas sob as mesmas condições.

• CC BY ND – permite a redistribuição, comercial e não comercial desde que o trabalho seja compartilhado inalterado e completo, com créditos dados ao autor.

• CC BY NC – permite que remixem, adaptem e criem a partir da obra para fins não comerciais somente. Trabalhos derivados não precisam ser licenciados nesses termos.

• CC BY NC SA – permite que remixem, adaptem e criem a partir da obra para fins não comerciais e que sejam licenciados sob termos idênticos.

• CC BY NC ND – a mais restritiva das licenças, permite apenas o download da obra e o compartilhamento, desde que sejam atribuídos créditos ao autor, sem alteração e sem fins comerciais (CREATIVE COMMONS ([20--]).

Os motivos que levam uma pessoa compartilhar seu bem intelectual de forma aberta, possuem implicações práticas assim como teóricas, uma vez que os benefícios esperados por essa atitude são realizados apenas quando adotados por seus usuários pretendidos e utilizados posteriormente. O movimento do acesso aberto afetou consideravelmente não somente os meios de comunicação, mas também a maneira que a informação científica é disseminada nesses canais (GOMES, 2006).

Existem vários fatores que influenciam a decisão de compartilhar obras autorais, assim como adotar as licenças Creative Commons. A decisão de seu licenciamento é uma escolha da parte de quem está licenciando que traz uma série de decisões anteriores e consecutivas que irão induzir como será o desenvolvimento do processo de adoção e uso.

De acordo com Gomes (2006), essas interações entre produções inovadoras de textos científicos e outras obras autorais mediante a novas formas de compartilhá-las (as licenças Creative Commons por exemplo) trazem grande complexidade, que implica diversos desafios e novos paradigmas aos atores nele envolvidos. Essas transformações, demonstram que se faz necessário estar atento a “historicidade do processo em curso”, para melhor compreendê-lo e, sendo assim, o presente estudo tem como objetivo em contribuir para a compreensão de um dos pontos do processo voltados para licenciamento de forma aberta: os fatores que levam as pessoas a utilizarem as licenças Creative Commons.

4 RESULTADOS E DISCUSSÕES

Compreender quais são as motivações que levam as pessoas a adotarem as licenças Creative Commons é importante para se ter mais clareza do crescimento do movimento de acesso aberto e como sua criação acarretou novas formas de compartilhamento e transferência de conhecimento. Além de mostrar os fatores de utilização das licenças pretende-se também examinar e analisar as mais mencionadas no levantamento, de modo que possam se ter um entendimento mais profundo do seu impacto prático na sociedade. No Quadro 2 a seguir, é evidenciado quais são os fatores que levam as pessoas a utilizarem as licenças Creative Commons:

Quadro 2 - Fatores de utilização das licenças creative commons

CONSTRUCTOS UTAUT 2	DESCRIÇÃO DOS CONSTRUCTOS	FATORES LICENÇAS CC	DESCRIÇÃO DOS FATORES
EXPECTATIVA DE DESEMPENHO	Grau em que um indivíduo acredita que o uso de determinado mecanismo vai ajudá-lo a atingir ganhos no resultado do trabalho.	Personalização	As licenças permitem ao autor de forma prévia a estabelecer formas de compartilhamento e utilização de seus ativos intelectuais, que podem variar de maneiras mais restritivas ou mais permissivas. Isso facilita quanto ao compartilhamento das obras, sem precisar consultar o autor para tal. Ainda, os licenciantes podem optar em acrescentar autorizações adicionais, podendo personalizá-las de modo que lhe convir.
		Alcance	As licenças Creative Commons podem permitir um maior alcance de uma obra intelectual, gerando mais contribuições, desenvolvimento de trabalhos derivados e reconhecimento que são geralmente medidos por diversas formas: como o número de citações; visualizações; leituras; downloads e compartilhamento.
		Distribuição	As licenças não estipulam o número de máximo de compartilhamento. Por isso a sua distribuição não fica limitada unicamente a quantidade.
		Acesso	As licenças permitem que uma obra possua maior visibilidade que pode implicar em um maior impacto, pois mais pesquisadores saberão dos resultados obtidos, além da própria comunidade ter mais oportunidade de entrar em contato com os estudos desenvolvidos.
EXPECTATIVA DE ESFORÇO	Grau de facilidade associada à utilização do mecanismo	Propriedade Intelectual	Profissionais envolvidos diretamente com obras intelectuais, especialmente inseridos em bibliotecas são frequentemente confrontados com questões confusas dos autores em relação a todos os direitos envolvidos em resultados acadêmicos digitais, como artigos de periódicos, livros, capítulos, posts e sites. Às vezes, especialmente em bibliotecas menores, não há especialista em direitos autorais disponível, e questões de direitos autorais são às vezes lançadas como “batatas quentes”. Em maiores bibliotecas acadêmicas, o especialista em direitos autorais muitas vezes tem responsabilidades em outras áreas educação e divulgação de direitos autorais e não diretamente nesses lugares. Ainda, autores que queiram diretamente compartilhar suas obras, mas que queiram que seus direitos sejam protegidos, escolhem as licenças como forma de proteção.
		Facilidade de compreensão da licença “Três Camadas”	É importante ressaltar que as licenças Creative Commons possuem características importantes a ser mencionadas. Uma delas é o design “único e inovador” em três camadas que tem como objetivo compreender diversas leituras e abordagens de compartilhamento. A primeira camada é o texto legal, que apresenta a interpretação jurídica. A segunda, “legível por humanos”, visa simplificar a compreensão (pois a maioria dos licenciantes e licenciados não são advogados), trazendo um resumo explicativo sobre a licença. A terceira, “legível por máquinas”, é um resumo em formato que as aplicações informáticas, motores de pesquisas e outros tipos de tecnologia, possam compreender.
		Flexibilidade	As licenças podem flexibilizar as opções de compartilhamento de obras, sem precisar de aviso prévios ou elaborar um contrato complexo para licenciá-las novamente.
		Liberdade	As licenças asseguram até certo ponto, liberdades para terceiros compartilharem e utilizarem obras licenciadas pelos CC. Além disso, as licenças favorecem um controle por meio desta liberdade ao próprio autor de escolher ele mesmo a melhor forma de compartilhar a sua obra.
INFLUÊNCIA SOCIAL	Grau em que um indivíduo percebe que outras pessoas importantes acreditam que ele deveria usar o novo sistema	Popularidade	A popularidade das licenças tem crescido, uma vez que grandes plataformas como periódicos de grande renome, plataformas de streaming e hospedagem (de fotos, vídeos, entre outros), bibliotecas e até mesmo empresas começam a utilizar essas formas de licenciamento para compartilhar seus ativos.
		Conexão	As licenças permitem que comunidades de professores e profissionais estabeleçam conexões, compartilhem e promovam cada vez mais conhecimento.
CONDIÇÕES FACILITADORAS	Grau em que um indivíduo acredita que existe uma infraestrutura organizacional e técnica para suportar o uso do sistema	Acessibilidade	A organização Creative Commons auxilia no processo de escolha de uma licença assim como a explicação de mais informações sobre essa forma de licenciamento. Isso possibilita a acessibilidade das obras compartilhadas assim como o seu próprio licenciamento em meio digital. Pessoas que não possuem intermediários podem acessar a plataforma da organização para personalizar a sua forma de licenciamento. Além disso, periódicos, editoras e museus por exemplo, também acabam utilizando a plataforma para “linkar” as suas licenças com os seus respectivos textos legais que se encontram para consulta no próprio site da Creative Commons.
		Transparência	As licenças podem fornecer transparência para os trabalhos científicos que estão sendo desenvolvidos. É importante ressaltar que a maioria dos trabalhos possuem investimentos públicos que tem por objetivo oferecer retornos para a sociedade. Ao ampliar a acessibilidade para mais usuários, amplia não somente o conhecimento, mas também o conhecimento do que está sendo desenvolvido de forma mais democrática e igualitária. Além disso, pelas licenças Creative Commons serem já difundidas e conhecida no meio digital, isso faz com que auxilie mais na transparência do licenciamento também.
		Disseminação	Ao licenciar uma obra espera-se que essa possa ser disseminada para terceiros que possam fazer uso e também compartilhar para demais pessoas (quando permitido). A disseminação é auxiliada não somente pelas licenças em si, mas também pela própria organização. Atualmente, existem plataformas e até mesmo o site da organização, que auxiliam identificar quais obras são licenciadas em Creative Commons e quais pode-se então compartilhar, distribuir, reutilizar, modificar, o que auxilia na identificação de quais formas de disseminação uma licença poderá permitir.
MOTIVAÇÃO HEDÔNICA	Grau de diversão ou prazer percebido	Hobby	As licenças auxiliam que obras sejam compartilhadas apenas como forma colaborativa ou por diversão e hobby. Não se apresenta uma necessidade de lucratividade ou profissional necessariamente. Justamente por isso, de modo a não ter que recorrer a contratos jurídicos e maior burocracia, os usuários e até mesmo instituições públicas oferecem suas obras livremente sem necessariamente buscar alguma recompensa ou objetivo.
CUSTO	Valor de compra ou uso de uma nova tecnologia	Preço	Autores de obras intelectuais muitas vezes buscam compartilhar e publicar suas obras de forma gratuita. Alguns periódicos, por exemplo, não cobram pela publicação e utilizam das licenças para compartilhar as obras.
HÁBITO	Grau que as pessoas tendem a realizar comportamentos automaticamente	Aprendizado	As licenças geralmente são utilizadas para fins educacionais. O compartilhamento de obras intelectuais geralmente vem com a justificativa de potencializar o aprendizado e disseminar conhecimento.
		Colaboração	Com a sociedade da informação a colaboração se tornou peça fundamental para o desenvolvimento científico e social. Os usuários acabam utilizando as licenças para fins de compartilhamento científico.

Fonte: Elaborado pelos autores.

Apontar de forma científica quais são os fatores que influenciam a comunidade utilizar as licenças, permite identificá-las de fato (pois muitas vezes parte-se de presunções e de um recorte específico, sem que haja um método de identificação, o que pode trazer incoerências e conclusões precipitadas) mas também analisá-las empiricamente, vendo suas consequências e se, de fato, condizem a prática.

Durante a identificação dos fatores, alguns foram mais mencionados que outros nos artigos levantados, portanto, o presente estudo optou em analisar os quatro fatores de maior frequência de aparecimento nos estudos, no caso, colaboração, acessibilidade, aprendizado e propriedade intelectual, de modo a compreender o porquê esses fatores contribuem para a utilização das licenças Creative Commons. O Gráfico 1 evidencia a frequência de aparecimento que cada fator foi evidenciado nos artigos coletados.

Gráfico 1- Fatores de utilização das licenças CC por número de menções na literatura.

Fonte: Elaborado pelos autores.

Para começar a análise, é importante observar que a colaboração é o fator que mais foi evidenciado nos estudos coletados. Tanto a acadêmicos e pessoas que produzem obras intelectuais, acreditam que por meio de uma rede de compartilhamento de conhecimento, é possível potencializar seus trabalhos, compartilhando boas práticas e solucionando problemas. Demais obras como livros, artigos, fotografias e produções audivisuais sempre foram divulgadas ao público, principalmente entre seus pares, no caso da academia. Entretanto, essa divulgação sempre foi e ainda é protegida por direitos autorais. As licenças, portanto, acabaram potencializando ainda mais esse fator que até então não era facilitado pela legislação recente, justamente por não atender a demanda de colaboração na era digital.

De acordo com os dados coletados durante o levantamento, as licenças Creative Commons potencializam não somente a colaboração por si só, mas principalmente os ganhos que pode ser levado em consideração nesse caso.

Além disso, a maioria das pesquisas e produções científicas são realizadas via financiamento público, que tem o compartilhamento de seus ativos intelectuais como forma de desenvolver ainda mais o estudo realizado, fora também o aumento de visibilidade que se tem quando mais pessoas têm acesso a sua obra. No caso de pesquisa científica, se os pesquisadores possuírem acesso aos estudos, então ocorrerá uma menor redundância de pesquisas gerando mais conteúdo inédito, que provavelmente necessitava dessa descoberta para dar um passo adiante, levando assim a um maior progresso também. Por isso, a colaboração acaba sendo o motivo que leva os autores a utilizarem as licenças. (PIMENTA et al, 2015)

O próximo fator mais evidencaido, foi a questão da acessibilidade. O surgimento de novos movimentos promovendo a livre circulação de pesquisa acadêmica (acesso aberto) e a disponibilidade online de governos e instituições públicas a bases de dados (dados abertos) estimulam a própria comunidade em tornar acessível o conhecimento gerado.

Segundos dados da Directory of Open Acess Journals (2019)4, a licença mais utilizada atualmente para compartilhamento de periódicos científicos e artigos, é a mais permissiva (CC BY), que é recomendada justamente para maximizar a a acessibilidade e o uso dos materiais licenciados e que acaba coincidindo com os resultados encontrados no levantamento dos fatores.

Ainda, de acordo com o Diretório de Repositórios de Acesso Aberto5 (OPENDOAR, 2019), plataforma britânica que lista repositórios acadêmicos de acesso aberto, mostrou-se nos últimos 14 anos um aumento considerável na acessibilidade em conhecimento científico.

O próximo fator, é o aprendizado. A utilização das licenças auxilia arquivos, bibliotecas, pesquisadores e pessoas que queiram compartilhar as suas obras, a disseminar o aprendizado, além na construção de novos modelos de negócios baseados no compartilhamento de informações. Os museus por exemplo, utilizam as licenças para aumentar o seu alcance e interesse do público em fotografias históricos. Entre os resultados coletados nos fatores, concluiu-se que há um aumento significativo de museus, instituições de ensino e pesquisa e demais usuários, envolvidos na digitalização do patrimônio cultural utilizando as licenças Creative Commons menos restritivas para consultar ou pesquisar obras para fins educacionais e de aprendizado.

Por fim, é imprescindível mencionar a criação de plataformas de artigos científicos de acesso aberto, como é o caso da biblioteca eletrônica Scielo, que contém milhares de publicações brasileiras (e demais países latino americanos e outros como Portugal e África do Sul) de acesso aberto que podem ser baixadas de forma gratuita e livre. De acordo com os dados da própria plataforma, em outubro de 2019, foram mais de 19 milhões de acessos a artigos científicos e utiliza também a licença permissiva CC BY para indexação dos artigos (SCIELO, 2019).

Por fim, o quarto fator mais evidenciado, é a questão da propriedade intelectual. No caso do público que utiliza as licenças CC, percebe-se no levantamento, que existe um conhecimento prévio sobre a sua importância e a necessidade de proteção das obras. Nesse caso, as licenças nessa conjuntura, são compreendidas como uma forma facilitadora de utilização e proteção autoral. Profissionais que se encontram em instituições de ensino e pesquisa (como professores, bibliotecários, pesquisadores) e em demais instituições como museus, trabalham diretamente com ativos que possuem proteção autoral, muitas das quais provém de terceiros também. Por isso, ao compartilhar esses ativos, esse público diretamente acaba entrando na discussão de licenciamento (ou não, dependendo de cada caso). As licenças acabam sendo introduzidas para esses profissionais como uma forma de licenciamento legal e seguro dentro do arcabouço dos direitos autorais.

Os fatores de uso das licenças Creative Commons, evidenciam aspectos que devem ser levados em consideração na compreensão da nova conjuntura que a propriedade intelectual (direitos autorais) atualmente exerce na sociedade. As motivações que estão por detrás da utilização do licenciamento mostram o porquê a sociedade hoje compartilha seus ativos intelectuais em CC.

Todavia, é importante ressaltar que o presente estudo apresenta por meio de um levantamento bibliográfico, fatores que foram mais evidenciados e identificados como motivos que podem levar certo público (coletado na amostra), a utilizar as licenças Creative Commons. Portanto, não se pretende exaurir o tema ou generalizar para demais públicos.

Ao final, caberá cada um escolher o motivo pelo qual o licenciamento Creative Commons pode beneficiar suas obras. Entretanto, ao evidenciar um panorama geral desses fatores, espera-se que possa contribuir mais para o estudo mais aprofundado sobre o tema. Muitas discussões acerca de formas de licenciamento estão sendo pautadas, principalmente nesse período em que se busca uma mudança na legislação dos direitos autorais. Espera-se que o presente estudo possa auxiliar na construção de alternativas e mudanças futuras que partam das motivações e formas de como as pessoas hoje, compartilham suas obras autorais.

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Apesar da discussão sobre como as tecnologias da comunicação e informação vem mudado e moldado o compartilhamento de conhecimento e obras intelectuais ao longo dos anos não ser recente, ainda existem muitos pontos a serem levantados e melhor elaborados, à medida que, a própria sociedade da informação está em constante transformação.

Essa transformação está relacionada ao compartilhamento de obras intelectuais no meio digital, que por meio do licenciamento Creative Commons, permite que usuários possam utilizar, distribuir e compartilhar suas obras intelectuais e de terceiros de forma legal, respeitando os direitos autorais as quais estão inseridos. Entretanto, descobrir os motivos que primeiramente levam os usuários a utilizarem essa forma de licenciamento, torna-se o cerne do presente do estudo.

Ao identificar os 17 fatores encontrados por meio da UTAUT 2, é evidenciando que as licenças não são apenas utilizadas para “adequação” de uma normativa legal. Tal resultado é consequência de outros fatores que foram surgindo ao longo das transformações tecnológicas e seus novos meios de compartilhar obras intelectuais e que, consequentemente, potencializaram ainda mais os principais fatores encontrados como acessibilidade, colaboração, aprendizado e também novas formas de estarem em adequação com a norma autoral ainda vigente (propriedade intelectual).

Compreender que as licenças Creative Commons surgiram dentro de um novo contexto tecnológico é fundamental para a compreensão de seus fatores de utilização. As licenças acabam não somente sendo uma mera forma de licenciamento do direito autoral, mas também um instrumento que equilibra a forma tradicional de “todos os direitos “reservados”, mas em um contexto digital, também apresentando características digitais e tecnológicas. Por isso, ao identificar os fatores de utilização, partiu-se dessa compreensão.

Além disso, conclui-se também que essa rede interorganizacional digital leva profissionais e usuários a experimentarem novos mecanismos, recursos cognitivos e situacionais que consequentemente influenciam também nos motivos pelos quais suas obras serão licenciadas. Ao escolher os Creative Commons, os fatores acabam sendo forjados por esse meio digital em que se apresentam. Esse é outro ponto importante para qualquer estudo futuro a ser realizado para críticas e discussões sobre as licenças em si.

Ao expor tais causas que levam as pessoas a usarem as licenças, parte-se de um ponto crucial de entendimento de base para começar a traçar diretrizes e estratégias mais assertivas em relação a essas licenças que apesar de serem utilizadas amplamente não são compreendidas ainda em sua totalidade. A importância de levantar esses resultados, corrobora a importância de se analisar mais profundamente e de forma crítica essa nova tendência digital e suas motivações.

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