AS COMPETÊNCIAS DO BIBLIOTECÁRIO EM UMA REDE DE BIBLIOTECAS ESCOLARES PARA O ESTADO DE SANTA CATARINA, BRASIL
THE COMPETENCES OF THE LIBRARIAN IN A NETWORK OF SCHOOL LIBRARIES FOR THE STATE OF SANTA CATARINA, BRAZIL
Eliane Fioravante1
Miriam Vieira da Cunha2
RESUMO
Em estudo decorrente da aprovação, em 2010, no Brasil, de uma Lei Federal que obriga cada escola brasileira a ter uma biblioteca, a categoria profissional no estado de Santa Catarina concebe um modelo de gestão para atender as bibliotecas escolares da rede pública desse Estado. Partindo desse modelo busca-se ampliar a discussão sobre o papel do bibliotecário diante da perspectiva de abertura e incremento de postos de trabalho nas escolas brasileiras, um quadro que nos leva a levantar algumas questões sobre as competências e atribuições desse profissional quando numa rede escolar. Deste modo, abre-se para debate o papel do bibliotecário na educação básica, os limites e as possibilidades de atuação desse profissional, as necessidades de informação da comunidade escolar, e o envolvimento da classe profissional com este tema. Entende-se que a ampliação do fazer desse profissional no contexto escolar contribui para uma maior visibilidade de seu desempenho no cenário da educação brasileira. Diante dessa realidade, este artigo trata sobre o contexto educacional catarinense, o papel do bibliotecário no sistema das profissões, e por fim, sobre as competências desse profissional evidenciadas a partir de um modelo de rede.
Palavras-Chave: Biblioteca escolar. Rede de bibliotecas escolares. Bibliotecário escolar. Competência Profissional. Santa Catarina, Brasil.
ABSTRACT
In a study resulting from the approval in 2010 in Brazil, of a federal law that requires every Brazilian school to have a library, the librarians in the state of Santa Catarina conceived a management model to attend the school libraries of the public system of this state. Based on this model we seek to broaden the discussion on the librarian’s role in order to increase jobs in Brazilian schools, leading us to raise some questions about the powers and duties of this professional in a school network. Thus, we try to open the debate on the librarian’s role in basic education, on the limits and possibilities of this professional activity, on the information needs of the school community, and on the involvement of the professional class with this theme. The expansion of these professionals in the school environment contributes to a greater visibility of their performance in the Brazilian education scene. Given this reality, this article deals with the Santa Catarina educational context, the librarian’s role in the system of professions, and finally, on the skills of this professional in a network model.
Keywords: Library school. Library school network. School librarian. Professional competences. Santa Catarina, Brasil
Artigo submetido em 30/04/2020 e aceito para publicação em
1 INTRODUÇÃO
A Lei 12.244/2010 que trata da universalização das bibliotecas escolares no país (BRASIL, 2010), levou a uma mobilização de bibliotecários, com o apoio de outros profissionais, para que o acesso ao livro e à informação seja disponibilizado à comunidade escolar. Como previsto nessa lei, essa comunidade precisa contar com bibliotecas e com bibliotecários voltados para as necessidades dos seus usuários.
Cinco anos após a promulgação dessa lei, o que gestores e bibliotecários fizeram para implementá-la?
Em Santa Catarina uma comissão composta por representantes do Conselho Regional de Biblioteconomia, Associação Catarinense de Bibliotecários, Grupo de Bibliotecários da Área Escolar de Santa Catarina e Universidade do Estado de Santa Catarina elaborou um projeto de gestão para as bibliotecas escolares públicas estaduais desse estado. Como fazer funcionar uma rede de bibliotecas para atender mais de mil unidades escolares?
Neste artigo abordamos parte desse projeto, especificamente a que trata da competência do bibliotecário. Nesse sentido, nosso objetivo é refletir sobre a competência desta categoria profissional nas bibliotecas de educação básica.
Considerando que no Brasil a Lei 12.244/2010 obriga as unidades de ensino a contar com bibliotecas e bibliotecários, o tema contribui para a melhoria das políticas públicas para a educação básica. Neste país, a educação básica abrange três níveis de ensino obrigatórios: séries iniciais (de zero a seis anos), ensino fundamental que a partir de 2010 passou a ser de nove anos (de seis a catorze anos) e ensino médio (de quinze a dezessete anos).
Com base na ideia de formar uma rede atendendo com bibliotecários, instituições com maior número de alunos, as escolas estaduais contempladas no estudo do projeto aqui exposto são: Escolas de Educação Básica, Escolas de Ensino Fundamental, Escolas de Ensino Médio, Centros de Educação de Jovens e Adultos e Centros de Educação Profissional.
Como fazer o serviço bibliotecário chegar a unidades tão distintas, como as Escolas Isoladas, por exemplo, que atendem a um pequeno número de escolares de regiões afastadas das cidades, contando em geral com um pequeno número de salas, reunindo alunos de diferentes anos do Ensino Fundamental? O quadro é complexo e, num primeiro momento parece-nos que para a formação de uma equipe de trabalho, é necessário buscar a colaboração de professores.
A partir dessa introdução, este artigo está organizado da seguinte forma. No capítulo 2 abordamos as ações preliminares do projeto de rede de bibliotecas. No capítulo 3 sobre demanda profissional e competência, abordamos a necessidade de novas competências profissionais aos bibliotecários no contexto escolar. No capítulo 4, a demanda local, analisamos alguns estudos sobre o assunto e o projeto. No capítulo 5, as competências do bibliotecário na rede escolar, discorremos acerca das competências apresentadas no projeto. Por último, no capítulo 6 dedicado às considerações finais, discutimos a interação do bibliotecário com docentes e gestores escolares, a formação profissional, o papel do estado na educação e na biblioteca escolar.
2 AÇÕES PRELIMINARES AO PROJETO DE REDE DE BIBLIOTECAS
Na história da classe bibliotecária de Santa Catarina há uma série de ações em prol das bibliotecas escolares, como a criação do cargo de bibliotecário escolar para as escolas subordinadas ao estado espalhadas por 295 municípios.
Considerando que o maior número de escolas de Santa Catarina encontra-se subordinado à rede estadual, o desafio da comissão encarregada da proposta para a inclusão do bibliotecário nesse sistema foi a necessidade de definir formas de atender a esta estrutura, seu funcionamento, a dinamização e a criação de bibliotecas em algumas dessas unidades e a definição de formas de cooperação do bibliotecário com os profissionais que atuam nesses espaços.
Entre as escolas do Estado, há unidades que oferecem educação básica de tamanhos variados, situadas em áreas urbanas e rurais, em diferentes contextos. Nesse sentido, foi necessário pensar num trabalho coordenado entre as bibliotecas da rede. Estes foram alguns dos fatores que influenciaram a equipe gestora do projeto a conceber essa proposta.
Apresentamos aqui alguns fatos relacionados à criação do cargo de bibliotecário escolar, (AUTOR, 2014, p. 5-7) fundamentais ao direcionamento do trabalho que culminou nesse Projeto.
Em 2003, a Portaria Nº 003/SED (SANTA CATARINA, 2003), determinou que professores que não estavam lotados em uma sala de aula deveriam trabalhar em diferentes espaços escolares, como as bibliotecas, utilizando cargos de Assistente Educacional. Com isso, a categoria bibliotecária passou a pleitear a possibilidade de transformar cargos de Assistente Educacional, em cargos de Bibliotecário, uma forma de atender às escolas estaduais. Contudo, em reunião na secretaria da educação essa ideia não prosperou. Em 2010, o Projeto de Lei Complementar Nº PLC/0039.0/20103 (SANTA CATARINA, 2010) foi aprovado na Assembleia Legislativa, criando 300 cargos de bibliotecário no Quadro do Magistério, contudo no ano seguinte, foi vetado (SANTA CATARINA, 2011). Em 2012, a Lei que obriga a criação de bibliotecas escolares (BRASIL, 2010) levou à constituição de uma comissão4 para elaborar um projeto para as escolas estaduais. Com base em estudos anteriores, essa comissão resgatou a ideia de vincular o cargo de bibliotecário ao quadro dos magistério público do Estado para a criação de 300 cargos5 de bibliotecário.
Esses três momentos – 2003, 2010 e 2011 – contribuíram para a viabilidade dessa proposta. Trata-se da criação de uma rede de bibliotecas visando alcançar todas as escolas do Estado, o que levou os membros da comissão a refletir sobre a definição de competências específicas para o bibliotecário atuar nesta rede.
A seguir discutimos a demanda profissional e sua relação com a competência, advinda da formação e da vivência, para posteriormente tecer considerações sobre as competências do bibliotecário quando numa rede escolar.
3 DEMANDA PROFISSIONAL E COMPETÊNCIA
No nosso entender, é necessário que os bibliotecários que trabalham em escolas estejam atentos ao seu papel como mediadores de informação de forma a facilitar a aproximação dos escolares das bibliotecas. Na realidade, é necessário incentivar a leitura e a pesquisa de forma a cativar o aluno para o “mundo” de possibilidades da biblioteca, de forma que ele se sinta à vontade, e valorize esse ambiente.
Para que isso seja possível, o bibliotecário deve estar envolvido com as atividades do professor e da equipe pedagógica da escola. Este pode ser o caminho para levar a biblioteca a ter uma participação ativa nas atividades da escola e ser aceita nesse ambiente. No nosso entender, essa unidade deve possibilitar uma atuação dinâmica dos usuários nessas unidades.
Neste contexto, a ênfase deve estar nas atividades de incentivo à leitura, na cooperação, no auxílio às pesquisas dos alunos e no planejamento das atividades com o professor e equipe pedagógica. Isto nos leva a pensar nos limites da profissão neste ambiente. Quando percebemos que os bibliotecários são pouco conhecidos e seu trabalho pouco reconhecido na escola, trabalhar em rede representa um ganho. Dessa forma, esse profissional terá mais tempo para atender o usuário, repassando para os colegas da escola e para os bibliotecários da rede, as atividades realizadas e os diagnósticos dos serviços. Moreiro González e Tejada (2004) afirmam que esse profissional deve conhecer suas competências, mas ao mesmo tempo ficar atento para as mudanças do ambiente social, para poder ampliar o seu espaço de atuação.
La definición de las competencias profesionales tiene diferentes utilidades y distintos destinatarios. En primer lugar, supone un ejercicio de aclariación de los límites de nuestra profesión, algo esencial en un momento en el que con la Sociedad de la Información esos límites se han desdibujado. Así, los profesionales tienen una herramienta que les ayuda en la definición de su propio perfil y en la identificación de sus puntos fuertes y débiles ante el mercado laboral (MOREIRO GONZÁLEZ; TEJADA, 2004, p. 98).
Conforme sinalizam Correia, Oliveira, Bourscheid, Silva e Oliveira (2002), a biblioteca escolar é um lugar de trabalho com uma realidade pouco conhecida do bibliotecário. Segundo Conforti e Pastoriza (2002, p. 31) na biblioteca escolar “[...] actúan profesionales que deben cumplir papeles disímiles y a la vez complementarios en relación con el usuario. Nos referimos a su doble condición de docente y bibliotecario.”
No entender de Moreiro González e Tejada (2004), a competência profissional refere-se às habilidades, atitudes e destrezas internalizadas e externalizadas. Essas competências são desenvolvidas pelo profissional na sua vivência e na sua interação com outros profissionais. Neste sentido,
É extremamente importante para o bibliotecário o fato de ser aceito como um membro igual aos outros profissionais e ser convocado para participar do trabalho conjunto e de todas as reuniões da escola, na qualidade de diretor do departamento bibliotecário (IFLA, 2005, p. 12).
A ideia do trabalho em rede no ambiente escolar, fez com que a Comissão que elaborou do projeto entendesse que o bibliotecário deveria estar vinculado ao quadro de professores.
4 A DEMANDA LOCAL
A classe bibliotecária catarinense vem promovendo debates em torno da função educativa do bibliotecário, especificamente daquele profissional que atua na educação básica. Esses debates têm recebido a contribuição de professores dos cursos de Biblioteconomia, da Associação de Bibliotecários, do Conselho Regional, do Grupo de Bibliotecários da Área Escolar de Santa Catarina e de profissionais. Essas ações não estão dissociadas de um Projeto Mobilizador apresentado pelo Conselho Federal de Biblioteconomia (2008), o qual contribuiu para a aprovação da Lei 12.244 em 2010.
Correia, Oliveira, Bourscheid, Silva e Oliveira (2002), analisaram o papel educativo do bibliotecário nos currículos de Biblioteconomia comparando-os aos de Pedagogia, e concluíram que o bibliotecário não pode ser considerado um educador, haja vista que o professor recebe em sua formação uma série de conhecimentos desconhecidos do bibliotecário.
As Diretrizes da IFLA/UNESCO para a Biblioteca Escolar evidenciam que o bibliotecário tem necessidade desse conhecimento pedagógico, precisa estar capacitado para atuar neste espaço e deve conhecer teoria da educação e metodologia de ensino (IFLA, 2005, p. 12 e 14). Milanesi (2002, p. 25) afirma que os currículos dos cursos de Biblioteconomia brasileiros precisam ter conteúdos específicos de bibliotecas escolares. Sales (2004, p. 40) no seu entendimento sobre as responsabilidades pedagógicas do bibliotecário, analisa a formação por meio da experiência e da formação contínua.
Para Garciarena e Conforti (2011, p. 154) há duas etapas distintas no preparo desse profissional: “la formación propiamente dicha e institucionalizada, y la profesionalización, es decir, las capacidades alcanzadas en el desempeño y de la práctica misma. Circunstancialmente ambas se entrecruzan.” Diniz (2001, p. 170) entende que o conhecimento abstrato e sistematizado pesa menos no desempenho profissional do que “um conjunto de ‘receitas’ práticas e decodificadas que, desenvolvidas através do trato direto com problemas concretos, formam a ‘sabedoria convencional’ da profissão. Contudo, é esta primeira formação que habilita o profissional para ingressar no mercado do trabalho sendo importante na representação social da profissão.
“Autor” (2014, p. 13) analisa as representações que os professores da Rede de Educação de Santa Catarina fazem do bibliotecário, isto é: a) um profissional que tem uma credencial para atuar na escola; b) esta credencial está associada à competência para organizar o acervo, viabilizando o acesso da comunidade escolar à informação e à leitura, facilitando à aprendizagem; c) a presença do bibliotecário na escola viabiliza a formação de uma rede de bibliotecas escolares; d) o incentivo à leitura está associado à formação profissional competente.
A escola exige do bibliotecário alguns conhecimentos não contemplados na sua formação. Conforme exposto por Diniz (2001) e Garciarena e Conforti (2011), esses conhecimentos podem ser desenvolvidos através da prática. Na realidade, o ambiente escolar oferece oportunidades para desenvolver esses conhecimentos. Na escola, o bibliotecário conhece e participa do planejamento pedagógico da instituição, das disciplinas, do fazer dos alunos, dos professores, dos gestores da escola e das famílias dos alunos. Ele deve conhecer as prescrições desse ambiente, como as políticas e regulamentos do Estado e da Secretaria da Educação, os regulamentos da escola, o Projeto Pedagógico, os regimentos, os programas do Governo Federal, como o Programa Nacional Biblioteca na Escola, Programa Nacional do Livro Didático, programas de leitura, de biblioteca, Feira de Ciências e as políticas de acesso ao ensino básico e superior. Além disso, o bibliotecário deve conhecer a Avaliação dos programas governamentais e deles participar fornecendo dados da sua escola e da biblioteca. Deve conhecer a coleta de dados para o Censo Escolar, dentre outros instrumentos de avaliação da educação. Tais conhecimentos o ajudam a conhecer o “lugar” ocupado pela biblioteca na escola onde trabalha, e o seu lugar nesta grande rede. Os locais de atuação do bibliotecário nessa rede são: a) órgão central – Secretaria de Estado da Educação; b) Secretarias de Desenvolvimento Regionais; c) unidades escolares. Respectivamente, esses espaços exigirão desse profissional o papel de gestor, Gestor-técnico e técnico-pedagógico.
Estas considerações nos sinalizam para uma reformulação curricular dos cursos de Biblioteconomia. Entendemos que elas são relevantes para a adequação da profissão às demandas sociais. Contudo, é preciso lembrar que a formação também se dá por meio do currículo vivido e pela prática profissional. Ambas estão intrinsicamente entrelaçadas e uma influencia a outra.
Para manter uma rede de bibliotecas faz-se necessário considerar as atribuições de todos os profissionais nela envolvidos.
Entre as atribuições do bibliotecário enunciadas no Projeto de rede (“AUTOR”, 2014), destacamos as do profissional que atua na escola, por tratar-se de uma atuação direta com os usuários, com competências de educador. Vale lembrar que uma das diretrizes do projeto é que este profissional faça parte do Quadro de Professores.
O bibliotecário escolar exerce funções de gestão, técnicas e pedagógicas. Contudo, o profissional que atua na escola está envolvido com atividades culturais e de incentivo à leitura, de uso da biblioteca, em projetos com professores, dentre outras, que o aproximam das práticas de ensino e de aprendizagem. Isto contribui para que os alunos se envolvam com o acesso à informação e com o uso de fontes de informação.
A biblioteca está ausente dos currículos da escola. Segundo Garciarena e Conforti (2011, p. 152). Isso revela a necessidade de acompanhamento do bibliotecário para entender o seu fazer. Segundo estas autoras: “Quién acompaña su desarrollo profesional desde el asesoramiento? ¿Hay colegas dentro de la misma organización que lo ayuden? ¿Qué conocimientos tienen los directivos para supervisar, asesorar, evaluar las prácticas bibliotecarias y abordar y discutir los nuevos perfiles como agentes de cambio?” Segundo as Diretrizes da IFLA/UNESCO
O bibliotecário deve reportar-se diretamente ao chefe dos professores ou ao diretor da escola. É extremamente importante para o bibliotecário o fato de ser aceito como um membro igual aos outros profissionais e ser convocado para participar do trabalho conjunto e de todas as reuniões da escola, na qualidade de diretor do departamento bibliotecário (IFLA, 2005, p. 12).
Garciarena e Conforti (2011, p. 153) afirmam que o conhecimento da missão da biblioteca pelo seu diretor interfere na condução do trabalho do bibliotecário escolar, uma vez que é ele, “[...] quien define las políticas institucionales, la distribución del presupuesto y subsidio asignados y quien da forma final al proyecto educativo de la escuela.” A presença do bibliotecário no órgão central da rede contribui para resolver questões deste tipo. O projeto prevê que essa interlocução seja facilitada por meio das Diretorias de Educação Básica e Profissional (na qual se entende que o bibliotecário gestor deva estar vinculado) e de suas gerências de Ensino Fundamental, de Ensino Médio, de Educação Profissional e de Educação de Jovens e Adultos, chegando às escolas através do diretor. Nesse sentido, é possível tornar a biblioteca mais visível.
5 AS COMPETÊNCIAS DO BIBLIOTECÁRIO NA REDE ESCOLAR
Considerando a dificuldade do Estado em criar cargos para todas as escolas, o projeto sugeriu a criação de 300 cargos de bibliotecários. Que escolas receberiam estes profissionais?
Segundo o projeto, com a criação de uma rede, os bibliotecários trabalhariam em escolas com uma estrutura maior; as outras teriam um professor readaptado6. Apesar da Lei 12.244/2010 determinar a necessidade da presença de um bibliotecário em cada escola, esse projeto prevê a presença desse profissional em pontos estratégicos desta rede. Prevê ainda a distribuição do bibliotecário em diferentes pontos do sistema. Nesse sentido, estes profissionais estariam presentes nas escolas, nas Secretarias Regionais – unidades regionais que trabalham diretamente com as cidades –, e integrariam a equipe da Secretaria da Educação. Ou seja, é prevista a presença de um bibliotecário nos municípios-sede das Secretarias Regionais, um no órgão Central e os demais distribuídos nas unidades escolares com maior número de alunos. As unidades menores seriam atendidas por professores. As escolas com mais de mil alunos teriam um bibliotecário e aquelas com mais de três mil, dois profissionais.
Como já sinalizado, o projeto de rede para bibliotecas escolares de Santa Catarina prevê os seguintes perfis para o bibliotecário: gestor, técnico e educador (ver Anexo). Segundo “Autor” (2014, p. 14-18), o bibliotecário gestor atuaria na unidade central da Secretaria de Estado da Educação, o bibliotecário técnico nas Secretarias de Desenvolvimento Regional, ou nas Gerências Regionais de Educação e o bibliotecário educador nas unidades escolares distribuídas nos municípios.
O bibliotecário gestor deve manter uma estreita relação com os profissionais das unidades regionais e das escolas, responder pelas bibliotecas perante o órgão central, mantendo uma relação com os demais setores envolvidos com a educação básica e participar dos programas governamentais relacionados às políticas de leitura, de pesquisa e de dinamização das bibliotecas.
Ao bibliotecário técnico compete conhecer as necessidades das escolas e tratar o acervo das bibliotecas escolares vinculadas à secretaria regional onde atua. Ao bibliotecário educador cabe dinamizar o uso das coleções, envolver-se com as atividades culturais, recreativas e de pesquisa, incentivar os usuários – sobretudo o aluno –, para a leitura e para o uso da biblioteca e orientá-los sobre o uso das fontes de informação, além do planejamento de atividades didáticas e pedagógicas com o professor e equipe pedagógica. Nesse sentido, o envolvimento com o usuário final é mais intenso na escola do que no órgão central e nas secretarias regionais. Esse envolvimento fortalece a compreensão de que na escola essa função é de natureza pedagógica. Como dito, o trabalho técnico ficará sob a responsabilidade dos bibliotecários que atuarão nas secretarias regionais.
As práticas previstas para o bibliotecário no cotidiano escolar o aproxima dos docentes. Parece-nos que essa vinculação traz benefícios para a sua ação na escola. Esta aproximação permite melhorar a interlocução entre bibliotecários e agentes educacionais (diretores, professores, supervisores e orientadores educacionais), com reflexos na dinamização e no uso da biblioteca.
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Quando o assunto é biblioteca escolar, nos damos conta de que há muito por fazer.
A vigência da Lei 12.244/2010 pode trazer mudanças nas bibliotecas escolares brasileiras, mudanças essas que repercutem nas escolas, na vida dos escolares, dos profissionais do ensino e do bibliotecário. Vale lembrar que para isso
a) o poder público precisa instituir o cargo de bibliotecário para atender aos estabelecimentos escolares desassistidos de biblioteca, aqueles que as possuem precariamente e, ainda, aqueles que as possuem, mas cujos serviços precisam ser melhorados; b) é preciso abrir concurso, contratar bibliotecários para as escolas; c) é preciso diagnosticar a estrutura das escolas, estudar e debater sobre o funcionamento de uma grande rede de bibliotecas escolares; d) é preciso ainda, vislumbrar como ficará a prática bibliotecária na prática da escola – será ela mais técnica ou mais pedagógica? Ou a mescla das duas? E isso tem relação com o desenvolvimento da competência bibliotecária na escola; e) o bibliotecário escolar precisa ser amparado pela unidade escolar (diretor, equipe pedagógica e professores), para juntos traçarem as estratégias de atuação da biblioteca e do bibliotecário no conjunto da escola; f) o bibliotecário precisará conhecer e participar das políticas da escola para oferecer melhores serviços bibliotecários, colaborando no estímulo ao uso da biblioteca, à leitura e à pesquisa no meio escolar (“AUTOR”, 2014, p. 21).
O objetivo das Diretrizes para a Biblioteca Escolar (IFLA, 2005, p. 3) é alcançar e “informar os tomadores de decisão em âmbito nacional e local, em todo mundo, e para dar suporte e orientação à comunidade bibliotecária. Estas orientações foram escritas para auxiliar as escolas no processo de implementação dos princípios expressos no manifesto”. O manifesto (IFLA, 2002, p. 2), preconiza que os governos, responsáveis pela educação precisam “desenvolver estratégias, políticas e planos que implementem os princípios deste Manifesto” para efetivar uma política pública de acesso à informação a partir da escola pública. Na realidade, é necessário que estados e municípios coloquem a Lei 12.244 em prática.
O projeto aqui analisado deixa claro que a atuação do bibliotecário nas unidades escolares amplia o rol das suas competências, aproximando-as do papel de educador. Sales (2004, p. 41) afirma que a identidade profissional é formada a partir de um contexto, e acrescenta (2004, p. 54), que “da mesma forma que a biblioteca escolar dificilmente é vista e entendida como um espaço pedagógico, o bibliotecário – quando existente nas escolas, especialmente as públicas – raramente é considerado – e se considera – um educador.” Nesse sentido, e pelas questões apontadas no presente artigo, faz-se necessário discutir a dinamização dessa atuação.
Esperamos que essas ideias venham colaborar para ampliar a discussão sobre o assunto em nosso país.
REFERÊNCIAS
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SANTA CATARINA. Procuradoria Geral do Estado. Parecer 0031/11, de 06 de janeiro de 2011. (Cópia fornecida pelo Centro de Memória, da Coordenadoria de Documentação, da Assembleia Legislativa do Estado de Santa Catarina – ALESC).
ANEXO
Detalhamento do cargo de bibliotecário conforme lotação
Descrição sumária do cargo: Participar do planejamento das decisões da Secretaria de Estado da Educação voltadas às políticas de leitura e uso da informação nas escolas. Manter estreita interlocução com os bibliotecários lotados nas Secretarias de Desenvolvimento Regional – SDR –, representando-os na Secretaria de Educação.
Descrição detalhada do cargo:
Descrição sumária do cargo: Assessorar, no que tange às questões técnicas e gerenciais, os bibliotecários com atuação nas unidades escolares integrantes das Secretarias de Desenvolvimento Regional – SDR – ou das Gerências Regionais de Educação – GEREI, bem como representar esses profissionais perante o Órgão Central.
Descrição detalhada do cargo:
Descrição sumária do cargo: Desenvolver atividades de incentivo à leitura, de difusão de informações nas unidades escolares, envolvendo-se com as atividades curriculares e extracurriculares da escola, atendendo também a comunidade local.
Descrição detalhada do cargo:
1. Apoiar e intensificar a consecução dos objetivos educacionais definidos na Proposta Curricular do Estado de Santa Catarina e no Projeto Político Pedagógico da escola;
2. Oferecer à comunidade escolar oportunidade de vivências destinadas à produção e uso da informação voltada ao conhecimento, à compreensão, à imaginação e ao entretenimento;
3. Desenvolver serviços de orientação ao leitor;
4. Promover o acesso às fontes de informação nos suportes impresso e eletrônico;
5. Apoiar e orientar os alunos para que desenvolvam as habilidades de uso da informação independentemente da forma e do suporte em que esteja registrada;
6. Organizar atividades que incentivem a tomada de consciência cultural e social, bem como a sensibilidade, promovendo exposições, saraus, concursos, oficinas, palestras e outros, em conformidade com a Proposta Curricular do Estado de Santa Catarina, com o Projeto Político Pedagógico da Escola e com a cultura local;
7. Trabalhar em conjunto com os alunos, professores, administradores e familiares, para o alcance final da missão e objetivos da escola;
8. Atuar em rede com os demais bibliotecários, promovendo a cooperação, o compartilhamento e o aperfeiçoamento do uso de informação na escola e fora dela;
9. Dar sugestões para a compra de documentos, visando a sua constante atualização;
10. Participar da elaboração da política de seleção do acervo;
11. Incentivar a cooperação entre os diferentes atores da comunidade escolar e outros grupos da comunidade onde a biblioteca está inserida;
12. Auxiliar professores e alunos na pesquisa escolar;
13. Promover atividades de ação cultural;
14. Participar das reuniões pedagógicas e demais atividades desenvolvidas pela escola;
15. Trabalhar na inclusão da biblioteca escolar nas atividades pedagógicas;
16. Participar das reuniões promovidas pela escola, pela Secretaria de Desenvolvimento Regional – SDR – e pela Secretaria de Educação do Estado;
17. Participar de cursos de formação continuada.
1 Doutora em Ciência da Informação pela Universidade Federal de Santa Catarina, Brasil. Professora no Programa de Pós-Graduação em Gestão da Informação. Universidade do Estado de Santa Catarina, Brasil. ORCID http://orcid.org/0000-0003-1414-3099. E-mail: nanefiora@gmail.com
2 Doutorado em Informação científica e técnica. Conservatoire National des Arts et Metiers, França. Professora no Programa de Pós-Graduação em Ciência da Informação. Universidade Federal de Santa Catarina, Brasil. ORCID https://orcid.org/0000-0002-9689-8403. E-mail: vieiradacunha.miriam@gmail.com
3 Cabe acrescentar que em 2016, portanto posterior a apresentação deste artigo no VII Encontro da Associação de Educação e Investigação em Ciência da Informação da Iberoamérica e Caribe (EDICIC), em novembro de 2015, o PLC/0013.1/2016, de 9 ago. 2016, da Deputada Luciane Carminatti (PT), retoma a proposta para a criação do cargo de bibliotecário para as escolas catarinenses. No início de 2019, é arquivado e desarquivado em função do final de mandato da autora e reinicio de outro. Em abril, com os pareceres negativos da Secretaria da Educação, da Secretaria da Fazenda, da Secretaria da Administração e da Procuradoria Geral do Estado, na casa legislativa o Deputado Maurício Eskudlark (PL) deu parecer contrário ao projeto de lei, mencionando que: “Ainda, como o PLC n. 0013.1/2016 estabelece as funções e remuneração do cargo de Bibliotecário, acarreta o aumento de despesas do governo, o que não é interesse público”, sendo encaminhado à Comissão de Constituição e Justiça, onde se encontra até o momento. Disponível em: http://www.alesc.sc.gov.br/legislativo/tramitacao-de-materia/PLC/0013.1/2016. Acesso em: 5 mar. 2020.
4 Integraram essa comissão Gyance Carpes (CRB-14), José Paulo Speck Pereira (ACB), Gisela Eggert-Steindel (FAED/UDESC) e “Autor” pelo (GBAE/SC).
5 Após a criação da Lei 12.244/2010 a classe bibliotecária manteve a defesa desse quantitativo de bibliotecários para atender às 1.073 unidades escolares.
6 Conforme disposto no artigo 48 da Lei nº 6.844, de 29 de julho de 1986, que trata do Estatuto do Magistério Público Estadual, a readaptação é uma condição oferecida ao professor quando impossibilitado de exercer a docência. A ele é permitido o exercício de outras atividades, desde que compatíveis com a sua função (SANTA CATARINA, 1986).
artigo de revisão