DINÂMICAS DA ECONOMIA SOLIDÁRIA NO BRASIL
Organizações econômicas, representações sociais e políticas públicas
DOI:
https://doi.org/10.61999/abet.1676-4439.2023v22n1.62697Resumo
Resenha:
O livro DINÂMICAS DA ECONOMIA SOLIDÁRIA NO BRASIL: organizações econômicas, representações sociais e políticas públicas, organizado por Sandro Pereira da Silva, evidencia-se como uma referência no tema da economia solidária atual, ao unir um conjunto de estudos desenvolvidos e divulgados pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), seja por pesquisadores próprios da instituição, seja por outros pesquisadores em parceria, e que abordam o paradigma da economia solidária em seus múltiplos aspectos.
A obra é dividida em 16 capítulos, que dialogam desde o histórico da temática da Economia Solidária e sua construção no Brasil até as transformações no presente e suas imbricações no cotidiano da sociedade e na agenda governamental, por meio da análise de diversas bases de dados e pesquisas de abrangência nacional, como: Sistema Nacional de Informações em Economia Solidária (Sies); Secretaria Nacional de Economia Solidária (Senaes); Programa Nacional de Incubadoras de Cooperativas Populares (Proninc); Conferência Nacional de Economia Solidária (Conaes); dentre outras.
No capítulo um, O campo de pesquisa em economia solidária no Brasil: histórico, abordagens metodológicas e dimensões analíticas, elaborou-se um levantamento geral da produção científica relacionada à temática da economia solidária. Foi abordada a inserção no campo acadêmico do paradigma da economia solidária, que emergiu nos anos finais do século XX como definidor de uma diversidade de práticas coletivas em busca de novas estratégias de inclusão social e desenvolvimento territorial.
No capítulo dois, Dimensões socioestruturais dos empreendimentos de economia solidária no Brasil, traçou-se um panorama dos empreendimentos de economia solidária (EES) no Brasil, incluindo informações, como por exemplo: distribuição regional dos empreendimentos, área de atuação (urbana ou rural) e data de fundação. Destarte, observa-se que a economia solidária é marcada por uma diversidade de formatos organizativos, ou seja, uma grande heterogeneidade estrutural, e que os estudos desse banco de dados sobre a atividade dos empreendimentos podem auxiliar em construções de políticas públicas de apoio à economia solidária no Brasil.
No capítulo três, Aspectos sócio laborais dos trabalhadores aderentes a empreendimentos de economia solidária no Brasil, discutiu-se sobre os distintos modos de desempenhar as relações associativas propostas no âmbito da economia solidária. De maneira geral, identificou-se que os trabalhadores pesquisados, embora inseridos em atividades de baixo valor agregado, conseguem, pela mobilização dos esforços coletivos, gerar ambientes de negócio que preenchem um vazio em termos de geração de renda, cujo resultado é de grande valia para sua sobrevivência familiar.
No capítulo quatro, Finanças solidárias no brasil: caracterização, tipos organizacionais e suas dimensões estruturais, buscou-se problematizar as características gerais de um ramo específico da economia solidária, no qual trabalhadores e entidades de apoio atuam na viabilização de experiências coletivas de finanças a partir de diferentes formatos organizacionais. Compreende-se que o instrumental sociotécnico das finanças solidárias se constrói como um paradigma de organização social em torno da disponibilização de serviços financeiros para populações residentes em territórios historicamente marcados pela exclusão por parte do sistema financeiro tradicional. No mais, o recorte dos dados demonstra que tais empreendimentos se encontram em diferentes estágios de institucionalização, o que explica em grande parte a variação em suas características estruturais.
No capítulo cinco, Reciclagem e economia solidária: análise das dimensões estruturais dos empreendimentos coletivos de catadores no Brasil, apresentou-se um estudo sobre a realidade dos empreendimentos coletivos formados por catadores de materiais recicláveis no Brasil. Por meio dos dados do Sies e de duas pesquisas nacionais que fornecem um panorama geral desses empreendimentos, foi possível abordar questões sobre sua organização administrativa e sua eficiência econômica. Todas as informações identificadas e analisadas demonstram que não apenas a profissão de catador é marcada por grande heterogeneidade em termos de organização do trabalho, como seus empreendimentos econômicos coletivos também são bastante heterogêneos.
No capítulo seis, Entidades de apoio e fomento à economia solidária no Brasil: uma análise exploratória, analisou-se os dados do Sies referentes à dinâmica organizacional das entidades de apoio e fomento (EAFs) em todo o território nacional. Destacou-se o esforço desenvolvido pela Senaes (Secretaria Nacional de Economia Solidária) e pelo FBES (Fórum Brasileiro de Economia Solidária) em criar um banco de dados experimental sobre essas entidades em todo o país. As informações demonstram que as EAFs desempenham um leque amplo de serviços de assessoria, além de possuírem características institucionais bastante heterogêneas entre estas, o que implica estratégias diferenciadas de atuação no território.
O capítulo sete, As empresas recuperadas por trabalhadores no brasil: resultados de um levantamento nacional, sintetizou-se dados de uma pesquisa de abrangência nacional, em que pesquisadores de dez universidades brasileiras uniram esforços para conhecer a totalidade dos casos de Empresas Recuperadas por Trabalhadores (ERTs) no Brasil. As ERTs no Brasil apresentam como características principais o fato de serem organizações na maior parte urbanas do setor industrial, concentradas nas regiões mais industrializadas do país. Esta análise revela iniciativas de trabalhadores que, embora não expressem uma parcela significativa do produto interno bruto (PIB) brasileiro, não podem ser ignoradas, não somente pela preservação de milhares de postos de trabalho, em sua grande maioria no setor industrial, mas também pela inovação que representam do ponto de vista da organização do trabalho e das estratégias de luta dos trabalhadores.
No capítulo oito, Tecnologias sociais e economia solidária: projetos certificados pela fundação banco do Brasil. Analisou-se a relação entre duas categorias – Tecnologias Sociais (TS) e Economia Solidária (ES) – a partir de informações sobre projetos apoiados pela Fundação Banco do Brasil (FBB) entre 2001 e 2017, nas diferentes regiões do país. De acordo com a FBB, o conceito de tecnologia social abrange metodologias, técnicas ou produtos desenvolvidos em interação com a comunidade em busca de efetivas soluções para problemas sociais ali existentes. Quando criadas, podem ser reaplicadas em diversas localidades, respeitando as diferenças culturais para o aprimoramento das ações.
No capítulo nove, Outra inovação é possível: a relevância do PRONINC e a consolidação das ITES como espaço de desenvolvimento tecnológico, avaliou-se a política pública de apoio aos projetos e programas universitários de incubação em economia solidária. A pesquisa abrangeu 54 incubadoras (do Programa Nacional de Incubadoras de Cooperativas Populares (Proninc)) em todo o país, e também 171 empreendimentos por estas apoiados ao longo de 2016 a 2017. Foi possível perceber que os resultados da pesquisa representam um estímulo à inovação e a necessidade de apoio as universidades, principalmente na perspectiva da tecnologia social, gerando novas ferramentas, tecnologias e metodologias, a partir do diálogo com os empreendimentos.
No capítulo dez, A trajetória sócio-organizativa do movimento social de economia solidária no Brasil, analisou-se como se deu a formação de uma identidade coletiva nacional e institucionalizada no âmbito da sociedade civil sob um novo paradigma mobilizatório, organizado em torno da defesa do trabalho associado e de relações econômicas não restritas à esfera mercantil. A pesquisa permitiu identificar um repertório da economia solidária com rotinas diversificadas de ação coletiva, e um padrão de interação com o poder público bem ativo, aproveitando-se de oportunidades políticas contextuais importantes, sobretudo com relação a governos permeáveis a essas ideias em suas agendas.
No capítulo 11, Mobilização social e deliberação participativa na formação da agenda governamental: uma análise processual das conferências nacionais de economia solidária, abordou-se como os atores sociais (públicos e privados) envolvidos nacionalmente na temática da economia solidária se mobilizaram em torno da agenda dessas instituições participativas para construírem estratégias em torno de um campo de políticas públicas relativamente recentes no governo federal. Mais especificamente, buscou-se analisar como essa relação se deu ao longo da interface socioestatal proporcionada pelas Conferência Nacional de Economia Solidária (Conaes). Pode-se dizer que o processo das conferências de economia solidária foi apropriado pela parcela da sociedade civil envolvida em sua temática como um elo entre seus repertórios tradicionais de mobilização e a abertura de um canal oficial de contato com a representação do poder público para a vocalização de suas demandas, aproveitando-se de uma abertura dada pelo Poder Executivo à época para esse tipo de diálogo.
No capítulo 12, Representação socioestatal e deliberação participativa em políticas públicas: o conselho nacional de economia solidária na percepção de seus conselheiros, buscou-se situar os mecanismos instituídos para garantir a relação entre estrutura estatal e sociedade civil em um domínio de política pública, no caso, a economia solidária. Posteriormente, definiu-se como objeto de análise o Conselho Nacional de Economia Solidária (CNES), com a finalidade de avaliar suas dimensões de participação e representação, sua estrutura de funcionamento, suas conexões com outras esferas sociais e de poder, e a efetividade (interna e externa) associada à sua prática deliberativa. Analisou-se algumas dimensões do CNES, como o perfil dos seus conselheiros, a participação dos segmentos que o compõem, a influência em instâncias decisórias, entre outras questões importantes, para entender sua dinâmica operacional e sua efetividade. Destacou-se que as informações utilizadas são derivadas das próprias percepções dos conselheiros, que foram obtidas por meio de questionários.
No capítulo 13, O comércio justo e solidário na política pública federal: histórico e perspectivas, traçou-se um histórico do desenvolvimento da política de comércio justo e solidário no governo federal brasileiro desde 2003, data da criação da Secretaria Nacional de Economia Solidária (Senaes). Constatou-se que, no período abordado, houve avanços significativos na estruturação de uma Política Nacional de Comércio Justo e Solidário, principalmente no fomento à comercialização solidária e na construção participativa dos mecanismos de regulação do Sistema Nacional de Comércio Justo e Solidário (SCJS). Contudo, não se pode dizer que o Brasil possui hoje um sistema operante de Comércio Justo e Solidário, pois o principal gargalo observado foi a dificuldade de implementar os mecanismos de certificação previstos na política. Ademais, provocou-se um debate em torno do tema, além de promover o resgate histórico de um grande esforço coletivo, que envolveu governo e movimentos sociais na coprodução de uma política pública durante cerca de quinze anos.
No Capítulo 14, Políticas de fomento à economia solidária no estado de são paulo no período recente (2011-2016): simulação de possíveis paybacks para o investimento público e considerações para a expansão do fluxo de benefícios associados, apresentou-se informações sobre as políticas de fomento à economia solidária implementadas pelo governo federal no estado de São Paulo, entre 2011 e 2016, cuja execução ficou a cargo da Superintendência Regional do então Ministério do Trabalho (MTb). A importância dessa análise residiu no fato de o estado representar mais de 30% do orçamento total, e isso incluiu gastos diretos e transferências, despendidos em políticas de fomento à economia solidária no mesmo período. Ao analisar o tempo de retorno dos investimentos realizados, observou-se que as políticas de fomento à economia solidária são opções atrativas para a alocação de recursos do orçamento do governo federal, na medida em que o prazo de retorno, descontado o custo de oportunidade do gasto público, em meses, é bastante próximo ao tempo de retorno na metodologia de cálculo tradicional. Assim, considerou-se adequado o lançamento de esforços para que esses investimentos mantenham-se gerando fluxos de benefícios.
No Capítulo 15, Desafios para a implementação e o acompanhamento das políticas de economia solidária realizadas via transferências voluntárias da união, o penúltimo capítulo, tratou-se dos resultados de uma pesquisa diagnóstica aplicada a prefeituras conveniadas com o Ministério do Trabalho (MTb), por intermédio da Senaes, no âmbito do Plano Brasil Sem Miséria (PBSM). A pesquisa abordou os desafios para a execução e, por extensão, do acompanhamento de convênios referentes a programas governamentais cuja implementação envolve parcerias com distintos entes federativos na esfera municipal. Seus resultados elucidam provocações para a execução e a implementação de políticas públicas em parcerias com entes públicos governamentais, na esfera municipal e, por extensão, no acompanhamento desses convênios.
O último Capítulo 16, intitulado A política nacional de economia solidária no ciclo de planejamento orçamentário (2004-2019): da inserção na agenda à crise de paradigma, analisou a trajetória orçamentária (processo de planejamento e execução) e as condicionalidades operacionais de implementação da Política de Economia Solidária no governo federal. O recorte da análise abrangeu toda a recente experiência da economia solidária na agenda do governo federal a partir dos diferentes Planos Plurianuais (PPAs): 2004-2007, 2008-2011, 2012-2015 e 2016-2019. Demonstrou-se que os programas passaram por problemas não apenas no plano técnico-orçamentário, mas também no político, que influenciaram na capacidade de execução de ações e atividades previstas, além de o ciclo se encerrar com graves incertezas quanto à continuidade desses programas na agenda governamental. Com isso, o texto auxilia na compreensão de um quadro geral sobre o perfil da produção nesse campo de pesquisa, além de instigar novos questionamentos para pesquisas futuras, dada a complexidade de pontos problematizados academicamente relacionados ao tema.
Ao longo do livro, as reflexões e análises evidenciam que tanto os desafios quanto as potencialidades da economia solidária são fortemente marcados pelas próprias desigualdades socioeconômicas que caracterizam o processo de desenvolvimento brasileiro. Assim, podemos observar que os dezesseis capítulos vão ao encontro da temática de economia solidária, e nos informam, orientam e nos aguçam para continuar pesquisas neste tema, tão importante para compreensão da realidade social vivida por uma grande quantidade de trabalhadores brasileiros envolvidos nas experiências práticas de empreendimentos solidários. Tal importância é ainda mais evidente no atual contexto da pandemia de Covid-19, causada pelo vírus SARS-CoV-2, que aumentou desemprego no país e o trabalho informal, comprometeu o potencial de geração de renda de milhões de famílias e aprofundou a desigualdade social do Brasil.
Por isso, este livro, além de atual, é recomendado como uma leitura fundamental para os estudos acerca do tema da economia solidária e como um instrumento de planejamento para o combate à desigualdade social do país. Sua leitura é relevante não somente para acadêmicos da área social, econômica, agentes governamentais, pesquisadores nacionais e internacionais de diferentes áreas, mas também à sociedade como um todo, pois as dinâmicas da economia solidária esteve e está presente nas transformações mais profundas nos campos econômico, social e político pelas quais o país passou nessas últimas décadas, bem como na pandemia atual. Por mais que se possa oscilar a ponto de enfrentar uma crise de paradigma, devido ao cenário de incertezas de sua temática nos debates sociais e políticos e perca de espaço no governo federal, como vimos no decorrer dos capítulos, sua apropriação e valorização no interior da sociedade brasileira precisa ser mais disseminada e estudada, a fim de fortalecer os vínculos teóricos e práticos da economia solidária em prol de uma sociedade menos desigual.
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