MULHERES NEGRAS, PERFORMANCE NEGRA E REINVENÇÕES:
reflexões sobre a performance negra e as mulheres negras como artistas e intelectuais

BLACK WOMEN, BLACK PERFORMANCE AND REINVENTIONS:
refletions on black performance and black women as artists and intellectuals

 

Monica Pereira de Santana*

 


DOI: https://doi.org/10.46906/caos.n26.57501.p55-70

 

 

Resumo

Este artigo discute o quanto as produções artísticas e de conhecimento de mulheres negras foram pilhadas historicamente, e quanto ainda hoje, essas criações não cabem nos contornos das noções tradicionais de autoria. O artigo revisita as discussões sobre autoria, como também um espaço de apagamento histórico. A pesquisa também retoma o conceito de performance negra, quanto um espaço de produção de sentido, bem como espaço de produção de si e de existência. De afetar os discursos em torno dos corpos de pessoas negras e se posicionar.

Palavras-chave: Mulheres Negras; Pilhagem Epistêmica; Autoria; Performance Negra.

 

Abstract

This article discusses how much the artistic and knowledge productions of black women have been looted historically and how much today these creations do not fit the contours of traditional notions of authorship. The article revisits the discussions about authorship, as well as a space for historical erasure. The research also returns to the concept of black performance, as a space for the production of meaning, as well as the space for the production of self and existence. To affect the speeches around the bodies of black people and to reposition themselves.

Keywords: Black Women; Epistemic Plunder; Authorship; Black Performance.

 

 

As ruas de Salvador são marcadas pela presença de mulheres negras, que atravessam os tempos coloniais, e, ainda na atualidade, vestem-se com as saias engomadas, muito rodadas, de muitas anáguas, balangandãs nas pulseiras e fios de conta no pescoço. Turbantes e reverências aos seus orixás. As chamadas baianas vendem comidas tradicionais de origem africana, como o acarajé, o abará, bolinho de tapioca, passarinha, cocada. Das funções de ganhadeiras, nome dado às mulheres negras que saiam às ruas para vender quitutes, essa foi a que atravessou os tempos, e se transformou numa marca da identidade de um estado. A importância das ganhadeiras também era política, na medida em que, no período da escravidão, tinham um papel fundamental na vida social, bem como conseguiam levantar os recursos para compra das liberdades de pessoas escravizadas. Também foram as mulheres negras centrais para a criação das condições para o florescimento do samba, para a construção das bases do candomblé e das religiões de matriz africana no Brasil, bem como de manifestações culturais seculares na Bahia e no Brasil, como a Lavagem do Bonfim, a criação de irmandades religiosas que tiveram papel crucial na aquisição de liberdades para pessoas escravizadas, como a Boa Morte, no Recôncavo Baiano. Esses exemplos cumprem o papel de afirmar a atuação absolutamente ativa das mulheres negras com as produções de epistemologias, saberes, vida e sedimentação da cultura.

Neste artigo, que compreende minha pesquisa para obtenção do doutorado em andamento, o interesse reside em pensar sobre a produção artística, cultural e intelectual de mulheres negras, seja dentro ou fora do contexto do estado de arte. Refletir sobre alguns mecanismos históricos de pilhagem dessa produção, bem como reconhecer as marcas da produção contemporânea de criadoras negras, que colocam em crise os processos que invisibilizaram as contribuições históricas e culturais das mulheres negras.

Esse primeiro sobrevoo sobre práticas culturais que atravessaram o tempo objetiva demonstrar a pujança e a eficiência dessas contribuições que permanecem vivas. Também por isso, ao reconhecer que muitas realizações de mulheres negras não foram documentadas, esta pesquisa evitou traçar qualquer noção que perpassa a ideia de origem ou demarcação de uma linha do tempo. Tanto numa perspectiva filosófica quanto política, a busca por origens e primazia nos leva a um tempo linear, no qual oculta-se a pluralidade dos corpos que não alcançam os marcadores documentais históricos, tais como terem seus feitos figurando nas páginas dos jornais, obras publicadas por editoras ou peças realizando temporadas em teatros profissionais das grandes cidades. Uma busca pelas origens pode ignorar outras éticas e modos de produção, das quais os limites entre arte, vida e experiência não são tão delimitados, mas dotados de múltiplas dimensões disciplinares, bem como podem convocar arquivos de memórias de outros referenciais epistemológicos distintos do europeu.

Também torna possível pensar na constituição de um caldo que nutriu as criadoras contemporâneas, que fazem do seu corpo uma tela de discussão de humanidade e elaboração de outros devires para si. O fato de as condições impostas pela colonialidade interditarem os espaços legitimados de produção de conhecimento e intelectualidade, ou negarem a existência de uma subjetividade e de qualquer valor considerado humano diante de pessoas negras, é indissociável ao pensar como as performances negras são engendradas, e em que circuitos podem transitar e habitar.

As dinâmicas de produção de discursos e convocação de memórias, história e saberes se dão no corpo: corpo de mulheres negras e afrodescendentes autoras, cujas elaborações valiosas serviram de manancial criativo para outros corpos autores, estes reverenciados como tal. O modo como intelectuais e artistas brancos se apropriaram de conhecimento acumulado pelos povos africanos e indígenas no Brasil, Henrique Freitas, em O arco e a arkhé, define como pilhagem epistemológica:

 

Chamamos pilhagem epistemológica uma das perversões do epistemicídio que consiste na subtração ou apropriação de elementos constitutivos dos saberes subalternos (aqueles que constituem as cosmogonias indígenas, africanas, negro-brasileiras ou as tecnologias sociais e linguísticas dos pobres) sem qualquer agenciamento e muitas vezes mesmo referenciação dos sujeitos dessas gnoses. Nesse sentido, é pilhagem, porque saqueia-se o outro naquilo que se reconhece como mais valioso para incorporando em seu repertório como estratégia de proteção individual ou de um grupo completamente diferente daquele que já gestou os saberes em foco (FREITAS, 2016, p. 39).

 

Uma parte expressiva da performance negra forjada no Brasil teve ação direta e ativa de mulheres negras, enfrentando sexismo e racismo, contudo essas mesmas elaborações, ao ganharem status de arte, contaram com inúmeros processos de mediação, fazendo com que fossem tema de outras obras, mas não autoras das elaborações que tornam essas obras originais. O saber dos corpos negro e indígena no Brasil foram amplamente tematizados em obras das mais diferentes linguagens artísticas, o que as tornaram únicas dentro de um cenário nacional e internacional, especialmente no período de construção de um discurso nacionalista a partir da Semana de Arte Moderna de 1922. Contudo, seja na literatura, nas artes visuais, nas artes cênicas e na dança, não são as pessoas negras consideradas artistas ou intelectuais produtoras de estética ou conhecimento. Por exemplo, antropofagia — prática tupinambá — é fagocitada por Oswald de Andrade, e só como tal se constitui um saber deslocado do gesto canibalesco e da sua expressão (FREITAS, 2016), conceituada como uma prática cultural de assimilação, quase sempre por criadores distintos de grupos subalternizados. Se os modos de fazer de povos indígenas e afrodescendentes no Brasil serviram para criação de um vocabulário muito útil ao projeto nacionalista e ao modernismo, pouco se articulou nesse projeto nacionalista uma inclusão dos sujeitos desses grupos identitários ou de suas pautas contra o genocídio indígena ou a exploração e marginalização dos negros. Nesse sentido, convém empregar o termo pilhagem, na medida que há um acúmulo daquilo que se considera valioso por grupos distintos e frequentemente distantes daquelas práticas. 

Nesta pesquisa, sigo a hipótese de que há, pela primeira vez nas artes cênicas brasileiras, a condição de fala de mulheres negras, desenvolvendo projetos autorais, friccionando as narrativas impostas ao longo do processo histórico e a semântica justaposta aos seus corpos. Em nenhum momento da pesquisa houve o afã de tecer uma linha do tempo que investigasse a presença das mulheres negras no lugar de autoras dentro do teatro brasileiro, e mais especificamente no contexto do teatro negro. Ao olhar para o contexto presente, dentro da cena teatral baiana, identificamos poucas artistas no lugar de assinatura de obras autorais: na hierarquia do lugar da construção e assinatura do discurso de uma obra, nas funções de dramaturgia, encenação e direção coreográfica. Mais frequentemente, mulheres negras e não-negras ocupam o lugar da interpretação, seja na dança seja no teatro.

Aqui me interessa fazer um percurso de compreensão que entende que para além dos locais avaliados como arte ou intelecto, mulheres negras são produtoras de cultura e conhecimento. São agentes ativas na constituição de performances negras — conceito ao qual pretendo me dedicar um pouco mais à frente —, elaborações que não são reconhecidas, por não se ater a cânones ou disciplinas que apartam arte e vida. Se o racismo opera de modo a deslegitimar as experiências estéticas e éticas das pessoas negras, o patriarcado reduz as mulheres ao corpo do serviço doméstico, seja na incubadora maternal, seja na satisfação sexual do outro. Assim, mulheres negras têm sua voz esvaziada tanto na ágora branca quanto nos próprios territórios de militância, o que também inclui o cenário da arte.

Se o autor é Deus, soprando seu verbo que dá vida e conduz os sentidos e operações da cena — como criticou Antonin Artaud no Teatro da Crueldade —, é preciso reconhecer que essa função como historicamente generificada: as mulheres, por muito tempo, permaneceram como tão somente corpo na cena — não que o corpo seja pouco. As mulheres ainda não são maioria nas funções que recebem o status de assinatura e criação. Tanto pior para as mulheres negras. Mesmo nas práticas teatrais que aspiram implosões de modelos logocêntricos ou metafísicos com o fortalecimento da figura da direção teatral, essa função, assim como a dramaturgia, foi mais frequentemente atribuída aos homens.

Ainda que no campo da literatura tenha sido decretada a morte do autor (BARTHES, 1967), em termos mercadológicos a lógica mantém-se vigente, bem como o local da assinatura, da marca registrada. É ainda ela, a palavra que se sobrepõe ao corpo: atrizes e dançarinas são corpo e para muitos fazeres teatrais, mesmo combativos na luta antirracista, esse corpo não é Deus: 

 

(...) sexismo e racismo atuando juntos perpetuam uma iconografia de representação da negra que imprime na consciência cultural coletiva a ideia de que ela está neste planeta principalmente para servir aos outros. Desde a escravidão até hoje o corpo da negra tem sido visto pelos ocidentais como o símbolo quintessencial de uma presença feminina natural orgânica mais próxima da natureza animalística e primitiva (HOOKS, 1995, p. 468).

 

A atribuição histórica de que as mulheres negras são um corpo selvagem, incontrolável, que quando domesticado torna-se o corpo do serviço, como bell hooks apontou, contribuiu para o distanciá-las dos espaços validados para produção intelectual e acadêmica, sendo ainda considerado como um corpo selvagem, incontrolável, ou ainda o corpo do cuidado, do serviço. Afirmo que mesmo no contexto do fazer artístico, as mulheres negras enfrentam os mesmos obstáculos interpretativos. Vista sempre em relação ou em função de alguém — mas cuja voz não se articula por si só.

Se neste mundo, especialmente na América, em sua diversidade, os corpos negros africanos ainda precisam afirmar, confirmar e convocar sua humanidade, a produção de subjetividade e discursos realizados por pessoas negras é indissociável desse embate — intrincada não com um determinado modo de argumentação política, porém permeada pelas mais diversas estratégias de luta antirracista. Nas formas mais plurais de produção artística e cultural negra, nos diferentes endereços do continente, as manifestações realizadas por negros são atravessadas pela urgência de afirmar e convocar sua existência e seus modos de conhecer o mundo.

 

As urgências da performance negra

 

A performance negra convoca a reformulação das práticas sociais, políticas, históricas, culturais — não de modo programático ou pragmático, tampouco calcado em purismos ou essencialismos. Os modos de fazer expressão, cultura e arte negras são frequentemente compromissados com a afirmação da igualdade dos sujeitos negros no mundo. Para Zeca Ligiéro, em nossa história, essa restauração de comportamentos na performatividade também remonta a um mundo que deixou de existir e às próprias memórias, ou seja, remete-se à conexão com a ancestralidade e outras perspectivas de leitura do mundo (LIGIÉRO, 2011). 

A cena e a vida estão intrincadas, seja na perspectiva de uma libertação, de uma cura, de uma denúncia, da renovação da alegria e da esperança. A produção estética negra, seja híbrida ou sincrética, seja bebendo na tradição ou a partir de elaborações contemporâneas, convive com o ritual enquanto parte de uma cultura em permanente construção, e enfrenta as opressões deste mundo no qual estamos inseridos. A elaboração parte da pensadora e feminista negra bell hooks, que ressalta o quanto estes limites são borrados e dialogicamente tensos. Tanto nas expressões negras rituais, quanto nas práticas artísticas mais políticas há traços de resistência pela existência. A performance negra é uma estratégia de luta de oposição a estruturas desumanizantes para os sujeitos negros — estratégia que não necessariamente se dá por vias lógicas ou argumentativas, nas quais a palavra se sobressai ao corpo, ao movimento, ao alimento e à relação com a natureza, ou por seguir algum tipo de cartilha ou projeto norteador de arte política.

As expressões culturais negras, sejam na música, na dança, no teatro, nas artes visuais transmitem valores, tradições e visões de mundo, possibilitando a transgressão dos limites impostos pelo poder vigente. Para E. Patrick Johnson (2005), as expressões artísticas sempre estiveram intricadas com os diversos atos de resistência durante e após os anos de escravatura, não pela exploração de um discurso calcado nas letras ou pela palavra de modo indireto; muito embora a transmissão oral de conhecimento seja uma das bases mais fortes da produção expressiva negra, na diversidade de povos que chegaram do continente africano. A oralidade está no corpo, que materializa a resistência, não como metáfora, mas como a coisa em si. 

De acordo com o pensamento de Johnson (2005), as práticas cotidianas nas quais pessoas negras lidam com o poder, criam situações diversas em que simulam uma subserviência para negociar suas existências, camuflando sentimentos e emoções, alterando postura corporal, voz, gestualidade, o uso de determinados vocabulários compõe uma performance negra, ainda mais verticalmente comprometida com a resistência. Ao fazer essa reflexão, o intelectual chama atenção para própria necessidade de consolidação do campo dos estudos da performance e da performance negra, problematizando inclusive os horizontes que a academia delimita para o que é teatro, teatro negro e os corpos negros, que em sua avaliação, nunca ocupará a mesma notoriedade e reconhecimento que o teatro “branco”, seja pelas convenções, seja pelo acesso ao mercado. Pensar em performance negra é também colocar em rasura estes campos do conhecimento citados, cujas definições foram determinadas por epistemologias eurocêntricas, que ignoram e não consideram outros modos de existência e produção.

A performance negra — que pode estar dentro ou não dos limites escolares do que é teatro, da dança e da própria performance art — carrega esta mesma agenda, de modo ainda mais antigo e longevo, como uma estratégia de resistência e questionamento aos significados sociais e encarceramentos justapostos aos corpos. Com ênfase, o ativista e pensador negro norte-americano W. Du Bois assevera:

 

Toda arte é propaganda e sempre o deve ser, apesar do lamento dos puristas. Eu me posiciono desavergonhadamente e digo que não importa qual arte que eu tenha que escrever, ela será sempre usada para propaganda para que pessoas negras ganhem o direito de amarem e gozarem. Eu não me importo nem um pouco com uma arte maldita que não seja usada para propaganda. Mas eu me preocupo muito quando a propaganda é confinada para apenas um lado enquanto outro é espoliado e silenciado. [...] Não é positiva a propaganda de pessoas que acreditam que o sangue branco é divino, infalível, sagrado para qual eu me oponho. É a negação do similar direito à propaganda daqueles que acreditam que o sangue negro seja humano, amável e inspirado por novas ideias para o mundo (DUBOIS, 1922, p. 22 apud JOHNSON, 2005, p. 457).[1]

 

Desse modo, pensar uma arte política extrapola os limites daquilo que ela afirma sobre si ou não — toda arte seria política, tanto quando ela produz um discurso validado por instituições, mercado e público quanto aquela que sofre censura, silenciamento, ou que é tornada invisível.  É preciso ler o termo propaganda de forma mais ampliada, não limitando-a a um proselitismo, a um conteúdo extremamente didático, desprovido de apuro estético, de corpo e movimento — coisa com a qual, frequentemente, a arte se aproxima ou debate ao trazer intenções por ser marcadamente política. Há ênfase na noção de que seja o que for essa arte produzida, ela tem o compromisso com a subjetividade de pessoas negras: compromisso para que negros e negras possam ser humanos, possam amar e gozar. Amor, humor e gozo historicamente negados aos não-brancos no mundo colonial, tendo nossa imagem forjada, escarnecida, transformada em piada num presente. Quando finalmente as críticas necessárias conseguem reverberar, imputam-nos o título de “politicamente corretos”, lembrando sempre que no passado tudo era melhor — quando não tínhamos condição de fala.

Nesse horizonte, o filósofo camaronês Achille Mbembe considera que:

 

O racismo alimenta a necessidade de diversão e permite escapar ao aborrecimento geral e à monotonia. Parecemos acreditar que são apenas atos inofensivos, sem o significado que lhes atribuímos. Ofendemo-nos que nos policiem quando nos privam do direito de rir, do direito a um humor que nunca é dirigido contra si mesmo (autoderisão) ou contra os poderosos (a sátira, em particular), mas sempre contra o mais fraco – o direito de rir à custa daquele que pretendemos estigmatizar o nanorracismo hilariante e desordenado, bastante idiota, que tem prazer em chafurdar na ignorância e que reivindica o direito à estupidez e à violência geradas pela ignorância (MBEMBE, 2017, p. 101).

 

Maior estudiosa no país da performance negra, Leda Maria Martins utiliza o termo para designar uma elaboração que não cabe dentro dos contornos do teatro. A performance negra, em seu entendimento, está atrelada àquilo que denomina como um ethos africano — que não estaria determinado pela cor da pele, mas na cosmovisão africana, onde multiplicidade, pluralidade e ambivalência são recorrentes (MARTINS, 1995). Assim, os modos africanos de produção simbólica que persistiram aqui na diáspora são indissociáveis da performance negra, e a tornam distinta — o que não significa dizer que as ações artísticas negras não estarão igualmente marcadas pelo pensamento não-negro. É compreender que as epistemologias negras se expressam amplamente na cena, na música, na dança, nas artes visuais, na comida. Também na ginga, enquanto um desvio, como um volteio, como um movimento que sai da reta.

Leda Maria Martins situa que o sujeito negro tem seu corpo coberto por enunciados, e está aprisionado em aparências, cabendo aos seus espaços criativos denunciar ou friccionar as conotações justapostas, operando pela dissolução desses temas impostos.

bell hooks (1995) estabelece um quadro de referência para a performance negra que ajuda a compreender papéis políticos e horizontes para a produção artística de criadores afrodiaspóricos. Para a intelectual, a performance negra tanto pode se dar numa perspectiva ritualística, como parte de uma cultura construída, quanto expressar a necessidade de manipular as coisas de um mundo opressivo como estratégias de sobrevivência. Como eu disse em outro texto, a partir do pensamento de bell hooks:

 

As formas de performance negra, na sua amplitude e variedade, são pedras fundamentais na resistência — um interstício entre arte e atos de resistência — recuperação da autoestima, do orgulho de ser negro, do incentivo à mudança de lugar e posição. A principal estratégia de passagem de conhecimento sempre foi a oralidade.

A partir desse quadro, compreende-se que a performance negra tem um comprometimento indissociável social e político por forçar sua existência num mercado de arte ainda imbricado com lógicas eurocêntricas, patriarcais e de manutenção de poder. Ela produz estética com fins de discutir, sobretudo, disputar poder, reivindicar humanidade (SANTANA, 2017, p. 71).

 

A produção de si na cena e na vida

 

Nos dias em que estava mergulhada nos estudos da performance negra, produzindo este tópico, em frente ao teatro Campo Grande, quando eu me dirigia para um ensaio de Isto não é uma mulata, tive, por alguns instantes, ao meu lado uma mulher negra. Ela tinha o olhar bastante solto sem horizonte. Trazia nas mãos um pacote de amendoins, que comia com visível fome. O corpo inteiro estava pintado de branco, absolutamente coberto de tinta branca, até mesmo seus cabelos — cuja brancura da tinta, se misturava com o loiro dos cabelos descoloridos. E aquela imagem me gerou um ruído interno: seu olhar que não me via, trazia-me para a cena que eu construí: o reforço da máscara branca, que se acopla ao rosto para afirmar uma existência do sujeito.[2]  Sua presença também trouxe para perto outras performances de mulheres negras, cuja ação artística impacta meu trabalho, como Merci beaucoup, banco!, de Michelle Mattiuzzi; Tutorial, de Yasmin Nogueira e Black off, de Ntando Cele, performer sul-africana. Ali, em plena tarde agitada, apenas comendo seu amendoim e esperando a abertura do sinal, aquela mulher denunciava em silêncio operações e esquemas coloniais tão vigentes quanto naturalizados e silenciosos. Em seu alheamento, dizia silenciosamente para os carros que cruzavam a rua a sua frente: eu existo.

  A performance de mulheres negras é um lugar de “eu existo”. É uma intervenção que convoca a afirmação de sua condição humana, de articulação de sua fala e provocação de outros discursos sobre si. Ao elencar os trabalhos das artistas Yasmin Nogueira, Michele Matiuzzi e Ntando Cele, enxergo o modo como cada performer fala sobre a necessidade de afivelar uma máscara para poder existir enquanto indivíduo, e ter uma voz na sociedade. A crítica se faz em semelhança e diferença, compreendendo as poéticas de cada criadora, porém compreendendo que há pontos de passagem comuns — como se fosse necessário enfrentar determinadas questões para daí tecer outros discursos e alcançar novos horizontes.

As obras citadas compõem uma cena em que as artistas estão implicadas na presença e em todo modo de elaboração e exposição de suas questões por meio de seus corpos. As operações discursivas se dão por sobre essa tela, muitas vezes deixando de lado qualquer tipo de dramaturgia calcada na palavra, mas entendendo que o drama se dá já na fricção entre os textos historicamente criados para esses corpos.

A partir da análise de alguns elementos de Isto não é uma mulata estabelecerei um diálogo com as obras das criadoras citadas anteriormente, compreendendo as linhas que aproximam estas performances. Em uma das primeiras cenas do espetáculo, eu, autora, utilizo um fardamento genérico de trabalhadora de serviços gerais, bastante comum em prédios públicos ou empresas. Uma roupa que despersonaliza o sujeito, compreendendo um padrão pouco visível de trabalhadores ou trabalhadoras, por não ser reconhecível. No processo criativo, optamos por iniciar o espetáculo com o público tendo acesso ao teatro, onde (no foyer) me encontrará, desempenhando ações de limpeza: varrendo, organizando cadeiras, passando pano úmido no chão, buscando desempenhar o serviço do modo menos teatral (artificial) possível. Porém, uma artificialidade: uma maquiagem bastante destacada, com cores vibrantes, cílios postiços bastante exagerados e tons de pele bastante mais claros, uma rostidade embranquecida — necessária para as demais imagens que serão criadas ao longo do espetáculo (SANTANA, 2017, p. 68).

É feita aí uma referência direta à emblemática obra Pele negra, máscaras brancas (2008), em que o psicanalista Frantz Fanon aborda a questão da incorporação pelos negros dos traços brancos, culturais, sociais e de pensamento para poder existir, resistir e transitar. O negro, nascido nas ex-colônias, cresce num contexto em que tudo leva a um auto-ódio, a uma não aceitação de si — o autor fala sobre uma repugnância física, que emerge da formatação histórica de uma subjetividade do domínio (SANTANA, 2017, p. 68).

 

Uma imagem contendo luz, ao ar livre

Descrição gerada com alta confiança

Figura 1Isto não é uma mulata, de Monica Santana. | Crédito: Nti Uirá.

 

Podemos ver que:

 

No espetáculo, embora a maquiagem evoque um glamour de diva pop, o mais recorrente nas apresentações é o rosto não ser lido pelo público neste primeiro momento, pois o corpo negro, trajado de fardamento, desempenhando as funções de limpeza, acumula subalternidades exponencialmente: seu rosto não precisa ser lido de pronto. Mesmo em cartaz há dois anos, com número grande de imagens veiculadas em redes sociais e mídia, é recorrente o fato de que o público ignora que aquela mulher seja a atriz. Claro que se trata de um dispositivo utilizado — evocar uma corporalidade mais subserviente, que se rasura com o rosto festivo — para explorar a questão da invisibilidade do corpo negro: ele pode estar no espaço, o outro reconhece que está ali, mas ele não precisa ser lido, considerado, visto, é uma presença que não provoca diferença, pode ser ignorada sem prejuízo (SANTANA, 2017, p. 68).

 

Dessa forma,

Os limites de uma realidade — a do corpo negro subalternizado, reconhecido como tal pela amplitude da sociedade brasileira — são postos em cena e permitem a exploração de jogos de significação. A transição desse primeiro momento subalterno para um ruminar, seja pelo olhar, pela respiração e pelos gestos que ativam uma agressividade reprimida, mimetizam um corpo indócil, que explode e rompe os limites (SANTANA, 2017, p. 69).

 

Figura 2 – Isto não é uma mulata, de Mônica Santana. | Créditos: Diney Araújo.

 

O procedimento que descrevi, empregado no espetáculo Isto não é uma mulata, tem total diálogo com os arranjos de outras duas obras, já mencionadas, de criadoras negras no campo da performance, Merci, blanc!, da paulistana Michelle Mattiuzzi, radicada em Salvador, a performance Tutorial, de Yasmin Nogueira e Black off, de Ntando Cele.

Merci beaucoup, blanco! (MATTIUZZI, 2016) ganhou visibilidade nacional e internacional com altíssimo número de compartilhamentos, seja pelo impacto da ação desenvolvida, seja pela identificação que provoca diante de mulheres negras, sobretudo. Despida de qualquer veste, Mattiuzzi sobrepõe largas camadas de tinta branca sobre o corpo, até que sua pele escura, retinta já não possa ser vista. Agora, feita de branco, esse corpo toma diferentes posturas, diferentes contornos para denunciar que aquele corpo para tomar contorno de arte, de humano, de intelecto precisa atravessar, seja o branqueamento de sua forma, seja o branqueamento da sua experiência. A contaminação deste corpo escuro pela brancura não se dá apenas pelo viés de uma leitura estética, mas também pela denúncia em torno do corpo negro inserido no ambiente artístico e as operações que se dão ali.

A performance coloca em visibilidade o corpo nu, negro, gordo, distanciado inclusive dos contornos daquilo que se convencionou definir como algo que pode ser um corpo negro belo: formas rígidas, magras, esguias, preferencialmente traços finos. Esse corpo também afronta aquilo que, dentro dos museus e salas tradicionais de arte, convencionou-se representar como humano. Nesses espaços, o corpo negro foi representado como exótico ou primitivo. Ao cobrir-se de branco, perguntas que poderiam ser feitas são: “Agora eu sou humana?”, “Agora eu sou uma mulher?”.

 

Figura 3Tutorial, de Yasmin Nogueira. | Créditos: Adriano Machado.

 

A presença do rosto ou corpo embranquecido também se expressa na obra Tutorial, de Yasmin Nogueira, performer e artista visual baiana. A artista dispõe sobre uma mesa um conjunto de itens de maquiagem, todos tons de pele muito mais claros que o seu. Ela inicia a maquiagem criando uma densa máscara branca, que derrete para além de sua face e escorre pelo rosto e pescoço, também cobrindo os dedos. O nome Tutorial remete aos inúmeros vídeos produzidos por blogueiras, famosas ou não, que dão orientações de como maquiar-se e obter determinados efeitos. Desses efeitos, um dos mais desejados é afinar os traços ou “disfarçar as imperfeições”. Imperfeições que dizem respeito às marcas raciais, ou seja, escamotear tudo aquilo que é considerado “grosseiro” no rosto. A mobilidade plástica e a construção cultural do corpo são pontos de inquietação de Nogueira (2017), que utiliza da videoperformance como uma plataforma criativa.  Ao mostrar seu tutorial, a criadora provoca a pensar sobre a delicadeza entre a relação gênero e identidade.

Por fim, em Black off, espetáculo da sul-africana Ntando Cele (2018), dividido em três partes, temos o trânsito da personagem Bianca White — que se caracteriza pela atriz, cuja pele é embranquecida, olhos reduzidos com utilização de fitas crepes visíveis, utilizado uma peruca loira que cobre seus cabelos, e traja um quimono que reduz seus gestos e caminhada. A personagem que abre o espetáculo utilizando largas doses de ironia, ensina ao público como ser branco, como encontrar chaves comportamentais para acessar e diminuir qualquer traço racial mais aparente, seja no modo de se apresentar, seja como levar a vida. A ironia desconcertante da atriz, que apresenta um talk show, torna visível o quanto o branco é também um sujeito racial e joga com seus próprios estereótipos. A crítica que a performer encena sobre os racistas sul-africanos não se distinguiria numa representação de uma classe média embranquecida brasileira. A obra veio para o Brasil em 2017, e se apresentou nos principais festivais de teatro daquele ano, apresentando-se mais frequentemente para plateias brancas que se viram confrontadas e desconfortáveis diante da acidez da obra.

Diria que Isto não é uma mulata e Black off atravessam os mesmos elementos e pontos de discussão, operando na proximidade e na diferença. Assim como eu emprego os elementos físicos de um embranquecimento na cena, o mesmo ocorre no trabalho de Cele, lá também está o emprego de uma musicalidade afrodiaspórica para além de qualquer recorrência que convoque uma tradição ou uma própria essência do que seria uma música comum a um teatro negro. No caso dela, os músicos suíços tocam ao vivo jazz, e na terceira parte do espetáculo, punk rock. A criadora compôs uma série de canções com o punch agressivo do punk para trazer discussões presentes na obra de Fanon, não de modo didático, mas com a atitude do gênero musical que une inquietação, o inacabado e a agressividade como estratégia de presença. Embora não se reconheça amplamente, o proto-punk rock deriva de uma banda de jovens negros de Detroit (EUA), chamada Death e que nunca estourou porque as gravadoras negras do momento não consideravam mais o rock um gênero genuinamente negro.[3] No meu caso, a escolha foi pela presença de um samba alterado, recebendo a justaposição dos meus passos mixados e a utilização do funk — um gênero muitas vezes malvisto dentro da própria militância negra, por não ter compromissos com conscientizações e não trazer um discurso político explícito.

A zona intermediária do espetáculo se assemelha novamente ao modo que opero em Isto não é uma mulata. Entra em cena um espelho, em que a artista se volta e desfaz a maquiagem embranquecida. Todo movimento de limpeza aqui é ampliado pelo vídeo, que projeta seu rosto na tela — no meu caso, um gesto violento de arrancar a peruca e limpar o rosto embranquecido se dá após o longo samba.

Finalizo este artigo reafirmando o que já disse em outro texto (SANTANA, 2017, p. 77):

Como característico da performance negra, nas suas mais variadas formas de criação, a utilização de um duplo sentido é comum nestes trabalhos citados: trazer imagens que apontam para múltiplas significações, não fechar num significado unívoco, mas se utilizar de um saber ancestral e de resistência histórica em que o jogo textual – mesmo onde não haja verbo — torna possível a continuidade e a ampliação das compreensões. Martins (1995) sinaliza que as formas teatrais negras não cristalizam verdades absolutas, mas práticas de fala, jogos discursivos — a própria noção de ginga, tão cantada na cultura brasileira, que possibilita metamorfoses, segredo e luta, representa um relacionamento com o real que não almeja uma verdade universal e profunda, mas o jogo das aparências e as potências que residem ali.

O corpo como espaço de estilização retórica, ocupando o espaço social alheio, com estilos de cabelo, posturas, gingados, maneiras de falar, bem como estratégias de companheirismo e vivência em comunidade, convivendo com a apropriação, cooptação e rearticulação seletivas das culturas, ideologias e instituições europeias, em conjunto com o patrimônio africano, é resistente na diáspora e nas criações aqui vigentes.[4]

Atravessando encruzilhadas de sentidos, talvez guiadas por Exu, orixá do panteão iorubano, amplamente reverenciado na cultura afro-brasileira, que evoca ambivalência, multiplicidade, caracterizando um princípio dinâmico de individualização, comunicação e interpretação (MARTINS, 1995).

A partir do olhar sobre essas obras, que estão dentro dos horizontes de uma produção de performance negra contemporânea, podemos compreender o quanto há de ampliação de uma consciência sobre ser uma mulher negra, do seu devir, que emerge das artistas para seu público, entendendo que essas reverberações são como ondas que afetam a cultura. Corpos afetados por laços de pertencimento, encontros, dores, alegrias e modos de transitar, fazer, resistir. Modos que explodem na cena convocando a mudanças, conclamando outras formas de agir e existir.

 

 

Referências

 

 

BARTHES, Roland. A morte do autor. Site Filosófica Biblioteca. 1967. Disponível em https://filosoficabiblioteca.files.wordpress.com/2013/10/barthes-a-morte-do-autor-2.pdf. Acesso em: 02 mar. 2021.

CELE, Ntando. Ntando Cele: “Não estou aqui para ser negra”. [Entrevista cedida a] Ivan Martins. Revista Arte! Brasileiros, São Paulo, julho de 2018. Disponível em: https://artebrasileiros.com.br/arte/ntando-cele-nao-estou-aqui-para-ser-negra/. Acesso em: 02 maio 2021. (online).

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Recebido em: 01/02/2021.

Aceito em: 08/04/2021.

DOI: https://doi.org/10.46906/caos.n26.57501.p55-70

 

 

 



* Doutoranda e mestre em artes cênicas pelo Programa de Pós-Graduação em Artes Cênicas da Universidade Federal da Bahia/Brasil. E-mail: monicasantana.jornlaista@gmail.com.

[1] Tradução livre, a partir da citação direta da obra de W. B. DuBois feita por Patrick Johnson.

[2] De acordo com Frantz Fanon (1968), o sujeito colonizado, mais ainda o sujeito negro, emprega a máscara branca (que não é uma justaposição física, mas adoção ao pensamento eurocêntrico, uma submissão ideológica e estética) como uma estratégia de sobrevivência e afirmação de sua própria humanidade. Assim, procedimentos estéticos que alterem o corpo, os cabelos, modos de vestir, uso de palavras, validação acadêmica, escolha do parceiro afetivo, modo de produção. Vivendo num mundo branco, em que tudo aquilo que é bom, civilizado, inteligente, digno de respeito é branco, não há outra estratégia senão estar aproximado deste modelo para se distinguir, para continuar existir e não ser aplacado pelas políticas da morte.

[3] O documentário A band called Death, de Jeff Howlett e Mark Corvino (2012), torna pública a história da banda que fora ignorada pelas grandes gravadoras e cuja inovação musical só pôde ser reconhecida quatro décadas depois, quando o seu material chegou às mãos de colecionadores. Ver:  https://www.tenhomaisdiscosqueamigos.com/2020/06/04/death-punk-antes-do-punk/.

[4] Para Hall, os repertórios culturais negros forjam algo muito mais subversivo do que se pensa — não existe forma pura, ao pensar cultura negra na diáspora: “Todas essas formas são sempre o produto de sincronizações parciais, de engajamentos que atravessam fronteiras culturais, de confluências de mais de uma tradição cultural, de negociações entre posições dominantes e subalternas, de estratégias subterrâneas de recodificação e transcodificação, de significação crítica e do ato de significar a partir de materiais preexistentes.” (HALL, 2003, p. 325).

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