EMPATIA, TRABALHO E ENVOLVIMENTO NA CONSTRUÇÃO DE UMA WEB PARA TODOS: ENTREVISTA COM REINALDO FERRAZ EMPATHY, WORK AND ENGAGEMENT IN A CONSTRUCTION OF A WEB FOR ALL: INTERVIEW WITH REINALDO FERRAZ EMPATÍA, TRABAJO Y COMPROMISO EN LA CONSTRUCCIÓN DE UNA WEB PARA TODOS:ENTREVISTA a REINALDO FERRAZJoana berlarmino de sousa1ana moura2Data da entrevista: 29/10/2021Publicação: 22/12/20211 Jornalista, Doutora em Comunicação e Semiótica pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, 2004. É professora Titular do Curso de Jornalismo da Universidade Federal da Paraíba, tendo iniciado a docência em 1994. Vice-coordenadora do Programa de Pós-graduação em Jornalismo da UFPB.Orcid ID: https://orcid.org/0000-0002-7276-0688 E-mail: joanabelarmino00@gmail.com 2 Graduanda em Jornalismo na Universidade Federal da Paraíba (UFPB). Bolsista no projeto de extensão monitoramento da acessibilidade aos conteúdos jornalísticos dos portais de notícias paraibanos. Voluntária no projeto de pesquisa Interface Comunicação - Saúde no combate à pandemia da covid-19: gestão de conteúdo nas nas mídias sociais, combate à fake news e desinformação.Orcid ID: https://orcid.org/0000-0003-1322-9325 E-mail: joanabelarmino00@gmail.comAcessibilidade na web, diretrizes internacionais de acessibilidade, uso de validadores e muitas outras questões fazem parte da entrevista feita por Joana Belarmino de Sousa e Ana Moura com o especialista em acessibilidade na web, Reinaldo Ferraz. Embora em pleno século XXI, com a rede mundial de computadores plenamente consolidada, e, em certa medida, tendo as pessoas com deficiência presentes nos ambientes online como utilizadores, o tema da acessibilidade às páginas web, aos aplicativos e dispositivos ainda é pouco discutido por desenvolvedores e distribuidores de conteúdos.É certo que, desde os anos noventa do século XX, o tema da acessibilidade na web tem sido tratado com seriedade pelo Consórcio Mundial W3C, organismo internacional, reunindo empresas, instituições, pesquisadores e desenvolvedores responsáveis pela elaboração, testagem, atualização e difusão dessas diretrizes junto aos países associados. No Brasil, entretanto, dados de pesquisas revelam que uma web acessível a todos ainda é um sonho que precisa ser perseguido todos os dias.De fato, em nosso país, menos de 1% dos sites públicos têm níveis aceitáveis de acessibilidade. Os sites comerciais, por sua vez, na sua grande maioria, não agregam estratégias de acessibilidade em seus ambientes online. Serviços de vendas são frequentemente alvos de queixas de utilizadores com deficiência visual, que nem sempre conseguem realizar suas compras ou consultas, pois defrontam-se com barreiras de acesso para as tarefas mais simples exigidas pelos sites.Para navegar na internet com conforto e pleno acesso à informação, pessoas com deficiência visual utilizam-se de leitores de tela, interfaces que ecoam com voz todas as rotinas feitas no computador ou no smartphone. Pessoas com deficiência auditiva, navegam com a utilização de tradutores de Libras, transcritores de áudio e utilização de legendas.A maior parte dos sites brasileiros não leva em conta esses usuários especiais, e, em geral, desenvolvem ambientes que não são apropriados para usuários de leitores de tela. Os sites não empregam tradutores de Libras, legendas de áudios, e legendas de imagens para pessoas cegas. Usuários com baixa visão, assim como pessoas com mobilidade reduzida e problemas motores, também enfrentam dificuldades específicas para navegarem na internet.A discussão é desafiadora e complexa, como Reinaldo Ferraz explora nessa entrevista, que foi realizada online, num ambiente descontraído. O especialista utilizou-se de linguagem coloquial, e manifestou sua verdadeira “paixão” pela acessibilidade na web, tema que o preocupa desde sua formação inicial até a atualidade. Otimista, ele avalia que já avançamos e que, para termos uma web acessível, não basta apenas cuidar da esfera técnica. Para ele, é preciso haver empatia para a importância dessas estratégias para pessoas com deficiência. Ressalta que todo e qualquer ambiente já deveria ter a acessibilidade implementada desde o princípio do processo, já a partir do planejamento.Destaca que o monitoramento, o controle, e, sobretudo, a avaliação da acessibilidade feita em etapas, que incluem também a verificação do utilizador com deficiência, são fundamentais para avançarmos no projeto de uma web realmente para todos. Reinaldo Ferraz graduou-se em Desenho e Computação Gráfica, com pós-graduação em Designer de Hipermídia, pela Universidade Anhembi/Morumbi, em São Paulo. Trabalha com desenvolvimento web desde 1998, é coordenador das iniciativas de acessibilidade na web do NIC.br e projetos relacionados a Open Web Platform, integrando grupos de trabalho no W3C, no NIC.br e projetos relacionados a Open Web Platform. É autor de quatro livros, sendo dois deles em acessibilidade na web. Conforme comenta em suas entrevistas, é “...apaixonado por acessibilidade, usabilidade, padrões web, HTML, CSS e café sem açúcar”.Pergunta Revista CM: Bom, inicialmente, Reinaldo, gostaríamos que você falasse um pouco do movimento Web para Todos. Você ainda faz parte desse movimento e que avanços você poderia dizer que ele alcançou nos últimos anos?RESPOSTA REINALDO FERRAZ: Sim, a gente ainda faz parte do Web para Todos É um movimento que tem ganhado bastante repercussão porque a ideia é conscientizar cada vez mais as pessoas da importância da acessibilidade. Temos uma abordagem muito legal, que é ir além da questão técnica e apresentar para população em geral dois pontos importantes. Primeiro, que a acessibilidade digital não é uma questão só técnica, envolve uma série de participantes, desde designer, conteudistas, pessoas que vão planejar uma aplicação digital. E, segundo, que a acessibilidade beneficia todo mundo. Todas as pessoas são beneficiadas quando a gente tem uma aplicação acessível. Eu acho que tem um caminho ainda muito grande a ser trilhado e que o movimento pode ajudar um pouco a facilitar essa conscientização sobre o tema. É muito legal pensar esse tipo de situação, tanto no Web para Todos como em outras iniciativas de acessibilidade, porque a gente sempre discute que o mundo ideal seria aquele em que a gente não precisasse mais de iniciativas como essa e que a acessibilidade já fizesse parte do nosso dia a dia no desenvolvimento de aplicações. Seria o mundo em que a gente já pensasse na acessibilidade desde o início e que não precisasse ter pessoas falando sobre o tema. Infelizmente, ainda é algo que precisa ser feito. Acessibilidade ainda não é levada em consideração. Ainda tem um longo caminho de conscientização pela frente e acho que o Web para Todos tem feito muito bem esse papel. P: Você poderia falar um pouco da constituição do Web para Todos: quem participa dele, como é que se pode participar? Você diria que no Brasil ele já alcançou um nível de participação muito importante na acessibilidade digital?R: O movimento Web para Todos é uma organização, um conjunto de pessoas que se reúnem para fazer iniciativas para a acessibilidade, para conscientizar sobre acessibilidade. Tem um fator muito importante que são as instituições que participam do movimento. Nós participamos, eu sou do NickBR, no Ceweb BR, e nós somos embaixadores do movimento, mas qualquer pessoa pode participar. Normalmente as empresas acabam fazendo parte do movimento colocando o login ou então planejando algumas iniciativas em conjunto com o movimento. Mas é um movimento superaberto. As pessoas sempre estão disponíveis para conversar e é importante sempre ter mais gente envolvida com a acessibilidade. P: Você diz nas suas entrevistas que hoje você é um apaixonado pela acessibilidade e que começou a pesquisar por causa de uma amiga, uma pessoa que você conheceu. Gostaríamos que você apontasse alguns dos seus entendimentos, das suas realizações, como você avalia essa sua paixão e o que você fez pela acessibilidade no Brasil?R: Nossa… [Risos] Deixa eu pensar como é que eu poderia responder. Bom, primeiro, a Leda é uma pessoa fantástica. Eu falo que a Leda, o Marco Antônio Queiroz, o Horácio, foram os meus mentores que me iniciaram nesta área de acessibilidade. Eu sou muito grato a eles. Com a Leda, eu ainda tenho um contato muito próximo, a gente ainda faz alguns projetos juntos. Então é uma delícia poder conversar com ela, trocar um pouco das experiências de acessibilidade. Eu sou muito fã dela e fico muito grato por poder, não só ter aprendido com ela, mas mantê-la como um contato próximo porque ela é uma pessoa extremamente envolvida com o tema da acessibilidade, é uma das grandes referências da acessibilidade no Brasil. E sim, eu acho que quem se envolve com esse tema dificilmente não se apaixona, não entra de cabeça. Envolve questões que vão além de simplesmente desenvolver uma aplicação, de fazer alguma coisa técnica para você entregar para um cliente. Eu diria que você pode transformar a vida de alguém simplesmente porque você está fazendo as coisas corretamente. Você pode trabalhar de uma forma que pode implementar certos detalhes em código e eliminar uma barreira de acesso para uma pessoa. Em 2004 eu comecei a me envolver com o tema e, se eu olhar para trás e tentar pensar nas coisas que eu me envolvi, eu vejo as iniciativas do NIC.BR, do ceweb BR, que é onde eu trabalho, e conseguimos colocar um esforço muito grande para tornar isso um pilar das nossas iniciativas. Tudo que a gente faz se baseia no pilar da acessibilidade. A gente tem que pensar sempre em acessibilidade. Se a gente pensar em um projeto de internet das coisas, por exemplo, tem que ter uma interface com a acessibilidade. Se a gente vai fazer um evento, esse evento tem que contar com acessibilidade. Se a gente contrata um fornecedor para fazer uma aplicação, a gente sempre tem a preocupação que esse fornecedor conheça a acessibilidade para poder colocar isso em prática. Então dentro do NIC.BR a gente consegue pensar que a acessibilidade é algo obrigatório para considerar em nossos projetos. Todo trabalho, eu poderia dizer, que é feito de coração, eu acho que ele está muito em compartilhar conhecimento. Eu acho que as pessoas que me iniciaram nessa área compartilharam seu conhecimento comigo, e minha missão também é compartilhar conhecimento. É poder levar isso adiante para que outras pessoas comecem a fazer. E é muito gostoso ver, principalmente jovens, envolvidos com acessibilidade. A gente faz eventos, reuniões, e às vezes tem pessoas novas que estão envolvidas com esse tema, isso é muito legal. Se eu pensar em legado, talvez eu pense um pouco nisso: que esse tema continue sendo discutido enquanto ele ainda for necessário e que as novas gerações comecem a se envolver com ele. P: Um levantamento feito pela plataforma Web para Todos e a BigData aponta que somente 0,74% dos sites brasileiros têm acessibilidade. Como a gente faz para despertar o conceito e a importância da acessibilidade no país? E o que traz os jovens para trabalhar com esse tema? R: A questão da acessibilidade, quando a gente fala de sites, é algo muito sutil. Quando a gente fala de acessibilidade, a gente está falando se é ou não é acessível. Muitas vezes a acessibilidade está envolvida com barreiras de acesso. Então a gente verifica se o site está em conformidade com todos os testes e muitas vezes você tem um site que não passa por um pequeno detalhe, por uma coisinha pequena, e acaba entrando para a lista dos não acessíveis. Muitas vezes a gente leva a questão da acessibilidade como “se eu passar simplesmente uma ferramenta de verificação eu já garanto a acessibilidade”, e não é por aí. A acessibilidade é algo muito além. Existe um trabalho de conscientização muito grande. Inclusive, a gente está até fazendo um trabalho dentro do NIC.BR de verificação de sites governamentais para tentar ver até o nível de conformidades que eles têm com as diretrizes do EMAG, que é um modelo de acessibilidade do Governo Eletrônico. É um trabalho que a gente pretende lançar em breve para tentar ter esse tipo de métrica. Mas eu acho que esse número, mesmo assim, não é bom. Menos de 1% dos sites acessíveis não é bom. Até pela indicação do histórico dessa pesquisa, dá para perceber que o número de sites que passaram por determinada barreira aumentou. Mas continua ruim. A acessibilidade ainda continua ruim. P: Como você avalia as empresas privadas em relação à acessibilidade?R: Sobre os sites, eu acho que ainda existe um caminho muito longo para se percorrer. Já melhorou bastante, principalmente pensando no setor privado. Quando eu comecei, eu lembro que a gente discutia acessibilidade e o setor privado nunca foi muito próximo dessas questões e, um pouco antes da Lei Brasileira de Inclusão ser sancionada, a gente já começou a ver um movimento de empresas, um movimento proativo. Fomos procurados por empresas dizendo: “Olha, eu quero entender de acessibilidade porque eu não quero ser multado, eu não quero ser autuado." Mas por outro lado, tiveram várias empresas, acho que a maioria, falando: “Poxa, surgiu uma lei nova. É muito interessante esse tema, a gente queria acompanhar, a gente queria estar à frente desse processo.” Então, participamos de associações de empresas de tecnologia e de diversos grupos de empresas que queriam a acessibilidade por uma questão de inclusão. E claro, eles sabem que para além da acessibilidade, envolvendo todo o aspecto humano, eles estão dando acesso às pessoas com deficiência e que essas pessoas também são consumidoras, então essas pessoas também vão fazer parte desse processo.P: Você mencionou a participação cada vez maior dos jovens na discussão da acessibilidade. O que os trazem para essa área? R: Eles são muito abertos para esse tipo de movimento, não só para o movimento de inclusão, mas também para o de diversidade. O jovem está com uma cabeça muito mais aberta para poder ouvir, acompanhar e conhecer questões relacionadas à diversidade e, pensar em acessibilidade, é você também conhecer outras pessoas que são diferentes de você, que enxergam, se movem e escutam diferente. A gente está em um momento importantíssimo de falar sobre diversidade, e a deficiência também faz parte dessa discussão de diversidade. Eu acho que precisa ser contemplada também. P: Reinaldo, uma pesquisa feita em 2008 com mais de duzentos desenvolvedores de ambientes e aplicativos virtuais constatou que menos de 1% deles sabia que pessoas com deficiência usavam a internet, sobretudo com deficiência visual e auditiva. Você acha que ainda é um solitário no desenvolvimento e luta pela acessibilidade na web ou essa realidade mudou? R: Não, eu não acho que sou solitário. Tem bastante gente participando disso, inclusive, eu tenho percebido que, não só desenvolvedores, mas iniciativas para desenvolvedores. Então você começa a trazer essa questão da acessibilidade para que os desenvolvedores também conheçam esse cenário. Eu até acho que, se pensar que era uma pesquisa de 2008, eu acho que esse número aumentou. Talvez pode não ter aumentado a ponto da pessoa ser um especialista em acessibilidade, mas ela já conhece as principais boas práticas da acessibilidade para poder tornar o conteúdo acessível. Eu acho que melhorou bastante. Eu sempre penso que ainda falta muito para ser perfeito, mas eu acho que melhorou bastante. P: Você acha correto dizer que as grandes indústrias de tecnologia, como Google, Amazon, Apple, estão fazendo a lição de casa no capítulo da acessibilidade à web, aos aplicativos e à distribuição de conteúdo? É correto dizer isso ou não?R: Eu acho que seria correto. Tanto o Google como a Apple possuem guias de desenvolvimento que apontam para diretrizes de acessibilidade, tanto o W3C, ou até boas práticas de acessibilidade, para que o aplicativo que você vai desenvolver para a plataforma seja acessível. Talvez eles acabem encontrando barreiras ou coisas mais complexas. Às vezes cria-se uma aplicação, por exemplo, como um mapa ou uma aplicação muito mais ampla, mais robusta, visual. Mas eu acho que eles têm uma preocupação com isso sim. Eu não saberia mensurar o nível dessa preocupação, mas acho que eles já oferecem esses recursos de tecnologia assistiva. Tem uma série de questões que eles abordam também com relação à acessibilidade. Poderia melhorar? Poderia. E esse é o nosso papel como consumidor do produto, se a gente encontrar alguma barreira de acesso, alguma dificuldade em algum dos serviços deles, a gente entra em contato e exige essa correção, exige que essa aplicação seja acessível. P: Então, nós lemos uma entrevista sua que diz assim: “A acessibilidade é uma questão de empatia”. E é verdade. Mas, além da empatia, parece que falta também um processo de monitoramento e fiscalização, que alguns países já fazem muito bem. Por exemplo, a gente tem pesquisas que dão conta de que menos de 1% dos sites públicos brasileiros implementaram estratégias de acessibilidade. Aí eu pergunto, será que não precisamos de algo mais além da empatia?R: Sem dúvida. Eu acho que a Lei Brasileira de Inclusão veio com esse objetivo de tentar colocar a acessibilidade em aplicações digitais como algo necessário. Existe um parágrafo específico para isso, inclusive, nós do NIC.BR, temos um grupo de especialistas que ajudou a colaborar com essa parte da Lei. Não adianta a gente simplesmente dizer “olha, os sites têm que ser acessíveis”, você precisa dizer como eles devem ser acessíveis. Então essa, talvez, seja uma das grandes barreiras porque você tem a Lei Brasileira de Inclusão que diz que os sites têm que ser acessíveis segundo boas práticas e diretrizes internacionalmente adotadas, mas não se diz como. Esse, talvez, é o ponto que falta, porque sem ele você não consegue auditar, você não consegue ter exatamente essa fiscalização necessária que já existe em outros países. Em outros países você tem uma série de situações que exigem esse tipo de conformidade, coisa que aqui a gente ainda não tem. Quem sabe no futuro a gente possa pensar em leis ou até em questões que possam trazer essa obrigatoriedade da acessibilidade, ou até a forma da gente avaliar essa acessibilidade para saber se está ou não em conformidade com a Lei Brasileira de Inclusão. Eu acho que a empatia é fundamental para a gente poder começar a pensar em fazer, porque a gente sabe que a acessibilidade é importante, mas não dá para levar em consideração que todos vão ter empatia. Têm alguns que simplesmente não querem, não se preocupam, não se interessam em fazer a acessibilidade e não se sensibilizam com isso. Eles pensam que isso vai dar trabalho, porque vai ser difícil, vai custar caro, então a minha empatia vai para o espaço no momento que envolve essas questões. Mas quando você tem uma legislação exigindo esse tipo de coisa, eu acho que a gente tem algo maior para nos dar respaldo.P: Os validadores de internet são uma ferramenta muito importante e, em muitos trabalhos de universidades, os alunos acabam utilizando esse método de análise como uma primeira e única etapa de avaliação. Mas, afinal, os validadores foram feitos para desenvolvedores ou para qualquer pessoa que queira monitorar a qualidade da acessibilidade em um site? R: Eu acho que tem para os dois públicos. Existem alguns validadores que acabam tendo um pouco mais de informação técnica porque ele avalia o código da página e diz: “olha, isso tá em conformidade e isso não tá”. As pessoas que conhecem pelo menos um pouquinho de HTML, conseguem compreender o que os validadores estão exigindo. Mas o que eu acho interessante na questão do validador, eu sempre bato nessa tecla, só um validador não garante acessibilidade. Ele não confirma a acessibilidade. Ele vai verificar coisas específicas: se o código está escrito corretamente, se as imagens têm um atributo de texto alternativo preenchido, se a estrutura de cabeçalho está adequada. Só que um validador não consegue perceber se uma foto, por exemplo, do Cristo Redentor tem um texto alternativo adequado a ela. Se estiver escrito “Foto do Cristo Redentor”, ou simplesmente um espaço em branco, para o validador é a mesma coisa. Ele só identifica se tem conteúdo ou não. Ele ajuda a verificar várias questões específicas, mas a verificação humana ainda é muito importante. Muitas vezes você tem um site que não tem erro nenhum no qual você não consegue navegar. Eu fiz até um estudo sobre isso, já faz alguns anos: eu criei um site que é totalmente inacessível. O Código está escrito corretamente, mas o site é totalmente inacessível. Você não consegue navegar com o leitor de tela, não consegue navegar olhando para a tela porque é uma tela branca. Só que quando você passa esse código nos validadores, ele passa sem erros. Mas é importante a gente pensar que tem que ter uma verificação do usuário. Tem que ter uma verificação humana para a gente poder atestar efetivamente se tem acessibilidade ou não. P: No seu livro, Acessibilidade na Web, você diz assim: “Um site plenamente acessível, por exemplo, é aquele em que a pessoa que tenha deficiência visual só precise usar TAB, ENTER E SETA” para navegar. Você conhece algo dessa natureza? Um site totalmente acessível?R: Nesse caso, é algo mais específico. Falar de acessibilidade 100%, plena, perfeita, eu acho que não existe. A acessibilidade envolve uma série de fatores, então, nesse caso que eu falei, você conseguir navegar por um site com teclado, é um grande passo porque beneficia pessoas com deficiência visual e deficiência motora. Só que, mesmo com um site totalmente acessível com todos esses recursos, ele pode, por exemplo, ser inacessível para uma pessoa com baixa visão, pode não ter o contraste adequado. Ou uma pessoa surdo-cega, ela não consegue, talvez, aumentar o tamanho da fonte ou algum conteúdo pode não estar acessível. Mas existem alguns sites que têm feito alguns trabalhos legais. Acho que até os sites do próprio movimento Web Para Todos tem um nível de acessibilidade que eu acho muito bom. P: Nós falamos muito em barreiras de acesso na web, mas existe um aspecto que não é muito tratado. Às vezes, as barreiras começam no próprio usuário que não recebeu informação informática para utilizar adequadamente o computador, o smartphone ou os leitores de tela. Você classificaria isso como uma barreira de acessibilidade? De que tipo? Será que não está na hora das organizações pensarem mais na formação para o uso da web? R: Quando a gente fala de acessibilidade na web, a gente pensa em alguém que consegue ligar o seu computador, ou o seu celular, abrir o navegador e digitar o endereço para navegar. Muitas vezes você tem situações de pessoas que se tornaram pessoas com deficiência há pouco tempo. Pessoas que perderam a visão, a audição e podem ter dificuldade nesse processo de começar a compreender como funciona, por exemplo, o computador ou o celular sem a visão, a audição, movimento ou com a cognição limitada. Existem movimentos, acho que até dos próprios fabricantes, para você tentar configurar para que fique mais fácil. Eu sei que tem smartphones que conseguem ser controlados com o movimento de cabeça, gestos, o problema é que, para as pessoas que não tem conhecimento em tecnologia, isso também acaba sendo difícil. Eu acho que ainda tem um processo de tentar facilitar esse tipo de acesso para o usuário. Acho que a acessibilidade e a usabilidade sempre caminham juntas. Tem que ser simples para o usuário para ele poder compreender e executar ações. Muitas vezes essas ações não são tão claras. P: Com a pandemia da covid-19, a Internet foi o principal meio de informação e comunicação. Instituições de Israel fizeram uma pesquisa analisando sites de notícias sobre a covid-19 em 169 países. O resultado foi que 89% desses países possuíam sites inacessíveis. Como você avalia essa situação e se, a partir dessa situação? Os pesquisadores da área conseguiram evidenciar algo que antes não era tão evidente? R: A questão da tecnologia se mostrou essencial na pandemia. Todo mundo precisou usar celular, computador, internet, principalmente aula web. E, realmente, essa questão de sites com barreiras de acesso é algo muito grave. É o caso de pessoas que não precisaram usar o computador por muito tempo e, de repente, se viram obrigadas a ficar o dia inteiro na frente de um computador trabalhando por causa da questão da pandemia. A gente lá do NIC.BR fez uma pesquisa para avaliar a acessibilidade de ferramentas de videoconferência. Foi no final do ano passado. Nós analisamos seis ferramentas: Google Meet, Zoom, Microsoft Themes, Webex, Jistsi Meet e Ubuntu. Nós fizemos reuniões com cada um deles com pessoas com deficiência. Nós marcamos reuniões, mandamos emails para os voluntários como se fosse uma reunião. Eram pessoas com deficiência visual, auditiva e pessoas sem deficiência, nós pedimos para fazer a navegação por teclado. E o que nós pudemos perceber disso é que, nas ferramentas de videoconferência, existe uma certa inconsistência, principalmente de interface. Eu até percebi que o Google Meet mudou sua interface nos últimos tempos, mas antigamente ele era assim: você tinha o botão do microfone, o botão de desligar e depois o botão da câmera. Então, o botão de desligar no meio dos botões para desabilitar e habilitar microfone e câmera? Isso foi uma coisa que as pessoas que participaram dessa pesquisa perceberam. E perceberam, por exemplo, ferramentas com redundância de tradução, ferramentas em português que o áudio para o leitor de tela vinha em inglês. A gente percebeu isso: as ferramentas ainda tem barreiras, algumas simples, outras um pouco mais complexas, mas percebemos que as pessoas precisam se conscientizar em fazer apresentações acessíveis também. As pessoas precisam pensar que nem todas as pessoas que estão ali estão enxergando ou escutando aquele conteúdo. E essas ferramentas ainda não conseguem entregar esse tipo de acessibilidade, como, por exemplo, legendas automáticas. Algumas delas geram legendas automáticas, só que em inglês. Então, para a gente ainda não se resolve. Já se percebe que é um primeiro passo? Sim, mas eu acho que ainda é uma barreira de acessibilidade.P: Você acha que o trabalho para trazer a acessibilidade aos dispositivos e aos ambientes ainda é um trabalho muito duro e que vai chegar uma época em que os algoritmos vão fazer esse tipo de atividade, já entramos na era do trabalho dos algoritmos?R: Eu acho que o trabalho é duro quando a gente não leva a acessibilidade em consideração desde o início. O que acontece? As pessoas desenvolvem uma aplicação. Quando está pronto diz: “agora testa a acessibilidade”, quando a acessibilidade deveria começar desde o início do processo. Então tem que pensar em tamanho de fonte, a possibilidade de aumento da fonte, contraste, navegação por leitor de tela, onde haverá imagens para serem descritas, estrutura de cabeçalho. Uma série de coisas que, se fossem pensadas lá no início, não seria um trabalho de força bruta no final. Por isso eu sou muito a favor da conscientização. Se a gente conseguir conscientizar as pessoas de que a acessibilidade faz parte contínua desse desenvolvimento, ela tem que estar lá desde o início do projeto, você não teria esse trabalho árduo de pensar na acessibilidade quando tiver a aplicação pronta. Então eu acho que o trabalho duro, principalmente, está relacionado a isso: conscientizar as pessoas sobre isso. A gente já tem hoje inteligência artificial que consegue acertar algumas coisinhas de acessibilidade. Por exemplo, as aplicações do Facebook e do Instagram possuem um algoritmo que consegue detectar uma imagem e descrever o que pode ter na imagem. Isso até em português. No Facebook eu já fiz esse teste de publicar uma foto sem texto alternativo e depois, quando eu vou inspecionar o código ele fala: “Essa foto pode conter uma pessoa ao ar livre de braços abertos”. Então já começa a detectar imagens. Mas é muito complicado, você tem que entender todo o contexto. No Twitter já é diferente porque ele não tem uma ferramenta de geração automática de texto alternativo, por exemplo. Mas ele permite, de uma forma muito simples, colocar um texto alternativo nas imagens que são complicadas. Isso eu acho muito legal, você mostrar para as pessoas que é simples. No caso do Instagram, o texto alternativo aparece como configurações avançadas. Mas por que o texto alternativo aparece nas configurações avançadas? Ele tem que ser uma configuração básica. P: A gente falou sobre representatividade e diversidade, e nós queremos saber como é essa representatividade nos jogos. Já vemos essa representatividade de pessoas negras e LGBT’s, mas na acessibilidade, como funciona? R: Então, já vem ganhando espaço também. Eu adoro jogar vídeo game, então eu acompanho essa parte. Saiu um jogo no ano passado para PlayStation 4 chamado The Last of Us 2. É um jogo violento para adultos, com uma história muito densa, mas é um jogo que foi muito falado pelos seus recursos de acessibilidade. Ele foi produzido pensando em pessoas que têm baixa visão. Então, se você habilitar essa configuração, você consegue perceber personagens com cores mais fortes. Por exemplo, o personagem principal fica numa tonalidade em vermelho mais forte e o fundo um pouco mais apagado. Para pessoas com deficiência auditiva, você tem legendas em todo o processo ou então eles mostram de onde está vindo um determinado som. Para pessoas com deficiência visual total, eles colocam recursos que podem acompanhar os caminhos por áudio. Então você vai caminhando em determinado ponto e vai ouvindo o som ficando mais forte. E tudo o que é texto tem uma descrição, como se fosse um leitor de tela. Ele transmite informação em texto para áudio e tem descrição de determinados conteúdos. Esse jogo foi premiado inclusive por questões de acessibilidade. E eu acho que é muito legal você ter um jogo Blockbuster que se envolve com a acessibilidade, começa a promover a acessibilidade como um recurso que é um diferencial de mercado para que outras empresas também comecem a pensar “Opa, peraí, eu também quero fazer parte disso”, e começa a virar uma corrente do bem para que as pessoas comecem a participar e colocar esses recursos de acessibilidade. Mas eu percebo que esse movimento começou ainda talvez de forma muito branda. Poderia ser um pouco mais forte, mas esse é um exemplo que eu levo para várias situações com pessoas com deficiência ou com alguma limitação específica. Referências FERRAZ, Reinaldo. Acessibilidade na web. São Paulo: Editora Senac, 2017. ______. Acessibilidade na web: boas práticas para construir sites e aplicações acessível. São Paulo: Casa do Código (Grupo Alura), 2020. SOUSA, Joana Belarmino de. A acessibilidade como campo de pesquisa: um panorama e os desafios investigativos no século XXI. Benjamin Constant (Rio de Janeiro), v. 19, p. 20, 2013. ______. Tactibilidade e Mobilidade: o desafio da acessibilidade nos agregadores de notícias. In: Fernando Firmino da Silva. (Org.). Transmutações no jornalismo. 1 ed. Campina Grande: EDUEPB, 2016, v. 1, p. 119-144.______. Cegueira, Acessibilidade e Inclusão: Apontamentos de uma Trajetória. Psicologia Ciência e Profissão, v. 38, p. 564-571, 2018.Como citar este artigoSOUSA; Joana Belarmina de; MOURA, Ana. Empatia, trabalho e envolvimento na construção de uma web para todos: entrevista com o Especialista em Acessibilidade Reinaldo Ferraz. Revista Culturas Midiáticas, João Pessoa, v. 15, pp. 44-60, 2021. DOI: https://doi.org/10.22478/ufpb.2763-9398.2021v15n.61278. PAGE \* Arabic \* MERGEFORMAT 60V. 15 - ISSN 2763-9398 - 21/12/2021 - DOSSIÊ TEMÁTICO: COMUNICAÇÃO, ACESSIBILIDADEE REPRESENTAÇÃO DE PESSOAS COM DEFICIÊNCIADOI: HYPERLINK "https://doi.org/10.22478/ufpb.2763-9398.2021v15n.61278" https://doi.org/10.22478/ufpb.2763-9398.2021v15n.612784483471378460ISSN 2763-939800ISSN 2763-9398-1099184-457199iVBORw0KGgoAAAANSUhEUgAAAtYAAACNCAYAAACTxj3bAABHoklEQVR42u2dB3xc1ZX/j6xmq4+6
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