POR QUE AS FAKE NEWS TÊM ESPAÇO NAS
MÍDIAS SOCIAIS?
uma discussão a luz do comportamento infocomunicacional e do marketing digital

WHY DOES FAKE NEWS HAVE SPACE ON SOCIAL MEDIA?
a discussion in the light of infocommunicational
behavior and digital marketing

Barbara Coelho Neves1

Jussara Borges2

RESUMO

Este artigo apresenta o comportamento dos estudantes ao interagirem com fake news no contexto das mídias sociais. O intuito foi discutir o contexto informacional desses usuários que utilizam as mídias sociais para propagar informações falsas e características dos cenários utilizados, atualmente, nas mídias sociais digitais. Nesse sentido, tem como objetivo a compreensão acerca do comportamento infocomunicacional dos alunos que utilizam suas redes sociais na Internet como meio de comunicação e para busca e recuperação da informação. Os objetivos específicos pretenderam analisar o comportamento desses usuários nas mídias sociais digitais, perante as Fake News, e identificar quais recursos são destacados como necessários para combater a propagação de notícias falsas na Internet. A metodologia é composta por pesquisa com abordagem qualitativa, com método descritivo, do tipo bibliográfica. Foi realizada uma contextualização entre a nova realidade digital e todas as classes sociais, levando em consideração que os mais jovens e escolarizados são os que mais acessam a Internet. Como resultado, destaca-se alguns recursos que podem ser necessários para promover um comportamento dos estudantes, visando combater a proliferação de notícias falsas por meio digital. Conclui-se alertando para a importância de se considerar o comportamento infocomunicacional dos alunos perante as mídias sociais, ressaltando o papel do bibliotecário e do professor, principalmente, no que tange à identificação, disseminação, difusão e recuperação de notícias falsas e verídicas por meio das mídias sociais digitais.

Palavras-chave: Comportamento infocomunicacional. Fake News. Mídias sociais. Marketing Digital. Ensino-aprendizagem.

ABSTRACT

This article presents the behavior of students when interacting with fake news in the context of social media. The aim was to discuss the informational context of these users who use social media to propagate false information and characteristics of the scenarios used today in digital social media. In this sense, it aims to understand the infocommunicational behavior of students who use their social networks on the Internet as a means of communication and to search and retrieve information. The specific objectives were intended to analyze the behavior of these users in digital social media, before Fake News, and to identify which resources are highlighted as necessary to combat the spread of fake news on the Internet. The methodology consists of research with a qualitative approach, with a descriptive method, of bibliographic type. A contextualization was carried out between the new digital reality and all social classes, taking into account that the youngest and most educated are those who access the Internet the most. As a result, some resources that may be necessary to promote student behavior are highlighted, aiming to combat the proliferation of false news through digital media. It concludes by alerting to the importance of considering students’ infocommunicational behavior in the face of social media, emphasizing the role of the librarian and the teacher, especially with regard to the identification, dissemination, diffusion and recovery of false and truthful news through digital social media.

Keywords: Informational behavior of the user. Fake News. Social media. Digital Marketing. Teaching-learning.

Artigo submetido em 25/01/2020 e aceito para publicação em 24/04/2020

1 INTRODUÇÃO

Nas primeiras civilizações as comunicações eram códigos verbais utilizados pelo homem para transmitir mensagens através de código comum. Seguindo essa evolução, e com a necessidade de partilhar conhecimento, o homem percebeu a necessidade que teria de utilizar esses códigos com mais eficiência para se comunicar com outras pessoas. Ao longo do tempo esses códigos foram crescendo com aprimoramentos necessários e utilizados com maior eficiência nos meios de comunicação.

É fato que, com o passar dos anos e no decorrer dessa trajetória de ascensão, as tecnologias de informação e comunicação (TIC), atualmente amplamente difundidas como tecnologias digitais de informação e comunicação (TDIC), têm se aprimorado cada vez mais, em contrapartida, o homem que vêm acompanhando essas transformações tecnológicas, utiliza das mesmas em benefício próprio. Vários são os aspectos positivos da popularização e uso dessas tecnologias. Entretanto, pode-se também considerar seu alcance negativo, a exemplo da violação à intimidade e à vida particular das pessoas, visto que na mesma medida que a Internet nos proporciona um alcance tecnológico imprescindível, ela também pulveriza o direito a liberdade tão almejada.

Sendo assim, o presente artigo tem o intuito de discutir o atual cenário que envolve o comportamento infocomunicacional dos usuários de redes sociais on-line na divulgação e disseminação de notícias. Comportamento infocomunicacional refere-se às formas como as pessoas se informam e comunicam, ou seja, aos modos como consomem informação, mas também a produzem, comunicam e se relacionam. Para Costa e Ramalho (2019, p. 134), “o termo comportamento infocomunicacional se apresenta atual no contexto contemporâneo, suscitando a ampliação do conhecido conceito de comportamento informacional na articulação das práticas informacional e comunicacionais”.

De forma crítica, o texto procura alertar sobre as publicações e compartilhamento de notícias falsas nas mídias sociais digitais e busca levantar possíveis questionamentos e hipóteses em meio aos cases contemporâneos. O tema da Fake News é relevante para a área da Educação e da Ciência da Informação, bem como para a área de Comunicação, uma vez que seus respectivos profissionais tradicionalmente atuam na checagem da veracidade, acuidade e pertinência das informações que disseminam.

Diante de tal problematização é possível fazer os seguintes questionamentos: Como os usuários estudantes têm se comportado perante a disseminação de notícias falsas nas mídias sociais? O que a literatura científica tem apontado sobre o comportamento infocomunicacional desses usuários no contexto da divulgação e disseminação de notícias falsas nas mídias sociais digitais?

Objetiva-se, de forma geral, estudar o comportamento infocomunicacional dos alunos que utilizam as mídias sociais digitais como um dos principais meios de comunicação, expondo quais os objetivos, motivações e prejuízos das Fakes News. Dessa forma, os objetivos específicos pretendem: - analisar o comportamento desses usuários nas mídias sociais digitais, perante as Fake News; e - identificar quais recursos são destacados como necessários para combater a propagação de notícias falsas na Internet.

Para atender os objetivos, utiliza-se a pesquisa exploratória e descritiva. A metodologia utilizada foi a pesquisa bibliográfica na base de dados científica Eric, com o recorte temporal de 2016 a 2019.

Entende-se que as notícias falsas são uma problemática contemporânea no contexto da cibercultura e que se enquadram nos esclarecimentos pronunciados por Marcuse (1998), ainda na década de 1940, no tocante dos fundamentos da teoria social crítica da tecnologia. Em sua ótica, a tecnologia é um processo social e que se relaciona de forma dialética com algo não técnico (RUDIGER, 2016). Seus domínios, como cibercultura, computadores e celulares não são controlados pela classe política e pelas elites empresariais, mas pela força do mercado e da cultura popular e sua mutável dinâmica.

Dito isto, este texto procura se posicionar na perspectiva do cibercriticismo por entender que esta é a perspectiva que procura polemizar sobre as visões otimistas sobre as mídias sociais digitais como potencializadoras de redes sociais horizontais, sem mergulhar de olhos fechados na negação limpa do conservadorismo midiático.

Vale ainda salientar que se faz questão de definir a diferença de disseminação e divulgação por ser dois aspectos tratados ao longo do texto. Entende-se que disseminar é quando a informação é direcionada para os pares. Enquanto a divulgação é quando se informa amplamente sem fazer distinção de perfil, para quem quer que seja e sem, inicialmente, determinar o seu alcance. As categorias principais de discussão neste texto são noticias falsas ou fake news, comportamento infocomunicacional e mídias sociais. As subcategorias são marketing digital e ensino-aprendizagem.

2 O MOVIMENTO FAKE NEWS

Embora enquanto expressão seja considerada nova, o movimento denominado fake news tem sua origem no século XIX. Esse termo se tornou mais frequente através da imprensa internacional tendo seu auge na campanha presidencial realizada nos Estados Unidos da América, onde alguns dos candidatos foram vítimas de diversas notícias falsas que impactariam no desempenho de sua campanha eleitoral.

Desse modo, o significado de fake news se refere a notícias falsas, antes chamada de imprensa marrom. Atualmente tem sido utilizada no intuito de enganar os seus leitores e usuários, propagando conteúdos atraentes, mas enganosos, a fim de obter ganhos financeiros e políticos.

A Internet, por meio de suas variadas aplicações, é considerada como um dos principais meios de comunicação. Desde o seu surgimento, até os dias atuais, ela tem provocado grandes impactos e influências positivas e negativas na sociedade.

Um dos primeiros casos que chamou atenção no Brasil aconteceu envolvendo o IBGE em 2009. Segundo pesquisa do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), realizada no ano de 2009, o percentual de brasileiros acima de 10 anos de idade entre os anos de 2005 a 2008 que acessaram pelo menos uma vez a Internet aumentou mais de 75%, isso demonstra que os mais jovens, e segundo a pesquisa os mais escolarizados, são os que mais têm utilizado o computador e o telefone celular para acessar a Internet.

Em três anos, o percentual de brasileiros de dez anos ou mais de idade que acessaram ao menos uma vez a Internet pelo computador aumentou 75,3%, passando de 20,9% para 34,8% das pessoas nessa faixa etária, ou 56 milhões de usuários, em 2008. No mesmo período, a proporção dos que tinham telefone celular para uso pessoal passou de 36,6% para 53,8% da população de dez anos ou mais de idade, sendo que, para 44,7% dessas pessoas (ou cerca de 38,6 milhões de brasileiros), o celular era o único telefone para uso pessoal. (IBGE, 11/12/2009)

O período dessa pesquisa do IBGE condiz com a popularização do uso dos smartphones. A pesquisa mais recente realizada pelo Comitê Gestor da Internet, com uma amostra de 10.320 respondentes, mostrou que o celular continua sendo o principal meio de acesso à Internet pelos brasileiros.

Eles tendem a acessar a Internet por meio de diversos dispositivos (desktops, laptops e celulares), são majoritariamente do sexo feminino, pertencentes a classes sociais de maior nível educacional e com idade variando entre 16 e 44 anos. Em linhas gerais, os resultados sugerem que os integrantes desse grupo utilizam a Internet como ferramenta para fins pessoais, profissionais e educacionais (ARAÚJO; REINHARD, 2017, p.31).

Isso também pode ser observado no percentual de pessoas que utilizam a Internet no Brasil e nos principais estados, conforme apontado no Gráfico 1.

Gráfico 1

No ano de 2016, o IBGE realizou uma pesquisa, conforme mostra a Figura 1, que demonstra a utilização pela população brasileira dos meios de comunicação de informação. Constatou-se no Módulo de Tecnologia da Informação e Comunicação da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNAD) que 92,4%, dos 116,1 milhões de brasileiros que acessaram a Internet em sua maioria utilizaram os aplicativos de celulares, também conhecidos como aplicações, ou APPs, para interagir.

Figura 1 – Internet no Brasil em 2016

Fonte: IBGE (2016).

Duas informações merecem ser destacadas, sob o ponto de vista deste artigo, a partir da Figura 1: primeiro o que as pessoas fazem na Internet e segundo qual mídia utilizam. Quanto ao que fazem fica evidente a emergência de atividades de comunicação (94,2% a utilizam para trocar mensagens instantâneas) e atividades de informação (76, 4%) consomem conteúdos, como filmes, séries e programas. Isso embasa a decisão deste trabalho por considerar não apenas o comportamento informacional, mas também o comunicacional na observação do agir na rede. Quanto à mídia utilizada, a pesquisa do IBGE registra a consumação das mídias móveis, tendo o celular como aquela eleita entre os usuários.

Esse aspecto mostra a confirmação da curva que começou a se desenhar em 2009 e que culminou na publicação do celebre artigo, da revista Wired, intitulado The Web is dead. Em primeiro lugar, de acordo com Neves (2010) é preciso diferenciar a Web ou Word Wide Web da Internet3 ou rede mundial de computadores. A primeira é apenas uma das muitas aplicações que existem na Internet para transportar pacotes ao seu redor, por meio de IP e protocolos de TCP, enquanto a segunda é a rede propriamente dita. Ou seja, a Web é uma das “máscaras” da Internet (NEVES, 2010). É importante diferenciar aplicativo e rede porque a Web terminou, de forma equivocada, fixando-se no imaginário da sociedade como sendo a própria Internet. Diante desse contexto, ouvir coisas do tipo “morte da Web”, para o grande público pode caracterizar como “fim da Internet”.

Figura 2 – Declínio da Web e crescimento do uso das variadas aplicações para acesso à Internet

Fonte: Wired (2010).

Como é possível perceber na Figura 1 ocorreu uma queda na utilização do e-mail como um dos principais meio de comunicação e outras aplicações antes utilizadas como importantes difusoras de informação. Atualmente o e-mail é utilizado, em sua maioria, nas situações que exigem registro de interação nas relações de trabalho.

Enquanto a Web diminuía sua expansão na rede, as aplicações cresciam paulatinamente e se popularizavam por meio de dispositivos que entravam em ascensão, como é o caso dos celulares do tipo smartphone. O APPs é a abreviação de Aplicativo e são programas de softwares específicos que ampliaram ainda mais o acesso à Internet por meio de dispositivos como também SmartTVs, geladeiras, relógios, ou seja, são aplicativos presentes em qualquer dispositivo móvel. Outra característica relevante é que o App não necessita de um navegador Web para ser utilizado.

Todo este contexto de mobilidade além de benefícios para a sociedade trouxe também situações alarmantes no que diz respeito à proliferação das notícias falsas, sobretudo, on-line por conta da mobilidade e facilidades na criação de cortinas de fumaça. Num exemplo interessante, D’Ancona (2018) aponta o quanto é alarmante a pós-verdade no contexto on-line e relata que enquanto escrevia seu livro realizou uma busca no Google com a pergunta: “O Holocausto foi real” e os primeiros resultados incluíam: “O Holocausto contra os Júdeus é uma mentira absurda – prova!”, “Acadêmico Judeu refuta o Holocausto”, “O Holocausto é uma fasa!”, etc.

Como é possível perceber os algoritmos são indiferentes à verdade. Além disso, o uso de ferramentas do marketing digital, como a otimização de motores de busca ou Search Engine Optimization (SEO), amplificam a difusão dessas fontes falsas com o apoio do posicionamento privilegiado dessas páginas nos rankings dos mecanismos de busca.

O cenário descrito nesta seção é campo profícuo para a proliferação de notícias falsas, porque de quanto mais lugares se pode obter informações, mais chances existem de que essas informações sejam de uma fonte não confiável, que pode transfigurar uma banalidade em algo impressionante ou distorcer a notícia, apenas para citar duas formas de construção de fake news.

3 O COMPORTAMENTO NAS MÍDIAS SOCIAIS DIGITAIS: INTERAÇÃO COM FAKE NEWS

Um dos cases que merece destaque é o que envolveu o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. O IBGE também foi vítima de uma notícia falsa. Foram difundidas em sites de redes sociais notícias que afirmavam que o Instituto divulgou na imprensa sobre um suposto Censo On-line com coleta de dados pela Internet. Contudo, o IBGE não faz Censo on-line. A notícia falsa alertava a população a não fornecer informações pessoais ao IBGE.

Frente ao ataque sofrido pelo Instituto, mais tarde, o então presidente do IBGE, Roberto Olinto Ramos, divulgou que é indispensável a necessidade de atualização do marco regulatório do setor estatístico. A Lei 5.878, que dispõe sobre objetivos, atuação e dotações orçamentárias do IBGE é de 11 de maio de 1973 e, segundo Olinto, precisa ser revista à luz das transformações trazidas pelo grande volume de dados que circula no mundo atualmente. A mudança na lei estatística está sendo discutida no mundo todo em razão do ambiente de Big Data e Fake News”, disse o presidente. (SARAIVA; PERET, 2018).

Embora as notícias falsas não sejam novidade, a facilidade e velocidade com as quais podem se espalhar on-line, especialmente através dos canais de mídia social digital, garantiram uma influência recém-difundida.

No passado, muitas pessoas recebiam suas notícias principalmente através de assinaturas de jornais impressos e revistas, ou assistindo a programas de televisão. Essas fontes tradicionais de mídia geralmente possuem processos editoriais e de verificação de fatos há muito estabelecidos (FAIX, 2018, p.44).

Para serem consideradas notícias falsas, estas precisam ter sido produzidas com a intenção de serem genuinamente falsas ou enganosas. Contudo, há outras duas vertentes que precisam ser consideradas e esclarecidas neste texto. A primeira é sobre notícias com erro, a exemplo de notícias dadas em “primeira mão” ou de “última hora”, mas que em seguida, ou logo quando possível, são corrigidas considerando os critérios do jornalismo. A segunda vertente é mais preocupante e diz respeito a um aspecto que tem se desenhado no contexto informacional das redes sociais. Trata-se de denominar fake news qualquer notícia que o usuário integrante não concorde, seja por razões religiosas, ideológicas, conceituais, dentre outras, como aponta Faix (2018):

Se alguém gosta ou não de uma notícia, não tem nada a ver com se ela é real ou falsa - uma análise muito mais profunda dos fatos - ou a falta dela - é necessária. Isso tem sido chamado de “tribalismo da informação”, a ideia de que as pessoas escolhem lados baseados no senso de sua própria identidade e acreditam em notícias que eles querem que sejam verdadeiras.

Tribalismo da informação é uma expressão explorada por Beck (2017) para alertar que “fake news” agora é usada para significar ‘eu negar a realidade’. Diante desse contexto, auxiliar e promover que estudantes naveguem de forma apropriada e emancipada pelo mundo da informação on-line têm se constituído um desafio para professores e bibliotecários. Para esses profissionais que lidam com consumo e produção da informação para potencializar a construção de conhecimento em outrem, o surgimento de notícias falsas criou novos desafios para a alfabetização informacional.

A alfabetização informacional pode ser caracterizada como o processo no qual as pessoas desenvolvem competências em informação. Em geral, relaciona-se as competências em informação com a capacidade de articular uma necessidade de informação, saber como localizá-la, avaliá-la e organizá-la, usá-la eticamente e comunicá-la adequadamente. (BORGES, 2017).

Se por um lado, portanto, a capacidade de avaliar a informação vem sendo perscrutada sob diferentes nuances pelos estudos de competência em informação (CERIGATTO; CASARIN, 2017; ZATTAR, 2017), por outro também é verdade que o fenômeno das fake news vem pressionando os critérios de avaliação até então aceitos como suficientes, como a arquitetura da informação, a qualidade do conteúdo, a análise de credibilidade da fonte e aspectos visuais e de apresentação da informação. Segundo Faix (2018), ajudar os alunos a encontrar, avaliar e usar fontes confiáveis de informações on-line pode ser mais difícil do que nunca na atual era de “notícias falsas”, “fatos alternativos” e extrema polarização política.

Vale salientar também que o comportamento de confiança dos usuários com relação aos meios de comunicação de massa vem declinando já há algum tempo. O Instituto de Pesquisas Gallup e o Pew Research Center apontaram que em 2016 a confiança nos meios de notícias tradicionais caiu consideravelmente nos EUA, sendo que somente 32% dos respondentes disseram confiar de forma satisfatória nesses meios. Pesquisas desses grupos também destacaram que um em cada quatro adultos nos Estados Unidos consumiram suas informações de sites de mídia social digital, sendo o Facebook, seguido do Twitter as escolhas mais populares.

D’Ancona (2018) chamou isso de colapso da confiança e base de sustentação da pós-verdade, ou seja, a falta de confiança é de onde toda fake news flui. Os sites “[...] conspirativos e a mídia social tratam com desdém os jornais impressos ou a grande mídia [...]” (D`ANCONA, 2018, p. 20), como também os especialistas são a todo momento difamados de mal intencionados. Presenciamos um momento histórico onde paulatinamente as fontes de informação tradicionais passam a não ser mais verificáveis, mas sim rechaçadas, principalmente, quando o assunto em questão tem algum desencadeamento político.

Outro caso bastante popular de fake news é o que envolve a mega estratégia de escalamento, do então candidato, Donald Trump à Casa Branca em 2016. Nesse sentido, especulam-se que 87 milhões de perfis e dados dos usuários do Facebook foram apropriados e manipulados para finalidades políticas por instituições especializadas em influência que desenvolve coleta de dados (ex: geográficos, de consumo, histórico eleitoral, aspectos políticos) e produção de informações, com base em gatilhos psicológicos, voltada para acionar determinadas respostas dos usuários (D’ANCONA, 2018). A estratégia que foi configurada na retaguarda do candidato envolvia vertentes de inteligência artificial, algoritmos complexos e disseminação de notícias falsas personalizada para os eleitores que ainda estavam indecisos, por exemplo.

Segundo Rosenzweig (2017), os três elementos que separam as notícias falsas das notícias reais são:

a) a fabricação (isto é, notícias falsas são evocadas);

b) o engano (isto é, notícias falsas são projetadas para persuadir ao invés de informar); e

c) a viralização (ou seja, notícias falsas prospera sobre superficialidade e escalação ao invés de profundidade e moderação).

Cerca de “[...] 70% das declarações de Trump foram falsas, completamente falsas ou mentiras” (ROSENZWEIG, 2017, p.15). Desse modo, talvez o cerne da questão seja o que motiva as pessoas a estarem desconsiderando os dois primeiros itens que diferem uma fake news de um fato? Ou seja, a desvalorização da fabricação (não procurarem saber qual a fonte ou a origem) e do engano (se deixarem persuadirem ao invés de se apropriar da informação).

Uma possível resposta talvez esteja na compreensão do comportamento infocomunicacional. Presser e Silva (2015) chamam a atenção para a interferência do ambiente social: as pessoas reproduzem no comportamento de busca e uso da informação as normas sociais que indicam os padrões de comportamento aceitáveis no grupo. Assim, para ser aceito no grupo, o indivíduo tende a reproduzir suas práticas, ainda que sejam questionáveis, como o compartilhamento de notícias sem verificação de veracidade.

Concordamos com autores como Rosenzweig (2017) e Faix (2018) que se a era Trump inaugurou a era da pós-verdade, então as escolas e as unidades de informação terão um papel particularmente crítico a desempenhar no ensino dos alunos para favorecer a razão e a evidência em detrimento da passionalidade e do preconceito. Acreditamos que um caminho nesta direção é a educação para a informação, que promova a capacidade crítica, a autonomia para o livre pensar e a conscientização, todos valores críticos para a cidadania, na mesma linha da proposição de Presser e Silva (2015, p. 412):

A competência em informação das pessoas, neste estudo, não trata apenas do processo de busca de informações, mas do uso que se faz delas para tomar decisões e resolver problemas, tendo a informação como indutora da cidadania e da autonomia e propulsora dos potenciais emancipatórios das pessoas. A emancipação, nessa abordagem, não se refere apenas ao indivíduo como entidade isolada, mas fundamentalmente como um ser social, e se funda na vontade de cada um em se desenvolver. Por isso, a competência em informação de uma pessoa tem relação com o comportamento em informação da mesma, abarcando a dimensão social do processo informacional, associada à noção de cidadania e autonomia das pessoas envolvidas, aproximando-se, assim, do máximo de consciência possível das pessoas que constituem a sociedade.

Assim, se tradicionalmente os estudos de comportamento informacional focam em três aspectos: como as pessoas percebem uma necessidade de informação, como procuram saná-la através de buscas e como a usam; precisamos acrescentar novos aspectos do âmbito comunicativo: como, quando e por que as pessoas compartilham conteúdos, participam de determinadas redes sociais, atuam em colaboração, argumentam e defendem opiniões. Estes aspectos não esgotam todas as nuances das práticas que vêm caracterizando a tendência contemporânea do comportamento infocomunicacional, mas ilustram a complexidade da matéria.

4 MÍDIAS SOCIAIS, REDES SOCIAIS E FAKE NEWS

Muito se ouve falar na atualidade sobre estes dois termos, Mídias Sociais e Redes Sociais, porém várias pessoas se confundem ao tentar defini-las ou sequer imaginam que possam ser coisas diferentes. Tanto as mídias sociais quanto as redes sociais, são termos que já existiam antes mesmo do surgimento da Internet, porém com o surgimento das plataformas digitais de interatividade, estes termos foram adaptados para web. Contudo, essas ferramentas constantemente mudam, modernizam ou seus usuários variam a maneira de usá-las.

As redes sociais estão ligadas diretamente a relacionamentos, e sempre estiveram presentes na sociedade desde que o mundo é mundo, tendo como principal objetivo aproximar pessoas com interesses em comum. Dentro do ciberespaço, isso não é diferente, as redes sociais digitais exercem a mesma função, são um espaço on-line onde pessoas interagem, expõem suas ideias e partilham de interesses em comum.

Já as Mídias Sociais são definidas como um canal de descentralização e veiculação de informações. É a produção de conteúdo. As mídias sociais são veículos de comunicação com objetivo principal a produção, divulgação e compartilhamento de conteúdos. Permitem a interação de seu público, porém as relações ficam em segundo plano.

Outro item que dificulta essa classificação é que as redes sociais são parte das mídias sociais, é como se fosse uma subcategoria da última, pois ao mesmo tempo em que as pessoas se relacionam, também usam a ferramenta para produção e divulgação de conteúdo. Todos esses recursos informacionais possuem uma arquitetura própria que os identificam, no intuito de facilitar a interação entre os usuários.

O tema da redação do Enem 2018 ‘Manipulação do comportamento do usuário pelo controle de dados na internet’ estimulou reflexões, principalmente, nos meios jornalísticos e acadêmicos sobre o assunto. O comportamento do usuário na mídia social digital é de difícil controle, mas pode ser manipulado para determinados fins corporativos, políticos ou ideológicos.

A mídia social foi adotada para vários propósitos políticos (ROSENZWEIG, 2017). Além disso, as tecnologias de mídia aumentam o volume de notícias, permitindo o marketing de nicho em uma escala sem precedentes, muitas vezes apresentando leitores e espectadores ideologicamente bifurcados com universos de discurso inteiramente diferentes, o que tem alimentado a polarização política (MASON, KRUTKA, STODDARD, 2018).

O marketing digital para esses fins é feroz e se utiliza de estratégias bem elaboradas e embasadas em aspectos psicológicos, visando o controle do comportamento do usuário. Associado a este elemento temos a utilização de algoritmos capazes de mapear perfis cada vez mais precisos e com isso as corporações são capazes de entregar manchetes, mensagens hiperbólicas e sensacionalistas de forma personalizada para cada perfil.

Com o uso em larga escala de bots conectados em redes sociais e compartilhando conteúdo numa velocidade humanamente impossível de ser avaliada, é possível posicionar fatos irrelevantes entre os assuntos mais comentados, mesmo que muitos deles sequer sejam verdadeiros. Vale salientar que a automação de interatividade é uma ferramenta poderosa para humanizar canais de comunicação, mas, quando usada indiscriminadamente, se torna uma prática condenável (PRASS, 2018). Essa automação da interatividade se alimenta de dados disponíveis na sua rede e reproduz novos dados a partir da maneira como foi programada. Tais dados podem ser facilmente descontextualizados por pessoas ou grupos mal intencionados ou mesmo por empresas mineradoras de dados.

Diante disso surge a questão dos estudiosos de mídias sociais para entender como as formas de mídia influenciam as ações pessoais, o envolvimento interpessoal e as mudanças sociais mais amplas. Isso coloca ênfase em considerar como as tecnologias de mídia criam novas possibilidades de engajamento social e político, ao mesmo tempo em que afetam as dinâmicas de mídias existentes de maneiras positivas e negativas (MASON, KRUTKA, STODDARD, 2018).

Drobnic Holan, pesquisadora da Columbia University, descreveu em uma de suas palestras, que as fake news no contexto atual são um material inventado e magistralmente manipulado para se parecer com relatórios jornalísticos confiáveis que são facilmente espalhados nas mídias sociais. Nesses ambientes, as grandes audiências estão dispostas a acreditar nas ficções e espalhar a notícia. Assim, concordamos com Faix (2018) que as notícias falsas na Internet são alimentadas por tecnologias e modelos de negócios que apresentam desafios específicos que sugerem quatro novas abordagens para a maneira como professores, bibliotecários e alunos abordam a informação na mídia social: - ter informação básica, - ter consciência de como a Internet funciona, - bias e exercitar o viés de confirmação, e - ensinar técnicas avançadas de pesquisa.

As mensagens de mídia que liquidificam em nossos smartphones, tablets e laptops não são objetivas, neutras ou desprovidas de intenções. Essas mensagens foram desenvolvidas para propósitos e sujeitos específicos. Seja para vender um produto, seja para influenciar uma opinião ou fornecer informações, há razões específicas pelas quais as mensagens foram criadas para aparecer da maneira como fazem nas mídias sociais digitais.

5 RECURSOS DESTACADOS COMO NECESSÁRIOS PARA COMBATER A PROPAGAÇÃO DE NOTÍCIAS FALSAS NA INTERNET

Em um ambiente polarizado política e digitalmente, identificar e avaliar notícias falsas ficou mais difícil do que nunca. Diante desse contexto, a grande questão que se coloca é se professores e bibliotecários que, por décadas, ensinaram e mediaram habilidades de informação e alfabetização midiática entendem, no contexto atual, o papel que podem e devem desempenhar nas mídias sociais.

Questão complicada e que este artigo não pretende concluir, mas que pretende refletir com base, principalmente, em outras leituras a partir do levantamento bibliográfico realizado na base de dados Eric.

Utilizou-se a seguinte estratégia de recuperação de publicações: Thesauros Eric = (Fake News) and (Teachers) and (social media) or (Library) and (Research) and (User).

Figura 3 – Estratégia para recuperar artigos científicos sobre comportamento dos usuários frente as fake news no Thesauros Eric

Fonte: Elaboração própria (2020).

O recorte temporal delimitado foi de 2016 a 2019. A escolha deste período recente está atrelado ao fato de que gostaríamos de problematizar as questões ligadas a fake news nas mídias sociais a partir do novo panorama de observação que se formou a partir das eleições americanas em 2016.

Os artigos selecionados foram utilizados para elaboração deste texto de revisão de literatura. Atendendo a esta estratégia, selecionamos seis artigos (CERIGATTO; CASARIN, 2017; ERIKSON; ERIKSON, 2018; FAIX, 2018; MASON; KRUTKA; STODDARD, 2018; CHERNER; CURRER, 2019; CHERNER; CURRER, 2019) de periódicos internacionais publicados com algum fator de impacto.

Ao analisar os artigos procuramos mapear indicativos de recursos que poderíamos destacar como necessários para combater a propagação de notícias falsas na Internet. Esses recursos também podem ser considerados como aspectos potenciais que tanto professores quanto bibliotecários podem se apropriar para abordar, antecipar ou mediar o desenvolvimento de competência do usuário no trato com as fake news nas mídias sociais digitais.

Com relação a verificações de credibilidade, adotamos procedimento similar à maioria dos outros estudos qualitativos. Ou seja, propositadamente construímos a verificação dos descritores a partir do Thesauro Internacional de Educação, visando aumentar a credibilidade de nossas coletas de dados no conteúdo dos textos selecionados e análises de conteúdo simples para evitar “armadilhas” ou descuidos enquanto interpretamos os dados.

Desse modo, apresentamos a seguir os três recursos identificados, considerando o segundo objetivo específico que estabelecemos neste artigo. São os recursos: estimular o debate crítico, alfabetização midiática e estratégias metacognitivas.

5.1 Estimular o debate crítico

Parafraseando D’Ancona (2018), o lema proposto por Immanuel Kant durante o Iluminismo foi “Ouse Saber”, no contexto atual, ao que parece, o congênere é “Ouse não Saber” e se diferencie! Dito isto, é necessário quebrar com as amarras da ignorância legitimada e da alienação. E alguns dos trabalhos (ERIKSON; ERIKSON, 2018; CHERNER; CURRER, 2019) recuperados neste estudo apontaram para a importância de bibliotecários e professores estimularem o pensamento crítico dos estudantes. Da mesma forma advogam Eva e Shea (2018, p. 171)

Society as a whole needs to grapple with the issue of fake news, credibility, and information overload. There are real consequences to misinformation; diseases can spread, wars can begin, and lives can be at stake. Of course libraries have taken up the call: always responding to issues of social justice and societal need, libraries are usually among the first to respond to a public issue. We are uniquely positioned at the nexus of our communities and educational systems, and we already have the tools in our arsenal when it comes to making our constituents information literate.

Desde o julgamento de Sócrates, a consciência dos perigos potenciais do pensamento crítico faz parte da cultura ocidental. De acordo com Erikson e Erikson (2018), defender o pensamento crítico significa fazê-lo também em situações em que o pensamento crítico pode tornar-se “perigoso”. Desse modo, estimular o debate crítico tem sido apontado, atualmente, no contexto educacional como uma ameaça para aqueles que desejam manipular, principalmente, por meio das fake news, sensacionalismos ou afirmações errôneas de conhecimento.

Contudo vale a ressalva que o pensamento crítico dos alunos, de fato, não significa necessariamente que eles chegarão às mesmas conclusões que seus professores. Essa é uma premissa que precisa também ser respeitada. Com isso, entendemos que estimular o debate crítico é proporcionar os elementos necessários para que os estudantes possam desconstruir e reconstruir aquilo que lhe foi posto como verdade. Pode-se, dessa forma, estimular a construção do conhecimento através da interpretação das mensagens viralizadas na mídia social digital. Associado a isso, entendemos que a “cartada certeira” do debate crítico é potencializar o aluno a identificar o que motivou a notícia e quais os meios que fizeram com que a mensagem tenha tais características que a constitui como uma notícia falsa.

O pensamento crítico não é sobre as conclusões a que os alunos chegam, mas sim sobre como eles os alcançam (ERIKSON; ERIKSON, 2018). Como dizem Cerigatto e Casarin (2017, p. 168):

Ao comparar (com metodologia) o modo como mensagens diferentes apresentam o mesmo assunto, os estudantes têm a oportunidade de se afastar das mídias e observá-las “de cima”. Tal procedimento cria as bases para uma análise crítica, que compreende a mídia como “re apresentação” de um tema e não como cópia da realidade.

Uma abordagem que pode ajudar neste sentido, trata-se de realizar atividades que visem ajudar os alunos a melhorar a avaliação de fontes on-line. Pode-se começar a presentá-los ao conceito de verificação de fatos, a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) e familiarizá-los com sites de verificação de fatos. Sites como o <snops.com>, o <factcheck.org>, e o <polifact.com> têm se constituído como ferramenta importante para os pesquisadores e cientistas que desejam verificar a fonte de conteúdos investigados em mídias sociais, por exemplo. Entendemos que tais instrumentos precisam ser divulgados em larga escala, sobretudo, no ensino fundamental e básico e não se tornar um nicho exclusivo para o círculo acadêmico. De acordo com Faix (2018) professores e bibliotecários têm papel de destaque nesse movimento.

Nessa perspectiva abordar as fake news considerando os aspectos que motivam os alunos a tomarem essa ou aquela decisão pode fornecer capacidades de potencializar o comportamento crítico dos usuários. Estimular o debate crítico referente às notícias falsas é apoiar a liberdade e potencializar elementos emancipatórios nos sujeitos frente ao universo de informações nas mídias sociais digitais.

5.2 Alfabetização informacional e midiática

Cherner e Currer (2019) defendem que os educadores precisam desenvolver a capacidade de promover habilidades de alfabetização midiática no contexto da instrução do conteúdo. Com a propagação de notícias falsas e sensacionalismo por meio das mídias sociais, juntamente com o crescente papel da tecnologia na sociedade, a alfabetização midiática pode oferecer aos professores e alunos um conjunto de habilidades para analisar, criticar e responder à informação que aparece diante deles nos textos digitais.

De acordo com os Princípios Fundamentais da Alfabetização Midiática, desenvolvidos pela Associação Nacional de Educação para a Literacia Mediática em 2007, é necessário que todos os sujeitos tenham habilidades de investigadores no contexto da Internet. As declarações da Associação Nacional de Educação para a Literacia Mediática preconizam que a Alfabetização Midiática:

1. Exige uma investigação ativa e um pensamento crítico sobre as mensagens que recebemos e criamos.

2. Expande o conceito de alfabetização para incluir todas as formas de mídia (ou seja, leitura e escrita).

3. Constrói e reforça habilidades para alunos de todas as idades.

4. Desenvolve usuários integrados, informados, reflexivos e engajados, como essenciais para uma sociedade democrática.

5. Reconhece que os meios de comunicação são parte da cultura e funcionam como agentes de socialização.

6. Afirma que as pessoas usam suas habilidades, crenças e experiências individuais para construir seus próprios significados a partir das mensagens da mídia (NAMLE, 2007 apud CHERNER; CURRER, 2019).

De acordo com Borges (2017), usualmente, o foco da Alfabetização Informacional e Midiática aparece relacionado às competências críticas das pessoas frente à informação e aos meios de comunicação com vistas à aprendizagem ao longo da vida e o exercício da cidadania. Competência em mídia é relevante para interagir no contexto digital. Nesse contexto, Borges (2017) propõe quatro elementos constituintes para as competências em comunicação:

a) Estabelecimento e manutenção da comunicação - Começar uma comunicação exige minimamente determinar ou reconhecer quem é o interlocutor;

b) Distribuição e disseminação eficaz de conteúdos - Entram em cena as competências para identificar o meio, o canal ou ferramenta, direcionar o conteúdo de acordo com as necessidades ou interesses do público ou ainda, mesmo sem ser o autor, simplesmente atuar como um intermediário ou mediador entre conteúdos e potenciais usuários. Por outro lado, a disseminação eficaz também significa saber o que não compartilhar;

c) Participação em ambientes de discussão e colaboração - valer-se do envolvimento em uma comunidade para gerar benefícios para si e para outros;

d) Desenvolvimento de redes sociais - Refere-se à competência para desenvolver relações sociais saudáveis, baseadas no respeito à diversidade e contrabalançada pela afirmação da identidade.

Para Mason, Krutka e Stoddard (2018), a educação eficaz para a alfabetização midiática requer a compreensão do ambiente da mídia, além de melhorar a colaboração interdisciplinar; alavancar a crise atual para consolidar as partes interessadas; priorizando abordagens e programas com evidências de sucesso; desenvolver currículos orientados para a ação que desafiem problemas sistêmicos criados pela mídia, incluindo mídias sociais digitais; além de ensinar os indivíduos a interpretar as mensagens da mídia.

Nesse contexto, é possível perceber que o conjunto de habilidades conjugadas sob o conceito de alfabetização midiática foi alargada para alcançar competências em comunicação. Em outras palavras, como as mídias atualmente são veículos de comunicação não apenas de massa, mas sociais, as competências para atuar nesse universo abrangem não apenas a capacidade crítica perante a informação alheia, mas principalmente perante a própria produção. Isso significa perspectiva crítica, por exemplo, para avaliar como minha produção é usada, compartilhada e remixada por outros, pela indústria midiática ou grandes empresas de dados. A alfabetização midiática pode potencializar, portanto, o sucesso em ambientes educacionais e profissionais, mas é indispensável para promover cidadãos ativos e engajados. Mason, Krutka e Storddard (2018) sentenciam que “As democracias dependem de cidadãos informados”; nós concordamos, a questão é se estar informado atualmente vai além do acesso à informação: são necessárias as competências inerentes à alfabetização informacional e midiática.

5.3 Estratégias metacognitivas

A rápida adoção de conteúdo digital e sistemas de distribuição, cada um com sua própria capacidade de rastrear, armazenar e analisar o uso, as interações e os resultados acadêmicos dos alunos, em um nível altamente detalhado, surgiu como uma área de ampla oportunidade, mas também de preocupação (STAHL; KARGER, 2016).

Mason, Krutka e Stoddard (2018) defendem a elaboração de estratégias metacognitivas, por parte dos educadores, visando potencialmente tornar o comportamento dos usuários consumidores de informação mais consciente de notícias falsas nas mídias sociais.

Os autores chamam especial atenção à tendência que os sujeitos têm de serem fisgados por aspectos sociais e emocionais nas mensagens. Os educadores sabendo identificar estes gatilhos nas fake news podem alertar e criar problematizações que futuramente ajudem os usuários a verificarem tais aspectos.

A proliferação de notícias falsas nos meios transmídia aumenta a necessidade de os educadores considerarem como os recursos visuais são usados em conjunto com o texto pelas organizações de mídia e indivíduos para criar, de maneira sutil, a interpretação e manipulação da mensagem (MASON, KRUTKA, STODDARD, 2018).

As estratégias metacognitivas podem ser, inclusive, apresentadas por professores aos alunos como técnica de leitura de texto, como defende Hodges e Nobre (2012, p.478): “Neste sentido, ressalta-se a importância de que o leitor monitore a sua compreensão e controle as ações cognitivas, por meio de estratégias que facilitem a compreensão de um determinado tipo de texto ou gênero textual.”

Isso vai ao encontro dos estudos sob o conceito de metaliteracy, que consideram que a capacidade de as pessoas lidarem com ambientes complexos de informação deve considerar além dos aspectos cognitivos, aqueles de ordem comportamental, afetiva e metacognitiva. O domínio cognitivo, em geral, se concentra em compreender como se aprende, enquanto o metacognitivo se refere a como nós vemos nossa própria aprendizagem. O domínio comportamental relaciona-se àquilo que se está apto a fazer após uma atividade de aprendizagem particular, enquanto o domínio afetivo se refere a como nos sentimos em uma situação de aprendizagem (MACKEY; JACOBSON, 2014)

Perante notícias duvidosas, observa-se que as pessoas não empregam apenas capacidades cognitivas. Muitas fake news, por exemplo, encontram espaço de disseminação por questões afetivas: porque vão ao encontro de minha perspectiva ou ideologia ou porque acredito que sua divulgação em determinado grupo reforça minha aceitação naquele grupo. Para Presser e Silva (2015, p. 13), isso tem incidência na própria competência em informação:

[…] a competência em informação de determinada pessao pode ser moldada pelos valores normativos que influenciam como os membros de um grupo convivem, pensam e definem o curso apropriado das suas ações. É uma atitude coletiva, tomada como certa, que sensibiliza os membros a serem sensíveis a certas informações e ignorar outras.

As plataformas estão cada vez mais sofisticadas para coletar dados para gerar informações dos seus usuários que podem ser negociados e reutilizados por outras empresas para fins de consumo. Muitas dessas plataformas também são utilizadas para fins educacionais e com o surgimento de vários conjuntos de dados de alunos (demografia, uso e aproveitamento), agora possíveis como resultado de padrões de interoperabilidade de dados, levantou-se o espectro de uso indevido e perigoso de invasão de privacidade, simultaneamente com o potencial de personalizar a educação para cada aluno (STAHL; KARGER, 2016).

A maioria dos ambientes de aprendizagem digital habilitados para Internet pode registrar informações oportunas sobre os alunos: onde estão, o que estão fazendo, como chegaram lá, quanto tempo ficaram e para onde foram, além de detalhes formativos e sumários de suas realizações acadêmicas.

Valendo-se desses ambientes é possível traçar um perfil do comportamento dos usuários no momento que interagem com notícias, sejam elas verdadeiras ou falsas. E assim poder entender quais foram os argumentos e estratégias que os levaram a sua tomada de decisão em disseminar uma notícia. De acordo com Stahl e Karger (2016), pesquisas utilizando dados de ambientes digitais de aprendizagem têm o potencial de melhorar o ensino e o aprendizado de maneiras sem precedentes. Acreditamos neste trabalho que esta estratégia pode ser utilizada como recurso para alunos adquirirem competências no ambiente digital. Esses dados coletados podem também fornecer informações exclusivas sobre o impacto das fake news e dos esforços de ensinar habilidades para interagir com informações variadas da Internet em ambiente escolar, colaborando no progresso desses usuários.

Um outro ponto pacífico que também pode ser tratado neste recurso é a preocupação dos autores com as notícias sob o véu do anonimato. Segundo Rosenzweig (2017), a autoria sob pseudônimo não é novidade e, em muitos casos, serve a um propósito legítimo; mas a Internet permitiu e normalizou a publicação anônima de novas maneiras, o que é problemático no mundo das notícias. A capacidade de obscurecer a identidade de uma pessoa publicando de maneira anônima é fundamental para uma fake news circular no modelo de plataformas como Twitter, Facebook-Instagram e Snapchat. O anonimato prejudica a capacidade do leitor de avaliar a credibilidade do autor.

Rosenzweig (2017) acrescenta ainda que o anonimato também é um escudo da responsabilidade pessoal, capacitando as pessoas a criar e difundir informações falsas com praticamente nenhuma, ou dificultando alguma, consequência individual.

6 CONSIDERAÇÕES FINAIS

A proliferação de fake news é a demonstração mais evidente de uma realidade caracterizada pela desinformação. Ao mesmo tempo em que tecnologias digitais de informação e comunicação potencializaram acesso inigualável à informação, tornaram manifesta nossa incapacidade em lidar com esse novo ecossistema informacional, caracterizado pela convivência de informação relevante com imbecilizante, informação saudável com danosa, notícias úteis com distorcidas, apenas para citar poucos exemplos.

Os mais jovens parecem ser mais suscetíveis à desinformação, seja porque estão mais expostos aos conteúdos digitais – e todas suas benesses e mazelas -, seja porque o sistema educacional brasileiro, em geral, não contempla a alfabetização midiática e informacional; de sorte que cuidados como privacidade, segurança da informação e reflexão crítica acabam sendo desenvolvidos mais pela experiência da maturidade que por uma formação formal.

Como resultado este artigo apresentou uma discussão sobre fake news e destacou três recursos necessários para combater a propagação de notícias falsas na Internet. Esses recursos foram identificados em artigos levantados na base de dados ERIC, com descritores escolhidos a partir do Thesauro Internacional de Educação e recorte temporal de 2016 a 2019. A partir de análise de conteúdo simples, destacou-se como principais recursos para combater fake news: estimular o debate crítico, alfabetização midiática e estratégias metacognitivas.

Espera-se que este estudo de revisão possa contribuir com outros trabalhos que visam entender o comportamento dos diversos grupos de usuários e no combate das Fake News, no intuito de conscientizar as pessoas quanto ao compartilhamento de informações que podem trazer consequências para o sujeito.

REFERÊNCIAS

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Links consultados:

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1 Professora Adjunta do Instituto de Ciência da Informação da Universidade Federal da Bahia, Brasil. ORCID http://orcid.org/0000-0002-3429-7522. E-mail: babi.coelho7@gmail.com

2 Professora Adjunta no Departamento de Ciência da Informação da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. ORCID https://orcid.org/0000-0003-0157-8691. E-mail: https://orcid.org/0000-0003-0157-8691

3 Neste artigo, utilizaremos a grafia de Internet na maioria das vezes, com “I” maiúsculo, para denota-la como substantivo próprio que indica como “rede das redes” única e global. Quando aparecer com “i” minúsculo estamos nos referindo a qualquer conjunto de redes interligadas.

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