ISSN 1517-5901 (online) POLÍTICA & TRABALHO
Revista de Ciências Sociais, nº 59, Julho/Dezembro de 2023, p. 146-16 3
DIVIDIR PARA FRAGILIZAR:
terceirização, contratos autônomos e o enfraquecimento sindical nos Correios
DIVIDE TO FRAGILIZE:
outsourcing, autonomous contracts and union weakening in Correios
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Bernardo Paim Cunha Masson
Mariana Bettega Braunert
Resumo
O presente artigo analisa como as alterações realizadas na legislação trabalhista em 2017 impactaram negativamente nas condições de trabalho e na luta sindical de uma importante empresa pública brasileira, os Correios. Com base em pesquisa empírica na qual analisamos documentos oficiais da empresa e entrevistamos trabalhadores e dirigentes sindicais, identificamos uma ampliação da quantidade de trabalhadores terceirizados, que desempenham funções semelhantes às de trabalhadores contratados diretamente pela empresa, porém sem os mesmos direitos e em condições bem mais precárias. Além disso, constatamos um crescimento das contratações de trabalhadores autônomos, sobretudo carteiros, que desenvolvem suas atividades contratados como pessoas jurídicas, em moldes semelhantes ao formato de trabalho “uberizado”. Essas tendências não apenas contribuem com a precarização das condições de trabalho da categoria como também fragilizam a luta sindical, na medida em que pulverizam e fragmentam os trabalhadores.
Palavras-chave: Terceirização. Contratos autônomos. Enfraquecimento sindical. Correios.
Abstract
This article analyzes how the changes made to labor legislation in 2017 had a negative impact on working conditions and on the union struggle of an important Brazilian public company, Correios. Based on empirical research in which we analyzed official company documents and interviewed workers and union leaders, we identified an increase in the number of outsourced workers, who perform functions similar to those of worker s hired directly by the company, but without the same rights and in much more difficult conditions precarious. In addition, we observed a growth in the hiring of self-employed workers, especially postmen, who carry out their activities contracted as legal entities, in a similar way to the 'uberized' work format. These trends not only contribute to the precariousness of the category's working conditions, but also weaken the union struggle, as they pulverize and fragment workers.
Keywords: Outsourcing. Autonomous contracts. Union weakening. Correios.
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Mestre em Sociologia pelo Programa de Pós-graduação em Sociologia da UFPR e membro do Grupo de
Pesquisa de Sociologia e Trabalho (GETS) da UFPR. E-mail: paim.bernardo@gmail.com
Doutora em Sociologia pelo Programa de Pós-graduação em Sociologia da UFPR e professora do curso de
bacharelado em administração pública da UFPR – Setor Litoral. E-mail: mbbraunert@gmail.com

MASSON, B.P.C; BRAUNERT, M.B. Introdução
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A Reforma Trabalhista (Lei nº 13.467/2017) e a Lei de Terceirizações (Lei nº 13.429/2017) tiveram impacto direto no movimento sindical dos trabalhadores, uma vez que promoveram uma alteração significativa na estrutura das relações de trabalho, permitindo q ue empresas terceirizadas sejam responsáveis pelas contratações das atividades finalísticas das empresas, além da legalização do contrato de “autônomos” sem que sejam considerados “empregados”.
O presente artigo analisa a flexibilização das formas de contratação na Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos (ECT), que se expressa pelo crescimento da contratação de trabalhadores terceirizados e autônomos, bem como as consequências da ampliação dessas modalidades contratuais para a luta coletiva e mobilização sindical.
Ao legalizar a terceirização nos serviços finalísticos (prática que já ocorria, mesmo sem regulamentação, porém em menor escala), o movimento sindical encarou um dilema sobre como conseguir organizar os trabalhadores. Juridicamente, os trabal hadores terceirizados tendem a ter um sindicato próprio, já que a base social da entidade representativa é definida pelo empregador. Assim, as entidades percebem a redução no número de representados, o que gera um impacto financeiro direto, por terem menos filiados, mas, mais do que isso, encontram dificuldades para mobilizações e greves, por não representarem o setor terceirizado e autônomo.
No caso dos Correios, houve um enfraquecimento nas unidades de trabalho dos carteiros, mas, especialmente, nos Centros de Tratamento de Cargos, onde trabalham os Operadores de Transporte e Transbordo (OTT), cargo que foi extinto para ser exclusivamente terceirizado. As agências também sofreram com esse processo, especialmente com o aumento no número de franqueadas, que são unidades que levam o nome da Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos (ECT), porém geridas por setores privados sob regras próprias, que não acompanham as regras das estatais.
Os dados aqui apresentados são baseados em pesquisa empírica realizada junto a trabalhadores e representantes sindicais dos Correios, no decorrer do ano de 2021. Além de três entrevistas com dirigentes e ex-dirigentes sindicais, utilizamos materiais de entidades representativas dos trabalhadores nos Correios, informações constantes no site da empresa, bibliografia pertinente à área e pesquisas relacionadas à Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos (ECT).

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Terceirização: contratos precários e a divisão da base sindical
A terceirização não é recente nos Correios; pelo menos desde a década de 1990 é adotada como mecanismo de gestão, primeiro com serviços meio, como limpeza e segurança; na sequência, a estratégia de agências franqueadas1 criou uma lógica de atendentes comerciais terceirizados. A possibilidade de empresas privadas concorrerem no ramo de encomendas também seguiu nessa mesma orientação. No início do século XXI, o processo se ampliou, com a terceirização da frota de caminhões para viagens de longa distância e, por fim, a terceirização ilegal nas funções de carteiros2 e Operadores de Transporte e Transbordo (OTT)3, especialmente na segunda metade da década de 2010. Essa, por sua vez, demonstrou sua fragilidade jurídica, visto que a empresa perdeu vários processos judiciais movidos por entidades sindicais, mas que não conseguiram executar a vitória jurídica por decisão do Tribunal Superior do Trabalho (TST) (Teixeira, 2013).
Esses casos demonstram que, também nos Correios, a Reforma Trabalhista e a Lei de Terceirizações foram adotadas no sentido de legalizar práticas que já vinham sendo incorporadas na estrutura de trabalho brasileira, como analisaram Krein e Oliveira (2019). Assim, as reformas jurídicas realizadas deram segurança jurídica para ampliar a exploração do trabalho, além de fragilizar a organização sindical. Nesse sentido, artigo publicado na própria revista dos Correios afirma:
A atual legislação trabalhista brasileira, recentemente reformada, admite diversas formas de contratação de mão de obra, equiparando-se às relações trabalhistas há muito implementadas em outros países, com diferentes formas de prestação de serviços em face do avanço tecnológico. Dentre as diversas alterações oriundas da reforma trabalhista, que passou a vigorar a partir de novembro de 2017, está a contratação de serviços de terceiros (objeto da Lei n° 13.429, de 31 de março de 2017), que altera a redação da Lei 6.019/1974, enfim regulamentando a contratação de serviços de terceiros, definindo a empresa prestadora de serviços a terceiros como “a pessoa jurídica de direito privado destinada a prestar à contratante serviços
determinados e específicos”. (Santos, 2019, p. 32, grifos nossos).
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1 A Agência Franqueada dos Correios faz a receptação e despacho de cartas e encomendas, como as Agências dos Correios, porém, é uma pessoa jurídica que possui gestão privada e contrata sem concurso (portanto, de forma distinta do trabalhador direto da estatal), mas se utiliza da marca Correios.
2 O carteiro é o responsável final do serviço dos Correios, que maneja as cartas e encomendas no Centro de Distribuição Domiciliar (CDD) e entrega nas residências ou empresas.
3 O Operador de Triagem e Transbordo tem a função de receber as cartas e encomendas nos centros de triagem,
que chegam nos caminhões, separar de acordo com o destino e carregar novamente outros veículos para que sejam levadas para os Centros de Distribuição Domiciliar (CDD). Fazem parte do trabalho direto da empresa por
participarem do manejo dos objetos postais para que cheguem ao seu destino.

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Seu principal argumento para a defesa de tal prática é que a terceirização permite que a empresa se concentre na atuação no mercado, portanto na concorrência com as demais empresas. Além disso, ressalta a demanda por implementação de novos produtos e serviços, o que demonstra a lógica comercial como elemento fundante de tal mecanismo de gestão, como expresso na sequência do mesmo artigo citado acima:
É inegável que a terceirização vem assumindo um importante papel como efetiva ferramenta de gestão, permitindo o foco corporativo na inovação e na criação de valores das próprias marcas, contribuindo para a implementação de vantagens competitivas. Essa possibilidade pode representar uma excelente alternativa para a Administração Indireta, uma vez que viabiliza a concentração dos esforços no aprimoramento da atuação no mercado, na implementação de novos produtos e serviços, bem como no estudo de novos mercados (Santos, 2019, p. 38).
As vantagens competitivas, porém, parecem residir em outro aspecto dessa técnica de gestão, que é o barateamento da contratação da força de trabalho, seja por salários reduzidos, ou, como no caso dos Correios, menos direitos, já que os trabalhadores não são ab rangidos pelo Acordo Coletivo da Categoria, apesar de exercerem as mesmas funções que os trabalhadores contratados diretamente pela empresa (Gonçalves, 2019). Isso demonstra uma indisposição da empresa em investir na estabilização e qualificação dos trabalhadores, uma vez que há alta rotatividade nesse tipo de contratação.
Neste sentido, Cavalcante e Marcelino (2021) conceituam trabalho terceirizado como “todo processo de contratação de trabalhadores por empresa interposta, cujo objetivo último é a redução de custos com a força de trabalho e/ou a externalização dos conflitos trabalhistas” (Marcelino; Cavalcante, 2012, p. 338 apud Cavalcante; Marcelino, 2021). Essa elaboração tem como base a conceituação marxista da necessidade do capital de intensificar a e xploração do trabalhador, sendo a terceirização, de acordo com esse entendimento, um dos mecanismos capitalistas que ampliam a capacidade de extração da mais-valia. Com abordagem semelhante, Oliveira (2018) demonstra, a partir da pesquisa realizada pela Co nfederação Nacional da Indústria (CNI) sobre a terceirização, que, na prática, o objetivo é a redução de custos e aumento do lucro empresarial, que pode ser um instrumento de comparação com o que ocorre na ECT. Sua conclusão parece um espelho do que estudamos aqui:
A argumentação favorável ao projeto apoiava-se, também, nos dados de pesquisa realizada pela Confederação Nacional da Indústria (CNI), realizada com 1443 empresas industriais. A referida pesquisa apontou que 54% das empresas industriais pesquisadas utilizavam serviços terceirizados e, destas, 46% teriam reduzida sua
competitividade, caso não pudessem recorrer à terceirização. No entanto, os dados da mesma pesquisa mostram que 91% das empresas que utilizavam serviços

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terceirizados apontavam explicitamente a redução de custos como a principal vantagem da terceirização e 58% consideravam que o seu principal problema é a
qualidade abaixo do esperado (CNI, 2009). Tais dados, omitidos na narrativa de defesa do PL 4330/2004, contrariam a própria argumentação dos defensores do
projeto, segundo os quais a grande vantagem da terceirização é a especialização dos serviços (Oliveira, 2018, p. 531).
A última contratação de carteiros, OTTs e atendentes comerciais via concurso público
foi em 2013, sendo o último concurso em 2011. Assim, observando a série histórica de 2004 até 2020, percebemos que de 2004 a 2010 ocorreu um leve aumento no número de trabalhadores diretos de 104.821, em 2004, para 107.992 trabalhadores, em 2010. Após o concurso de 2011, houve o ingresso de um contingente significativo de novos trabalhadores, chegando a 125.420, em 2013. Porém, a partir daí, ocorreu uma queda significativa e não houve recomposição do quadro por meio de concurso, chegando a 98.098 trabalhadores, em 2020. Na contramão desta redução do número de trabalhadores diretos, percebeu-se o aumento no número de contratos terceirizados.
De acordo com o relatório dos Correios (2021), com extração de dados do período de abril a julho de 2021, os Correios tinham, no total, 16.210 trabalhadores terceirizados, sendo que, desses, 7.457 eram operadores de triagem e transbordo (OTT) e 2.494 carteiros; considerando que, em 2020, os Correios tinham 98.092 trabalhadores concursados, praticamente 10% do operacional dos Correios estavam terceirizados. Podemos observar, também, uma predominância na terceirização dos OTTs, se comparado aos carteiros, pois partiu de uma política da gestão de não contratar mais esse segmento via concurso e extinguir o cargo para torná-lo exclusivamente tercei rizado.
Para usar como exemplo, o Centro Internacional de Cargas dos Correios (CEINT) de Pinhais (PR) recebe e distribui as encomendas internacionais para diversas regiões do país. Os dados oficiais da empresa demonstram que são 863 trabalhadores terceirizados na área operacional, sendo 23 “encarregados”, 8 operadores de empilhadeira e o restante, 832, auxiliares operacionais, que cumprem as mesmas funções exercidas pelos OTTs (Correios, 2021), praticamente sem nenhum contratado direto pela ECT. Outra unidade de Curitiba, que também funciona com quase sua totalidade de terceirizados, é o Centro de Tratamento de Encomendas de Curitiba (CTE), onde há 247 trabalhadores do operacional terceirizados. Desses, 9 são encarregados e 238 auxiliares operacionais, os OTTs.
Na medida em que se efetiva a contratação de trabalhadores terceirizados nos Correios, cria-se uma situação em que empregados desempenham na prática a mesma função, porém sob modalidades contratuais bastante distintas. Além de os terceirizados não possuíre m

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os mesmos direitos que os trabalhadores contratados diretamente pela empresa, via de regra também não há interação entre eles, em função das próprias diferenças contratuais, o que produz outro efeito relevante, que é o enfraquecimento da mobilização coletiva e fragilização da luta sindical.
À primeira vista, a mudança formal do contratante não significaria um impacto na sociabilidade no local de trabalho, porém, certos aspectos contradizem esse senso comum. Antes das alterações da legislação de 2017, as contratações de Carteiros e OTTs terceirizados não passavam de 3 meses e esses não podiam ser responsabilizados pelos erros que cometiam, pois frequentemente havia notícias de fraudes ou extravios de correspondências, no geral de responsabilidade dos terceirizados, que “manchavam a reputação” dos carteiros. Além disso, pelo curto período em que permaneciam na empresa, os terceirizados não conseguiam adquirir a habilidade e rapidez dos trabalhadores mais antigos, sobrecarregando o profissional que os acompanhava. Quando eles começavam a desenvolver o trabalho com mais eficácia, eram desligados da empresa (Gonçalves, 2019).
Parte dessas questões são contornadas após 2017, com a ampliação do tempo de contrato de 3 para 9 meses. Contudo, as fragilidades nas relações, por conta das dificuldades históricas, não são completamente sanadas. Gonçalves (2019) ressalta que a nova regra permite a contratação por 180 dias, prorrogáveis por mais 90, não precisando ser consecutivos. Porém, findo esse período, a pessoa contratada precisa aguardar mais 90 dias para regressar como temporário nos Correios, causando prejuízos em seus rendimentos, uma vez que, no geral, esse profissional depende de tal contratação para seus proventos. Além disso, há perda de identidade na relação entre trabalhadores diretos e terceirizados:
A perda das identidades profissionais individuais e coletivas nos Correios está muito
relacionada à reestruturação do seu quadro. Este extinguiu alguns cargos operacionais visando sua substituição por adoção de novas tecnologias e mão de
obra proveniente de contratos com empresas terceirizadas e agenciadoras de mão de obra temporária (E2). Mas esse tipo de substituição de postos de trabalho tem como
consequência a perda de identidade dos trabalhadores que não são considerados funcionários dos Correios (E3), embora também estejam vinculados ao processo de trabalho da empresa. Como a permanência dos funcionários temporários e terceirizados é fugaz não há tempo de constituição de uma identidade profissional neste grupo de trabalhadores (Gonçalves, 2019, p. 81).
Esse exemplo reforça o entendimento de Druck e Oliveira (2021) de que a terceirização é uma tática do empregador para fragmentar os trabalhadores e as entidades sindicais a partir da introdução de contratos de trabalho diversos e com uma multiplicidade de empresas. Com isso, amplia a heterogeneidade nos locais de trabalho e facilita a

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intensificação da exploração da força de trabalho, fragilizando a capacidade de resistência. Isso se torna ainda mais grave devido à herança da estrutura sindical varguista, com características corporativas e autonomia limitada pelo Estado, uma vez que os trabalhadores não possuem a liberdade de decidir a base sindical que os representa (Boito, 1991). Assim, ao incluir, em um mesmo local de trabalho, diferentes tipos de vínculos empregatícios, a fratura da luta coletiva se faz evidenciada.
Os terceirizados, no geral, possuem um sindicato próprio, impedindo que eles acompanhem a categoria ecetista4 em seus movimentos paredistas, o que gera, para os Correios, um contingente fixo de “fura-greves”, setor que não para de trabalhar por não ter respaldo legal para isso. Assim, por exemplo, em uma paralisação em um Centro de Distribuição Domiciliar (CDD), é provável que sempre tenha um contingente de carteiros que não aderirão, seguindo o trabalho normalmente, pelo único motivo de serem terceirizados (Teixeira, 2013). A resistência dos terceirizados em aderir às greves e mobilizações coletivas é plenamente compreensível diante da precariedade e fragilidade contratual a que estão submetidos, sobretudo por não terem nenhuma estabilidade, ao contrário dos trabalhadores contratados diretamente pela empresa, que, mesmo sendo celetistas e não estatutários, possuem uma “estabilidade relativa”, como identificou Braunert (2018) em pesquisa com trabalhadores de empresas estatais.
Isso se expressa, também, na pulverização de entidades sindicais que teriam interesses comuns em um mesmo local de trabalho. Ao fragmentar a organização dos trabalhadores, a redução da força de trabalho da categoria se estende a todos, portanto a precarização a que os terceirizados estão expostos é ampliada, em partes, para os trabalhadores diretos. Como se torna muito difícil que os trabalhadores aumentem a pressão paralisando a circulação de objetos postais, devido à manutenção de vários setores funcionando com trabalhadores terceirizados, o poder de barganha se reduz e, consequentemente, sua luta se enfraquece. Isso pode gerar a percepção na categoria de que o “problema” são os trabalhadores terceirizados que estariam “furando greve”, colocando uma categoria contra a outra, quando, na prática, isso parte de uma estratégia patronal (Gonçalves, 2019).
Como percebemos, a terceirização vem se intensificando a partir de 2017, pois sua legalização nos serviços-fim permitiu ampliar a quantidade dessa forma de contratação, bem
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4 Ecetista se refere a trabalhadores da ECT, uma forma como se autodenominam os trabalhadores nos Correios.

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como a diversificação das funções que exercem. A percepção de uma trabalhadora entrevistada expressa um pouco dessa realidade:
O CDD [Centro de Distribuição Domiciliar] que eu trabalho, que tem uma média de 30 a 40 trabalhadores, é o menor CDD de Curitiba e bem periférico. Antigamente o máximo que a gente já teve foi 3 trabalhadores terceirizados. Agora a gente está com 7. Só que ainda assim não supre a quantidade de pessoas que pediram demissão voluntária. Só no meu local de trabalho, que 6 pediram demissão e 3, não, 5 foram para outras unidades. A gente teve 11 baixas e teve 7 contratações (Entrevista 2, realizada com trabalhadora e ex-dirigente sindical dos Correios em 29 de junho de 2021).
Nos Centros de Triagem, os Operadores de Triagem e Transbordo (OTTs) também viram aumentar os colegas vinculados a empresas que não os Correios. Em 2018, o cargo de Operador de Triagem e Trasbordo foi extinto, passando a não ser mais recomposto por concursados e a operar com terceirizados, em sua maioria. Como aponta Gonçalves (2019, p. 79):
Ponto que merece especial atenção, é o aumento dos contratos temporários para a função de OTT, pois em 2017, logo após a lei ser aprovada, foi realizado contrato [terceirizado] para OTTs mesmo quando o cargo não havia sido extinto,
demonstrando intenções da empresa de terceirização do setor (E3), fato que ocorreu em janeiro de 2018. Após a extinção, foram celebrados contratos de MOT para a função de OTT e também contratos de MOT referentes a funções diversas para exercer as funções de auxílio à triagem e despacho postal, além do surgimento dos contratos de MOT específicos para a função de carteiros, inéditos até então. Cabe pontuar que, apesar de antes de 2018 não haver registro de contratos de MOT para carteiro, já havia uma prática recorrente do uso de MOTs nesta função.
Um trabalhador dos Correios entrevistado, que atua como OTT, também percebe a realidade se alterando nos locais de trabalho e como a ECT busca a substituição completa a médio prazo, como ocorreu com o setor de transporte:
Nos Centro operacionais [onde é feita a triagem dos objetos postais] deve dar, hoje, 80% de terceirizados e 20% trabalhadores dos Correios. É tudo OTT, é tudo
Operador de Triagem e Transbordo, e alguns supervisores que vêm junto com eles. (…) [O OTT] entrou em extinção em 2018, em 2017 a empresa extinguiu o cargo de OTT, (…) O OTT pode ser todo o quadro, todo o plantel de OTT pode ser
substituído por terceirizado, então coloca-se em extinção, como fizeram com os motoristas, na década, no final dos anos 2000. (Entrevista 1, realizada com Operadores de Triagem e Transbordo (OTT) em 28 de junho de 2021).
Um dirigente da FENTECT nos traz um exemplo da dificuldade na organização sindical dos terceirizados, ressaltando que a área em que trabalham os OTTs é estratégica para o movimento sindical, pois é um dos locais de trabalho que geram mais impacto econômico para a empresa em período de paralisação:

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O coração dos Correios são os centros de triagem, se você para os centros de triagem não chega, não sai encomenda. Quando você tira esses caras da nossa categoria, que
você joga para outra categoria, que são dos terceirizados, não é categoria na minha opinião, mas foi criado esse sindicato dos terceirizados, você começa a quebrar isso.
(…) Você quebra a unidade da categoria em trabalhadores e subtrabalhadores. E começa esses trabalhadores que ganham menos, também, a olhar para os trabalhadores ganham direito, justo, né, e começam a falar “não, vocês têm privilégio”, como se fosse privilegiado aqueles que têm trabalho com uma certa estabilidade e benefícios sociais. Então isso é terrível para a organização dos
trabalhadores, não só do ponto de vista do financiamento, como do ponto de vista da organização e da estratégia sindical (Entrevista 3, realizada com dirigente da FENTECT em 03 de setembro de 2021).
E complementa com um exemplo de um caso ocorrido na base sindical de Campinas
(SP), na cidade de Indaiat uba:
O que vem acontecendo é o seguinte: quando tem problema no contrato deles [terceirizados] eles chamam a gente [sindicato dos trabalhadores nos Correios]. Campinas e Indaiatuba aconteceu isso já umas 3 vezes. Antes um pouco da nossa data-base a empresa não tava pagando eles, tal. O sindicato de Campinas [Sindicato
dos Trabalhadores dos Correios de Campinas e Região (SINTECT-CAS)] foi lá e
parou tudo. Aí veio o sindicato deles e eles não confiavam no sindicato, mas o sindicato de Campinas chamou eles e disse que “vocês têm que fazer isso aqui”. Aí
veio o sindicato organizando, parou e conseguiram resolver o problema lá, que era um contrato novo e a empresa ela tinha que pagar os terceirizados antes de receber o pagamento dos Correios, porque tem um tempo para os Correios pagar, e isso tava no contrato, se não tinha condições de bancar isso não tinha que ter pago. Aí a empresa conseguiu resolver esse problema e pagar depois de uma greve dos terceirizados. Bom, fez a greve, beleza, voltou a trabalhar. E aí começamos a nossa greve, dos trabalhadores dos Correios e decidimos que íamos parar o complexo de Indaiatuba e lá funciona 24 horas e fomos parar lá. Fomos, trabalhador parou lá na porta, fechou tudo. E o ônibus da galera que ia sair dos terceirizados óbvio, com eçou a atrasar por que tava tudo fechado, parou tudo na porta, e os próprios terceirizados que nós organizamos a greve veio brigar com a gente e aí saiu no pau, mesmo, na briga mesmo, rasgamos faixa e tudo, então você vê, eles queriam ir embora para casa, tinham trabalhado o período deles e eles não estavam com paciência para
discutir como nós ia fazer aquilo, de como nós ia liberar eles. E aí teve um confronto
mesmo, aí você vê, olha, aquele mesmo que a gente ajudou na greve estava virado contra a gente, porque queria ir embora. “Foda-se o problema é de vocês, não é
nosso”. Tudo bem, a gente sabe que os caras estavam cansados, entendeu? Depois nós resolvemos, porque já tínhamos o ônibus nosso, nós pusemos eles nos nossos ônibus, mandamos entregar cada um em casa (Entrevista 3, realizada com dirigente
da FENTECT em 03 de setembro de 2021).
Esses casos reforçam que, além da dificuldade jurídica da representação, há uma barreira política, cultural, de interação e atuação conjunta das categorias que precisa s er compreendida como una, sem a distinção que se observa a partir das contratações feitas por empregadores diferentes. Esse exemplo ressalta, também, que as lutas econômicas reforçam os interesses específicos de cada setor e, por vezes, ampliam a concorrência entre eles. Essa pode ser considerada uma consequência da estrutura sindical brasileira, vinculada ao Estado e definida pela unicidade sindical que, ao longo dos anos, aprofunda o caráter corporativista da

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organização sindical e molda o movimento dos trabalhadores a partir de suas regras (Boito, 1991; Oliveira; Galvão; Campos, 2019).
Autônomos sem autonomia: o fim dos direitos trabalhistas e sindicais sob o véu do contrato via CNPJ
Os contratos autônomos são inseridos na legislação de modo que a empresa possa contratar trabalhadores como se supostamente fosse uma relação entre empresas. Assim, estabelece uma relação de trabalho camuflada por um acordo entre pessoas jurídicas. Tal relação é regulamentada pelo decreto nº 9.507, de 21 de setembro de 2018. Trata-se da legalização de contratos autônomos individuais, como prestação de serviços pago por produtividade, similar aos trabalhadores “plataformizados”, na lógica da uberização, que Lima e Bridi (2019) denominaram de “ocupações plataforma”, e outros autores têm se referido como trabalho plataformizado. Como vemos no artigo 442-B da nova Consolidação das Leis do Trabalho (CLT):
A contratação do autônomo, cumpridas por este todas as formalidades legais, com ou sem exclusividade, de forma contínua ou não, afasta a qualidade de empregado prevista no art. 3º desta Consolidação (Brasil, 2017).
Essa modalidade foi aprovada pelo Conselho de Administração dos Correios, em 23 de junho de 2020, segundo ata publicada em seu site (Correios, 2020a), e recent emente adotada nos Correios, chamada de contratação por “Execução Indireta de Serviços” (EIS). Essa forma de contratação pode ser aplicada em diversos setores; a que substitui o carteiro, por exemplo, é a “Modalidade Linhas de Distribuição”. Nesse caso, são contratados profissionais autônomos que trabalham com seus próprios carros, recebendo por produtividade e sem vínculo empregatício com os Correios (Correios, 2020b).
A revista Postal Brasil, de 2019, produzida e impulsionada pela própria ECT – que se afirma como “técnica científica” e voltada para discussões da empresa, divulgada em seu próprio site – revela que a proposta de uberização da entrega é apresentada como forma de substituição dos carteiros. Depois de apresentar o aumento do e-commerce, os avan ços tecnológicos, os smartfones, o avanço das Tecnologias de Informação e Comunicação (TICs) e o “empreendedorismo” vinculado a entregas como “Eu Entrego” e “Shippify (termo utilizado para designar serviço de entregas terceirizado para sites de e-commerce), a revista indica o interesse comercial dos Correios em implementar um modelo de distribuição em que

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o entregador seria autônomo, portador de veículo próprio, porém o smartfone seria cedido pela ECT. Caberia aos Correios, nesta proposta, organizar e planejar as rotas e a remuneração, seguindo a influência da ampliação do modelo “uberizado”, pautado na quilometragem percorrida, pontos atendidos e o volume de entregas. De acordo com Santos, Araújo e Lima (2019, p. 124):
Diante dos estudos realizados e analisando o atual cenário mercadológico, entende - se que as empresas produtoras, distribuidoras, importadoras, comerciais ou prestadoras de serviço esbarram em um grande gargalo no processo comercial: a distribuição do produto ao cliente final. Percebe-se, então, um nicho de mercado a ser explorado, em que a flexibilização do processo de entregas, com a possibilidade de que estas sejam realizadas por parceiros autônomos, é uma opção viável para os Correios vista os benefícios descritos no presente artigo.
Segundo a orientação do próprio Correios, observada a partir de uma apresentação feita para o Rio de Janeiro sobre os requisitos técnicos para esta contratação, o postulante ao contrato autônomo deve apresentar um carro com mais de 600kg e que não seja adesivado por outro serviço (por exemplo, como frete escolar), pois receberá um adesivo magnético com a logomarca dos Correios para utilizar em serviço. Além disso, esses profissionais não são autorizados a trabalhar nos finais de semana ou feriado e não podem adentrar a unidade dos Correios, devendo receber as encomendas já ordenadas pelos demais trabalhadores. Os autônomos recebem um aparelho smartfone, porém o carregamento no carro é feito exclusivamente por eles. A estimativa é que entreguem de 130 a 170 encomendas em um dia, podendo ter o auxílio de um carteiro ou supervisor nos primeiros dias (Correios, 2020b).
O autônomo, chamado pelos correios de “contratada”, como se fosse uma empresa, tem a responsabilidade de conferir se há avarias nos objetos recebidos. Se, porventura, não entregar todos e devolver alguns aos Correios, há conferência de danificações com o objetivo de responsabilizar o profissional pelo dano com desconto pecuniário. Se houver perda ou danificação do aparelho celular, os custos são do profissional, além de todos os custos do carro, que não pertencem à ECT (Correios, 2023).
Constam, ainda, como principais erros, submetidos a penalidades, observadas neste tipo de contrato: as roupas “inadequadas” usadas pelo motorista, a não assinatura do documento da lista de objetos postais recebidos ou entregues, a documentação do veículo vencida e a não comunicação aos Correios de acidentes ocorridos no trabalho. Além disso, há determinação de multa de 100% se os objetos pré-determinados não forem entregues por responsabilidade do trabalhador autônomo (Correios, 2023). Uma das nossas entrevistadas expõe como percebe essa relação a partir de seu local de trabalho:

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Nós temos 4 trabalhadores [no CDD que ela trabalha] que tem uma sigla de EIS [Execução Indireta De Serviços], como se fosse o nome daquela locadora de carro.
Eles chegam lá com seu próprio veículo, aí, de manhã, que seria o Uber, a uberização total dos serviços postais, aí eles chegam lá pela manhã, e al gum
concursado, que tenha matrícula que o responsabilize, no sentido de ser imputável pelas encomendas, eles entregam de 150 a 200 objetos para este uberizado, vou
colocar assim porque se não vai confundir com o terceirizado, que é de uma outra forma. Aí esse uberizado ele pega esses objetos, pega uma lista e sai. E ao final do
dia, óbvio que ele não consegue entregar tudo, ele não foi treinado, ele não sabe nem como ordenar como colocar numa ordem mais rápida e mais produtiva esses objetos, então ele acaba fazendo pelo GPS, como se tivesse pegando um cliente com seu carro. Chega ao final do dia ele não consegue, então não recebe o valor total que foi acordado, ele recebe por quantidade de encomenda entregue, então isso para ele é bem foda, isso pra ele é bem danoso, porque gastou combustível, ele gastou seu carro, tudo, e não vai receber o valor fixo porque porventura não conseguiu entregar as encomendas (Entrevista 2, realizada com trabalhadora e ex-dirigente sindical dos Correios em 29 de junho de 2021).
Essa reestruturação do modelo interno de trabalho ainda é incipiente. De acordo com dados do relatório dos Correios (2021), a ECT declara que foram 95 contratados de maneira autônoma no país em 2020, sendo que, no total, foram 10.046 trabalhadores terceirizados no setor operacional naquele mesmo ano e, além disso, parece haver certa autonomia para a celebração desses contratos, a partir de parâmetros nacionais (Correios, 2021). Contudo, o exemplo apresentado por uma ex-dirigente sindical entrevistada nos permite observar que, no caso dos trabalhadores autônomos, esse modelo já chega a 10% de sua unidade de trabalho. Compreendemos, também, que visa a responder questões antigas do modelo de trabalho dos Correios. Como nos demonstra Teixeira (2013), na década de 1970, uma consultoria francesa foi contratada para analisar as possibilidades de modernização da estrutura laboral. Sua conclusão é que o setor de entrega não seria possível ser robotizado, dependendo, necessariamente, da força de trabalho. O que seria impossível antever, naquele momento, era o avanço das Tecnologias de Informação e Comunicação (TICs) e a uberização do trabalho, que agora adentra os Correios.
Ao adotar esse modelo, a ECT busca uma estrutura alheia à lógica de contratação via concurso que é típica das empresas estatais. Assume a estrutura de máxima exploração, estabelecendo relação empregatícia a partir de contratos autônomos, sem se responsabilizar com o capital constante utilizado, e passando grande parte do custo de investimento para o trabalhador, agora entendido como um empreendedor, com o seu carro, uniforme etc. Além disso, os riscos da atividade são transferidos para o entregador, que se expõe a possibilidade de assaltos e acidentes, além de arcar com os gastos cotidianos, como comb ustível, danificação do aparelho celular, revisão do carro, multas, consertos etc.

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Trabalhadores contratados via Cadastro Nacional da Pessoa Jurídica (CNPJ), como
autônomos, mistificados pelo status de “empreendedores”, em vez de trabalhadores, pos suem um contrato estabelecido, supostamente, entre duas empresas. Nesse tipo de relação, o “contratado” é alienado, além do fruto de seu trabalho, da própria identidade de trabalhador, ou seja, o capital mistifica a relação encobrindo sua real função de exploração com o véu de pessoa jurídica, eliminando, inclusive, a figura do patrão ou supervisor direto. Essa transformação é particularmente eficiente por alterar a interação no plano econômico, não apenas ideológico. Isto é, não se trata apenas do exercício de trocar o conceito de “operário” por “colaborador”, buscado anteriormente, mas modificar a estrutura de contratação de tal forma que o indivíduo se sinta participando de um modo distinto na relação de classes. Assim, este “autônomo”, que não possui autonomia, na prática, não possui também nenhum direito trabalhista, uma vez que não há relação de subordinação jurídica. Desta forma, não tem direitos clássicos historicamente conquistados pelos trabalhadores, como FGTS, 13º salário, férias, descanso semanal remunerado, licença-médica, entre tantos outros.
Sua remuneração segue a lógica de receber exatamente pelo que produziu ou trabalhou e deixar de receber caso não o faça, o que não é, senão, uma forma de salário flexível (Baeta, 2018). O tipo de pagamento adotado também se modifica, passando a ser por serviço executado, o que Marx (2004) identificou analiticamente como o pagamento por peças, no capítulo XIX de “O Capital”. As metas passam a ser do próprio trabalhador, que busca aumentar seu rendimento, trabalhando cada vez mais, sem limites de jornada, buscando fazer as entregas em menor tempo para melhorar seu rendimento. Desta forma, a figura do gerente que pressiona, calculando os segundos do movimento, dá lugar a pressão incorporada pelo próprio trabalh ador.
Dado o salário por peça, é, naturalmente, interesse pessoal do trabalhador empregar sua força de trabalho o mais intensamente possível, o que facilita ao capitalista elevar o grau normal de intensidade do trabalho. É também interesse pessoal do trabalhador prolongar a jornada de trabalho a fim de aumentar seu salário diário ou
semanal (Marx, 2004, p. 641).
Outro aspecto significativo é a falta de contribuição à previdência pública, o que reduz o custo para o capital e elimina amplos setores desse direito assegurado pelo Estado, o que, por outro lado, fragiliza a concepção de seguridade social como direito. Soma-se a isso a tendência geral de redução no rendimento dos trabalhadores autônomos ao longo dos anos, como observado no estudo de Filgueiras (2019), o que é mais uma expressão do aumento da exploração, pois além de passarem a assumir os riscos e os custos dos equipamentos de

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trabalho, os trabalhadores percebem sua remuneração cair ano após ano, a despeito do recorrente aumento na inflação:
Com relação aos trabalhadores supostamente autônomos (que, na PNAD [Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios], mistura indivíduos afetados ou não pela reforma), seus rendimentos médios no trimestre encerrado em maio de 2019 foram de R$ 1.666, contra R$1.669 no trimestre terminado em outubro de 2017. Se ficaram praticamente estagnados depois da reforma, eles permanecem bem abaixo de maio de 2014, quando eram R$ 1.801 – queda de 7,5%. Para os supostos autônomos com CNPJ, que são o foco da reforma (que incentiva que as empresas contratem trabalhadores desse modo), os rendimentos têm caído seguidamente. No trimestre terminado em maio de 2019 foram de R$ 3.088, queda de 3,4% em relação a maio de 2018 (R$ 3.198) 5% a menos do que maio de 2016 (R$ 3.251) (Filgueiras, 2019, p. 33).
Vale ressaltar que essa pressão pela redução dos proventos não é desdobramento somente da ideologia do trabalho autônomo como parte do “empreendedorismo”, apesar de essa possuir papel central, mas, também, do enorme contingente de desempregados gerados pela política neoliberal. O exército industrial de reserva aumenta a concorrência sobre os ocupados jogando o preço da força de trabalho para baixo, como mecanismo de redução de direitos. Na medida em que a quantidade de candidatos por uma vaga se amplia, sendo o trabalhador facilmente substituível, o empregador se impõe, reduzindo direitos e salários:
A lógica de desconstruir ou mitigar o sistema de direitos e de proteção social tende a expor o trabalhador a uma condição de maior vulnerabilidade, seja ao submetê-lo a uma dinâmica de intensificação da concorrência do mercado, fazendo-o aceitar ocupações e condições de trabalho mais precárias e até sem direitos, como o caso do
trabalho supostamente autônomo; seja ao dificultar o acesso ao sistema de seguridade por meio de uma aposentadoria digna, do atendimento pelo sistema de
saúde pública, do acesso aos benefícios em razão de afastamento involuntário do mercado de trabalho ou pelo direito ao seguro-desemprego. Some-se a isso a fragilização das instituições públicas responsáveis por garantir a efetividade dos direitos e da proteção social (Krein; Oliveira, 2019, p. 129).
Cabe observar que a precarização vai além da categoria, uma vez que, ao reduzir o rendimento à produtividade individual, acaba por impor um aumento de jornada para cumprir uma meta salarial definida pelo próprio trabalhador. Assim, conforme este entregador consegue ampliar sua própria meta de entregas diárias, a empresa passa a precisar de menos funcionários para atender a mesma demanda. Desta forma, percebemos que o argumento de que essa “modernização” geraria empregos, na prática não se confirma. Pelo contrário, na medida que um trabalhador assume a demanda de dois, o número de postos de trabalho é reduzido pela metade.

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Podemos perceber que esse processo é favorável à empresa, pois tende a levar a um
aumento da jornada de trabalho, com redução do custo do trabalhador e, consequentemente, aumento da exploração e precariedade do trabalho. Os “poros” do trabalho, aqueles tempos de não produtividade, de pausas, são eliminados, uma vez que os autônomos recebem por produtividade. Até mesmo as horas de descanso, como a hora do almoço, tendem a ser reduzidas porque não são remuneradas. É a equação que permite ao capital explorar cada momento que o trabalhador disponibiliza para a empresa, deixando de pagar cada segundo ocioso.
Cabe enfatizar, por fim, que no âmbito da organização do trabalhador autônomo, esse mecanismo de trabalho dificulta ainda mais a atuação sindical, esvaziando suas bases, uma vez que a contratação é indireta, impessoal, cujos trabalhadores são empregados disfarçados de pessoas jurídicas autônomas, se inscrevendo no direito comercial e não do trabalho. Nessas plataformas digitais de entrega, o número de pessoas que podem se inscrever nesses aplicativos é infinito, sendo que a empresa pode convocar ou deixar de chamar sem dar explicações.
O impacto dessa modalidade em um movimento grevista ainda não é conhecido, pela recente adoção do modelo na categoria, mas a prerrogativa da empresa de poder convocar trabalhadores autônomos para entregar correspondências durante o movimento paredista é mais um movimento que enfraqueceria a interrupção do serviço. Além disso, pensar na adesão desta categoria à paralisação nos leva a perceber que, primeiro, o trabalhador “autônomo” deixaria de receber sua remuneração imediatamente e, segundo, que a empresa teria grande facilidade em não renovar a contratação daqueles que tenham participado de um movimento sindical. Isso resultaria em algo análogo a uma demissão, porém sem os custos do rompimento de um contrato ou necessidade de qualquer justificativa, apenas deixando de convocar determinada “pessoa jurídica”.
Considerações finais
O presente artigo analisou a flexibilização das formas de contratação que vem sendo observada nos Correios, seguindo uma tendência geral do mercado de trabalho, que foi intensificada e legitimada pelas importantes reformas na legislação trabalhista implementadas em 2017.
Nesse sentido, temos, de um lado, o crescimento de trabalhadores terceirizados, inclusive desenvolvendo atividades finalísticas da empresa, que possuem condição de trabalho

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mais instável e precária, embora desempenhem as mesmas funções que trabalhadores diretamente contratados pela ECT. De outro lado, cresce a contratação de trabalhadores “autônomos”, assim designados porque são contratados como pessoas jurídicas, o que no caso dos Correios assume uma lógica semelhante a um trabalho de tipo “uberizado”, em que o trabalhador recebe por produtividade e assume os riscos da atividade econômica.
As alterações nos contratos de trabalho, seja por meio da terceirização, seja com contratos de “autônomos”, não apenas precarizam o trabalho, como também promovem a desorganização sindical. Como vimos, o modelo de sindicalismo do século XX, que respondia à estrutura fordista de contrato direto e grandes parques industriais, tem um desafio para se adaptar às diversas formas de contratação impulsionadas em 1990 e no século XXI. Os Correios são uma expressão disso, pois a categoria passa por uma intensa transformação em que é adaptada ao modelo corporativo e suas formas de organização coletiva sofrem intensa metamorfose.
Os dados coletados nos sugerem que a diversificação nos mecanismos de contrato exigirá criatividade e firmeza do movimento sindical em reconhecer que, apesar das diferenças contratuais, todos fazem parte da classe trabalhadora e há necessidade de se organizar em conjunto, já que, separados, os segmentos estarão mais fragilizados para resistir a tentativas de retiradas de direitos.
Ressaltamos, também, que, os principais argumentos em prol da Reforma Trabalhista, que afirmavam ser ela uma forma de modernização dos contratos, que permitiria a extensão dos direitos dos trabalhadores formais para os precarizados e que ampliaria o emprego, não se sustentam na análise de sua aplicação nos Correios. Percebemos o contrário, isto é, que há uma significativa redução no número de trabalhadores estáveis, concursados, que são substituídos por terceirizados ou autônomos, chamados pela categoria de “uberizados”. Assim sendo, se observarmos além do viés ideológico apresentado pelos proponentes da nova legislação trabalhista, perceberemos que ela funcionou em sentido oposto da “propaganda” em torno dela, ampliando formas precárias de contratação, intensificando o trabalho e enfraquecendo a luta sindical.
Cabe enfatizar, por fim, outro aspecto significativo da flexibilização das formas de contratação nos Correios: ela tende a precarizar não apenas o trabalho, mas os próprios serviços prestados pela empresa. Desse modo, quem sofre as consequências negativas desse processo não são apenas os trabalhadores, mas a sociedade como um todo, na medida em que

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a precarização dos vínculos de trabalho ameaça também a qualidade do serviço prestado pela estatal, que é de suma relevância para toda a coletividade.
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Recebido em:27/03/2023 Aceito em: 28/09/2023