ISSN 1517-5901 (online)
POLÍTICA & TRABALHO
Revista de Ciências Sociais, nº 59, Julho/Dezembro de 2023, p. 09-12
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EDITORIAL
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Miqueli Michetti
Maurício Rombaldi
O número 59 da Revista Política & Trabalho apresenta o dossiê Cosmovisões e
territórios: Abya Yala como Território Epistêmico, organizado por Alicia Ferreira Gonçalves
e María Elena Martínez-Torres. Constituído por cinco artigos inéditos e uma entrevista com
liderança indígena, além de uma apresentação, o doss parte dos debates em torno da
categoria antropoceno para criticar a maneira como a conjunção entre capitalismo, processos
coloniais e projetos de desenvolvimento nacionais forma a “matriz da crise socioambiental”
que hoje vivemos. A tal matriz, os trabalhos congregados no dossiê opõem as filosofias
indígenas do bem viver e de Abya Yala, termo que significa terra viva” e que vem sendo
retomado por povos originários na América do Sul em suas lutas políticas. Assim,
acadêmicas, ativistas e lideranças situadas no Norte e no Sul do planeta propõem, nesta
edição, que Abya Yala e suas cosmovisões sejam consideradas como um “território
epistêmico” a partir do qual pensar e agir.
Esta edição é composta ainda por seis artigos recebidos em fluxo contínuo, uma
tradução de artigo, uma resenha e mais uma entrevista, além daquela que integra o dossiê. O
artigo Mercado de trabalho brasileiro em crise: dinâmicas e transformações pré-pandêmicas
(2013-2019), de autoria de Diego Torres de Matos Orteiro, Eduardo Rezende Pereira e
Joelson Gonçalves de Carvalho, discute as mudanças no mercado de trabalho brasileiro no
referido período, caracterizado por mudanças políticas que desembocaram na reforma
trabalhista de 2017, apresentada à época como solução para o desemprego e a informalidade.
Por meio de análise de dados sobre o mercado de trabalho no Brasil, os autores demonstram
que, mesmo antes da pandemia de covid-19, o Brasil assistia à redução do salário dos
empregados no setor formal, à intensificação da informalidade e à tendência à precarização,
fenômenos derivados da referida reforma trabalhista. Ainda sobre esse tema, o artigo Dividir
para fragilizar: terceirização, contratos autônomos e o enfraquecimento sindical nos
Correios, de Bernardo Paim Cunha Masson e Mariana Bettega Braunert, analisa os impactos
Editores da Revista Política e Trabalho e professores da Universidade Federal da Paraíba.
da legislação trabalhista brasileira de 2017 nas condições de trabalho e na luta sindical
especificamente no âmbito dos Correios. Por meio de pesquisa empírica, demonstra-se o
aumento no regime de trabalho terceirizado e autônomo, em moldes “uberizados”, o que
levaria a uma fragilização da luta sindical.
Maria Aparecida Bridi e Thiago Bedin trazem contribuões à compreensão do
trabalho de plataformas no artigo Twitch.tv, as novas fronteiras do trabalho plataformizado.
Tomando por base empírica uma plataforma de transmissões ao vivo em que pessoas tentam
ganhar a vida realizando streams, a autora e o autor demonstram como as novas formas de
trabalho são condicionadas pelo desenvolvimento das novas tecnologias da informação.
Baseando-se em uma concepção de trabalho que vai “além da relação diádica entre
trabalhador e patrão” e se pauta pela ideia de uma multiplicidade de autores presentes no
fazer-saber do trabalho”, analisam, por meio de netnografia e de entrevistas com
trabalhadores que utilizam a plataforma, um objeto específico que demonstra como tal forma
de trabalho se liga a “cadeias produtivas complexas do “capitalismo de plataforma”.
Segue-se a esse o artigo Mineração e desigualdade de renda: efeitos da extração e
beneficiamento de calcário em Minas Gerais, em que Tádzio Peters Coelho e Laura Maris
Gomes e Silva apresentam os efeitos socioeconômicos da estrutura produtiva de extração e
beneficiamento do calcário, relacionando-os com a desigualdade de renda, em um município
de Minas Gerais. Por meio de análise de indicadores sociais e econômicos de Córrego Fundo
e de municípios limítrofes, bem como de entrevistas semiestruturadas com agentes-chave,
demonstram que os efeitos sobre a distribuição de renda advêm não da extração do calcário,
mas de seu beneficiamento. Mais especificamente, apontam como micro e pequenas empresas
de transformação de calcário geraram uma necessidade de trabalhadores no setor, o que
aumentou o preço da força de trabalho, implicando uma menor desigualdade social (em
termos de GINI) no município. Outro resultado interessante é que, para os entrevistados,
salários e postos de trabalho no município compensariam os danos ambientais gerados pela
indústria do calcário.
No artigo que se encadeia, Nadya Guimarães analisa o processo desigual de
construção de novos sujeitos de direitos no campo do cuidado no Brasil. Os argumentos de
CUIDADOS: tecendo e desfazendo direitos. Desigualdades sociais e desafios institucionais
no Brasil são baseados na costura de dois momentos históricos e lógicos, um deles
responsável pela base normativa em torno dos direitos, ancorado na Constituição de 1988, e
outro mais recente, ligado à ação pública relativa a tais direitos. A partir dessa
fundamentação, Guimarães afirma que, se por um lado tivemos a implementação de políticas
públicas voltadas ao cuidado a idosos e crianças no Brasil, por outro se negou o
reconhecimento profissional e direitos às trabalhadoras, domésticas e cuidadoras, que se
constituíam as principais provedoras de tais cuidados, algo que urge ser conhecido e
reconhecido entre nós.
A série de artigos inéditos se encerra com As classes sociais na teoria de Erik Olin
Wright e o programa marxista de pesquisa científica, de Mateus Azevedo e Paula Marcelino.
O texto teórico avalia como Wright trabalha dois temas presentes no postulado teórico
marxista de que a luta de classes é o motor da história, quais sejam, o papel das classes na
reprodução e na transição entre modos de produção e o problema das classes médias.
Concluem que, ao se apropriar da questão da estratificação social, Wright teria se afastado do
postulado central do marxismo acerca da luta de classes como motor da história, deixando de
lado a tese da constituição relacional das classes sociais e as ideias de polarização e de
conflito político transformador.
Além da entrevista que compõe o doss temático da edição, temos ainda uma
entrevista com Agamenon Travassos Sarinho realizada por Rodrigo Freire de Carvalho e
Silva e Gregória Benário Lins e Silva. Fazendo arte, muita política, e sonhando com a
revolução: uma entrevista com Agamenon Travassos Sarinho, militante do PCdoB na
Paraíba foi registrada nas primeiras semanas da pandemia da covid-19, pouco antes da morte
de Agamenon. Constitui, portanto, um documento sobre a história da esquerda da Paraíba
entre os anos 1960 e 1980. Um dos principais militantes e dirigentes do Partido Comunista do
Brasil (PCdoB) no estado, ele é retratado como um dos responsáveis pela reorganização do
partido durante a ditadura militar e da “renovação da esperança trazida com a transição para a
democracia no Brasil”.
Na sequência, apresentamos uma tradução de artigo. Trata-se de Dilemas de
coprodução: como catadores de rua em São Paulo foram excluídos da reciclagem inclusiva,
de Manuel Rosaldo, traduzido por Leda Beck. A pesquisa etnográfica que baseia o estudo de
caso comparativo aborda duas tentativas de coproduzir serviços de reciclagem em São Paulo.
A primeira delas, nos anos 1980 e 1990, teria melhorado a renda e as condições de trabalho
dos catadores, inspirando organizações de catadores pelo país afora. a segunda, constituída
por uma revisão da gestão dos resíduos sólidos no início dos anos 2000, gerou empregos, mas
excluiu a população de catadores de rua que pretendia beneficiar. Como resultado, a pesquisa
indica que a coprodução tem maior probabilidade de levar a resultados inclusivos se forem
feitos esforços para nivelar desigualdades entre participantes durante o projeto e a
implementação da política pública.
A resenha A sociologia do trabalho vai aos mercados populares, de Tiago Magaldi,
fecha o número 59 da P&T com a análise do livro A empresarização dos mercados
populares: trabalho e formalização excludente, de autoria de Felipe Rangel, publicada pela
Fino Traço em 2021. A abordagem etnográfica de Rangel na Feirinha da Madrugada” do
Brás, na cidade de São Paulo, busca o sentido das mudanças em curso na região em termos
“objetivos”, isto é, econômicos e administrativos, mas também subjetivos”, e apresenta a
“empresarização” enquanto uma forma de expropriação, destacando as assimetrias de poder
dos atores envolvidos sem negligenciar a agência dos comerciantes que historicamente
criaram o Brás.
Com a presente edição, encerra-se um ciclo da P&T. Com ela, se despedem seus
editores, Miqueli Michetti, editora desde 2018, e Maurício Rombaldi, editor desde 2021. Este
também é o último número que contou com a assistente editorial Ana Carolina Porto, que por
anos nos acompanhou e a quem muito agradecemos. Desejamos aos novos editores, Marcelo
Burgos e Rogério Medeiros, todo sucesso em sua condução da revista e nos mantemos à
disposição no Conselho Editorial, sempre ávidos pelos novos lançamentos.
Boa leitura!