ISSN 1517-5901 (online)
POLÍTICA & TRABALHO
Revista de Ciências Sociais, nº 59, Julho/Dezembro de 2023, p. 262-280
FAZENDO ARTE, MUITA POLÍTICA, E SONHANDO COM A
REVOLUÇÃO: uma entrevista com Agamenon Travassos Sarinho,
militante do PCdoB na Paraíba
MAKING ART, A LOT OF POLITICS, AND DREAMING ABOUT
REVOLUTION: an interview with Agamenon Travassos Sarinho, PCdoB
activist in Paraíba
____________________________________
Rodrigo Freire de Carvalho e Silva
Gregória Benário Lins e Silva

Apresentação
A presente entrevista registrada em abril de 2020 por via remota, respeitadas as
restrições da pandemia da covid-19, que então apenas se iniciava trata-se de um documento
sobre a história da esquerda da Paraíba entre os anos 1960 e 1980. O entrevistado, Agamenon
Travassos Sarinho, foi um dos principais militantes e dirigentes do Partido Comunista do
Brasil (PCdoB) no estado, sendo um dos responsáveis pela reorganização desse partido nos
tempos duros da ditadura militar e da renovação da esperança trazida com a transição para a
democracia no Brasil. Aparecem na fala de Agamenon as principais vicissitudes enfrentadas
pelo PCdoB na sua luta contra a ditadura. Num primeiro momento, a tática do partido era de
recusa à participação na institucionalidade consentida do regime autoritário bem expressa
na campanha pelo voto nulo nas eleições parlamentares de 1970, da qual Agamenon
participou ativamente em João Pessoa e de opção pela luta armada, através da “Guerrilha do
Araguaia”
1
. no final da década de 1970, após o aniquilamento das organizações da
____________
Professor de Ciência Potica (DCS/CCHLA/UFPB). Licenciado em História (UFPB), Mestre em Ciência
Política (UFPE) e Doutor em Ciências Sociais (UNB). Atualmente, é Diretor do Centro de Ciências Humanas,
Letras e Artes da UFPB. E-mail: rfreirecs@hotmail.com

Advogada. Bacharel em Direito (UNIPÊ) e Mestra em Direitos Humanos, Cidadania e Políticas Públicas
(UFPB). gbenario@hotmail.com
1
A “Guerrilha do Araguaia” foi um movimento armado contra a ditadura militar organizado pelo PCdoB na
região conhecida como “Bico do Papagaio”, entre os estados do Pará, Maranhão e Tocantins (então Goiás), às
margens do Rio Araguaia. Sua origem está na VI Conferência do PCdoB, realizada em 1966, que apontou a luta
armada como caminho para a derrubada da ditadura militar e para a revolução socialista no Brasil, assumindo a
tática da “guerra popular”, resultado da influência do comunismo de matiz chinesa no Partido. Em 1969, tal
opção foi confirmada com o documento Guerra popular: caminho da luta armada no Brasil”. Assim, o PCdoB
marcou diferença tanto com relação ao PCB, com o qual rompera em 1962, que optou pela resistência pacífica à
SILVA, R.F.C.; SILVA, G.B.L.
__________________
“esquerda armada” e com o início do processo de abertura política controlada pela ditadura,
o PCdoB alterou sua tática, priorizando a luta de massas e a participação nas eleições
parlamentares, através do MDB seja apoiando candidatos que julgava confiáveis ou usando
essa legenda para apresentar candidaturas comunistas, o que ocorreu na Paraíba nas eleições
de 1982. Nessa segunda fase, Agamenon assumiu a tarefa de representar na Paraíba dois
“jornais alternativos” que faziam oposição à ditadura: o “Movimento” e, em seguida, a
“Tribuna Operária” esse último, órgão oficial do PCdoB. Neste momento da entrevista,
ficaram evidenciadas as contradições da abertura política operada pelos militares, pois, ao
tempo em que se ampliavam as possibilidades de participação da oposição, persistiam a
censura mesmo que atenuada –, as apreensões de materiais “subversivos”, a prisão de
militantes de esquerda e, sobretudo, a prescrição dos partidos comunistas.
Agamenon rememorou ainda como as disputas no chamado “movimento comunista
mundial” influíam no cotidiano dos militantes comunistas brasileiros, pressionados que
estavam pela ditadura. Destaque-se sua predileção por usar a Rádio Tirana” como fonte de
informação. Tratava-se da rádio oficial do governo da Albânia, república socialista com quem
o PCdoB mantinha relações após seu rompimento com a União Soviética ainda na cada
de 1960 e, posteriormente, com o maoísmo chinês. Na segunda metade da década de 1970, a
Albânia recebia militantes do PCdoB que produziam um programa noticioso transmitido para
o Brasil através da Rádio Tirana, ouvida em João Pessoa pelo comunista Agamenon,
praticamente sem contato regular com seus camaradas de Partido, ao menos, até 1978.
Naquele ano, o PCdoB realizou na Albânia a sua Conferência Nacional, que considerou
como tarefas partidárias prioritárias a luta pela anistia, pela ampliação das liberdades, pela
substituição da ditadura por um governo democrático, pela convocação de uma Assembleia
ditadura através da luta de massas, como também com relação a outras organizações comunistas que romperam
com o PCB nos anos que se seguiram ao golpe de 1964, como o PCBR, o MR-8 e a ALN, mais inspiradas pela
teoria do “foquismo” cubano-guevarista. Os primeiros integrantes do PCdoB chegaram no sul do Pará entre os
anos de 1966 e 1967, buscando se integrar nas comunidades pobres da floresta, assumindo seu modo de vida.
Entre os primeiros comunistas a chegar à região estava Oswaldo Orlando da Costa, o “Oswaldão”, que havia
feito treinamento militar e potico na China, e hoje consta da lista dos desaparecidos da ditadura militar. A
presença dos guerrilheiros na região do Araguaia foi descoberta pelo Exército em 1972. Em abril do mesmo ano,
houve os primeiros combates armados entre militares e guerrilheiros. Inseridos nas comunidades e profundos
conhecedores da região, os guerrilheiros resistiram a três campanhas militares entre 1972 e 1973, apesar da
inferioridade numérica e de armamentos. Finalmente, com a chamada Operação Marajoara” (outubro de 1973 a
1974), os militares findaram por dizimar a Guerrilha do Araguaia. A ação do Exército resultou num total de 68
militantes do PCdoB assassinados e desaparecidos. Em 2010, o Brasil foi condenado pela Corte Interamericana
de Direitos Humanos pelas graves violações de direitos humanos cometidas pelo Exército no combate à
Guerrilha do Araguaia.
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Fazendo arte, muita política, e sonhando com a revolução:
uma entrevista com Agamenon Travassos Sarinho, militante do PCdoB na Paraíba
Constituinte, além do engajamento nas lutas de massas. Foi esse o rumo que Agamenon
assumiu a partir de então.
A entrevista de Agamenon também apresenta sua memória de atuação nos
movimentos sociais, primeiro no enfrentamento à ditadura e, posteriormente, na construção da
democracia e da cidadania democrática no Brasil. No início do seu depoimento, Agamenon
tratou do movimento estudantil de João Pessoa em 1968 sob a ótica do lugar que ocupou
nesse movimento, a de estudante secundarista politicamente engajado e intelectualizado,
sintonizado com as principais leituras de esquerda e suas bandeiras do momento, como a
defesa da paz, contra a Guerra do Vietnã. Bloqueada uma atuação mais aberta no movimento
estudantil com o endurecimento da ditadura após a edição do AI-5, em dezembro de 1968, e
do Decreto 477, em 1969, Agamenon narrou como ele e outros jovens seguiram
empunhando a bandeira das liberdades em outro campo o campo da arte. Assim, surgiu o
“GETEX”, Grupo de Teatro Experimental, fundado por Agamenon e outros rapazes e moças
que, nas décadas que se seguiram, assumiram posições de destaque em João Pessoa nas suas
respectivas áreas de atuação profissional e de militância social e política. Mais adiante,
como estudante da UFPB, Agamenon participou da reorganização do Diretório Central dos
Estudantes (DCE), entre a segunda metade da década de 1970 e o início dos anos 1980. Por
fim, Agamenon rememorou sua militância junto ao movimento sindical dos servidores
técnico-administrativos da UFPB, sindicato, aliás, criado por ele, na primeira metade dos anos
1980. Daquele período, aparecem na narrativa de Agamenon as limitações da democracia que
então se construía, com destaque para a violência policial na repressão aos movimentos
sociais, testemunhada de perto por ele, herança da ditadura que contemporaneamente ainda
não foi superada.
A cidade de João Pessoa aparece viva nas reminiscências de Agamenon, e muitos dos
espaços urbanos são como atores ativos da narrativa que ele construiu sobre a resistência à
ditadura protagonizada pela juventude pessoense dos anos 1960 e 1970. Nas palavras de
Agamenon, o Colégio Estadual do Roger, o Lyceu Paraibano e o “Cine Clube Linduarte
Noronha” que reunia a juventude cinéfila e politizada na Rua das Trincheiras , dentre
outros espaços, se transformam em lugares de memória ou territórios de resistência,
símbolos da memória coletiva da luta contra a ditadura e pela liberdade na João Pessoa dos
anos 1960 e 1970.Assim, a entrevista de Agamenon bem evidencia como uma experiência
individual de vida pode se constituir numa vigorosa matéria-prima para a análise social e
histórica, como argumenta Paul Thompson.
264
SILVA, R.F.C.; SILVA, G.B.L.
__________________
No término da entrevista, Agamenon transmitiu uma mensagem de esperança, fundada
na convicção, muito própria dos comunistas, de que o futuro reserva à humanidade a
realização do socialismo e da poesia, uma particularidade da sua personalidade. Sua história
nunca lhe deu motivos para arrependimentos: “dediquei minha vida a isso, faria tudo de
novo!”. Agamenon faleceu em 03 de dezembro de 2022, vitimado por um câncer. Seguia
firme na luta política e no partido ao qual dedicou sua vida, ocupando, na ocasião, a Secretaria
de Organização do PCdoB da Paraíba.
Para começar, gostaríamos que você falasse da sua origem pessoal, familiar, e sobre sua
inserção na militância política.
Agamenon: Eu nasci no município de Orobó, Pernambuco, em 11 de fevereiro de 1953. Em
1960, minha família mudou para João Pessoa. Vim morar no bairro de Mandacaru. Não era
nessa casa aqui, mas na mesma rua. E aqui comecei meus estudos no Grupo Escolar
Monsenhor Odilon Coutinho, na Rua Celina Paiva, aqui em Mandacaru, ao lado da Igreja
Coração de Jesus, que alguns anos depois serviu como espaço para nossas reuniões. Minha
inserção na atividade política propriamente dita se dá a partir de 1968, quando eu estudava no
Colégio Estadual do Roger que, ao lado do Lyceu Paraibano, foram os principais
protagonistas das jornadas estudantis de 1968 [em João Pessoa]. Claro que o movimento
universitário tinha importância, mas a massa que ia para a rua era desses dois colégios. E
depois passava arrastando outros. Eu lembro a gente saia em passeata do Estadual do Roger e
vinha pelo Roger, saindo naquela rua lateral da padaria “Flor das Neves”, quena [Avenida
Dom] Pedro I, onde a gente dobrava e parava no Colégio Pio XII, que funcionava na esquina
da Igreja São Francisco. Pouco à frente [estava] o Colégio Lins de Vasconcelos, onde estudei
do terceiro ano primário até o primeiro ano ginasial. Minha participação teve início em 1968
de forma até pitoresca. Era início do ano, eu estava numa turma nova. No horário do recreio,
eu estava conversando com um colega relatando que tinha acabado de ler um livro. Essa era
outra característica daquela época, a gente lia muito, tinha o hábito da leitura. Era o livro
Crimes de Guerra no Vietnã, resultado do Tribunal Internacional contra os crimes de guerra
dos Estados Unidos no Vietnã, escrito por Bertrand Russell. E na hora ia passando e de
repente parou bruscamente e repetiu “Russell, Bertrand Russell”. Eu tomei aquele susto e
quando me virei, tive contato pela primeira vez com Antônio Soares, que era a liderança mais
importante do Colégio Estadual do Roger. Claro que tinha o Severino Gomes, o Biu
265
Fazendo arte, muita política, e sonhando com a revolução:
uma entrevista com Agamenon Travassos Sarinho, militante do PCdoB na Paraíba
Gomes, presidente do Grêmio, mas a liderança mais carismática talvez seja esse o termo
era o “Help”
2
. A partir daí a gente já começou uma conversa, [e] já saí de lá com outros livros
que ele me emprestou. Nessa época, eu não tinha contato com nenhuma organização. Foi uma
coisa mais crua mesmo, foi direto. A partir desse momento, eu começo a participar das
atividades do Grêmio Estudantil Castro Alves, o GRECA, convidado por Help, comecei a
conhecer o pessoal, eintegrado nas reuniões, nas atividades de rua. Logo depois acontece o
assassinato de Edson Luis
3
, e aí o movimento toma aquele rumo... Então mais para frente nós
participamos de uma reunião semiclandestina, para a construção do congresso da União
Pessoense dos Estudantes Secundaristas, a UPES, que aconteceu clandestinamente porque a
entidade estava proscrita, assim como a UNE e a UBES. Aconteceu no bairro do Castelo
Branco, no CENTREMAR
4
, e elegeu Emilson Ribeiro
5
como presidente.
Então a Igreja Católica já apoiava, de alguma maneira, o movimento estudantil aqui em João
Pessoa? Naquela época o Arcebispo já era Dom José Maria Pires.
Agamenon: Isso fica também evidente depois, porque nós tínhamos aqueles padres mais
engajados, não é? Padre Everaldo que foi, se não me engano, quem rezou a missa de sétimo
dia de Edson Luis. Padre Juarez era mais medroso, mas era outro que ajudava
6
. E nós
passamos a fazer parte das atividades do “Cine Clube Linduarte Noronha”, que existia nas
dependências da antiga sede da Secretaria de Educação, numa casa de esquina nas
Trincheiras. As figuras que organizavam essas reuniões eram militantes principalmente do
____________
2
Refere-se a Antonio Soares de Lima Filho, líder estudantil secundarista no final da década de 1960, na cidade
de João Pessoa. Integrou o Partido Comunista Brasileiro Revolucionário (PCBR), tendo por isso sido processado
e condenado pela Justiça Militar. O apelido “Help” estava relacionado à sua admiração pelos Beatles.
3
Refere-se ao assassinato do estudante Edson Luís de Lima Souto, no Rio de Janeiro, em 28 de março de 1968,
durante uma passeata.
4
Refere-se ao “Centro de Treinamento Miramar” (CENTREMAR), mantido pela Arquidiocese da Paraíba no
bairro de Castelo Branco, em João Pessoa, próximo ao bairro do Miramar. No local, também funciona o
Seminário Arquidiocesano da Paraíba.
5
Refere-se a José Emilson Ribeiro que, nos anos 1970, foi preso político na penitenciária de Itamaracá,
Pernambuco, após ter sido condenado pela sua atuação em organizações de resisncia à ditadura.
6
Refere-se aos padres Everaldo Peixoto de Vasconcelos e Juarez Benício Xavier, que atuavam junto à Juventude
Católica em João Pessoa desde o período anterior ao Golpe Civil-Militar de 1964 e que, durante a década de
1970, seguiram a linha que o arcebispo Dom José Maria Pires imprimiu à Arquidiocese da Paraíba, de defesa dos
direitos humanos, de aproximação com as comunidades populares e de denúncia dos arbítrios da ditadura militar.
266
SILVA, R.F.C.; SILVA, G.B.L.
__________________
PCBR
7
, então eu acredito que o Cine Clube funcionava como uma forma de cooptação de
militantes para as organizações, assim como também a UPES. Ali no Cine Clube eu tive
contato com Manfredo Caldas, com José Altino, Carlos Aranha, que eram as pessoas que, eu
acredito, atuavam na organização nessa área de cultura. Então 1968 foi isso: a luta de massa, a
luta estudantil. O declínio do movimento, apesar deter havido uma radicalização no segundo
semestre [de 1968], inicia a partir do 07 de setembro, porque nós fizemos a campanha pelo
boicote ao 07 de setembro, então a partir daí começou a repressão. Lá no Estadual do Roger,
Help e Biu tiveram suas transferências entregues e foram excluídos do colégio. E começa
uma fase de encolhimento, né? A gente mantém o grêmio funcionando, construímos uma
chapa que tinha como candidata a presidente a Antônia Trigueiro, conhecida como Vanda,
irmã de Annelsina Trigueiro, colega e professora aposentada do CCTA da UFPB. Mas o
grêmio foi suspenso. vem o AI-5 e o [Decreto] 477, e estudantes tiveram suas matrículas
canceladas definitivamente ou por tempo determinado. Então praticamente toda a liderança do
movimento estudantil sai do estado, alguns caem na clandestinidade. A gente fica num grupo
remanescente das chamadas lideranças intermediárias”, mas estava num quadro de repressão,
então não tinha mais atividades de massa. O que se fazia eram reuniões, debates de textos... O
ano de 69 foi um pouco isso. Em 68/69, eu não fui consultado ou chamado por nenhuma
organização. A gente sabia que existia o PCBR, que atuava mais no movimento secundarista,
e Ação Popular e PCB no movimento universitário. PCdoB raramente a gente ouvia falar em
68. Existiam alguns militantes no movimento universitário, mas não no movimento
secundarista. O meu contato com o PCdoB se deu em 1970, quando eu ainda era secundarista.
Terminei em 69 o ginasial, em 70 fui fazer o científico no Lyceu. A gente teve azar pois,
quando entramos no Lyceu, mudou a direção, saiu a professora Daura
8
. Mas ainda existia o
grêmio funcionando, então, a gente organiza uma chapa, eu fico como candidato a presidente,
a chapa é proibida e eles fecham o grêmio. Então, a gente cria o GETEX (Grupo Estudantil de
Teatro Experimental) que atuou entre 70 e 72, com certo destaque na cena cultural de João
____________
7
Refere-se ao Partido Comunista Brasileiro Revolucionário (PCBR), dissidência do Partido Comunista
Brasileiro (PCB). O PCBR foi fundado em 1968, defendendo a luta armada contra a ditadura militar e o caráter
socialista da revolução brasileira, rompendo com o chamado “etapismo pacifista” do PCB.
8
Refere-se à professora Daura Santiago Rangel. Nascida em Monteiro (PB) em 1908, foi professora de
matemática e português e diretora do Instituto de Educação da Paraíba (IEP) e do Lyceu Paraibano, entre o final
da década de 1950 e meados da década seguinte. Foi demitida da direção do Lyceu Paraibano em 1966, pelo
então governador João Agripino. Foi considerada uma gestora moderna e dedicada a promover assistência aos
alunos carentes.
267
Fazendo arte, muita política, e sonhando com a revolução:
uma entrevista com Agamenon Travassos Sarinho, militante do PCdoB na Paraíba
Pessoa. No GETEX, estavam Carmélio Reinaldo, Hilton Lima, que é professor de história
hoje e era do Roger... Altemir Garcia, Marconi Bráz, que foi inclusive o ator principal da
principal peça nossa, “Os doentes”, um texto de Hilton Lima, onde contracenava com Francis
Zenaide, que não era do Lyceu. Para mim, fazer teatro era uma forma de fazer política,
inclusive não entendia nada de teatro, fui obrigado a ler Stanislavski, “A formação do ator”
9
, a
ler textos e peças para entender como funcionava roteirizar e dirigir peças. Eu não era ator, eu
escrevia e participava da direção com Carmélio Reinaldo e Hilton Lima. Nós ficávamos mais
por trás, na organização do grupo. O GETEX fazia um teatro experimental. Nós tomamos
conta daquele auditório do Lyceu, nossos textos faziam questionamentos sobre a questão da
liberdade, e também organizamos debates sobre cinema, artes plásticas, teatro... Uma coisa
destacada foi a semana de artes que a gente organizou no Lyceu. Hilton Lima escreveu um
texto sobre os bairros, Carmélio Reinaldo fez uma adaptação de Dostoievski e de O corvo”,
de Edgar Alan Poe, transformado num monólogo tendo Altamir Garcia como ator. Nossa
preocupação era usar o teatro para se comunicar e manter a movimentação viva dentro e às
vezes fora do colégio. Nós montamos um espetáculo com três peças, trabalhamos em 71 e
fizemos apresentação em 72. Começamos outros textos, mas o deu tempo para a gente
concluir, porque tinha vestibular e o grupo dispersou. Hilton Lima continuou, mudou o nome
para “Grupo Feto” e fez ainda algumas peças, mas o GETEX encerrou em 72. [O GETEX se]
reunia em Mandacaru, nos fundos da Igreja Coração de Jesus, em dia de sábado. Em 70,
acredito que no mês de agosto, Hilton Lima me convida para uma conversa na casa dele, no
Roger, com um militante que queria me conhecer. Eu vou, a gente se encontra no terraço da
casa e ele me apresenta um companheiro que queria que lhe chamassem de “Ribeiro”,
membro do PCdoB que estava aqui em João Pessoa. Foi dessa forma o meu primeiro contato.
Eles eram um casal com mais outro companheiro que vieram para [organizar] o que
chamavam de “célula de instalação” do partido para reorganizá-lo no estado. A partir daí eu já
entrei de cara! Esses três depois soube que vieram do Ceará. Depois eu digo o nome
verdadeiro do Ribeiro. E a gente fica com a missão de organizar a célula, [de] onde vão sair
os primeiros membros do PCdoB que eu recrutei. O Hilton Lima fazia parte, mas não se
encaixava. Ele ajudou, fez a ponte, mas não chegou a ser recrutado para o partido. Participava
das ações, porque ele tinha tendência trotskista forte, anárquico, e conscientemente, ele não
____________
9
Refere-se ao livro “A preparação do ator”, do russo Constantin Stanislavski.
268
SILVA, R.F.C.; SILVA, G.B.L.
__________________
optava pela disciplina partidária. Então eu constituo o grupo, do qual faz parte Marconi Braz.
Veja bem, esse primeiro contato foi muito ainda na conversa. Em seguida, na próxima
reunião, eu recebo o estatuto e o Manifesto-Programa vigente à época. Então a nossa
discussão seguinte foi um pouco em cima daqueles princípios do estatuto, o que representa
as instâncias, como funciona o partido, o que é organização de base”, como é a estrutura
organizativa... Então era o estatuto e raramente o jornal “A Classe Operária”, que circulava
impresso em mimeógrafo. “A Classe...”, aliás, tinha o luxo que eles conseguiram fazer o
cabeçalho, “A Classe Operária”, em serigrafia vermelha em alto relevo. Ficava bonito,
imprimia a primeira parte no mimeógrafo e depois imprimia em cima o cabeçalho. Eu entrei e
recebemos uma tarefa de participar da organização da campanha do voto nulo nas eleições de
1970. Esse primeiro núcleo era eu, Marconi Braz e Fernando Farias, o Fernandinho da
Clau”. E ainda chegou a participar de atividades Hilton Lima. Eu consegui chamar um
menino que foi do meu tempo do Roger, o Alcides, que era irmão de uma companheira que
era de Ação Popular, que foi esposa de José Rodrigues depois, Aline. Eu consegui contato
com um morador aqui do bairro que era universitário e através dele se organizou um núcleo
de universitários, acho que mais dois universitários. E fizemos as ações. A primeira foi a
“campanha do X”, que era sair de noite com tinta vermelha fazendo X nos muros, para
chamar a atenção. Uma semana ou quinze dias depois, a gente voltava e ao lado do X escrevia
em preto: “vote nulo”. E a terceira fase, próximo da eleição, foi a panfletagem: Fora
ditadura! Vote nulo!” E essa panfletagem foi feita por grupos: o que eu participava junto com
um colega que depois foi professor de matemática na UFPB, Rômulo, e o outro grupo, em
que estava um desses do Ceará, e que, por azar, foi pego pela repressão fazendo panfletagem.
Aí os outros dois foram embora, e a gente fica solto. Como tinha muita discussão sobre as
normas de segurança, então rapidamente trata de isolar as pessoas e também contar um pouco
com a sorte, porque o cara que caiu tinha me conhecido, mas tudo indica que não falou, o
tive mais notícia dele depois disso. Então eu fico solto, sozinho...
Em 1970 o PCdoB estava no Araguaia, inclusive parte da sua direção nacional. E o
movimento estudantil era uma forma de recrutamento de guerrilheiros. Essa discussão sobre
o Araguaia chegou para você? Vocês tinham ciência de que o partido estava lá no Araguaia?
Agamenon: Não, era segredo. O que a gente sabia era que diante da repressão e da
possibilidade de perseguição, que se mantenha a mochila pronta, porque pode precisar sair a
269
Fazendo arte, muita política, e sonhando com a revolução:
uma entrevista com Agamenon Travassos Sarinho, militante do PCdoB na Paraíba
qualquer momento. Então eu me preparei em casa, inclusive todo o processo psicológico que
a gente passa, para tentar preservar a família, não dar nenhuma informação. Então eu tinha a
mochila pronta, eu sabia que a qualquer momento eu poderia ser mandado para qualquer
lugar. E não fui [para o Araguaia], senão hoje seria uma estatística, talvez não estaria
contando essa história. Nesse período, teve umas duas tentativas de rearticulação. Eu lembro
que uma vez chegou um cidadão me procurando no meu trabalho em uma gráfica na
[Avenida] Duque de Caxias, deixou algumas “Classes Operárias”, isso em 71, e depois não
tive mais contato. Nesse meio tempo, eu tinha tentado reaver uma mala de documentos do
partido que eu acredito que o Ribeiro deixou com Seu Dantas
10
, que não era militante, mas
ajudava o partido... E também Seu Raimundo Fontes, pai de Ednaldo e de Edmundo Fontes
11
.
Eu fiquei sabendo que tinha, o sei se membro ou simpatizante, que era pai do [jornalista]
Silvio Ozias, o velho Ozias, que eu tive na casa dele para conversar sobre os programas da
Rádio Tirana. Eu me mantinha informado pela dio Tirana. Na ausência de contato, o canal
que a gente se orientava era a rádio Tirana, que lá estava Bernardo Joffily e sua esposa [Olívia
Rangel], que eram radialistas que comunicavam para o Brasil
12
. Nós ouvíamos a Rádio Tirana
via ondas curtas, e tinha informações sobre a resistência no Brasil, a guerrilha urbana e a luta
do campo. Mas só tivemos a informação sobre a Guerrilha do Araguaia quando ela foi
deflagrada. Soubemos via Rádio Tirana e documentos. Nesse meio tempo havia algum canal
de comunicação. Por exemplo, o José Rodrigues desde 71 já estava aqui em João Pessoa e ele
era de AP
13
e se não me engano já tinha aceitado entrar no PCdoB. Mas o contato dele não era
comigo, era com um dirigente, não sei se de Pernambuco ou de outro lugar. Ele era goiano. Aí
nesse meio tempo a gente já recebe material. Eu não terminei de contar a história da mala, não
foi? Teria uma mala com diversos documentos importantes do partido que estava com o Seu
Dantas, que era preso por qualquer motivo... Tinha que tirar esses documentos, mas também
____________
10
Refere-se a Antônio Dantas, fundador da Liga Camponesa de Santa Rita, em 1963, quando havia rompido com
o PCB e se aproximado do grupo do deputado estadual de Pernambuco, Francisco Julião.
11
Refere-se aos irmãos que iniciaram a militância no PCdoB no final dos anos 1980.
12
Na década de 1970, o PCdoB, com apoio do governo da Alnia, país socialista com quem mantinha relação
política, enviou militantes para trabalharem na dio Tirana, onde produziam programas falados em português,
que eram uma importante forma de comunicação do PCdoB com seus filiados e simpatizantes no Brasil.
13
Refere-se à Ação Popular (AP). Organização da esquerda católica formada em 1962 por militantes oriundos da
Juventude Universitária Católica (JUC), influenciada pelo socialismo cristão. Após o golpe de 1964, a AP
progressivamente assumiu uma postura favorável à luta armada, aproximando-se de Cuba e, principalmente, da
China. Em 1971, a AP sofreu um racha e, enquanto um grupo minoritário criou a Ação Popular Marxista
Leninista (APML), a maioria dos seus militantes decidiu pela incorporação no PCdoB. A partir da década de
1980, importantes dirigentes do PCdoB eram antigos militantes da AP, como Renato Rebelo, Aldo Arantes e o
paraibano Simão Almeida Neto, deputado estadual da Paraíba eleito pelo PCdoB em 1990, falecido em 2021.
270
SILVA, R.F.C.; SILVA, G.B.L.
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ficava preocupado porque não podia ficar comigo. Então tive que arranjar pessoas para
guardar esse material. A tentativa que eu fiz e não deu certo foi com nosso senador, Idalmo
14
.
Fui apresentado a ele através de Seu Dantas. Eu marquei uma reunião com Idalmo, ele me
chamou para uma conversa dentro de uma capoeira por trás do tabernáculo de Jaguaribe.
Quando eu disse o que queria, ele deu uma “batida de pino”
15
e olhou para cima: “rapaz, nessa
hora pode estar passando um satélite de CIA em cima e pode estar filmando”... Aí,
resultado, não deu certo (risos). Mas a partir de 72 é que a gente começa a ter uma relação
mais permanente [com o Partido]. Aí como eu havia conhecido, que fizemos vestibular juntos,
Alberto Magno
16
, que tinha cumprido pena, e aprendeu a fazer chinelo na cadeia, quando saiu
botou uma oficinazinha de chinela ali na Praça da Pedra, funcionava no sótão daquele prédio
de esquina, uma escadaria que a gente subia se equilibrando para não cair. eu estabeleço
contato com Alanir Cardoso
17
e a gente discutia, vamos tentar fazer uma coisa pra ajudar os
camaradas que estão lá”... Aí o sei se foi Alberto que deu a ideia de fazer chinelo, tipo
chinelo dos cangaceiros que tinha o salto na frente, o salto invertido, o cara andava tinha a
impressão que estava voltando... (risos) Mas esse projeto não foi para frente porque acontece
o extermínio da Guerrilha e Alanir é preso em Pernambuco, junto com aquele pastor
americano em Recife
18
, e nós cortamos os contatos. Então minha relação com o partido entre
70 a 75, foi sempre assim, contato com dirigentes, uma rápida conversa, orientação e às vezes
se perdia, mas tinha contato com outro. Ou seja, não conseguimos ter um funcionamento
orgânico permanente. A orientação inclusive era fingir-se de morto, não fazer atividade de
massa, para evitar a repressão. E eu tive contatos com essas pessoas sempre com muita sorte,
como com “Ribeiro”, que era o Pedro Albuquerque
19
, que saiu daqui e foi direto para a
____________
14
Refere-se a Idalmo da Silva, que foi candidato a senador, em 1982, pelo PT da Paraíba.
15
Gíria paraibana usada para dizer que a pessoa se acovardou.
16
Refere-se a Alberto Magno Gondim, militante do PCBR, que foi preso e condenado, sob acusação de
“subversão”, e cumpriu pena no Presídio do Roger.
17
Refere-se a Alanir Cardoso, goiano e militante do PCdoB em Pernambuco, preso pela ditadura militar em
Recife, em 1974, sendo submetido a diversas torturas.
18
Refere-se a Frederick Birten Morris, pastor da Igreja Metodista, preso em 1974 no Recife junto com Alanir
Cardoso, sendo submetido a várias torturas. O Pastor Morris foi posteriormente expulso do Brasil, tendo
restituído seu direito de entrar no país em 1988. Vide https://www.metodista.org.br/fred-morris
19
Refere-se a Pedro Albuquerque Neto, o primeiro guerrilheiro do Araguaia preso pela repressão, em fevereiro
de 1972, no Ceará. Pedro, junto com sua esposa, Tereza Cristina, militante também presa, teriam delatado a
existência da guerrilha, sob tortura. Informações mais recentes dão conta de que, quando da prisão de Pedro e de
Tereza, o Exército já sabia da exisncia da Guerrilha do Araguaia. Sobre o assunto, vide o Relatório da
Comissão Nacional da Verdade.
271
Fazendo arte, muita política, e sonhando com a revolução:
uma entrevista com Agamenon Travassos Sarinho, militante do PCdoB na Paraíba
guerrilha, com a esposa. E durante um tempo até se imaginou que eles tinham entregado [a
guerrilha], mas depois se confirmou que não aconteceu isso. Eles foram, ela engravidou e era
proibido, né? Ela engravidou [no Araguaia], eles fugiram e terminaram presos.
A incorporação da AP pelo PCdoB foi vivida aqui na Paraíba ou foi mais adiante, depois
da abertura?
Agamenon: A gente toma conhecimento, mas não vivenciamos, eu vou ter contato com as
pessoas de AP, primeiro, com Rodrigues, que é como eu tomo conhecimento que
aconteceu [a incorporação da AP]. Ele estava aqui [em João Pessoa] trabalhando na Toalia, na
fábrica
20
, mas estava em quarentena porque tinha tido uma prisão. Então passamos uns dois
anos sem ter contato nenhum, só depois fomos apresentados. Gerson Carlos, que depois virou
fotógrafo, também estava conosco, desde os tempos do Roger. Acredito que foi em 72, os
primeiros documentos sobre a guerrilha do Araguaia que chegaram aqui. Entre esses tinha
uma carta a um deputado federal, que foi um documento elaborado pela União pela Liberdade
e pelos Direitos do Povo, ULDP, que era uma organização de massas que eles tentavam criar
na região, e chegou aqui e a gente circulou esse material. E aconteceu de Gerson pegar essa
carta e repassar para Rosa, a companheira dele, que não era do partido, era uma pessoa que
vinha desses movimentos culturais, fazia parte de um grupo chamado “Aquários”, meio
hippies, underground, o que era muito visado pela repressão também, pelo combate às drogas.
Era como uma comunidade que eles tinham, e pegaram com Rosa a carta ao deputado,
documento quentíssimo da Guerrilha do Araguaia. Então ela foi presa, e a gente ficou muito
preocupado e imediatamente conversamos com Zé Rodrigues e articula de tirar Gerson daqui.
Nós o levamos para o Ceará, e em seguida Rodrigues também foi para o Ceará, e eu fico
sozinho aqui torcendo para Rosa não falar meu nome. Mas ela fica um tempo presa e depois
ela é liberada. Eu acredito que ela tenha sido liberada para eles tentarem rastrear, ver se
alguém fazia contato com ela. Então, eu acho, eu contei muito com a sorte também... Em 74
para 75, o que era possível fazer eu fazia, atuando principalmente para retomar o movimento
estudantil. É quando acontece a implantação do sistema do ticket estudantil”
21
, que nós
recebemos como uma ameaça ao direito do abatimento dos 50% nas passagens nos transportes
____________
20
Refere-se à antiga fábrica de produtos têxteis Toalia, sediada no Distrito Industrial de João Pessoa.
21
O “ticket estudantil” era um vale-transporte, impresso em papel, vendido para estudantes pela metade do preço
de uma passagem nos transportes públicos de João Pessoa, durando, aproximadamente, até o início dos anos
2000.
272
SILVA, R.F.C.; SILVA, G.B.L.
__________________
coletivos. Então em 74 fui estruturando um grupo, sem me identificar como partido, para
fazer a resistência contra o ticket, que fez abaixo-assinados, reuniões e envolveu meio mundo
de gente da universidade e da Escola Técnica. Nesse período, o pessoal da Escola cnica
inclusive era organizado: Sônia Germano, Vanderli Farias, Lúcio, Luciano que foi do
MEL
22
... Acho, nessa época, eles eram ligados ao PCR. Como eu era proibido de fazer
qualquer atividade, eu passei no vestibular, mas só podia entrar na universidade mediante uma
sessão na ASI
23
e assinar um protocolo, uma pilha de documentos, me responsabilizando.
Isso foi em janeiro de 73. Eu fiz o vestibular em 72 e para poder matricular fui chamado pela
ASI, que funcionava na sobreloja do prédio da Reitoria na Lagoa. Esse momento foi
engraçado porque eles davam uma ideia de organização, de disciplina, então você tinha que
estar na hora, meu horário era 13h25, e os que estavam na sequência para serem também
ouvidos foram dois que fizeram prova comigo na minha sala no vestibular, Abraham Lincoln
e Alberto Magno. Abraham Lincoln, que depois foi juiz, inclusive presidente do TRE,
coitado, nunca teve nada com o movimento estudantil, com esquerda, e foi chamado porque
na época era muito comum os estudantes terem correspondentes estrangeiros. Minha irmã
aqui tinha trocava selo com estudantes da Europa, e o Abraham Lincoln se correspondia com
um cara da Tchecoslováquia, na “Cortina de Ferro”, então... “esse cara é perigoso!”...
Esse é um período crítico para as esquerdas em geral e para o PCdoB em particular. Tem o
genocídio do Araguaia. Em 1975, o partido começa a tentar se reorganizar, mas em 1976
vem a “Chacina da Lapa”
24
.
Agamenon: Isso, era muito difícil. Com a prisão de Alanir Cardoso eu passo um período,
acho que mais de um ano, sem contato. Mas nesse meio tempo a gente começa a se organizar,
cria o movimento da luta contra os tickets e já monta em 76 o processo de tomada do DCE da
UFPB, que foi o movimento “Refazendo”, que conseguiu eleger os Diretórios Acadêmicos de
____________
22
MEL, Movimento do Espírito Lilás. Fundado em 1992, foi um dos primeiros movimentos sociais vinculados à
causa LGBT em João Pessoa.
23
Assessoria de Segurança e Informação (ASI) da UFPB. Parte do “Sistema Nacional de Informações” (SISNI),
responsável pela vigilância da ditadura nas repartições e órgãos públicos em todo o país.
24
A “Chacina da Lapa” foi uma operação do DOI-Codi do II Exército, realizada em dezembro de 1976 no bairro
da Lapa, em São Paulo, que atingiu uma casa onde se realizava clandestinamente uma reunião do Comitê Central
do PCdoB. Como resultado, foram assassinados os comunistas Pedro Pomar, Ângelo Arroio e João Batista
Drummond, e presos outros dirigentes. Posteriormente, descobriu-se que a reunião foi delatada por Jover Telles,
membro do Comitê Central do PCdoB e veterano militante comunista, que havia se convertido em um
“cachorro”, denominação que o Exército dava para militantes de esquerda que mudavam de lado e se tornavam
agentes infiltrados da repressão nas suas organizões.
273
Fazendo arte, muita política, e sonhando com a revolução:
uma entrevista com Agamenon Travassos Sarinho, militante do PCdoB na Paraíba
28 cursos. Aliás, não era DA, eram representantes de cursos, que eram eleitos por voto direto
e elegiam o DA do seu centro. Então foi dessa forma, em 76, a gente elegeu o DCE de
forma indireta. Severino Dutra foi o presidente. Eu o podia participar da chapa, tinha outro
colega, Erivaldo
25
, foi até presidente do Sindicato dos Médicos de São Paulo depois, Erivaldo
foi do [Colégio Estadual do] Roger com a gente, que era também fichado e não pôde integrar
a chapa, Hilton Lima não pôde, vários que éramos fichados como estudantes secundaristas
não pudemos fazer parte da chapa. Mas eu fui nomeado secretário, participei da gestão do
DCE até 82/83. Em 77, tenho um contato com um companheiro do Partido na Bahia, através
do movimento estudantil, do “Caminhando”, que era a tendência do PCdoB no movimento
estudantil em São Paulo. O partido era mais [expressivo] no movimento estudantil na Bahia,
dirigindo o DCE e também o DCE em Alagoas; e a gente começa a flertar pela identificação
do discurso. Aí, eu acho que em 77/78,vinha aqui Olival Freire
26
, o nosso homem da física
quântica, para organizar o partido, através de Vladimir, e Walter [Dantas, irmão de Vladimir]
me chama para uma reunião na casa dele. Aí Olival se apresenta como PCdoB, e eu disse que
não precisava porque nessa época eu tinha estabelecido um canal com a direção. ele
disse: “muito bem, legal, tudo certo”, e voltou (risos). Outro elemento muito importante
nesse processo de reorganizar o partido foram os jornais. Primeiro o jornal “Movimento”, que
eu fui o responsável aqui na Paraíba. O Movimento em São Paulo tinha uma direção
política basicamente do PCdoB, além de Ozeas, que foi da AP e não entrou no PCdoB
27
, mas
que tinha a mesma linha, e quando acontece o racha em São Paulo, o grupo que saiu do
partido tomou o “Movimento”. Então sai a “Tribuna Operária”
28
, cujo representante aqui sou
eu. A Tribuna foi um fator de emulação dentro do partido, o cara tinha orgulho de ser
“tribuneiro”... E era interessante porque era um momento onde havia avidez de informação,
de denúncias, o regime [militar] já se encontrava enfraquecido e havia aquela força contida de
reação do povo, que explodiu depois nas grandes manifestações das Diretas Já. As lições do
____________
25
Refere-se a José Erivaldo Guimarães Oliveira.
26
Refere-se ao sico baiano Olival Freire Júnior, professor da UFBA e filiado ao PCdoB desde a década de
1970.
27
Provavelmente, refere-se a Ozeas Duarte que foi militante do PCdoB, mas se desligou no final dos anos 1970,
no racha impulsionado pela chamada “Dissidência” ou “Esquerda do PCdoB”.
28
“Tribuna Operária” ou “Tribuna da Luta Operária”, jornal criado pelo ComiCentral do PCdoB em 1979,
após a crise potica com o grupo que passou a controlar o jornal “Movimento”.
274
SILVA, R.F.C.; SILVA, G.B.L.
__________________
velho Lênin, no Iskra
29
, eram do jornal como fator de organização do partido, você ia
formando [politicamente a militância] a partir do jornal, adquirindo novos membros e
organizando núcleos. Cada grupo tinha sua quota de jornal para vender, a gente fazia muita
venda nas feiras, na Lagoa, no Ponto de Cem Réis... Foi uma experiência muito interessante.
E a partir daí a gente passou a se estruturar. [A Tribuna] era uma espécie de funcionamento
camuflado do partido. A sede do jornal em João Pessoa era numa casinha na Av. Dom Pedro
I, ao lado do colégio Pio X, onde funcionava uma construtora de um colega nosso do
movimento estudantil da universidade, Raimundo Nunes, que cedeu uma sala pra gente. E ali
a gente fazia as reuniões. E foi nesse local que eu conheci, participando com a gente, Cida
[Ramos] e a irmã. a gente foi estendendo “A Tribunacom uma sucursal em Campina
Grande, em Patos, e com ela se ajudou a irradiar o partido pelo estado. Teve episódios de
repressão, de a Polícia Federal prender jornal, por conta de algumas edições que foram
proibidas, tomadas nas gráficas, por contas das manchetes, né? Eu lembro uma que tinha
Figueiredo com a cara esquisita, como se tivesse chupando limão, e a manchete era:
Figueiredo engoliu a bomba”. Eu acho que era alguma coisa referente à bomba do
Riocentro
30
. Houve algumas tentativas de tomar jornal aqui. A Tribuna chegava na Paraíba
pela VASP
31
, vindo de São Paulo. Era quase o mesmo esquema dos tempos do “Movimento”.
Quem pegava era geralmente eu, que era o chefe da sucursal e tinha carro na época, às
vezes Anchieta. Eles às vezes iam prender o jornal no aeroporto, que a gente tinha feito
amizade com o funcionário da VASP... Teve época de a gente receber quatro mil jornais aqui,
mas geralmente eram dois fardos de quinhentos. Aí esse funcionário da VASP escondia um
fardo e deixava o outro lá, e quando a Polícia Federal chegava, só levava aquele que estava lá,
porque ele dizia: “é só esse!” E depois entregava para nós o fardo que sobrava.
Após sua Conferência, realizada na Albânia em 1978/1979, o PCdoB se aproximou do
MDB, e participou da eleição de 1982 lançando candidatos pelo PMDB
32
. Nesse período,
____________
29
Refere-se ao jornal “Iskra”, órgão do Partido Operário Social-Democrata Russo (POSDR), publicado entre
1901 e 1905, contando com a colaboração de Lênin.
30
Refere-se ao atentado terrorista praticado por militares de extrema-direita no show comemorativo ao Dia do
Trabalho, promovido pelo Centro Brasil Democrático” (CEBRADE) no Riocentro, no Rio de Janeiro, em 30 de
abril de 1981. Sobre o assunto, vide o Relatório da Comissão Nacional da Verdade.
31
VASP, Viação Aérea São Paulo, tradicional empresa aérea brasileira, extinta em 2005.
32
Após a reforma partidária de 1979, que permitiu o fim do bipartidarismo, o MDB (Movimento Democrático
Brasileiro) passou a se chamar PMDB (Partido do Movimento Democrático Brasileiro).
275
Fazendo arte, muita política, e sonhando com a revolução:
uma entrevista com Agamenon Travassos Sarinho, militante do PCdoB na Paraíba
também tinha se organizado o chamado “MDB Jovem”, não sei se você chegou a participar.
Queria que você falasse um pouco desse momento.
Agamenon: A nossa experiência de voto nulo foi só em 70. Em 74 passamos... aliás, [1974
foi] a primeira campanha pela televisão, o nosso senador aqui em Pernambuco sem ódio e
sem medo”
33
, Marcos Freire... E de fato a gente participa de forma organizada, dentro do
MDB, nas eleições de 82. Eu estava no “MDB Jovem”, com Anísio Maia, João Fernandes,
de Campina Grande... Logo depois, com a participação de Rodrigues, a gente estrutura o
“Movimento Trabalhista do MDB”, que tinha o slogan “terra, trabalho e liberdade” e
marca própria, que era a do MDB e uns caboclinhos com o braço levantado. Em 82, teve
eleição, e o partido lançou dois irmãos candidatos a vereador, Walter e Vladimir Dantas.
Vladimir estava dirigindo aqueles movimentos contra a carestia, por moradia, fazia
manifestações de rua com duas mil pessoas, então ele era o candidato principal. Mas Walter
era da juventude, do movimento estudantil, estava na direção da UBES nessa época, e
inclusive atrasa a vinda para para fazer campanha, chegou faltando um mês da eleição,
porque estava em São Paulo. Chega e vem direto do aeroporto para um comício em Jaguaribe.
E levou uma sonora vaia no comício! Ele chegou um entusiasmo danado, era excelente
orador, e quando entra ele diz “povo de Cruz da Armas”, a turma: “uuuuuuh”... Estava em
Jaguaribe! (risos). E no movimento trabalhista participava o pessoal da área sindical. Eu
lembro que a campanha que a gente lançou pelo movimento trabalhista era uma dobradinha
de Simão [Almeida], candidato a deputado estadual, com Wanderley Caixe, candidato a
deputado federal
34
. Na direção regional, como chamava na época, estava Rodrigues,
numa direção, vamos dizer, informal. Uma direção provisória que era basicamente eu,
Rodrigues e já tínhamos o pessoal do movimento estudantil da universidade. A gente já estava
constituindo uma célula do partido na Toalia, de operários, e de bairro, em Cruz das Armas. E
com a chegada de Simão, com a anistia, é que é constituído o Comitê Regional. Eu acho
que a primeira constituição era Simão, eu, Rodrigues, se eu não me engano, Romero
Antônio...
____________
33
“Sem ódio e sem medo” foi o slogan utilizado pela vitoriosa campanha de Marcos Freire ao senado pelo MDB
de Pernambuco, em 1974.
34
Os irmãos Walter e Vladimir Dantas e Simão Almeida eram militantes do PCdoB. Wanderley Caixe era
advogado da Arquidiocese da Paraíba, atuando em defesa dos camponeses, e era ligado ao setor “prestista” do
PCB, ou seja, à dissidência do partido liderada por Luís Carlos Prestes. Todos foram candidatos pela legenda do
PMDB, já que os partidos comunistas seguiam proscritos, só conseguindo registro legal em 1985.
276
SILVA, R.F.C.; SILVA, G.B.L.
__________________
Quando é que você entra na UFPB como servidor? Porque você ingressa no movimento
sindical lá, né?
Agamenon: Eu entro como funcionário na UFPB em 80, ainda naquele sistema de
contratação precária, que renovava no ano seguinte. Depois, em 82, acontece o
enquadramento e eu passo a ser efetivo. A gente tem na UFPB um celeiro muito
importante, os nossos principais quadros saem dali da UFPB. Principalmente do movimento
estudantil. Nós tínhamos uma base grande, com muitos quadros. A gente [da UFPB] tinha
quase que a obrigação de todo ano mandar um quadro pra UNE. Lindbergh Farias foi do
partido aqui. Só depois de 84 que a gente inicia a participação no movimento de funcionários.
Ainda era proibido ter sindicato, mas de 83 para 84 a gente cria a Associação de Funcionários
da UFPB AFUF. E foi uma coisa assim criada consensualmente, então estavam pessoas
que não sei se eram do PT na época Edvaldo Rosas, Chico Ramalho, Luciana Rangel...
Mas estavam Sérgio Botelho, Seu Lima, Madruga, eu, que era funcionário do HU, e Mário
Lucena, que foi o presidente. Ou seja, era uma articulação muito plural. Em 84, acontece o
congresso da FASUBRA
35
em Natal, e nesse congresso a gente tem uma mobilização muito
grande na Paraíba. A gente participa com duas associações, uma representação da AFUF e
uma representação da ASSUFEP
36
. E lá se estabelece uma grande batalha pela direção da
FASUBRA, que era dirigida por um pelegão chamado Cavalcante, eterno presidente da
federação, e do partido tinha eu, Cristiano [Zenaide], Jordane [Menezes], Arminda
[Mourão] que foi reitora da UFAM, era funcionária na época , um companheiro de
Alagoas e Alice Portugal
37
. E Alice foi quem detonou lá. O discurso dela a pelegada tremia. E
no final da história, por uma votação apertada, a gente consegue derrubar o pelego da
FASUBRA. que quando a gente chega aqui, Edvaldo Rosas um golpe e exclui a gente
tudinho da direção da FASUBRA e a gente fica de fora até da direção da AFUF. A gente fazia
parte da direção da AFUF, mas para irem mais delegados nós tiramos uns delegados pela
AFUF e outros pela ASSUFEP. a gente fica de fora [da direção] até 99. Isso foi em 84 e a
____________
35
A FASUBRA, atualmente denominada Federação de Sindicatos de Trabalhadores Técnico-Administrativos
em Instituições de Ensino Superior Públicas do Brasil FASUBRA SINDICAL foi fundada em 19 de
dezembro de 1978, sob a denominação de “Federação das Associações de Servidores das Universidades
Brasileiras”, segundo o seu sítio na internet - https://fasubra.org.br/historico-da-entidade/
36
ASSUFEP Associação dos Servidores da Universidade Federal da Paraíba.
37
Deputada Federal pelo PCdoB da Bahia desde 2003, após ter cumprido dois mandatos sucessivos como
deputada estadual.
276
277
Fazendo arte, muita política, e sonhando com a revolução:
uma entrevista com Agamenon Travassos Sarinho, militante do PCdoB na Paraíba
gente fica apanhando... (risos) e ficamos participando do movimento sindical, mas sem
participar da direção. Só em 99 assumi a coordenação geral do Sintesp
38
.
Em 1983 teve a prisão, pela Polícia Federal, de cinco militantes do PCdoB em Campina
Grande que estavam fazendo propaganda do VI Congresso do partido. Como foi o episódio?
Agamenon: Essas atividades aconteceram aqui [em João Pessoa] também, mas o pessoal
de Campina caiu, foram presos. A prisão motivou uma mobilização grande, vieram vários
deputados do partido de outros estados. Luciano Siqueira, que era deputado por Pernambuco,
e o nosso deputado em Alagoas, Eduardo Bonfim, ambos eleitos pelo PMDB. Tinha havido
prisão também em outros estados, mas era um momento em que a repressão ao partido o
tinha assim tanta força. Os problemas que a gente estava enfrentando eram de outra ordem,
que era a repressão ao movimento de massa. Josildo Dias
39
apanhou bastante aqui. Também
Conceição, a mulher de Vladimir, nas manifestações que a gente fazia e terminava...
Edmundo [Fontes] eu me lembro que uma vez, numa luta por causa do aumento do transporte,
levou um tiro em frente a uma garagem. A bala passou raspando e queimou o pescoço dele...
Do VI Congresso a gente participou aqui do debate das teses. Mas a delegação da Paraíba foi
só de dois delegados, salvo engano, foram Simão e Zé Rodrigues. E a sua plenária final, se eu
não me engano, foi feita segmentada, por região. Não juntaram todo mundo na mesma sala,
não. Exatamente por medida de segurança.
Você poderia falar da participação do partido na campanha das Diretas e, depois, da
campanha de Tancredo?
Agamenon: A gente teve um envolvimento muito grande nas atividades das Diretas aqui
em João Pessoa. O partido tinha uma militância muito respeitada aqui, tínhamos influência
em algumas entidades, tinha o movimento estudantil, tinha alguns sindicatos que a gente
conseguia puxar e sempre fomos bons nessa questão do trabalho de frente, né? Então a gente
fez um trabalho junto com o PMDB, com outras forças de esquerda e tivemos uma
participação importante na organização no primeiro ato aqui [em João Pessoa]. Segundo me
recordo, acho que foram estimadas vinte e cinco mil pessoas no comício das Diretas ali na
____________
38
SINTESPB Sindicato dos Trabalhadores em Ensino Superior do Estado da Paraíba. Fundado em 1989,
sucedeu a AFUF.
39
Militante do PCdoB no movimento comunitário em João Pessoa, nas décadas de 1980 e 1990.
277
278
SILVA, R.F.C.; SILVA, G.B.L.
__________________
Lagoa. E depois disso, a decepção pela não passagem [da Emenda Constitucional] das
Diretas. Porque foi uma grande campanha, que mobilizou realmente a massa, era o povo
realmente na rua, com vontade de votar, com vontade de eleger presidente e veio a frustração
pela não aprovação.
E como, diante dessa tua militância, tua família se comportava?
Agamenon: A minha família olhava atravessado. (risos) Minha mãe, assim, não tinha muita
noção, né? Minha irmã não se incomodava, meu irmão não morava aqui, eu morava com o
meu pai, minha mãe e minha irmã. Meu pai raras vezes fez algum comentário. Ele tomou
alguma atitude, duas vezes, em 68, me proibiu de ir... Eu também era muito novo, tinha 14
anos, ou era 15. Me proibiu de ir a uma manifestação, aquela que quebrou o pau, ali de frente
da Catedral, que a polícia cercou todas as saídas. Apanhou gente de todo lado. Inclusive o
velho Otacílio Queiroz, que era professor de Direito da universidade. Foi deputado federal...
Então, essa eu não fui. O filho dele era do PCB, não era? Everardo, não é isso? Era o
presidente do DCE, na época. Bom, essa foi uma vez. A outra foi o seguinte. Dia 06 de
setembro de 68, quando a gente sai do Roger, a direção do Grêmio entrega pra gente um
pacote de panfleto, que era pra distribuir de noite, conclamando o povo a boicotar o 07 de
setembro. Aqui ao lado morava meu primo, que erado DA de Medicina, com João Roberto
40
.
Aqui ao lado era a casa de Vicente Antônio, que era o presidente do DA de Engenharia. E ali,
mais adiante, tinha Rômulo Marinho, que foi professor de matemática na universidade. eu
chamei os quatro para fazer essa panfletagem às dez horas. Aí, na minha casa não tinha esse
terraço, era mais estreitinho, e na esquina, na quina do muro, tinha a barraquinha do meu pai,
que vendia picolé, banana... E ele escutando a conversa. Quando foi perto de dez horas,
Rômulo vem e disse: “Agamenon, não vai para a gente fazer, porque tem polícia por todo
canto na rua, a gente vai deixar para a meia noite”. Aí meu pai encostou e disse:você não vai
não, vai para dentro dormir!” E naquele tempo a gente obedecia a pai, né? (risos). Aí Rômulo
disse: “Não se preocupe não, pode ficar, a gente faz, a gente resolve”. Eles foram fazer, e eu
fui dormir. Quando é no outro dia, eu acordo cedo, levanto doido para saber como é que foi.
Meu pai estava na barraquinha, cheio de gente, quando me viu, disse: “Eu disse... ali,
tudo preso. Se tu tivesses ido, tava preso também”. (risos) foi o maior bafafá: “presos os
comunistas de Mandacaru”... Era gente na rua para ver os comunistas de Mandacaru. Eu sei
____________
40
Refere-se a João Roberto Borges de Souza, militante da Ação Popular, que foi encontrado afogado em
situação misteriosa em um açude em Catolé do Rocha (PB), em 1969.
279
Fazendo arte, muita política, e sonhando com a revolução:
uma entrevista com Agamenon Travassos Sarinho, militante do PCdoB na Paraíba
que eles ficam presos até onze da manhã, mais ou menos, e foram soltos. Isso foi em 07 de
setembro de 1968.
Fechando, fique à vontade para fazer suas considerações finais.
Agamenon: Talvez muitos momentos, muitos fatos, eu tenha perdido, né? São lapsos mesmo
de memória. Eu estou até pedindo ajuda a algumas pessoas, porque eu estou tentando escrever
um pouco essa minha história. Então pode ter muitas lacunas. Se pegar algum contemporâneo,
pode até encontrar alguma divergência, complementar coisas. Mas quero dizer o seguinte: que
essa história é a minha história, que são cinquenta anos, completa esse ano, cinquenta anos de
militância no partido. Para mim é como se eu tivesse começado ontem, né? Porque, desde
aquele momento lá em 1970, quando aceitei entrar no partido, me foi colocado um pouco essa
visão de mundo, né? Eu fiz uma opção por uma concepção de vida. E pra mim ela é cada dia
mais atual. Eu acho que não vou ver, né? Mas o futuro é o socialismo, é esse o caminho da
humanidade. Talvez a gente esteja vivendo um pouco de barbárie hoje. Mas eu acho que os
horizontes ainda se descortinarão para esse mundo de liberdade, de bem-estar social, de
satisfação plena de todo o povo, especialmente dos trabalhadores. Eu acredito nisso, dediquei
minha vida a isso, faria tudo de novo! Talvez eu errasse menos, mas faria tudo de novo. Aliás,
pretendo fazer ainda um bocado, né? Vamos ver até quanto a saúde permite, mas estamos aí!
Vamos pra frente, vamos para a luta! Aqui, em tempos de pandemia, a gente faz pelo menos
poesia.
Recebida em: 24/04/2023
Aceita em: 19/07/2023
280