ISSN 1517-5901 (online)
POLÍTICA & TRABALHO
Revista de Ciências Sociais, nº 59, Julho/Dezembro de 2023, p. 183-203
MINERAÇÃO E DESIGUALDADE DE RENDA:
efeitos da extração e beneficiamento de calcário em Minas Gerais
MINING AND INCOME INEQUALITY:
effects of limestone extraction and processing in Minas Gerais
_____________________________________
Tádzio Peters Coelho
Laura Maris Gomes e Silva

Resumo
Neste artigo, buscamos conhecer os efeitos socioeconômicos gerados pela estrutura produtiva de extração e
beneficiamento do calcário e sua relação com a desigualdade de renda, em Córrego Fundo (MG). O município de
Córrego Fundo apresentou o menor índice de Gini da renda domiciliar per capita de Minas Gerais e o terceiro
menor do país (IBGE, 2010). Perguntamos: a estrutura produtiva da mineração e beneficiamento de calcário em
Córrego Fundo levou o município à situação de menor desigualdade de Minas Gerais? A metodologia inclui
análise de indicadores sociais e econômicos de Córrego Fundo e municípios limítrofes e entrevistas
semiestruturadas com agentes-chave. Os resultados apontam a prevalência de postos de trabalho e
estabelecimentos na indústria de transformação do calcário em comparação ao restante da estrutura produtiva
local, em específico à extração de calcário, e que os efeitos sobre a distribuição de renda em Córrego Fundo
foram causados pelo beneficiamento do calcário, e não por sua extração. Os resultados apontam que o número
relativamente alto de micro e pequenas empresas de transformação de calcário gerou uma necessidade de
trabalhadores no setor, o que pressionou para cima o preço da força de trabalho. Esse processo teria gerado a
situação de menor desigualdade social no município. Na percepção dos entrevistados, a indústria do calcário gera
alguns danos ambientais, que são compensados pelos salários e postos de trabalho no município, o que
caracterizaria uma situação de subestimação dos danos causados pela indústria caieira.
Palavras-chave: Desigualdade Social. Calcário. Mineração. Beneficiamento.
Abstract
In this article we seek to know the socioeconomic effects generated by the productive structure of limestone
extraction and processing and its relationship with income inequality, in Córrego Fundo (MG). The municipality
of Córrego Fundo had the lowest Gini index of per capita family income in Minas Gerais and the third lowest in
the country (IBGE, 2010). We ask: has the productive structure of the mining and limestone processing in
Córrego Fundo led the municipality to a situation of less inequality in Minas Gerais? The methodology includes
the analysis of social and economic indicators of the municipalities of Córrego Fundo and Formiga microregion
and semi-structured interviews with key agents. The results indicate the prevalence of jobs and establishments in
the limestone processing industry compared to the rest of the local production structure, specifically for
limestone extraction, and that the effects on income distribution in rrego Fundo were caused by the
improvement of limestone and not by its extraction. The results indicate that the relatively high number of micro
and small limestone processing companies generated a need for workers in the sector, which increased the price
of the labor force. This process would have generated the situation of lower social inequality in the municipality.
In the perception of the interviewees, the limestone industry generates some environmental damage,
compensating them through wages and jobs in the municipality, which would characterize a situation of
underestimation of the damage caused by the limestone industry.
Keywords: Social Inequality. Limestone. Mining. Improvement.
____________
Docente do Departamento de Ciências Sociais da Universidade Federal de Viçosa e do Programa de s-
Graduação em Geografia da Universidade Federal de Viçosa. E-mail: tadzio@ufv.br

Licenciada em Ciências Sociais pela Universidade Federal de Viçosa. E-mail: laura.maris@ufv.br
COELHO, T. P.; SILVA, L.M.G.
__________________
Introdução
Os efeitos socioeconômicos da mineração foram tema de diversas pesquisas que
buscam entender como a atividade mineradora afeta economicamente e socialmente as
populações de municípios minerados (Bunker, 1984; Coelho, 2018, 2022; Coelho;
Wanderley; Giffoni, 2021; Enríquez, 2008). Um desses efeitos é a distensão das
desigualdades socioeconômicas. Neste artigo, buscamos conhecer os possíveis efeitos
socioeconômicos da extração e beneficiamento de calcário no município de Córrego Fundo. O
objetivo é compreender os efeitos econômicos gerados pela estrutura produtiva de
extração/beneficiamento de calcário e sua relação com a desigualdade social no município.
Analisamos Córrego Fundo porque o município apresentou o menor índice de Gini da
renda domiciliar
1
per capita de Minas Gerais e o terceiro menor do país (IBGE, 2010). O
baixo índice de Gini encontrado no município de Córrego Fundo pode ser uma exceção aos
estudos que ressaltam a tendência à distensão da desigualdade social em regiões e países que
possuem a extração de recursos naturais como o principal setor de sua estrutura produtiva
(Hartmann et al., 2017). Em Córrego Fundo, a extração e, principalmente, o beneficiamento
de calcário representam grande parte da economia local, composta basicamente por micro e
pequenas empresas intensivas em postos de trabalho (Augusto, 2013; Pimentel, 2014). O
município de Córrego Fundo, e sua estrutura de micro e pequenas empresas de extração e
beneficiamento de calcário, pode ser um caso único de economia local baseada na mineração
e na indústria de transformação em que ocorreu a diminuição da desigualdade social.
Baseado nisso, perguntamos: a situação de menor desigualdade de renda em Córrego
Fundo está relacionada à mineração de calcário? Foi a estrutura produtiva da mineração de
calcário em Córrego Fundo que levou o município a ser o menos desigual de Minas Gerais?
Ou isso se deve unicamente à indústria de transformação do calcário? Existem outros efeitos
socioeconômicos da extração de calcário em Córrego Fundo?
A hipótese que colocamos para análise é a de que o aumento no número relativo de
micro e pequenas empresas de extração e beneficiamento de calcário pressionou a procura por
mão de obra, principalmente de baixa escolaridade, o que por sua vez elevou a média dos
____________
1
O Índice de Gini corresponde ao valor da renda domiciliar per capita das pessoas residentes em determinado
espaço geográfico, no ano considerado”. Considera-se “como renda domiciliar per capita a soma dos
rendimentos mensais dos moradores do domicílio, em reais, dividida pelo número de seus moradores” (IBGE,
2010). Vale ressaltar que o índice considera apenas residentes dos municípios.
184
Cosmovisões e territórios:
Abya Yala como Território Epistêmico
salários dos trabalhadores do setor de extração e beneficiamento do calcário, assim como o
número de postos de trabalho, que ocupam uma porção relevante do estoque de empregos do
município. Por se tratar de um setor intensivo em mão de obra e com barreiras de entrada
menos elevadas, como o diminuto investimento inicial para a extração e beneficiamento de
calcário, o setor possibilitou um número maior de estabelecimentos.
A metodologia inclui análise e comparação dos indicadores sociais e econômicos, tais
como Gini, IDH, dentre outros, dos municípios do entorno de Córrego Fundo (Pains, Arcos e
Formiga) e entrevistas semiestruturadas com agentes-chave, como vereadores, prefeitura,
representantes das empresas mineradoras e das cooperativas de extração e beneficiamento de
calcário.
O calcário é um minério não metálico usado, comumente, como corretivo de solos,
ração animal, para a construção civil, pavimentação de estradas, fabricação de blocos e pré-
moldados ou enviado para a calcinação. Em geral, o calcário é vendido no mercado interno e
não é destinado à exportação. A cal é um dos produtos que pode ser obtido pela calcinação do
calcário (Campos et al., 2018).
O mineral tem forte relevância na região. Córrego Fundo apresenta extração de
calcário e de areia. Pains apresenta extração do calcário, ressaltando a extração de calcário
dolomítico, que é o calcário com maior teor delcio e magnésio, enquanto Formiga e Arcos,
além do calcário, extraem areia, argila e cascalho (ANM, 2022).
A primeira seção do artigo revê a bibliografia sobre os efeitos socioeconômicos da
mineração em economias locais, em particular em relação à desigualdade social. Na segunda
seção, analisamos o perfil da estrutura produtiva, postos de trabalho, trabalhadores e
arrecadação em Córrego Fundo e o comparamos com os municípios do entorno. Centramos
particularmente na análise dos postos de trabalho da mineração, a remuneração dos
trabalhadores, a arrecadação e as despesas municipais provenientes da mineração e de outros
setores econômicos. A terceira seção é composta pelas entrevistas feitas (no total, oito
entrevistas) com agentes dos diferentes grupos sociais envolvidos com a mineração em
Córrego Fundo: prefeitura, pequenos empresários e membros de cooperativas de extração de
calcário.
185
COELHO, T. P.; SILVA, L.M.G.
__________________
Desigualdade social e atividades extrativas
A literatura acerca dos efeitos socioeconômicos especificamente da mineração de
calcário no Brasil é praticamente inexistente e, por isso, foi necessário ampliar o escopo da
análise para os efeitos socioeconômicos da extração de outros tipos de bens minerais e sua
relação com a desigualdade social. Devido aos limites da bibliografia, também incluímos
literatura de outros países sobre o tema.
De acordo com Bunker (1984), quando os recursos naturais são extraídos de um
determinado ambiente, os linkages socioeconômicos e ambientais locais tendem a perder
valor, enquanto os locais de destino da matéria-prima tendem a incrementar seu valor. Essa
apropriação extrativa empobreceria a região que depende da extração e exportação desses
recursos naturais. Ainda para Bunker (1984), não seria possível calcular o valor extraído da
natureza em termos de tempo de trabalho corporificado na mercadoria, o que seria válido
apenas para as economias produtivas. Assim, as economias extrativas se apoiariam mais na
expansão da exploração de recursos naturais do que na criação de valor por meio do trabalho
(Coelho; Monteiro, 2005). Dessa forma, a tendência é que as exportações de matérias-primas
empobreçam os países e regiões onde o extraídas e enriqueçam os países e regiões para
onde são destinadas.
Segundo Enríquez (2008), os impactos sociais e econômicos da mineração não são
padronizados e devem ser contextualizados de acordo com cada caso. A mineração
colaboraria para o crescimento econômico, assim como favoreceria a formação de capital
humano. Entretanto, é incerto seu papel no combate à pobreza e à desigualdade social. Uma
das razões para isso é que a atividade não teria como característica a intensividade em mão de
obra, ao contrário, seria intensiva em capital e pouparia mão de obra.
Algo que deve ser considerado nas pesquisas sobre efeitos socioeconômicos da
mineração é o tipo de atividade mineradora. Existem diferenças relevantes entre a mineração
de larga escala de minério de ferro ou ouro e a extração de areia e calcário, a começar pela
relação entre postos de trabalho e investimentos. Os veis de automação dos processos
extrativos da mineração de larga escala (ferro, ouro, bauxita etc.) podem ser muito mais
elevados do que os presentes na mineração de agregados da construção civil, por exemplo, o
que gera proporções de postos de trabalho e fluxos de renda distintos. Por isso a necessidade
de se destacar qual tipo de mineração está sendo considerado.
186
Cosmovisões e territórios:
Abya Yala como Território Epistêmico
Pesquisadores documentaram para o período de 1963 a 2008 uma possível correlação
entre a complexidade econômica de um país e sua desigualdade de renda (Hartman et al.,
2017). Os resultados sugerem que o vel de desigualdade de renda de um país pode ser
condicionado por sua estrutura produtiva.
Hartman et al. (2017) desenvolveram um índice que estima as mudanças na
desigualdade de renda quando um país remove ou adiciona um grupo de produtos a sua
economia. Usando a análise de regressão multivariada, os autores concluem que a
complexidade econômica é um previsor significante e negativo da desigualdade de renda e
que há uma relação robusta disso com as medidas de renda, as instituições, a concentração das
exportações e do capital humano.
Os autores também introduzem uma medida que associa um produto à média do Gini
dos países que o exportam (baseado no peso de um produto na pauta exportadora). Eles
utilizam essa medida para ilustrar como o desenvolvimento de novos produtos está associado
a mudanças na desigualdade de renda. Essas descobertas sugerem que a estrutura produtiva de
um país define o escopo de desigualdade de renda (Hartman et al., 2017).
Outro ponto importante no estudo de Hartman et al. (2017) é acerca do grupo de
produtos de uma economia que condiciona as escolhas ocupacionais, as oportunidades de
aprendizado e o poder de barganha dos trabalhadores e sindicatos. O catch-up tecnológico e a
industrialização fornecem novos empregos e oportunidades de aprendizado para os
trabalhadores, contribuindo para o surgimento de uma nova classe média. Por outro lado, a
desindustrialização, a dessindicalização e a crescente competitividade na exportação de bens
industriais elevam os níveis de desigualdade. Muitos trabalhadores industriais ficaram
desempregados e foram forçados a trabalhar em funções com baixos salários, o que diminui a
capacidade de influência dos sindicatos (Hartman et al., 2017).
Rubbers (2020) examina os efeitos do recente boom das commodities na região do
cinturão do cobre, no Congo, sobre a distensão da desigualdade salarial entre os próprios
trabalhadores da mineração. O mercado de trabalho da mineração teria aumentado a
desigualdade entre os diferentes grupos de trabalhadores do setor de mineração nessa região
durante o boom das commodities. A crescente segmentação desse mercado de trabalho teria
aumentado as desigualdades entre trabalhadores locais de escolaridade alta, trabalhadores
locais de escolaridade baixa e trabalhadores expatriados e também na relação entre
trabalhadores diretos das mineradoras e trabalhadores de empresas subcontratadas. Assim, um
187
COELHO, T. P.; SILVA, L.M.G.
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limite do estudo é que a desigualdade foi medida apenas dentro do próprio mercado de
trabalho de mineração, sem considerar seus efeitos no restante dos trabalhadores ou da
população local.
Em estudo sobre a mineração na Austrália, Reeson, Measham e Hosking (2012)
destacam que a atividade é um importante vetor para o crescimento das exportações, dos
empregos e da renda em algumas regiões do país. Entretanto, o crescimento da renda na
mineração está associado ao aumento da desigualdade, particularmente nos níveis iniciais e
intermediários de instalação dos projetos de mineração nessas regiões. Quando atinge etapas
mais avançadas, com infraestrutura instalada e estabilidade na capacidade de extrão, a
desigualdade se estabiliza. Portanto, esse estudo sugere que a desigualdade seria um problema
que evolui nos estágios iniciais e intermediários da atividade mineradora (Reeson; Measham;
Hosking, 2012).
Em pesquisa sobre a mineração de ouro em Godofredo Viana (MA), Coelho (2022)
aponta como essa atividade se mostra uma importante fonte de postos de trabalho. Entretanto,
além dos baixos salários pagos no município, o desenvolvimento da atividade mineradora
envolve a renúncia a outras atividades econômicas, na economia local, tais como a pesca e a
agricultura. Em Godofredo Viana, junto à instalação e expansão da mineração de ouro,
diminuiu-se a produção de banana, arroz, feijão, mandioca e açaí. A estrutura econômica
gerada pela mineração do ouro no município impediu o desenvolvimento da agricultura,
criando obstáculos para a diversificação produtiva que podem gerar mais problemas para o
futuro da região. Assim, foram gerados postos de trabalho na mineração, ao mesmo tempo em
que foram destruídos empregos na agricultura, numa dialética de criação e destruição própria
da mineração de larga escala. Por fim, analisando a geração e apropriação da renda mineira,
considerando a tributação e as taxas, percebeu-se que a mineradora obtém faturamento
bastante elevado em relação ao valor arrecadado pelo município, quando se compara a
arrecadação da Compensação pela Exploração de Recursos Minerais (CFEM) e o faturamento
bruto da empresa no município.
Na próxima seção analisamos os dados referentes a Córrego Fundo e municípios
limítrofes, buscando entender os efeitos socioeconômicos da extração/beneficiamento de
calcário.
188
Cosmovisões e territórios:
Abya Yala como Território Epistêmico
Análise dos dados de Córrego Fundo e municípios limítrofes
Em 2022, o calcário dolomítico foi responsável por 2% do faturamento do setor
mineral no Brasil (Ibram, 2023) e seus 678 títulos minerários renderam R$ 8.551.954.642,49,
em valor bruto, tendo gerado R$ 178.970.926,19 em CFEM, ou 2,09% do valor bruto (ANM,
2022). Arcos e Pains, municípios do entorno de Córrego Fundo, estão entre os cinco
principais produtores de calcário em 2022.
Tabela 1: Títulos minerários
o
Quantidade de
títulos minerários
CFEM
Valor de
operações
% da CFEM
do Valor de
operações
1
18
857.233.021,73
16.887.716,05
1,97%
2
17
378.744.446,39
8.300.670,01
2,19%
3
8
329.265.601,84
6.479.683,28
1,96%
4
12
300.489.063,87
5.969.670,53
1,98%
5
18
286.046.469,75
5.478.717,70
1,91%
Fonte: ANM, 2022.
Córrego Fundo, localizada no centro-oeste mineiro, é conhecida como a “Cidade da
cal”, por ter sua economia predominantemente baseada no beneficiamento do calcário. O
município já pertenceu a Ouro Preto, São João del Rei, Tiradentes, Itapecerica e Formiga, mas
obteve sua emancipação em dezembro de 1995.
Os dados selecionados contemplam o município de Córrego Fundo e o seu entorno:
Formiga, Pains e Arcos. Buscamos entender a especificidade de Córrego Fundo em relação à
desigualdade social comparando sua situação com os municípios vizinhos. Entre as variáveis
analisadas estão os postos de trabalho por setor, salários, escolaridade dos trabalhadores,
tamanho das empresas, as receitas totais e os valores recolhidos de CFEM (Compensação
Financeira pela Exploração de Recursos Minerais). Também comparamos indicadores sociais
e econômicos.
O caso do município de Córrego Fundo pode representar um contraponto aos demais
municípios que apresentam atividades mineradoras, uma vez que a cidade apresentou, em
2010, o terceiro menor índice de Gini da renda domiciliar per capita do país e o menor de
189
COELHO, T. P.; SILVA, L.M.G.
__________________
Minas Gerais (IBGE, 2010). Em 2000 e 2010, o índice de Gini em Córrego Fundo caiu de
0,4354 para 0,3288 (cf. tabela 1). Tal trajetória de queda pode ser notada também nos
municípios do entorno, mesmo que Córrego Fundo possua o menor índice de Gini em ambos
os anos.
Tabela 2 - Gini dos municípios
Município
Gini - 2000
Gini - 2010
Córrego Fundo
0,4354
0,3288
Arcos
0,5234
0,4372
Pains
0,4914
0,4676
Formiga
0,5349
0,4900
Fonte: IBGE, 2010
Dentro da região estudada, Córrego Fundo é o município com menor população
estimada e possui alguns dos menores números absolutos dentre os indicadores, por exemplo,
tem o menor Produto Interno Bruto (2017). Córrego Fundo apresenta também a menor taxa de
homicídios, ao mesmo tempo em que possui o menor IDH e a maior taxa de mortalidade
infantil, o dobro do segundo município com maior mortalidade infantil, Arcos. Tal situação
revela que apesar da menor desigualdade social, a população de Córrego Fundo
provavelmente convive com uma situação de deficiência no acesso à saúde.
Em termos de salário médio, apesar do PIB menor da região, os salários em Córrego
Fundo estão acima dos pagos em Pains e no mesmo nível dos salários em Formiga. A dia
salarial não é um bom preditor das desigualdades por se tratar de uma média, mas sugere que
um município com baixa desigualdade de renda, como Córrego Fundo, além de pouco
desigual, mantém um nível alto nos salários para o contexto regional. Se por um lado a
distribuição de renda é melhor em Córrego Fundo, por outro lado, o município apresenta o
menor valor adicionado bruto, o que indica que para atingir níveis mais satisfatórios de
distribuição de renda não é necessário a economia local apresentar altos valores no valor
adicionado/PIB.
Formiga é detentora do maior IDH na região e possui o maior valor adicionado bruto,
mas apresenta a pior distribuição de renda (Gini). Pains apresenta a menor taxa de
190
Cosmovisões e territórios:
Abya Yala como Território Epistêmico
mortalidade infantil. Por fim, Arcos possui um perfil socioeconômico muito próximo de
Formiga na maioria dos indicadores, com exceção da taxa de homicídios.
Tabela 3: Indicadores dos municípios
Cidade
Córrego
Fundo
Formiga
Pains
Arcos
População (2022) - IBGE
6.133
68.248
8.142
41.417
Gini (2010) IBGE
0,3288
0,49
0,4676
0,4372
IDH (2010) IBGE
0,678
0,755
0,728
0,749
Mortalidade Infantil (2017) - IBGE
32.26
15.11
11.49
16.06
Taxa de Homicídios (2016) - IPEA
-
7
12.06
32.06
Valor adicionado bruto total, a preços correntes (R$ 1.000)
(2017) IBGE
152.071
1.460.076
258.297
1.025.747
Produto Interno Bruto, a preços correntes (R$ 1.000)
(2017) IBGE
183.130
1.620.086
311.140
1.229.696
Produto Interno Bruto per capita, a preços correntes (R$
1,00) (2019) IBGE
27.492,15
24489,74
38.298,46
42.159,13
Trabalho e emprego (Salário Médio Mensal) (2018)
IBGE
1.9
1.9
1.6
2.3
Trabalho e Emprego (Pessoal Ocupado) (2018) - IBGE
1.752
20.821
268
13.286
Fonte: Elaboração própria com dados do IBGE, IPEA e DataSUS.
Acerca dos postos de trabalho na região, a indústria de transformação se destaca como
principal setor em Córrego Fundo (46%) e em Pains (36%). O setor extrativo mineral tem
presença relevante em Pains (10%) e Arcos (13%), enquanto é praticamente inexistente em
Córrego Fundo e Formiga. Somando a indústria de transformação à extrativa mineral, nota-se
a centralidade do setor em Córrego Fundo e em Pains. Formiga apresenta em primeiro lugar o
setor de serviços, seguido por comércio e indústria de transformação. O setor de serviços
também lidera em Arcos, seguido por comércio e indústria de transformação, tendo a extrativa
mineral também em quarto lugar.
191
COELHO, T. P.; SILVA, L.M.G.
__________________
Tabela 4: Postos de trabalho nos municípios 2019
Setor
Córrego
Fundo
Pains
Formiga
Arcos
1 - Extrativa mineral
55
326
33
1.163
%
0,1%
10%
0,1%
13%
2 - Indústria de transformação
700
913
3.293
2.479
%
46%
36%
17%
22%
3 - Servicos industriais de utilidade pública
0
11
12
8
4 - Construção Civil
13
6
3.020
497
5 Comércio
191
295
4.520
2.419
6 Serviços
159
372
5.568
3.079
7 - Administração Pública
347
443
1.888
1.111
8 - Agropecuária, extração vegetal, caça e pesca
49
115
815
196
Total
1.514
2.481
19.149
10.952
Extrativa mineral + Indústria de transformação
(%)
46%
46%
17%
35%
Minerais extraídos
Calcário
areia
Calcário
Calcário,
argila, areia
cascalho
Calcário,
argila areia
Fonte: Elaboração própria com dados da ANM e RAIS.
Em 2019, Córrego Fundo possuía quatro estabelecimentos do setor extrativo mineral e
setenta e seis estabelecimentos de indústria de transformação, evidenciando que a indústria
extrativa de calcário em si não é predominante, mesmo que a economia acabe girando em
torno do calcário. Além disso, nota-se uma grande quantidade de estabelecimentos para um
município com uma população em torno de 6 mil habitantes.
Afunilando mais ainda em direção à indústria de beneficiamento do calcário, em 2020,
do total de 700 postos de trabalho da indústria de transformação, 483 eram pertencentes à
fabricação de cal e gesso, enquanto a extração de calcário possuía apenas 15 postos (RAIS,
2022). Do total de postos de trabalho em Córrego Fundo, 36% eram na fabricação de cal
2
. A
____________
2
Na classificação subclasse (CNAE 2.0), a fabricação de cal aparece junto à de gesso. Porém, como não existem
estabelecimentos de fabricação de gesso, assumimos que a essa classificação se resume à fabricação de cal.
192
Cosmovisões e territórios:
Abya Yala como Território Epistêmico
administração pública aparece com 20% (268), o que é uma característica de municípios com
população menor, e mais afastados estão o transporte rodoviário de carga e a fabricação de
adubos e fertilizantes, que também podem estar ligados ao transporte do calcário e seu
beneficiamento em fertilizante. O restante dos setores não passa dos vinte postos
3
(RAIS,
2022), o que demonstra a centralidade do calcário e o seu beneficiamento em Córrego Fundo.
Gráfico 1: Postos de trabalho em Córrego Fundo 2020
Fonte: RAIS, 2022.
Essa situação de predominância do setor de fabricação de cal vem pelo menos desde
2006 (gráfico 3). Na série histórica de postos de trabalho, podemos perceber uma queda entre
2014 e 2015, na indústria de transformação do calcário, e entre 2009 e 2010, na extração de
calcário. A queda na indústria de transformação do calcário pode ser consequência de
operações de fiscalização que ocorreram a partir de 2010
4
, visando as operações irregulares na
extração e beneficiamento do calcário. Assim, as exigências podem ter resultado na adoção de
maquinário e bens de capital em substituição à mão de obra na produção.
____________
3
Dentre estas ocupações, várias também estão ligadas à indústria do calcário, tais como fabricação de produtos
de minerais não metálicos não especificados anteriormente (19). A maioria desses postos está ligada ao comércio
no município.
4
Em 2010, ocorreu a operação de Cal, que contou com a participação dos Ministérios Públicos Federal,
Estadual e do Trabalho. A operação tinha como objetivo a interrupção de extração ilegal de calcário e o trabalho
irregular na região. Trinta e duas mineradoras foram fiscalizadas nas cidades de Arcos, Córrego Fundo, Iguatama
e Doresópolis. A Microminas e muitos outros fornos pequenos tiveram que ser fechados para atender às
especificações exigidas pela fiscalização ambiental.
483
36%
268
20%
67
5%
56
4%
474
35%
Fab. Cal e Gesso
Adm. Pública
Transporte Rodov. de Carga
Fabricação de adubos e
fertilizantes
Outros
193
COELHO, T. P.; SILVA, L.M.G.
__________________
Gráfico 2: Evolução dos postos de trabalho emrrego Fundo
Fonte: RAIS, 2022.
Acerca da desigualdade salarial entre trabalhadores na fabricação de cal, comparando
2010 e 2020, podemos notar que a maioria dos postos de trabalho estavam entre 1 e 4 salários
mínimos, com uma minoria de postos acima de 5 salários mínimos 3,4% dos postos, em
2010 e 3,9%, em 2020. Tal situação mostra que a amplitude da desigualdade salarial interna
do setor de fabricação de cal é pequena. Além disso, cabe notar a tendência da faixa salarial
com mais trabalhadores ter se deslocado de 1 a 1,5 salário mínimo, em 2010, para 2 a 3
salários mínimos, em 2020. Sendo assim, com o salário mínimo de R$ 1.039,00, em 2020, a
principal faixa salarial estava localizada entre R$ 2.078,00 e R$ 3.017,00.
Gráfico 3: Faixas salariais em salários mínimos na fabricação de gesso e cal - Córrego Fundo
553
446
414
530
698
705
692
557
618
558
451
477
472
469
483
85
137
71
143
28
114
102
86
116
67
48
56
53
46
15
0
100
200
300
400
500
600
700
800
20…
20…
20…
20…
20…
20…
20…
20…
20…
20…
20…
20…
20…
20…
20…
Fabricação
de gesso e
cal
Extração de
calcário
2
29
264
175
136
47
18
9
2
13
5
11
28
138
147
46
15
9
1
6
0
50
100
150
200
250
300
Até 0,50 0,51 a
1,00 SM
1,01 a
1,50 SM
1,51 a
2,00 SM
2,01 a
3,00 SM
3,01 a
4,00 SM
4,01 a
5,00 SM
5,01 a
7,00 SM
7,01 a
10,00
SM
n~class
2010
2020
Fonte: RAIS, 2022.
194
Cosmovisões e territórios:
Abya Yala como Território Epistêmico
A respeito da escolaridade dos trabalhadores no beneficiamento do calcário, podemos
perceber que a maioria tem o ensino médio incompleto e o ensino médio completo. Apenas 29
trabalhadores possuem o ensino superior completo. Assim, podemos dizer que em geral o
trabalhador desse setor é um trabalhador de escolaridade baixa, apesar da principal faixa
salarial estar localizada entre R$ 2.078,00 e R$ 3.017,00.
Gráfico 4: Escolaridade dos trabalhadores de fabricação de cal e gesso - 2020
Fonte: RAIS, 2022.
Sobre o tamanho dos estabelecimentos especializados na fabricação de cal, trata-se
basicamente de micro e pequenas empresas. Em 2020, o existiam empresas do setor de
fabricação de cal com mais de 99 postos de trabalhos e mais da metade era formada por
empresas de 1 a 9 funcionários (vinte e oito empresas).
Gráfico 5: Tamanho das empresas de fabricação de cal e gesso em Córrego Fundo - 2020
Fonte: RAIS, 2022.
1
77
55 55
73
42
145
6
29
0
20
40
60
80
100
120
140
160
5
17
11
3
6
2
44
0
5
10
15
20
25
30
35
40
45
50
0 Empregado De 1 a 4 De 5 a 9 De 10 a 19 De 20 a 49 De 50 a 99 Total
195
COELHO, T. P.; SILVA, L.M.G.
__________________
Em 2020, Córrego Fundo recebeu apenas 40 mil reais referentes à CFEM, com
faturamento bruto do setor de mineração de 2 milhões de reais. Tais valores demonstram a
pequena dimensão da mineração de calcário e areia no município, sendo que o calcário
representa 95% desse valor. Arcos foi o município que recebeu o maior valor de CFEM em
2020, seguido por Pains e Formiga, deixando Córrego Fundo em último. É possível dizer que
as minas da região se concentram em Arcos, pois possui vinte e seis títulos minerários. A
porcentagem da CFEM recebida por Córrego foi quase insignificante, no entanto, isso pode
ser explicado pelo fato de as empresas que geram emprego para moradores da cidade estarem
situadas geograficamente em uma localidade denominada Onça, na zona rural de Pains.
A CFEM representa um espaço ínfimo nas receitas correntes de cada município da
região, não ultrapassando os 0,02%, mesmo em Arcos
5
. Assim, o discurso de empresas
mineradoras, a ser analisado na próxima seção, de que a atividade mineradora gera grandes
ganhos para a arrecadação municipal se mostra equivocado.
Tabela 5: CFEM municipal e receitas correntes 2019
CFEM do município
Receitas correntes
%
Córrego Fundo
110.964,30
23.738.262,10
0,01
Pains
1.076.314,88
39.890.200,57
0,02
Arcos
2.241.658,09
118.710.639,89
0,01
Formiga
573.256,29
187.067.520,76
0,01
Fonte: Siconfi, 2022.
Em suma, a fabricação de cal é o setor central da estrutura produtiva de Córrego
Fundo, que, por outro lado, tem na mineração de calcário um setor pouco relevante em termos
de postos de trabalho e arrecadação. Essa situação de predominância do setor de fabricação de
cal vem pelo menos desde 2006, o que nos ajuda a entender que a extração mineral não pode
ser considerada como uma atividade importante na diminuição da desigualdade de renda em
Córrego Fundo, mas sim o beneficiamento do calcário.
____________
5
Ressaltando que, a partir de 2018, de acordo com a legislação federal, sessenta por cento da CFEM pertencia ao
município produtor.
196
Cosmovisões e territórios:
Abya Yala como Território Epistêmico
Acerca da desigualdade salarial entre os trabalhadores na fabricação de cal, os dados
mostram uma diminuta amplitude da desigualdade salarial. Ainda, cabe ressaltar que, em
2020, a faixa salarial com mais trabalhadores estava localizada entre R$ 2.078,00 e R$
3.017,00, o que é um salário relevante para o custo de vida de uma cidade do interior de
Minas Gerais como Córrego Fundo. Também a maioria dos trabalhadores no beneficiamento
do calcário possuem o ensino dio incompleto e o ensino médio completo. Portanto, o
trabalhador desse setor em geral é um trabalhador de baixa escolaridade.
A fabricação de cal em Córrego Fundo é composta por micro e pequenas empresas
com no máximo noventa e nove postos de trabalhos e a maioria dessas empresas possui de um
a nove funcionários (vinte e oito empresas). Por fim, a arrecadação municipal decorrente da
atividade mineradora se mostrou insignificante. Tais valores demonstram a pequena dimensão
da mineração de calcário e areia no município.
Pela prevalência de postos de trabalho e estabelecimentos da indústria de
transformação do calcário, em comparação à extração de calcário, podemos afirmar que os
efeitos sobre a desigualdade social em Córrego Fundo foram causados por uma estrutura
produtiva de micro e pequenas empresas especializadas no beneficiamento do calcário, e não
por sua extração.
A alta demanda por mão de obra nessa estrutura produtiva elevou o salário dio da
força de trabalho, aproximando os extremos do mercado de trabalho no beneficiamento de
calcário em Córrego Fundo, o que se refletiu no índice Gini do município. Seria importante
possuir dados mais atualizados para avaliar como essa situação se desenvolveu após as
operações de fiscalização ambiental nas empresas de cal. Também seria possível notar se a
desigualdade de renda seguiu a tendência de alta dos últimos anos da década de 2010.
Poderíamos questionar se a situação de menor desigualdade social em Córrego Fundo
foi gerada pelo processo de larga escala que se desenvolveu no Brasil nos anos 2000, pautado
concomitantemente pela criação de postos de trabalho e políticas sociais (Barros; Foguel;
Ulyssea, 2007). Entre 2001 e 2015, os rendimentos dos programas sociais contribuíram com
19% da redução da desigualdade de renda, os rendimentos do trabalho contribuíram com 57%
e as aposentadorias e pensões oficiais contribuíram com 17% (Saad et al., 2020).
Afinal, a concomitância de processos locais, regionais e nacionais por vezes pode
confundir a análise das variáveis explicativas de determinado fenômeno em escala local. A
redução das desigualdades no país é certamente um fator que colaborou para tal situação, o
que de certa forma contribui para a explicação da redução do Gini nos quatro municípios, mas
197
COELHO, T. P.; SILVA, L.M.G.
__________________
não explica por si a especificidade de Córrego Fundo quando comparamos sua situação
com a dos municípios do entorno. Sendo assim, é necessário reconhecer a existência de
processo concomitante, qual seja, os efeitos sociais da indústria de beneficiamento do
calcário.
O caso de Córrego Fundo e região demonstra que nem sempre a situação de maior
igualdade de renda leva a uma situação satisfatória na qualidade de vida, particularmente no
acesso à saúde. Com a maior taxa de mortalidade infantil da região, provavelmente Córrego
Fundo não contempla necessidades básicas de saúde, apesar da situação de menor
desigualdade de renda, ao mesmo tempo em que a aproximação dos extremos salariais, junto
ao padrão do custo de vida de uma cidade do interior de Minas Gerais, possibilita o acesso a
bens e serviços que em outros contextos seria impossível.
A diminuição da desigualdade de renda em Córrego Fundo contempla o argumento a
favor da verticalização da produção, que tende a gerar um maior número de postos de
trabalho, e evidencia as limitações das estruturas produtivas de regiões especializadas na
atividade mineradora. Entretanto, a particularidade de Córrego Fundo está no contexto de
grande procura por o de obra de baixa escolaridade, o que dificilmente poderia ser
reproduzido em outras localidades devido à especificidade do beneficiamento do calcário,
com alta intensidade de mão de obra. Tal característica é própria da indústria da produção de
calcário e não pode ser reproduzida em qualquer setor econômico, principalmente com as
tendências produtivas de automatização e robotização. Ainda vale ressaltar que tal processo se
desenvolveu em um pequeno município de Minas Gerais e seus efeitos se tornaram mais
perceptíveis justamente por se tratar de uma população pequena, o que não seria evidenciado
dessa maneira caso o mesmo processo ocorresse em municípios de médio e grande porte.
Por se tratar de uma análise que considera centralmente a desigualdade de renda, não
contempla outros tipos de desigualdade, tais como a racial, de acesso à saúde e à educação
etc. A respeito da desigualdade de gênero, por meio das entrevistas, foi possível tatear
algumas das suas características na região, a serem abordadas na próxima seção.
Síntese das entrevistas
No total foram sete entrevistados que se dividiram em quatro grupos
6
. Foram
realizadas conversas com: os representantes da Secretaria Municipal de Obras e Secretaria de
____________
6
Devido à pandemia do coronarus e a consequente impossibilidade de uma visita à cidade de rrego Fundo,
o número de entrevistas foi limitado a pessoas que possuíam disponibilidade e recursos para chamadas de vídeo
198
Cosmovisões e territórios:
Abya Yala como Território Epistêmico
Meio Ambiente e Desenvolvimento, contando com a presença do secretário e dois de seus
supervisores; com o presidente da Câmara dos Vereadores; com o sócio-proprietário de uma
das microempresas da região, a Britagem LM; e com dois dos três diretores da Cooperativa
Microminas. A seguir categorizamos os principais temas abordados nas entrevistas.
Segundo os entrevistados, depois que circulou a informação de que os salários em
Córrego Fundo estavam altos e a indústria de transformação do calcário contratando, muitas
pessoas chegaram à cidade. Eles explicaram que isso se deve ao fato de que os salários se
padronizaram, mesmo em empresas diferentes, e conseguiram atender ao baixo custo de vida
da cidade. Porém, em consequência da chegada de novos moradores, foi necessário criar
políticas sociais para atender àqueles que chegavam em busca de emprego.
Ao serem perguntados sobre os benefícios da mineração para a cidade, os
entrevistados apresentaram respostas semelhantes, de entusiasmo para com a mineração,
mesmo que essa atividade seja confundida com a fabricação de cal. Destacaram a geração de
empregos, o giro de capital, a movimentação da economia e os impostos gerados para o
governo e para a cidade. Além disso, ressaltaram que o que mais ajuda a região é o fato de o
dinheiro gerado pela indústria de cal ser distribuído por mesmo, uma vez que mesmo os
proprietários das empresas são moradores da região. Para eles, o interessante é o padrão de
vida similar para os donos das empresas e funcionários, uma vez que todos conseguem viver
de maneira satisfatória com a remuneração que ganham em suas respectivas funções.
Mencionaram ainda os benefícios trazidos para a cidade à medida que as empresas e a
cooperativa existentes em Córrego Fundo crescem. ao serem questionados sobre os danos
que a mineração de calcário causa, os entrevistados apresentaram resistência para abordar o
tema, seguindo a linha de que a população córrego-fundense não se importaria com os danos
ambientais porque a maior parte deles depende dos empregos da mineração de calcário.
Segundo eles, a população da cidade trabalha ou tem alguém na família que trabalha na
indústria caieira. No entanto, fizeram questão de ressaltar que a fiscalização ambiental tem
sido cada vez mais rigorosa e que depois disso a situação ambiental melhorou. A cidade se
tornou mais limpa e verde, e quase não há casos de doenças respiratórias ou ocupacionais.
on-line. É importante ressaltar que, por conta dessa falta de acesso, o perfil dos entrevistados ficou limitado a
grupos específicos da população, de funciorios públicos, cooperativados e empresários. Logo, as informações
coletadas m como base a perspectiva dessa parcela da população. Nesse caso, não conseguimos chegar a
pessoas que trabalham no chão das minas/fábricas ou mesmo àqueles moradores que não estão diretamente
relacionados à mineração, como pretendíamos no início da pesquisa.
199
COELHO, T. P.; SILVA, L.M.G.
__________________
Apesar de acreditarem que existem danos, justificam sua existência argumentando que
seriam consequência de qualquer mineração, mas como a extração hoje se localiza afastada da
cidade, não existiria impacto direto, como ruído ou poeira. De acordo com os empresários do
setor do calcário, as mineradoras de pequeno porte apresentam como maior custo as
exigências ambientais a fim de garantir que o haja danos graves, como o desmatamento ou
a contaminação de solos.
Os problemas socioambientais causados pela extração e beneficiamento do calcário
parecem ser subestimados pelos agentes entrevistados, o que converge com pesquisa realizada
acerca da percepção dos impactos ambientais gerados pela indústria caieira de Córrego
Fundo, segundo a qual grupos/movimentos referenciais na cidade possuíam pouco
conhecimento e posicionamento crítico sobre os danos ambientais causados pela atividade
caieira” (Guimarães, p. 4, 2012). Em nossa pesquisa, tal constatação se deve provavelmente à
limitação do trabalho de campo, no qual não foi possível entrevistar moradores e possíveis
atingidos pela indústria caieira.
Apesar de alguns entrevistados não conhecerem a CFEM, os empresários consideram-
na justa, ao contrário da carga tributária brasileira, que eles consideram abusiva, complexa e
pesada. Córrego Fundo arrecada impostos (a CFEM não pode ser considerada imposto, e
sim uma contraprestação) de uma mineradora, a Cal Oeste Ltda. (ou Cal Cruzeiro, como é
conhecida pelos moradores), pois é a única que tem sede localizada nesse município. As
outras, apesar de possuírem minas no município, não se localizam dentro de seus limites. O
município perde, por exemplo, o ICMS (Imposto sobre Operações relativas à Circulação de
Mercadorias e sobre Prestações de Serviços de Transporte Interestadual, Intermunicipal e de
Comunicação) arrecadado da Microminas
7
, que tem sede em Pains. Segundo os entrevistados,
no entanto, o imposto mais relevante para a cidade é o ISS (Imposto Sobre Serviços), e a
prefeitura só consegue pagar seus trabalhadores em função dele.
Segundo os entrevistados, mesmo depois que os fornos pequenos da cidade foram
fechados, a partir dos anos 2000, por conta da fiscalização ambiental, os trabalhadores foram
realocados entre os dois tipos de fornos existentes: os fornos de barranco, que são construídos
com tijolos em encostas ou barrancos, esses fornos geralmente possuem de uma a três
____________
7
A Microminas (Cooperativa dos Micromineradores do Centro-Oeste de Minas Gerais) foi criada com o intuito
de regularizar os pequenos mineradores irregulares, tendo como atividade principal a extração e o
beneficiamento de pedra calcítica, brita, moinha e pedra de construção. Sua produção é destinada à calcinação e
a materiais de construção. Ela foi uma das primeiras a voltar a funcionar após a Operação de Cal, pois
rapidamente conseguiu a LOC (Licença de Operação Corretiva).
200
Cosmovisões e territórios:
Abya Yala como Território Epistêmico
chaminés e uma porta; e os alto fornos, como é chamado o reator químico na siderurgia, que é
revestido com metal por fora e material refratário por dentro.
Por fim, segundo os entrevistados, as mulheres, em sua maioria, trabalham nas
fábricas de costura da cidade e das cidades vizinhas, fábricas essas que, em grande parte,
devido à pandemia, foram fechadas, deixando várias das trabalhadoras desempregadas. Para
elas não houve essa realocação imediata, uma vez que o muitas oportunidades no setor
minerário para as mulheres, que ainda é predominantemente masculino. Em 2022, dos 483
trabalhadores da fabricação de cal em Córrego Fundo, 436 (90,3%) eram do sexo masculino e
47 (9,7%) do sexo feminino (RAIS, 2022).
Conclusões
No início de nossa pesquisa, levantamos a hipótese de que a menor desigualdade de
renda em Córrego Fundo se devia à mineração de calcário e à indústria de transformação do
calcário. Analisando os postos de trabalho e os estabelecimentos no município, percebeu-se
que a mineração ocupou um espaço pouco relevante na economia local, enquanto a indústria
de transformação de calcário é o principal setor econômico de Córrego Fundo, assim como a
média salarial é relativamente alta na indústria de transformação e a distribuição de salários
relativamente equânime. Sendo assim, um primeiro ponto relacionado à hipótese do estudo a
ser ponderado é que a mineração não pode ser considerada como o setor que gerou a situação
de menor desigualdade de renda, mas sim a indústria de transformação do calcário.
Um segundo ponto importante é que a estrutura produtiva composta por micro e
pequenas empresas de beneficiamento gerou uma procura por mão de obra, principalmente de
baixa escolaridade, o que por sua vez elevou a média dos salários dos trabalhadores do setor
de beneficiamento do calcário, que ocupam uma porção relevante do estoque de empregos do
município. O trabalhador ocupado nas empresas de beneficiamento do calcário tem baixa
escolaridade e salário aproximado entre 2 mil e 3 mil. Por se tratar de um setor intensivo em
mão de obra e com barreiras de entrada menos elevadas, por exemplo, na compra/construção
dos fornos para o beneficiamento do calcário, o setor de beneficiamento possibilitou um
número maior de estabelecimentos e postos de trabalho.
Esse processo de procura por mão de obra de baixa escolaridade, de acordo com os
entrevistados, foi compensado com a chegada de novos moradores, atraídos pelas notícias de
empregos em Córrego Fundo, o que atendeu a parte da procura por trabalhadores no setor de
transformação de calcário. Tal como relatado nas entrevistas, é provável que essa procura
201
COELHO, T. P.; SILVA, L.M.G.
__________________
tenha diminuído e encontrado estabilidade ao longo da última década, o que provavelmente
será demonstrado no próximo Censo do IBGE.
Se por um lado percebemos a intensividade em mão de obra do setor de fabricação do
calcário, por outro lado, a CFEM decorrente da extração de calcário é pouco relevante na
arrecadação municipal da região.
Por fim, acerca de possíveis danos causados pela indústria caieira, a percepção dos
entrevistados de que essa indústria gera alguns danos ambientais, mas que esses seriam
diminutos quando comparados à situação anterior ao processo de fiscalização (Operação
de Cal), e que seriam compensados por meio dos salários e postos de trabalho no município,
sugere uma subestimação dos danos causados pela indústria caieira, particularmente
ambientais. São necessárias novas pesquisas sobre esses danos para aprofundar sua
compreensão.
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Recebido em: 23/02/2023
Aceito em: 15/09/2023
203