ISSN 1517-5901 (online)
POLÍTICA & TRABALHO
Revista de Ciências Sociais, nº 59, Julho/Dezembro de 2023, p. 250-261
DIÁLOGOS DE SABERES:
em direção ao PGTA Potiguara?
Entrevista com Tuxaua Nathan Galdino Potiguara
DIALOGUES OF KNOWLEDGE:
Towards the Potiguara PGTA?
An Interview with Tuxaua Nathan Galdino Potiguara
____________________________________
Alícia Ferreira Gonçalves
O retorno do Brasil ao cenário mundial, como protagonista central na cena ambiental,
ocorre, simbólica e efetivamente, na 27ª Conferência da ONU sobre Mudanças Climáticas
(COP27), iniciada no dia 6/11/2022, no Egito, onde o presidente eleito participou, a convite
do presidente egípcio antes mesmo da sua posse. Líderes de diversos países, movimentos
sociais, ativistas ambientais aclamaram a presença do Brasil na COP. O futuro presidente, em
seu discurso de abertura, firmou compromissos com a agenda ambiental indissociável da
pobreza social, tendo sido aplaudido de pé. Simultaneamente, anunciou a criação do
Ministério dos Povos Originários, reafirmando seu compromisso com a autodeterminação dos
povos e com a participação indígena na governança política nacional.
Os compromissos do atual governo com a agenda socioambiental apontam para um
contexto político favorável, assim como, a criação do supracitado Ministério, à elaboração dos
Planos de Gestão Territorial e Ambiental (PGTA), principal instrumento da Política Nacional
de Gestão Territorial e Ambiental Indígena (PNGATI) com alguns princípios contidos na
Constituição de 1988. A constituição brasileira de 1988 dedicou um capítulo ao meio
ambiente (Capítulo V, art. 225), consagrou direitos indígenas ao usufruto exclusivo dos
recursos naturais em terras indígenas
1
(Capítulo VIII, art. 231, § 2º), inclusive relaxando o
conceito de tutela presente no Estatuto do Índio (Lei n. 6.001/1973).
O Decreto de n.
6040/2007 instituiu o conceito jurídico de povos e comunidades tradicionais, que liga
____________
Professora Associada do Departamento de Ciências Sociais e do Programa de Pós-graduação em Antropologia
da UFPB. Líder do Grupo Interdisciplinar de Pesquisa em Cultura, Sociedade & Ambiente. E-mail:
aliciafg1@gmail.com
1
Os direitos constitucionais dos índios estão expressos em um capítulo específico da Constituição Federal de
1988 (título VIII, “Da Ordem Social”, capítulo VIII, “Dos Índios”), além de outros dispositivos dispersos ao
longo de seu texto e de um artigo do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias.
GONÇALVES, A. F.
__________________
simbioticamente povos e territórios como condição primeira para a reprodução social e
cultural dos povos indígenas e comunidades tradicionais:
Povos e Comunidades tradicionais: grupos culturalmente diferenciados e que se
reconhecem como tais, que possuem formas próprias de organização social, que
ocupam e usam terririos e recursos naturais como condição para sua reprodução
cultural, social, religiosa, ancestral e econômica, utilizando conhecimentos,
inovações e práticas gerados e transmitidos pela tradição (Brasil, 2007).
Atrelada ao referido Decreto instituiu-se a Política Nacional de Desenvolvimento
Sustentável dos Povos e Comunidades Tradicionais (PNPCT). Em 2012, entra em vigor o
Decreto n. 7.747/2012 fruto de uma articulação interministerial (GTI), iniciada em 2008
reunindo Ministério do Meio Ambiente (MA), Fundação Nacional do Índio (FUNAI),
representantes da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB)
2
instituindo a Política
Nacional de Gestão Territorial e Ambiental Indígena (PNGATI) a ser executada mediante o
Plano de Gestão Territorial e Ambiental Indígena (PGTA). A PNGATI, fruto dessa
articulação, é uma resposta à pressão dos movimentos ambientalistas, das populações ditas
tradicionais, dos povos indígenas
3
e da explícita constatação de que preservam seus biomas e
defendem seus territórios de ameaças externas a partir de suas tradições culturais
4
,
As Terras Indígenas, que hoje representam 12,64% do terririo nacional, têm papel
relevante e estratégico na conservação da biodiversidade e dos recursos naturais do
país. Com estes ativos territoriais e ambientais significativos, contribuem de modo
intenso para a manutenção dos biomas brasileiros, tendo como substrato os modos
de vidas tradicionais e a resistência que seus habitantes interpõem em defesa dos
terririos que ocupam (Funai, 2023).
Trata-se de uma norma jurídica cuja finalidade é a defesa das Terras Indígenas (TIs), o
respeito à cultura e à memória dos povos e sua reprodução física e cultural, inclusive em áreas
de sobreposição com Unidades de Conservão (UC). A PNGATI estabelece como finalidade
____________
2
“Foram realizadas cinco Consultas Regionais aos povos e organizações indígenas regionais sobre os conteúdos
da PNGATI, com o propósito de que representantes desses povos pudessem discutir e propor adequações a esse
Documento Base, a partir de suas especificidades locais, demandas e reivindicações.”
http://cggamgati.funai.gov.br/index.php/pngati/historico-da-construcao/consultas/
3
“Segundo o último Censo de 2010 do IBGE, cerca de 818.000 brasileiros se autoidentificam como indígenas.
Destes, cerca de 315.000 vivem em cidades e outros 503.000 em áreas rurais, o que corresponde
aproximadamente a 0,42% da população total do país. A maior parte dessa população distribui-se por milhares
de aldeias, situadas no interior de 687 Terras Indígenas. Além disso, na Amazônia brasileira 77 referências de
grupos indígenas isolados, sem contato permanente com a sociedade nacional. A diversidade étnica e linguística
no Brasil é uma das maiores do mundo, atualmente existem no terririo nacional mais de 230 povos indígenas,
falando mais de 180 línguas diferentes.” http://cggamgati.funai.gov.br/index.php/pngati/historico-da-
construcao/antecedentes-gti/
4
Para uma reflexão sobre os conceitos de tradição e de cultura no caso dos povos, indígenas consultar Cohn
(2001).
251
Diálogos de Saberes em direção ao PGTA Potiguara?:
Entrevista com Tuxaua Nathan Galdino Potiguara
primordial potencializar autonomia aos indígenas para a gestão do seu território étnico. A
PNGATI pre dois instrumentos de gestão: o etnomapeamento
5
e o etnozoneamento,
trabalhando sete eixos temáticos para desenvolver a gestão territorial indígena, conforme seu
art. 4º, I a VII: 1 - Proteção territorial e dos recursos naturais; 2 - Governança e participação
indígena; 3 - Áreas protegidas, unidades de conservação e terras indígenas; 4 - Prevenção e
recuperação de danos ambientais; 5 - Uso sustentável de recursos naturais e iniciativas
produtivas indígenas; 6 - Propriedade intelectual e patrimônio genético, e 7 - Capacitação,
formação, intercâmbio e educação. Os sete eixos fundamentam a gestão territorial e ambiental
indígena, observando a proteção das terras e seu uso sustentável; a participação da população
indígena na gestão de sua área; as áreas protegidas, incluindo as sobreposições entre unidades
de conservação e terras indígenas; a necessidade de manter a preservação ambiental e, caso
haja degradação, a realização de um plano de recuperação das áreas degradadas. Para tanto, os
eixos estabelecidos enfatizam a importância da informação, capacitação e a troca de
experiências entre os atores sociais envolvidos. Para a implementação da PNGATI/2012, a
norma jurídica prevê a elaboração do Plano de Gestão Territorial e Ambiental (PGTA) para
cada TI existente no Brasil.
No Nordeste brasileiro, precisamente no Litoral Norte da Paraíba, diante da
emergência de conflitos fundiários e socioambientais protagonizados por indígenas Potiguara
e usineiros em torno do plantio da cana-de-açúcar em Terras Indígenas (TI), ganharam
visibilidade as questões acerca dos usos sustentáveis dos referidos territórios indígenas e,
simultaneamente, explicita-se a necessidade imediata da elaboração do PGTA Potiguara
previsto em lei e demandado pelo Ministério Público Federal do Estado da Paraíba (MPFPB),
mediante Termo de Ajuste de Conduta (TAC n. 36/2017) expedido em dezembro de 2017.
Algumas demandas expostas no TAC são as seguintes: a exigência de 40%
6
de área em cada
aldeia para reserva de preservação ambiental, a atualização do Etnomapeamento, a elaboração
de um Plano de Recuperação de Área Degradada (PRAD) e a formulação do PGTA. Mesmo
diante da unilateralidade desse processo, o TAC chega a explicitar multas de 50 mil reais para
quem não o cumprir até o ano de 2018 (Dantas et al., 2019).
____________
5
Os seguintes povos indígenas já elaboraram seu etnomapeamento: Terra Indígena Mamoadate, povo Jaminawa
e povo Manxineru (2006); TI Caiçara/Ilha de São Pedro do Povo Xocó; TI complexo Bacia do Rio Juruá, povo
Kaxinawá, Kampa e Kulina (2008); TI entre Serras de Pankararu; TI do Complexo médio Purus II, povo
Paumari, Paurami e Jarawara/Jamamadi/Kanamati (2008); TI Parana do Boá-Boá, povo Maku (2008); TI
Munduruku (2008); TI Complexo Médio Purus I (2008); Potiguara, Paraíba (2012).
6
Mais do que o proposto por lei, mesmo em propriedades privadas.
252
GONÇALVES, A. F.
__________________
Desde 2017, pela ocasião da realização da Escola de Altos Estudos (EAE) “Sociedade,
Cultura & Ambiente: Faces do desenvolvimento sustentável”,
7
patrocinada pela Capes e
realizada na Universidade Federal da Paraíba (UFPB) e na Universidade Federal do Ceará
(UFC), temos travado um diálogo de saberes com o então Cacique Nathan Potiguara (Aldeia
Alto do Tambá). O Tuxaua Nathan Potiguara participou do curso da EAE que girou em torno
da questão da sustentabilidade ambiental sobretudo em territórios de povos camponeses e
indígenas que sobrevivem dos seus recursos ecossistêmicos. Ao longo desses anos, o Cacique
tem organizado nossas visitas às aldeias e participado das discussões em torno do Plano de
Gestão Territorial e Ambiental Potiguara. Com o passar do tempo, foi incorporado ao nosso
Grupo Interdisciplinar de Pesquisa em Cultura, Sociedade & Ambiente (GIPCSA).
8
Especificamente sobre o PGTA Potiguara, estabelecemos um diálogo, iniciando com a
biografia de Nathan escrita por ele mesmo e, a seguir, uma entrevista realizada no ano de
2023, que sintetiza os temas debatidos desde 2017.
Alícia F. Gonçalves: Nathan, você se destacou como liderança indígena potiguara, é
representante do seu povo na Articulação dos Povos Indígenas do Nordeste, Minas Gerais e
Espírito Santo, se destacou também como liderança no movimento ambiental em terras
indígenas potiguara, participando do curso sobre a Política Nacional de Gestão Territorial e
Ambiental de Terras Indígenas. Conte-nos um pouco de sua biografia.
Nathan Galdino da Silva: Venho desse tronco ancestral dos potiguara da Paraíba, que ficam
localizados no litoral Norte do Estado da Paraíba, mais precisamente na cidade de Baia da
Traição. Tendo como pai, Rui Galdino da Silva (potiguara), e mãe, Maria de Lima da Silva,
indígena pertencente aos antigos (kariris), meus avós e bisavós e tataravós, tios e tias e
primos, sendo da aldeia chamada mãe, conhecida como aldeia São Francisco, (antiga aldeia
Akauã). Minha árvore genealógica pela parte de meu pai: meu avô Luiz Galdino, avó
Antônia Maria da Conceição, bisavó Altina Maria da Conceição, Bisavô, Manuel Pedro
(tuxaua) tataravô, Pedro Cyriaco, (tuxaua), Esposa Bella Conceição. Tuxaua é o nome antigo
dado aos chefes das aldeias, atualmente chamados liderança ou cacique. Eu nasci aos 09 de
novembro de 1972, na Aldeia alto do Tambá, conhecida no passado como aldeia galego, nasci
de parto natural pego por parteiras na aldeia. Saí do meu habitat natural em 1982 e fui morar
____________
7
https://gipcsa.wixsite.com/ufpb/c%C3%B3pia-galeria. Todas as sessões podem ser encontradas em:
https://www.youtube.com/results?search_query=escola+de+altos+estudos+cchla+
8
Cf. Gonçalves (2020).
253
Diálogos de Saberes em direção ao PGTA Potiguara?:
Entrevista com Tuxaua Nathan Galdino Potiguara
em Pernambuco, na cidade de Itapissuma, onde minha amaterna morava. Logo ao chegar
naquela cidade, fui trabalhar como feirante juntamente com meus tios, mãe e avó. Após 4
quatro anos em Pernambuco, minha mãe retorna para aldeia. Ao retornar, fui trabalhar na
aldeia como coletor de frutos e sementes nativas, para ajudar no sustento de meus irmãos mais
novos, frutos como o caju, mangaba, castanha, entre outros. Também trabalhei cortando vara
para inhame, vendendo para atravessadores que faziam plantações na região. Ainda trabalhava
no roçado e no paú (local às margens dos rios), cultivando batata-doce, macaxeira, feijão e
milho. Em 1988, sde minha aldeia mais uma vez, dessa vez sozinho com 16 dezesseis anos,
para cuidar de um jardim em João Pessoa na casa de um pastor norte-americano naturalizado
brasileiro, para continuar ajudando minha mãe na criação de meus outros 5 cinco irmãos. Em
1990, fui morar novamente em Pernambuco na casa de um amigo em um bairro próximo à
Avenida Caxangá, trabalhei em um lava jato como limpador de vidro e enxugador de carro.
Em 1991, fui promovido a gerente de lavagem do lava jato. Em janeiro de 1992, fui
convocado para servir nas Forças Armadas no 15º Batalhão de Infantaria Motorizada,
conhecido como 15º BIMTZ, ingressando no mês de fevereiro de 1992. No decorrer da
carreira militar, cheguei à graduação de Cabo. Em fevereiro de 1996, dei baixa das Forças
Armadas. Ao retornar a minha terra de origem, a TI potiguara, contraí matrimônio com
Rosângela Maria da Costa, que passou a usar o nome de Rosângela Maria da Costa Galdino,
potiguara do Rio Grande Norte. Desse casamento, nasceram quatro filhos, Yasmim da Costa
Galdino, Nathalia Rafaela da Costa Galdino, Gabriela da Costa Galdino e Maximus Francisco
Gabriel da Costa Galdino. Filhos fora do casamento, Nathan Filho, (mãe Maria de Lourdes)
Vitória Galdino (mãe Michelle Siqueira) Jhullius Nathaniel Galdino Santos da Silva e
Jasmine Maria Flor dos Santos Galdino (mãe Edlane Silva dos Santos). Em 2005, entrei e
abracei a luta do movimento indígena, em defesa do povo potiguara e também dos outros
povos, os parentes originários da linda Terra Pindorama chamada Brasil. Assim também
entrei pela luta, fortalecimento e revitalização da cultura do povo potiguara, e de seus usos e
costumes, em defesa da memória ancestral do povo ao qual pertenço, que vem sofrendo
mais de 522 anos, com todo tipo de etnocídio e genocídio e tentativas de extinção da nossa
história cultural e milenar. Logo após entrar no movimento indígena, fui escolhido pela aldeia
de origem para ser tuxaua (cacique potiguara), onde estive por mais de 13 anos na liderança.
A partir do movimento indígena potiguara, no ano de 2010, fiz meu primeiro vestibular e
ingressei na UFPB no curso de economia. Infelizmente tive que abandonar para trabalhar,
manter e cuidar dos filhos pequenos. Como tuxaua, ocupei alguns cargos de relevância na
254
GONÇALVES, A. F.
__________________
minha carreira. Em 2012, fui eleito vereador na cidade de Baia da Traição, minha cidade
natal, onde exerci por quatro anos o mandato de vereador da cidade. Aos 47 anos, terminei o
curso de graduação em história, um dos meus sonhos, e não por falta de vontade de concluir
antes, mas porque precisei escolher entre alimentar a família ou concluir meus estudos.
Mesmo assim sempre soube que nunca é tarde para realização dos nossos sonhos. Nessa
trajetória, participei de várias conferências de meio ambiente, de educação, de saúde,
seminários integradores. Formei-me em Política Nacional de Gestão Ambiental das Terras
Indígenas do Nordeste (PNGATI). Sou um dos representantes dos potiguara na microrregião
da Articulação dos Povos Indígenas do Nordeste, Minais Gerais e Espírito Santo (APOINME)
da Paraíba. Sou vice-presidente da Associação dos Caciques Potiguara da Paraíba, presidente
do conselho local de saúde de Baia da Traição, onde represento 13 aldeias na saúde local.
Tem mais de 8 anos que sou Conselheiro Distrital de Saúde Indígena Potiguara (CONDISI),
órgão do Controle Social da Saúde, de caráter permanente e deliberativo. Tenho vários
certificados: certificado de curso de Políticas de Gestão Ambiental das Terras Indígenas do
Nordeste, Minas Gerais e Espírito Santo; certificado de participação no Seminário Integrador
das Terras Indígenas do Brasil, também pelo GATI (Projeto Gestão Ambiental Territorial
Indígena), curso ministrado pelo IEB (Instituto de Estudos Brasileiros), localizado em Brasília
(DF) e pela Funai, (Fundação Nacional do Índio); certificado de Formação de Gestão
Ambiental para Indígenas e Representantes de Instanciais do Governo, como, Funai, ICMBio,
Ibama, dentre outros; cursos esses com a finalidade de fazer gestão ambiental, assim como,
compreender ou entender a maneira do “bem viver”.
9
Alicia F Gonçalves: Nathan, você nos conta que teve que sair de sua aldeia em direção aos
centros urbanos, como João Pessoa e Recife, para sobreviver e auxiliar a sua mãe na criação
dos filhos. Quando você retorna à aldeia e se envolve na luta indígena e ambiental, é nesse
contexto que você se torna Cacique?
Nathan Galdino Potiguara: Em 2003, eu retorno à aldeia com a família, foram dias difíceis,
sem perspectivas, sem trabalho, mas eu começo a me envolver no movimento indígena
através do meu cunhado, Josafá, chefe da Funai na época. Ele me dava atribuições e eu
começo a resolver, era trabalho voluntário na comunidade. Em 2005, a aldeia passa por um
conflito, e a aldeia me chama, algumas pessoas me chamam e falam que é o meu momento, a
____________
9
Cf. Harguindeguy (2016).
255
Diálogos de Saberes em direção ao PGTA Potiguara?:
Entrevista com Tuxaua Nathan Galdino Potiguara
gente vai para uma eleição, com mais candidatos, e eu venço todos eles. Mas, antes disso, tem
todo um processo: eu participei da Confencia Nacional do Meio Ambiente, eu começo por
devagarinho junto com meu amigo Ernesto. Eu sou eleito Cacique e começa todo um
processo de aprendizado de luta de movimento de retomada, eu fui um dos caciques que
participou da retomada da aldeia Coqueirinho do Norte, junto com Caboquinho
10
.
Alícia F. Gonçalves: No movimento ambiental você se insere de que forma?
Nathan Galdino Potiguara: No movimento ambiental, eu comecei sendo representante dos
potiguara no GATI, que se transforma em PNGATI e teve um curso, itinerante, daí começa
um trabalho junto com a comunidade e movimento indígena. O PNGATI era um processo
antigo financiado pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), a
embaixada era da Noruega, se não me engano, era um projeto que trabalhava a gestão
territorial das terras indígenas. No nosso caso, estava ligado à gestão territorial do Nordeste e,
nesse momento, fez parte eu que já estava Cacique, a Cao, o Luís Pereira, e o Antônio Neto
da Funai. Aí a gente começa a se envolver e a brigar pelo movimento. Eu fiz algumas viagens
pelo estado da Bahia, e nós discutíamos para que esse projeto saísse do papel e se
transformasse em uma política de gestão ambiental dos povos indígenas, mas nós
conseguimos. Tudo isso foi fortalecimento para que eu desenvolvesse meu papel como
liderança indígena, como Cacique. Ressurge a oportunidade do curso da PNGATI, foi o único
curso itinerante para o Nordeste envolvendo os biomas da Mata Atlântica, Caatinga e do
Cerrado. Nós temos o curso básico em PNAGATI. O curso itinerante aconteceu em 4
módulos, um dos módulos foi com os Pankaruru, o segundo com os potiguara, o terceiro com
os pataxó na Bahia, o quarto módulo foi em Minas Gerais e o quinto no Espírito Santo, já que
a Apoinme abrange Nordeste, Minas Gerais e Espírito Santo. Teve dois módulos com Mata
Atlântica na Bahia, que tem um ecossistema diferente, já com a poluição, enquanto nós
estávamos sem poluição. O interessante no Espírito Santo foi uma observação do que pode
acontecer no futuro em todas as terras de bioma Mata Atlântica, foi muito interessante que
pudemos tirar experiência de todos esses contextos. Esse curso tinha parceria com GEF
(organização internacional financiadora através do PNUD), Funai, Ministério do Meio
Ambiente e o Ibama. Aí surge o Formar, que era uma extensão do PNGATI, com a finalidade
de formar novos indígenas para a política do PNGATI, que aconteceu em Brasília. Nós
____________
10
https://terrasindigenas.org.br/pt-br/noticia/32444
256
GONÇALVES, A. F.
__________________
passamos quinze dias nesse curso, houve um processo seletivo, eu participei do processo e fui
selecionado para participar do curso. Havia indígenas de todo o Brasil, estávamos com toda a
energia para implementar em nosso território, mas surgiram as dificuldades, mudança de
governo (segundo governo Lula para o governo da Dilma, mas não avançou mais, tudo o
que tinha que avançar foi no governo Lula). O desconhecimento das pessoas da política. No
governo da Dilma não tinha mais essa visão sobre a sustentabilidade ambiental. O PNGATI é
uma política transversal, é muito bom a gente lembrar disso, visando ao bem viver, sempre,
a questão da sustentabilidade familiar. O último processo da PNGATI termina com o governo
de Luís Inácio Lula da Silva.
Alicia F Gonçalves: Quais são os principais problemas das aldeias com relação à
problemática socioambiental?
Nathan Galdino Potiguara: A visão das pessoas, da juventude, dos movimentos, das escolas,
porque as pessoas se contaminaram pelo capitalismo. É mais fácil eu ter 20, 30 hectares de
terra e eu não depender de ninguém, ou seja, tentar ser autossustentável individualmente,
como é o capitalismo, do que coletivamente, isso também contaminou nosso povo, tanto que
hoje, mesmo com o Termo de Ajuste de Conduta
11
para não avançar a plantação de cana,
mesmo diante dos vários problemas causados pelo desmatamento da monocultura da cana-de-
açúcar, inclusive por parte das lideranças indígenas. Eu prego em uma reunião que não é
permitido mais o plantio, mas eu planto cana-de-açúcar. Eu falo uma coisa, mas não dou
exemplo, o grande desafio é esse! Eu poderia plantar cana-de-açúcar, 30 hectares, mas eu
prefiro manter a postura que eu sempre tive e sobreviver com o básico. Meus filhos não vão
viver o que eu vivi, as lagoas, os matos, os animais, não existe mais, existe bem pouco,
pensando nisso, eu não planto. Poucas pessoas pensam assim, eu diria que de 13 mil
potiguaras, talvez, cem pensem assim.
Alícia F. Gonçalves: Qual é a área de plantação da cana-de-açúcar?
Nathan Galdino Potiguara: De 100% do território, 70%, dominado pela monocultura da
cana-de-açúcar. O que que acontece é o seguinte: Cacique geral planta, fulano planta, as
pessoas plantam; fulano tem um carro novo, então eu vou plantar também. A Usina financia a
semente, ela financia tudo se for o caso, e quando for na colhida da planta, ela desconta o que
____________
11
BRASIL. Termo de Compromisso e Ajustamento de Conduta (TAC) n. 36/2017, de 06 de dezembro de 2017.
Procuradoria da República na Paraíba. João Pessoa, p. 1-9, dez. 2017.
257
Diálogos de Saberes em direção ao PGTA Potiguara?:
Entrevista com Tuxaua Nathan Galdino Potiguara
ela empregou, o indígena fica com aquele pouco e assim vão destruindo o território. A Usina
fica com o lucro e contribui para a proliferação da destruição do território.
12
Outro problema
que os potiguara não estão enxergando, mas que é real, é a carcinicultura, a coleta dos
mariscos, os crustáceos, gerando impactos nos manguezais. As áreas praieiras são
constantemente escavadas porque é um modo de sobreviver, pegando marisco para a venda,
para oferecer aos bares, aos turistas, uma culinária normal, mas que é feita em escala não
controlável. Impacto é a escassez de comida no futuro. Porque quando você pega o marisco
para comer, para se alimentar, é uma coisa, quando você pega o siri ou o aratu para se
alimentar, quando você voltar tem mais. Mas quando você começa a pescar em uma escala
para comercializar, aí você não vê mais o que é pequeno, o que é grande, ou se amanhã vai ter
novamente, como eles vão se reproduzir, pensam que a natureza é infinita. De novo, é o
capitalismo: eu quero ganhar dinheiro! Então ele não pesca para alimentar a sua família, ele
quer ganhar dinheiro e não pensa que no futuro pode haver escassez de alimento, e até ele
pode não sobreviver mais da pesca.
Alícia F. Gonçalves: E a qualidade da água? Dos rios?
Nathan Galdino Potiguara: O desmatamento da cana-de-açúcar tem destruído e assoreado
os rios, muitos dos rios que assorearam ou desapareceram foi devido à monocultura da cana-
de-açúcar. Outra coisa que acontece hoje é a destruição dos manguezais através da
carcinicultura, da produção dos viveiros de camarões, porque todo mundo que acha, que tem
vontade de enriquecer rapidamente, não é que não tenha trabalho, ele pensa: fulano tirou 50
mil de camarão, então eu vou tirar cem mil, essa ideologia o muda. Lideranças indígenas
não estão se atentando para isso, praticam, são coniventes, isso é um grande desafio.
Alícia F. Gonçalves: Quais são as perspectivas em relação à nova geração potiguara?
Nathan Galdino Potiguara: É um povo que vem ascendendo, precisam de nós, como eu, que
pensamos assim, tem outros também que pensam, que podem ser multiplicadores. Acredito
que assembleias, palestras, despertem a preocupação com o futuro. Consciência todos nós
temos, agora sensibilizar as lideranças jovens é o nosso grande desafio. Porque não se
enfrenta somente esses problemas socioambientais, você enfrenta o problema de vender o
território, negociar uma casa, um terreno, em troca de dez mil, quinze mil.
Alicia F. Gonçalves: É ilícito?
____________
12
A respeito da colonização econômica do território potiguara pela cana-de-açúcar, consultar Simões (2016).
258
GONÇALVES, A. F.
__________________
Nathan Galdino Potiguara: É ilícito, mas acontece, as terras são devolutas da União, porém
os indígenas vendem o território, mesmo sem documentação, não há fiscalização pelos órgãos
federais como a Funai. A Funai não tem poder de coibir essa prática. A retomada que eu fiz
em Coqueirinho, sinceramente eu me arrependo, o território foi todo vendido, todo
barganhado, se a senhora for , encontra mansões, potiguara construindo pousadas. O
Cacique muitas vezes é conivente ou vende também as terras, é muito difícil coibir essas
práticas.
13
.
Alicia F Gonçalves: Com relação ao PGTA o que é necessário fazer para que ele aconteça?
Nathan Galdino Potiguara: Algumas pessoas querem proteger o território e não tem ideia de
como, é onde entraria a PNGATI, que é fundamental para esclarecer isso. Porque falta de
incentivo de vários órgãos como IBAMA, Funai, de uma movimentação no sentido de vocês
querem um território protegido? Então nós precisamos sentar e fazer o PGTA, o que é o
PGTA? E também chamar a comunidade para apoiar o PGTA, acho que é o grande desafio no
momento. Muitos alunos e professores são contra a plantação da cana-de-açúcar, mas eles não
sabem como encontrar os instrumentos para combater. Um grande fator que poderia mobilizar
e mudar essa história seria o Ministério dos Povos Originários focar principalmente nas terras
do Nordeste. Todo mundo está preocupado com a Amazônia, é importante entender que cada
território indígena, cada bioma, cada lugar onde exista terra indígena precisa ser protegido,
precisamos acordar para esse momento, de conservação, ou de recuperação dos territórios
originários.
Alícia F. Gonçalves: Os desafios da sustentabilidade ambiental em terras indígenas são
muitos, mas me parece que as perspectivas com esse Ministério são boas. Como você observa
esse contexto político?
Nathan Galdino Potiguara: Sim, professora, vai depender das pessoas que vão compor o
Ministério, eu vi Sonia Guajajara, a ministra, espero que ela tenha essa visão e utilize as
pessoas que tenham essa visão e esse conhecimento e que podem promover políticas públicas,
agora com o apoio totalmente do Ministério, esse leque de amplitudes. Porque não adianta
colocar no Ministério pessoas que não tenham essa visão, a do bem viver, da preservação
socioambiental, se não colocar essas pessoas não vai avançar. A gente pode demorar dez anos,
____________
13
https://terrasindigenas.org.br/pt-br/noticia/32444
259
Diálogos de Saberes em direção ao PGTA Potiguara?:
Entrevista com Tuxaua Nathan Galdino Potiguara
mas tem que iniciar, se a gente inicia esse trabalho focado para um futuro, daqui uns dez anos,
podemos atingir nosso foco com relação à sustentabilidade em TI. A PNGATI passou onze
anos para sair do papel.
Alicia F Gonçalves: Qual é a extensão da TI potiguara?
Nathan Galdino Potiguara: Quase 35 mil hectares, 14 mil em disputa que são as terras da
aldeia Itaepa
Alicia F Gonçalves: Nathan, qual é a sua perspectiva em relação ao governo Lula recém-
empossado?
Nathan Galdino Potiguara: É positiva. Porque eu era uma das pessoas que não acreditava
que Lula iria criar o Ministério dos Povos Originários. Que ele não fortaleceria a Funai,
porque ele teve oito anos sob seu comando e poderia ter tido essa visão. Eu acredito que Lula
veio para ele fazer tudo de melhor e acreditar no que ele poderia ter feito antes e não fez,
acertar, consertar, acertar o que ele não conseguiu no início. Eu acho que ele pensa assim, eu
vou fazer uma avaliação do que eu poderia ter feito e onde eu errei e como posso ser melhor.
E assim: de metalúrgico a presidente, de presidente à cadeia, da cadeia à presidência, quando
ninguém acreditava.
Referências
BAVARESCO, Andréia; MENEZES, Marcela. Entendendo a PNGATI: Política Nacional de Gestão Territorial
e Ambiental Indígena. Brasília: GIZ/Projeto: GATI/Funai, 2014.
BRASIL. Decreto n. 7.747, de 5 de junho de 2012. Dispõe sobre a Potica Nacional de Gestão Ambiental e
Territorial Indígena (PNGATI). Brasília: Casa Civil, 2012.
BRASIL. Termo de Compromisso e Ajustamento de Conduta (TAC) n. 36/2017, de 06 de dezembro de
2017. João Pessoa: Procuradoria da República na Paraíba, dez. 2017.
CASAS de veraneio invadem área indígena. ISA. Terras Indígenas no Brasil. Disponível em:<
https://terrasindigenas.org.br/pt-br/noticia/32444> Acesso em: 03 set. 2023.
COHN, Clarice. Culturas em transformação. Os índios e a civilização. São Paulo em Perspectiva, 15 (2)
2001. P. 36-42.
COSTA, Ivys; ANDRADE, Maristela; GONÇALVES, Alicia. Conflictos socioambientales en áreas de
conservación y tierras indígenas en el Nordeste brasileño: racionalidades confrontadas. Desacatos, Revista de
Ciências Sociales, n 70, p. 60-75, 2022. Disponível em: <
https://desacatos.ciesas.edu.mx/index.php/Desacatos/issue/view/120>. Acesso em: 3 set. 2023.
DANTAS [Tapuya-Tarairiú], Humberto Bismark; COSTA, Ivys; GONCALVES, Alicia; ANDRADE, Maristela.
Construindo o Plano de Gestão Territorial e Ambiental (PGTA) Potiguara: visões e cosmovisões indígenas. In:
CONGRESSO INTERNACIONAL POVOS INDÍGENAS DA AMÉRICA LATINA, 3. 2019, Brasília. Anais
do 3º Cipial. Brasília: UNB, 2019.
DA SILVA, José Manuel. Espaço, História e Memória: Os Potiguara na Paraíba. Seculum Revista de
História, João Pessoa, v. 35, p.101-120, jul./dez. 2016.
260
GONÇALVES, A. F.
__________________
FUNAI. Plano de Gestão Territorial e Ambiental. Disponível em: <
http://cggamgati.funai.gov.br/index.php/pngati/implementacao/plano-de-gestao/>. Acesso em: 04 set. 2023.
GONÇALVES, Alicia. Mapas Sociais: Subsídios para a elaboração do Plano de Gestão territorial e ambiental
potiguara. Revista Brasileira De História & Ciências Sociais, Porto Alegre, v. 12, n. 23, p. 104-127, 2020.
Disponível em: https://doi.org/10.14295/rbhcs.v12i23.11226 Acesso em: 04 set. 2023.
HARGUINDEGUY, Laura. El Buen Vivir la emergencia de un concepto. Gaia Scientia, v. 10, n. 1, p. 5-11,
2016. Disponível em: https://periodicos.ufpb.br/ojs/index.php/gaia/article/view/29138. Acesso em: 3 set. 2023.
MOONEN, Franz. História da conquista do território Potiguara: 1500 a 1985. Cadernos Paraibanos de
Antropologia, João Pessoa, n. 2, p. 83-101, 1986.
MOONEN, Franz; MARIZ, Luciano Maia. Etnohistória dos Índios Potiguara: ensaios, relatórios e
documentos. João Pessoa: PR/PB: SEC/PB, 1992.
PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA. Decreto n. 6.040, de 7 de fevereiro de 2007. Brasília: Casa Civil, 2007.
Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2007/decreto/d6040.htm> . Acesso em:
04 set. 2023.
Recebida em: 23/08/2023
Aceita em: 08/09/2023
261