Inventário in situ como método para avaliação da extração de recursos madeireiros na caatinga: estudo de caso no município de Cabaceiras (Paraíba, Brasil)
In situ inventory as a method to evaluate the extraction of wood resources in the caatinga: a case study in the municipality of Cabaceiras (Paraíba, Brazil)
José Ribamar de Farias Lima1*
Gleicy Deise dos Santos Lima2
Camilla Marques de Lucena¹
Thamires Kelly Nunes Carvalho3
Reinaldo Farias Paiva de Lucena4
Resumo
A utilização de madeira é uma das principais atividades humanas. O objetivo deste trabalho foi identificar os usos de recursos vegetais em uma comunidade rural do semiárido do Estado da Paraíba, Nordeste do Brasil, assim como seu de padrão de renovação. Foram realizadas visitas mensais (61 residências), durante 12 meses, havendo registro dos itens presentes e nos locais em que os informantes desenvolvem suas atividades. Foi verificado o uso de 86 espécies, organizadas e categorias de acordo com o uso. As espécies nativas mais utilizadas foram o pereiro (Aspidosperma pyrifolium Mart.) e o marmeleiro (Croton blanchetianus Baill.), usadas principalmente na construção de cercas, e exótica, a algaroba (Prosopis juliflora (Sw.) DC.). Ao todo 16 espécies são utilizadas para fins tecnológicos, sem renovação de estoque, ao contrário do uso combustível, com ênfase na aroeira (Myracrodruon urundeuva Allemão), catingueira (Poincianella pyramidalis Tul.) e jurema preta (Mimosa tenuiflora (Willd.) Poir.) e P. juliflora. Nas construções rurais a extração mensal foi de A. pyrifolium e de C. blanchetianus. Esses dados indicam a necessidade de políticas de conservação que visem a manutenção da biodiversidade e a cultura local.
Palavras-chave: Etnobotânica, Caatinga, Inventário in situ.
Abstract
The use of wood is one of the main human activities. The objective of this work was to identify the uses of plant resources in a semi - arid rural community in the State of Paraíba, Northeast Brazil, as well as its standard of renewal. Monthly visits (61 residences) were carried out for 12 months, with records of the items present and where the informants developed their activities. It was verified the use of 86 species, organized and categories according to the use. The native species most used were the pereiro (Aspidosperma pyrifolium Mart.) and marmeleiro (Croton blanchetianus Baill.), Used mainly in the construction of fences, and exotic, the algaroba (Prosopis juliflora (Sw.) DC.). In all, 16 species are used for technological purposes, with no stock renewal, as opposed to fuel use, with emphasis on the aroeira (Myracrodruon urundeuva Allemão), catingueira (Poincianella pyramidalis Tul.) And black jurema (Mimosa tenuiflora (Willd.) Poir.) and P. juliflora. In rural constructions the monthly extraction was of A. pyrifolium and C. blanchetianus. These data indicate the need for conservation policies aimed at maintaining biodiversity and local culture.
Keywords: Ethnobotany, Caatinga, Inventory in situ
1 Introdução
A extração de madeira é fonte de matéria prima para comunidades rurais da região da Caatinga visando suprir necessidades locais em diversos usos, como por exemplo, para uso combustível (Medeiros et al. 2011; Ramos et al. 2007), e construção doméstica (Kvist et al. 2001; Medeiros et al. 2011; Lucena 2009; Albuquerque e Medeiros et al. 2007; Albuquerque e Monteiro et al. 2007; Dhar et al. 2002; Silva e Albuquerque 2005). Diversas espécies vegetais são utilizadas, de acordo com as necessidades específicas e as características da madeira. Cada variação de uso tende a trazer um dano diferente a comunidade vegetal que varia de acordo com o tipo de extração e a finalidade de cada uso (Lima et al. 2015; Lima et al. 2016a).
A ausência de informações sobre a pressão de uso madeireiro pode ser oriunda da dificuldade quanto à verificação de todos os usos e da forma como se dá essa dinâmica. Tal lacuna é verificada quando se observa que os trabalhos tendem a ser direcionados para uma categoria específica, deixando dúvidas sobre a forma como pode se dar a reutilização de certos usos ou o período de mudança dos recursos (Lima et al. 2015).
Esse conhecimento pode ser conciliado com dados sobre a vegetação local na construção de modelos de desenvolvimento que englobem as necessidades das comunidades que utilizam os recursos florestais e as características da comunidade vegetal, com um processo de coparticipação onde forças governamentais que desenvolvam projetos de cunho conservacionista.
Como forma de aferir a pressão que cada uso tem sobre as florestas, alguns trabalhos foram feitos em florestas secas (Guerra et al. 2012; Leite et al. 2012; Ribeiro et al. 2014; Lima et al. 2016a; Lima et al. 2016b) e úmidas tentando identificar a importância de cada uso na manutenção da comunidade vegetal (Medeiros et al. 2011) in situ, que tem como eixo metodológico a identificação da frequência de espécies vegetais presentes nas residências, nos mais diversos usos (Kvist et al. 2001; Lucena 2009; Stagegaard e Sorensenb 2002; Lima et al. 2016b) in situ na verificação da pressão que uma comunidade rural exerce sobre os recursos da vegetação local no desenvolvimento de suas atividades diárias, com base na dinâmica de utilização de cada espécie e de cada uso.
Neste contexto, este trabalho teve o objetivo de aplicar o inventário in situ na verificação da pressão que uma comunidade rural pode estar exercendo sobre os recursos da vegetação local no desenvolvimento de suas atividades, com base na dinâmica de utilização de cada espécie e de cada uso.
2 Metodologia
2.1 Área de trabalho
O presente estudo foi desenvolvido na comunidade rural São Francisco, município de Cabaceiras, estado da Paraíba (Nordeste do Brasil) com coordenadas 07º29´20´´S e 36º17´14´´O (Figura 1). Esse município possui uma área de 452,920 km², localizando-se na mesorregião da Borborema e microrregião do Cariri Oriental, a uma altitude média de 500m. Limita-se ao Norte com o município de Campina Grande, ao Sul com Barra de São Miguel e São Domingos do Cariri, ao Leste com Boqueirão e a Oeste com São João do Cariri. Sua população total é de 5.035 habitantes, sendo 2.217 da zona urbana e 2.818 da zona rural (IBGE 2011).
O clima de Cabaceiras é Bsh (Clima semiárido quente) segundo a classificação de Köppen, caracterizando-se por apresentar temperaturas médias anuais em torno de 24,5º C. Esse município é conhecido como o de menor índice pluviométrico do Brasil, chovendo em média 250 mm/ano (Alves et al. 2013). As chuvas são irregulares e esparsas, ocorrendo apenas durante três meses e com estiagens que duram até dez meses nos períodos mais secos (IBGE 2011).
A vegetação predominante é do tipo Caatinga, dentre as espécies mais encontradas tem-se a jurema preta (Mimosa tenuiflora (Willd.) Poir.), marmeleiro (Croton blanchetianus Baill.), pereiro (Aspidosperma pyrifolium Mart.), mandacaru (Cereus jamacaru DC.) e xiquexique (Pilocereus gounelliei (Webwer) Byl. Et Rowl. (Sousa et al. 2007).
Na área encontram-se vários rios e riachos, todos de caráter intermitente. Sendo o principal, o rio Taperoá, que recebe as águas dos rios Serra Branca, Gurjão, Soledade e Riacho do Farias. Todos esses afluentes fazem parte da bacia do médio Paraíba que converge suas águas para o Açude Epitácio Pessoa no município de Boqueirão (Sousa 2007).
Figura 1 - Localização do município de Cabaceiras, estado da Paraíba, Nordeste do Brasil, com referência de proximidade a Campina Grande, polo regional. Mapa: Natan Guerra.
2.2 Coleta de dados
A comunidade em estudo conta com cerca de 230 habitantes em 72 residências. Todas as casas foram visitadas no primeiro mês do estudo. No primeiro mês, foi possível realizar o inventário em 61 residências. A pesquisa realizada no período de julho de 2011 até junho de 2012. No caso das unidades familiares que não participaram deste estudo, foram retiradas da amostra após declínio dos chefes de família, e nos casos em que após três tentativas, em dias alternados, não foi encontrado ninguém na casa. A pesquisa foi feita com os chefes de família, homem ou mulher, que foram informados sobre o objetivo da pesquisa e, após aceitar, convidados a assinar o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. Esta pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Hospital Universitário Lauro Wanderley da Universidade Federal da Paraíba (CEP/HULW nº 297/11).
A pesquisa foi realizada durante o período de um ano, com visitações mensais a todas as residências cujos chefes de família se dispuseram a participar. Foi aplicada a técnica do inventário in situ (Lucena 2009) nas residências, tendo como foco todo o material vegetal presente na residência e nas áreas externas da propriedade. No primeiro mês, todas as casas foram visitadas e foi feita uma lista de todos os utensílios e preparados encontrados na residência. Os informantes foram questionados sobre os nomes das espécies e usos encontrados no momento da pesquisa. Neste contexto, foram identificadas as partes das plantas que foram utilizados na elaboração destes.
Houve um acompanhamento mensal, pelo período de onze meses, da dinâmica de renovação do material oriundo da vegetação, totalizando 12 meses de coleta de informações. Nesse acompanhamento se buscou verificar a periodicidade de mudança de cada uso e a inclusão de novos usos ou espécies.
O material foi registrado a partir de fotografias e as espécies coletadas e identificadas para se confirmar a relação entre os nomes vernaculares e as espécies científicas. Em seguida, as plantas foram herborizadas e tombadas no Herbário Professor Jayme Coelho do Centro de Ciências Agrárias da Universidade Federal da Paraíba.
2.3 Análise dos dados
As espécies foram organizadas em categorias de uso de acordo com a literatura (Albuquerque e Andrade 2002ab; Ferraz et al. 2006; Lucena et al. 2008; Lucena et al. 2012 a; Lucena et al. 2012 b), sendo elas: alimentação, combustível, construção (doméstica e rural), forragem, medicinal, tecnologia, , veterinária, mágico religioso, ornamentação e outros usos. Na categoria outros usos estão incluídos as citações para higiene pessoal (creme dental, shampoo, etc.), bioindicadores (sinal de chuva e seca) e sombra. Posteriormente, se verificou a frequência de uso de cada espécie, assim como a frequência de renovação das espécies na comunidade, buscando identificar a pressão de cada atividade sobre as plantas utilizadas.
Foi calculada a diversidade das espécies (Índice de Diversidade de Shannon – Wiener) para todas as categorias (Araújo e Ferraz 2010; Lucena 2009; Medeiros et al. 2011).
3 Resultados e discussão
Foi registrado o uso de 83 espécies vegetais, distribuídas entre nove categorias (TABELA 1), sendo 45 nativas e 38 exóticas. As espécies estão distribuídas entre 34 famílias botânicas, sendo as mais representativas Fabaceae (11 espécies), Euphorbiaceae (7 espécies) e Anacardiaceae (6 espécies).
As maiores frequências de uso registradas foram das espécies capa bode (Melochoia sp.), algaroba (Prosopis juliflora (Sw.) DC.), pereiro (Aspidosperma piryfolium Mart.), aroeira (Myracroudon urundeuva Allemão), marmeleiro (Croton blanchetianus Baill), craibeira (Tabebuia aurea (Silva Manso) Benth. & Hook.f. ex S.Moore) , imburana (Commiphora leptophleos (Mart.) J. B. Gillet), palma (Opuntia fícus indica (L.) Mill.), catingueira (Poincianella pyramidalis Tul.), quixabeira (Sideroxylon obtusifolium (Roem & Schutt) T. D. Penn.), pinhão brabo (Jatropha mollissima (Pohl) Baill.) e umbuzeiro (Spondias tuberosa Arruda), todas registradas em mais de 40% das residências (TABELA 1).
As maiores diversidades de espécies foram registradas nas categorias medicinal (H’= 3,46 e E = 0,77), seguida por tecnologia (H’= 2,60 e E= 0,77), veterinário (H’= 2,29 e E= 0,83) e combustível (H’= 2,14 e E = 0,77). As demais categorias tiveram diversidade relativamente mais baixa, o que ganha um destaque especial principalmente no que diz respeito a categoria construção rural, com H’= 1,97 (E=0,68). Esse valor merece mais importância quando se relaciona o mesmo com a frequência de renovação dos produtos dessa categoria (extração mensal). A mesma tendência foi verificada por Medeiros et al. (2011) em estudo realizado no estado do Pernambuco (Brasil). Essa concentração de madeira de poucas espécies em uma categoria específica ou em um uso pode servir como um indicativo da pressão que essas plantas vêm sofrendo pela atividade humana. Tendência semelhante foi verificada para as espécies da categoria combustível, apesar desta ter tido um dos maiores índices de diversidade, é necessário observar como esse uso permeia todo o ano.
Tabela 1: Espécies registrada no inventário in situ no município de Cabaceiras. Categorias: Cb: combustível; Cd: Construção doméstica; Cr: Construção rural; Fr: Forragem; Mr: Mágico-religioso; Md:Medicinal; Tc: Tecnologia; Ot: Outros; Vt: veterinário.
Espécie botânica |
Nome vernacular |
Residências |
Frequência (%) |
Categorias |
Amarantaceae |
||||
Amaranthus sp. |
Mastruz |
7 |
11.48 |
Md, Vt |
Anacardiaceae |
||||
Myracrodruon urundeuva Allemão |
Aroeira |
50 |
81.97 |
Cb, Cd, Cr, Fr, Mr, Md, Tc, Vt |
Schinus terebinthifolius Raddi |
Aroeira da praia |
2 |
3.28 |
Md, Ot |
Schinopsis brasiliensis Engl. |
Baraúna |
13 |
21.31 |
Cb, Cd, Md, Tc |
Anacardium brasiliense Barb. Rodr. |
Cajueiro |
14 |
22.95 |
Cb, Md, Vt |
Anacardium occidentale L. |
Cajueiro roxo |
7 |
11.48 |
Md |
Spondias tuberosa Arruda |
Umbuzeiro |
24 |
39.34 |
Al, Cb, Md, Tc |
Apiaceae |
||||
Anethum graveolens L. |
Endro |
2 |
3.28 |
Md |
Apocynaceae |
||||
Aspidosperma pyrifolium Mart. |
Pereiro |
55 |
90.16 |
Cb, Cd, Cr, Md, Tc, Vt |
Arecaceae |
||||
Copernicia prunifera (Miller) It.E.Moore |
Carnaúba |
1 |
1.64 |
Md |
Syagrus cearensis Noblick |
Coco catolé |
3 |
4.92 |
Md |
Asteraceae |
||||
Acantospermun sp. |
Carrapixo de cigano |
1 |
1.64 |
Vt |
Achyrocline alata (Kunth) DC. |
Macela |
1 |
1.64 |
Md |
Bignoniaceae |
||||
Tabebuia aurea (Silva Manso) Benth. & Hook.f. ex S.Moore |
Craibeira |
40 |
65.57 |
Cb, Cd, Cr,Md, Tc |
Handroanthus impetiginosus (Mart. ex DC.) Mattos |
Pau d’arco |
6 |
9.84 |
Cd, Md, Tc |
Bromeliaceae |
||||
Bromelia sp. |
Macambira |
3 |
4.92 |
Fr, Tc |
Bromelia sp. |
Macambira de serrote |
1 |
1.64 |
Tc |
Neoglaziovia variegata (Arruda) Mez |
Caruá |
1 |
1.64 |
Tc |
Burseraceae |
||||
Commiphora leptophloeos (Mart.) J.B.Gillet |
Imburana |
35 |
57.38 |
Cb, Cd, Cr, Md, Or, Tc |
Cactaceae |
||||
Cereus jamacaru DC. |
Cardeiro |
3 |
4.92 |
Cr, Fr |
Melocactus bahiensis (Britton & Rose) Luetzelb. |
Coroa de frade |
2 |
3.28 |
Md |
Pilosocereus pachycladus F. Ritter |
Facheiro |
21 |
34.43 |
Cb, Cd, Cr, Tc |
Opuntia fícus indica (L.) Mill. |
Palma |
34 |
55.74 |
Fr |
Tacinga palmadora (Britton & Rose) N. P. Taylor & Stuppy |
Palmatória |
2 |
3.28 |
Fr |
Pilosocereus gounellei (F.A.C. Weber) Byles & Rowley |
Xique-xique |
2 |
3.28 |
Fr |
Capparaceae |
||||
Capparis cynophallophora L. |
Feijão brabo |
3 |
4.92 |
Tc, Vt |
Caricaceae |
||||
Carica papaya L. |
Mamão |
3 |
4.92 |
Md |
Caryophilaceae |
||||
Stellaria media (L.) Vill. |
Hortelã graúdo |
13 |
21.31 |
Md |
Celastraceae |
||||
Maytenus rigida Mart. |
Bom nome |
8 |
13.11 |
Cd, Md, Tc |
Cleomaceae |
||||
Cleome spinosa Jacq. |
Muçambê |
2 |
3.28 |
Md |
Combretaceae |
||||
Thiloa glaucocarpa (Mart.) Eichler |
João mole |
16 |
26.23 |
Vt |
Crassulaceae |
||||
Kalanchoe sp. |
Saião |
2 |
3.28 |
Md |
Curcubitaceae |
||||
Luffa sp. |
Bucha |
1 |
1.64 |
Tc |
Lagenaria sp. |
Cabaça |
4 |
6.56 |
Tc |
Euphorbiaceae |
||||
Euphorbia tirucalli L. |
Aveloz |
1 |
1.64 |
Cb |
Ricinus communis L. |
Carrapateira |
1 |
1.64 |
Md |
Cnidoscolus quercifolius Pohl. |
Favela |
4 |
6.56 |
Md |
Manihot sp. |
Maniçoba |
1 |
1.64 |
Fr |
Croton blanchetianus Baill. |
Marmeleiro |
49 |
80.33 |
Cb, Cr, Md, Tc, Vt |
Jatropha mollissima (Pohl) Baill. |
Pinhão brabo |
25 |
40.98 |
Cr, Mr, Md, Tc, Vt |
Jatropha gossypiifolia L. |
Pinhão roxo |
4 |
6.56 |
Mr |
Fabaceae |
||||
Anadanthera colubrina (Vell.) Brenan |
Angico |
17 |
27.87 |
Cb,Cd,Cr, Md, Ot, Tc, Vt |
Senna martiana (Benth.) H.S. |
Canafístola |
1 |
1.64 |
Md |
Poincianella pyramidalis Tul. |
Catingueira |
31 |
50.82 |
Cb, Cr, Md, Mr, Tc |
Amburana cearenses (Allemão) A. C. Sm. |
Cumarú |
3 |
4.92 |
Md |
Hymenaea courbaril L. |
Jatobá |
8 |
13.11 |
Cd, Md, Tc |
Libidibia ferrea (Mart. ex Tul.) L.P.Queiroz |
Jucá |
5 |
8.20 |
Cd, Cr, Md, Tc |
Mimosa ophtalmocentra Mart. ex Benth. |
Jurema |
17 |
27.87 |
Cb, Cr, Fr, Md |
Mimosa tenuiflora (Willd.) Poir. |
Jurema preta |
2 |
3.28 |
Cd |
Bauhinia cheilantha (Bong) Steud. |
Mororó |
1 |
1.64 |
Md |
Erythrina velutina Willd. |
Mulungú |
9 |
14.75 |
Md, Tc |
Piptadenia stipulaceae (Benth.) Ducke |
Jurema branca |
4 |
6.56 |
Cb, Cr, Tc |
Prosopis juliflora (Sw.) DC. |
Algaroba |
59 |
96.7 |
Cb, Cr |
Leucaena leucocephala (Lam.) DC Witim |
Leocena |
4 |
6.56 |
Cb, Fr |
Lamiaceae |
||||
Mentha sp. |
Hortelã miúdo |
12 |
19.67 |
Md |
Plecthantus sp. |
Sete dores |
2 |
3.28 |
Md |
Malvaceae |
||||
Melochia sp. |
Capa bode |
55 |
90.16 |
Tc |
Pseudobambax marginatum (A.ST.Hill) A.Robyns |
Imbiratã |
15 |
24.59 |
Md, Vt |
Malva sp. |
Malva vermelha |
1 |
1.64 |
Tc |
Sida sp. |
Relógio |
5 |
8,20 |
Tc |
Myrtaceae |
||||
Eucalyptus sp. |
Eucalipto |
1 |
1.64 |
Md |
Psidium guajava L. |
Goiabeira |
2 |
3.28 |
Al, Md |
Plinia sp. |
Jaboticaba |
1 |
1.64 |
Md |
Olacaceae |
||||
Ximenia americana L. |
Ameixa |
9 |
14.75 |
Cr, Md |
Phyllanthus stipulatus (Raf.) G.L.Webster |
Quebra-pedra |
2 |
3.28 |
Md |
Passifloraceae |
||||
Passiflora foetida L. |
Camapô |
1 |
1.64 |
Md |
Poaceae |
||||
Zea mays L. |
Milho |
9 |
14.75 |
Al, Md |
Rhamnaceae |
||||
Ziziphus joazeiro Mart. |
Juazeiro |
15 |
24.59 |
Cr, Fr, Hg, Md |
Rubiaceae |
||||
Coutarea hexandra (Jack.) K. Schum. |
Quina-quina |
3 |
4.92 |
Md, Vt |
Ruscaceae |
||||
Sansevieria sp. |
Espada de São Jorge |
1 |
1.64 |
Mr |
Rutaceae |
||||
Citrus sp. |
Laranjeira |
2 |
3.28 |
Md, Vt |
Dictyoloma vandellianum A. Juss. |
Sabugueiro |
2 |
3.28 |
Md |
Sapotaceae |
||||
Pouteria sp. |
Massaranduba |
1 |
1.64 |
Cr, Tc |
Sideroxylon obtusifolium (Roem & Schutt) T. D. Penn. |
Quixabeira |
31 |
50.82 |
Al, Cb, Cr, Fr, Md, Tc, Vt |
Solanaceae |
||||
Nicotiana glauca Graham |
Oliveira |
1 |
1.64 |
Mr |
Urticaceae |
||||
Laportea aestuans (L.) Chew. |
Urtiga |
2 |
3.28 |
Md |
Verbenaceae |
||||
Lippia alba (Mill.) N. E. Br. Ex P. Wilson |
Cidreira |
12 |
19.67 |
Md, Vt |
Não Identificadas |
||||
Espécie 01 |
Goiaba do mato |
1 |
1.64 |
Al |
Espécie 02 |
Imbiriba |
3 |
4.92 |
Cd |
Espécie 03 |
Ingazeira |
1 |
1.64 |
Cr |
Espécie 04 |
Ipê |
1 |
1.64 |
Tc |
Espécie 06 |
Capim |
2 |
3.28 |
Fr |
Espécie 07 |
Capim santo |
4 |
6.56 |
Md, Vt |
Na categoria tecnologia foi registrado o uso de 26 espécies, juntamente com a verificação desta categoria em todas as residências da comunidade. Dentre as espécies, o uso do arbusto capa bode (Melochia sp) foi o que teve maior representatividade (frequência = 91,5%), este relacionado ao seu uso na produção de vassouras utilizadas na limpeza das áreas externas a residência, com uma frequência semanal de produção destas. Além da Melochia sp, também foram registradas vassouras produzidas do arbusto relógio (Sida sp), encontrado em cinco residências. A craibeira (T. aurea) e o pereiro (A. piryfolium) também ganharam destaque na categoria tecnologia (66,1% e 64,4%, respectivamente). A elevada frequência destas duas últimas espécies foi relacionada à produção de mobílias das residências, principalmente daquelas mais antigas, em que boa parte é feita de madeira extraída das propriedades. Estas espécies ganham destaque também por estarem presentes com usos nas categorias combustível, construção doméstica, construção rural e medicinal, e A. pirifolium teve suas folhas utilizadas na medicina veterinária. A forma de utilização destas espécies na comunidade de São Francisco também foi registrada por Silva et al. (2014).
Apesar da categoria tecnologia ter apresentado maior número de usos, esses estiveram restritos ao uso de 16 espécies (Figura 2). A categoria que apresentou maior diversidade de espécies foi a medicinal (47 espécies), seguido pela categoria construção rural (29 espécies). Nove espécies tiveram destaque por serem encontradas em mais de cinco categorias de uso (M. urundeuva, A. colubrina, S. obtrusifolium, C. leptophleos, A. piryfolium, P. pyramidalis, T. aurea, C. blanchetianus, S. brasiliensis e J. mollissima), com destaque para a aroeira (M. urundeuva), registrada em oito categorias.
Na análise das categorias construção doméstica, construção rural e combustível, um fato que deve ser considerado é a necessidade de extração total da planta, ou de grande parte dela, para a obtenção do recurso madeireiro. Dentre as três, a categoria em que foi registrado o maior número de espécies foi construção rural, com 18 registros, seguido de combustível (16 espécies) e construção doméstica (12 espécies). O grande número de espécies encontradas na categoria construção rural deve ser aliada a elevada frequência de renovação do material produzido, na sua maioria como varas utilizadas na construção e no reparo de cercas. Foi verificada renovação desse material em 48 residências, havendo somente quatro meses (dezembro, março, maio e junho) em que não se registou nenhuma extração de material vegetal com essa finalidade.
Os dados de frequência de renovação do estoque do material vegetal para consumo nessas residências, são importantes para que se tenham um panorama geral do possível do uso tradicional à vegetação local da Caatinga. A preferência pelo uso madeireiro pode ser associada à sua disponibilidade, dada as características climáticas do ecossistema. Entretanto, conclusões assim, só podem ser embasadas considerando estudos mais específicos como Lacerda et al. (2018) que analisa a estrutura vegetacional por meio de fitossociologia em uma região do Cariri. Além do que, é preciso coletar maiores informações, em estudos futuros, sobre a dinâmica de extração de cada recurso; a partir daí, pode-se inferir sobre a gestão participativa de recursos naturais em comunidades tradicionais e os aspectos ecológicos e culturais que a envolvem.
As espécies que mais se destacaram nessa categoria foram C. blanchetianus e A. piryfolium, ambas registradas em 39 residências, com uso majoritário na fabricação de varas utilizadas em cercas, e a aroeira (M. urundeuva), cujo uso foi verificado em 14 residências, e que, devido a maior durabilidade e resistência da madeira, de acordo com os informantes, era utilizada na fabricação de mourões (estruturas semelhante a colunas de sustentação para a cercas ou porteiras, de diâmetro maior que as varas e estacas).
Um ponto que merece atenção especial diz respeito à categoria construção doméstica, que apesar de ter um número considerável de espécies sendo utilizado com essa finalidade, apresentou um nível de renovação muito baixo, sendo registrada somente em duas residências, porém com abandono do uso de espécies nativa, trocada por madeira comprada em madeireiras. Este fato, de acordo com os informantes, se dá devido a três fatores: A facilidade maior em comprar madeira do que em realizar a extração, a ausência dessa madeira nas proximidades dos locais onde residem e a dificuldade de extração da madeira.
As espécies mais encontradas com essa finalidade foram A. piryfolium e M. urundeuva, registrados em 28 e 27 residências, respectivamente, com uso majoritário de A. piryfolium na fabricação de caibros e ripas, e de M. urundeuva na fabricação de linhas. Outra espécie que merece destaque foi do cacto facheiro (Pilosocereus pachycladus F. Ritter), registrada em 12 residências, mas com verificação de grande quantidade de ripas feitas com sua madeira. Ramos et al. (2007) identificaram que há uma busca por madeiras de maior resistência ao apodrecimento e ataques de cupins para a construção de residências. Este mesmo padrão foi verificado na escolha das madeiras utilizadas na categoria construção doméstica, sendo a durabilidade também um fator de grande importância na escolha das espécies.
Figura 2: Registros de usos dados as espécies vegetais na comunidade São Francisco, Cabaceiras, Paraíba, Brasil. A. ripas de facheiro (Pilosocereus pachycladus F. Ritter) – categoria construção doméstica; B. Vassoura feita com galhos de capa bode (Melochia sp) – categoria tecnologia; C. Cerca feita a partir de diversas espécies da região, entre elas o pereiro (Aspidosperma pyrifolium Mart.) e marmeleiro (Croton blanchetianus Baill).
Foram registradas 17 espécies utilizadas como combustível, seis delas merecem destaque devido ao fato de ter sua extração em todos os meses em que o inventário foi realizado: P. juliflora, M. urundeuva, P. pyramidalis, C. blanchetianus, A. pyrifolium e Mimosa tenuiflora (Willd.) Poir. (Jurema Preta) (FIGURA 3). O uso como combustível ainda é discutido, como citado por Medeiros et al., (2010), quando se trata da pressão relativa que a extração tem sobre a vegetação, devido a necessidade de que a madeira esteja seca. Assim, podendo haver a preferência da coleta da madeira morta. Neste âmbito, a inclusão do uso da algaroba (P. juliflora) aparece como um ponto positivo quando a espécie surge como opção no momento da substituição das madeiras nativas, levando em consideração o fato dessa espécie ser exótica.
É necessário ressaltar que em todas as residências o uso de combustíveis madeireiros se mostrou como uma segunda opção, utilizada como forma de economizar o dinheiro utilizado na compra do gás de cozinha (GLP). O mesmo padrão foi registrado por Ramos et al., (2007) em trabalho no estado do Pernambuco.
Na comunidade em estudo, as espécies em que se verificou coleta mensal merecem maior atenção, porque, além da extração para produção de combustível, todas estão presentes em ao menos quatro categorias, e as cinco são as espécies de maior frequência de uso na categoria construção rural, na qual há necessidade de retirada de grande parte ou de toda a planta.
As espécies M. urundeuva, J. mollissima e S. obtusifolium também tiveram o uso registrado como combustível por Silva e Albuquerque (2005) no semiárido do estado de Pernambuco. Em estudo semelhante realizado no semiárido paraibano, Lucena et al. (2009) registrou o uso das cinco espécies de maior frequência nesse trabalho (TABELA 1) com uso registrado nas categorias combustível e construção, no qual o autor trata construção rural e doméstica como subcategorias.
Figura 3: Estoques de lenha mantidos no interior das residências e fogão sendo alimentado por lenha, todos registrados na comunidade São Francisco, município de Cabaceiras, Paraíba, Brasil.
Myracrodruon urundeuva registrada em oito categorias, foi a planta mais encontrada na categoria medicinal, com a casca utilizada na preparação de remédios. É necessário a observação de que essa espécie se encontrava na lista de espécies ameaçadas de extinção (Brasil 2008), porém, não há dados que, até o momento, corroborem a inclusão do estado da Paraíba como local em que esteja ameaçada.
Ainda no que concerne a categoria combustível, foi verificado muitas residências que faziam uso do carvão produzido a partir de P. juliflora, espécie exótica encontrada em grande quantidade na comunidade, utilizada em demasia pelos produtores de carvão local. Em conversas informais, se registrou que o uso dela se dá devido ao conhecimento da legislação que proíbe o corte de madeira nativa para essa finalidade, aliado a uma regularidade de visitas do IBAMA (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente) na comunidade, por esta ser próxima a uma região de soltura de animais silvestres capturados. Contudo, alguns informantes, nos últimos meses da pesquisa, admitiram que na produção de carvão, há uma associação da madeira de P. juliflora com outras madeiras, principalmente de M. urundeuva, devido as propriedades de queima do produto das espécies nativas, contudo trata-se de uma atividade ilegal.
A categoria medicinal ganhou destaque no inventário devido ao grande número de espécies que foi registrado com esse uso (49 espécies), além do fato de ter sido verificada em todos os meses em que o inventário foi aplicado. As espécies que tiveram mais destaque dentro da categoria foram M. urundeuva (FIGURA 4), encontrado em 23 residências, Sideroxilon obtusifolium (Roem & Schutt) T. D. Penn. (quixabeira), com registro em 18 das casas inventariadas, J. molíssima (pinhão brabo), registrada em, 15 casas, Stellaria media (hortelã da folha graúda) e Ziziphus joazeiro (juazeiro), ambos registrados em 14 residências. O elevado uso de J. mollissima nessa categoria já tinha sido registrado no estado do Pernambuco por Silva e Albuquerque (2005). Albuquerque et al. (2007) registraram um elevado uso de M. urundeuva em trabalho realizado em feiras, também no estado de Pernambuco.
O elevado número de espécies utilizados na categoria medicinal representa um melhor uso ecológico dos recursos, que pode funcionar como uma estratégia conservacionista (Levy Tacher et al. 2002), permitindo uma renovação dos estoques naturais. Além disso, a maioria dos usos relacionados a categoria são feitos com a utilização e cascas e folhas (Oliveira et al. 2007), o que reduz o impacto da atividade sobre os recursos. Essa tendência foi registrada por Albuquerque et al. (2007) e Silva e Albuquerque (2005) para espécies medicinais no Pernambuco.
É necessário registrar que o uso de S. media foi verificado somente durante os meses de setembro e outubro do ano de 2011, o que se deu devido a uma epidemia de gripe que se instalou na comunidade e que fez com que parte da população a utilizasse no tratamento da tosse, em substituição de xaropes ou expectorantes prescritos por médicos. Seu uso era feito na forma de “lambedor”, um preparado feito a base do cozimento das folhas com açúcar até o ponto de calda. Nestes preparados se verificou a inclusão de cascas de Ximenia americana L. (ameixa), tal como registrado por Lucena (2009).
Figura 4:Espécies vegetais utilizadas na medicina tradicional no município de Cabaceiras. A. cascas de jurema preta (Mimosa tenuiflora (Willd.) Poir.); B. Cascas de quixabeira (Sideroxylon obtusifolium (Roem & Schutt) T. D. Penn.) e C. Cascas de aroeira (Myracrodruon urundeuva Allemão). D. Preparado feito com imersão das cascas de aroeira.
O registro de M. urundeuva e S. obtusifolium merecem destaque pela amplitude o uso das duas espécies na comunidade, sendo utilizadas como anti-inflamatório, e que, quando verificadas nas residências, costumava-se registrar a opção de escolha entre as duas. Nesse contexto, também se verificou o uso de X. americana com a mesma finalidade, encontrada em 10 residências. O uso das três espécies foi baseado na ingestão da água em que as cascas eram mantidas imersas, por um período mínimo de cerca uma noite (oito a doze horas).
Além da verificação de algumas espécies utilizadas para uma única finalidade, como S. obtusifolium, M. urundeuva, Cnidoscolus quercifolius Pohl. (favela), X. americana utilizadas como agente anti-inflamatório, outras espécies também foram registradas como opções para o mesmo tipo de problema. Uma espécie com tendência oposta foi J. mollissima, caracterizada pela sua alta versatilidade no tratamento de doenças, utilizada para dores, inflamações, infecções, com ação cicatrizante e analgésica, e preparado de diversas maneiras, com cachaça, vinhos diversos ou in natura, havendo registros até do uso potencial da mesma no processo de cura em caso de picada de cobra.
Um detalhe verificado quanto aos vegetais de uso medicinal foi à ausência de manutenção de estoque nas residências, o que se dá, de acordo com os informantes, devido à proximidade das residências aos locais de coleta.
Na categoria veterinária foi registrado o uso de 16 espécies vegetais, das quais Thiloa glaucocarpa (Mart) Eichler (joão mole) foi a espécie de maior frequência (16 residências), utilizado quando há problemas após o parto de cabras e ovelhas, a partir do preparo de garrafada da raspa do tronco. Também merece destaque o preparado a base da casca do tronco de Anacardium brasiliense Barb. Rodr. (cajueiro) e Pseudobombax marginatum (A.ST.Hill) A. Robyns (imbiratã), registradas em sete e seis residências, respectivamente, utilizadas para o tratamento de inflamações.
Da mesma forma como o uso de vegetais na medicina humana, o preparo de produtos com finalidade veterinária é rotineiramente feito a partir da casca, folhas ou frutos das espécies, não havendo necessidade da extração total do espécime, e consequentemente, identificando assim uma atividade de menor impacto nas mesmas.
O uso de vegetais na medicina veterinária se apresentou com uma frequência relativamente baixa, o que foi explicado devido a presença de um técnico em veterinária na comunidade que, além de atuar como veterinário, também comercializa remédios alopáticos, preferidos devido a ação mais rápida, diminuindo a possibilidade de perdas. Além disso, outro fator que deve ser considerado no que diz respeito as espécies utilizadas na etnoveterinária, para a cura do gato de uma das informantes, foram as condições climáticas no momento da pesquisa. Durante o ano, houve um baixo nível de pluviosidade (25,8 mm³ - FONTE: AESA e medicamentos para complicações, este o problema mais citado pelos informantes.
Houve o registro do uso de 12 espécies da vegetação na alimentação animal, (categoria forragem). A palma (O. fícus indica) ganhou destaque por estar presente em 34 residências, principalmente sendo utilizado na alimentação do gado bovino, que apesar de estar presente em menor quantidade na comunidade, tem uma importância significativa, principalmente devido ao uso do leite e seus derivados. O uso da palma foi verificado em todos os meses em que foi feito o inventário, porém, com uma diminuição do uso devido a problemas com a infestação de Dactylopius coccus (cochonilha), o que direciona a uma mudança de substrato para alimentar os animais. Este fato pôde ser verificado principalmente com a presença da Leucena leucocephala (Lam.) DC Witim (leucena) que não foi registrada no início do inventário, contudo, foi verificado um crescimento da quantidade de residências em que as folhas da planta eram retiradas para ser ofertadas ao gado bovino.
As demais categorias apresentaram um número reduzido de espécies, com exceção das utilizadas como alimento e higiene pessoal, todos os demais itens foram encontrados no mês de julho, primeiro mês em que o inventário foi aplicado, não havendo nenhuma modificação nos demais meses.
Na categoria alimento, foi registrado o uso de Spondias tuberosa (umbu) durante os meses de janeiro a abril de 2012, em 14 das residências em que o inventário foi aplicado. Neste contexto, é necessário registrar que no período a região passava por uma estiagem, o que prejudicou a safra da fruta. De forma diferente, se verificou com a safra de milho (Zea mays), encontrado no mês de julho de 2011, porém em pouca quantidade devido a irregularidade de chuvas. Outro alimento apontado na comunidade foi o fruto da quixabeira (S. obtusifolium), registrada na alimentação humana em duas residências. Contudo, os informantes deixaram claro que não há costume de armazenamento da fruta. A mesma também teve uso na alimentação animal (categoria forragem), mas, assim como na alimentação humana, não há coleta. O rebanho caprino e ovino é deixado para pastar em locais em que há a quixabeira, alimentando-se das frutas.
4 Conclusão
O uso do inventário in situ se mostrou como um bom instrumento para a verificação de uma possível pressão antrópica que possa está sendo aplicada nas espécies do local em que este é aplicado. Neste contexto, a sua utilização pode ser vista como um utensilio extra nos processos de avaliação ambiental, principalmente se houver uma relação entre os usos que cada espécie está tendo com a disponibilidade das mesmas no local de extração, o que pode ser verificado por meio de estidos ecológicos.
A partir dos dados obtidos, se verificou que as categorias construção rural e combustível apresentaram maior potencial destrutivo as espécies vegetais, principalmente devido à dinâmica de renovação do material. Além disso, a categoria medicinal ganhou destaque, aparecendo com um uso de impacto reduzido, apesar da grande diversidade de usos.
Neste trabalho, a verificação mensal, pelo período de um ano, permitiu que a dinâmica de extração de madeira e a utilização que foi dada a cada categoria fosse demonstrada, porém, é necessário ressaltar novos estudos sejam feitos em comunidades da caatinga para que possam corroborar possíveis padrões de uso. Além disso, estudos adicionais são necessários porque o período em que o estudo foi realizado foi climaticamente atípico, já que o trabalho foi realizado, na sua íntegra, em um período de seca. Também será necessária uma quantificação do volume de madeira utilizado em cada categoria e em cada uso, para que, aliado ao conhecimento da dinâmica, os padrões de uso possam ser mais detalhadamente esclarecidos.
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1 Doutor(a) em Desenvolvimento e Meio Ambiente. Laboratório de Etnobiologia e Ciências Ambientais. Universidade Federal da Paraíba, Campus I, João Pessoa, Paraíba. E-mail para contato: ribamarfl@gmail.com
2 Licenciada em Ciências Biológicas. Laboratório de Etnobiologia e Ciências Ambientais. Universidade Federal da Paraíba, Campus II, Areia, Paraíba.
3 Aluna de Doutorado do Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento e Meio Ambiente. Laboratório de Etnobiologia e Ciências Ambientais. Universidade Federal da Paraíba, Campus I, João Pessoa, Paraíba.
4 Professor do Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento e Meio Ambiente – PRODEMA. Coordenador do Laboratório de Etnobiologia e Ciências Ambientais, Departamento de Sistemática e Ecologia, Centro de Ciências Exatas e da Natureza. Universidade Federal da Paraíba, João Pessoa, Paraíba.