TRADUZIR A LÍNGUA DO MEDO PARA SUPERAR A CULTURA DE ESTUPRO
Palavras-chave:
Cultura de estupro. Igualdade de gênero. Feminismos. Literatura.Resumo
O sistema patriarcal binário vigente em todas as formas de organização social conhecidas é responsável por excluir as mulheres do protagonismo político e da sociedade civil. Embora as lutas promovidas pelos feminismos e pelos movimentos de mulheres tenham conquistado significativos direitos, a submissão e exploração das mulheres ainda se conservam, sendo a violência sexual uma de suas consequências mais desastrosas. Da análise de dados de órgãos de pesquisa e de segurança pública, além da revisão de bibliografia que trata da construção social do gênero e da opressão feminina, este artigo científico demonstra como esse tipo de violência é eivado de tolerância e mesmo de incentivo social, o que acarreta na responsabilização da vítima pela agressão sofrida, caracterizando a cultura de estupro. Tendo em vista a naturalização e enraizamento social e institucional dessas práticas, utiliza-se a Literatura como mecanismo de expor a condição feminina em tal ordem e como é formulada e dissimulada a cultura de estupro nesse diapasão. Para tanto, é analisado o conto A Língua do P da escritora Clarice Lispector, publicado em 1974. O conto fornece múltiplos elementos que facilitam a percepção da complexidade em que se insere a sexualidade feminina e o constante medo da violência sexual na sociedade patriarcalmente organizada, posto que a cultura de estupro não se materializa apenas como violência no corpo, mas também nas instituições que deveriam puni-la e coibi-la e, no entanto, são com ela coniventes, maximizando-a e prolongando-a. Assim, traduzir a língua do medo da existência feminina para a Ciência e para o Estado é indispensável para a superação da cultura de estupro e da igualdade de gênero como um todo.Downloads
Referências
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