CRISE OU REPARAÇÃO
narrativas político-morais em torno da pensão indenizatória para crianças com Síndrome Congênita do Vírus Zika no Brasil
Resumo
Em 2015, no contexto da epidemia do vírus zika no Brasil, achados científicos estabeleceram a relação entre o vírus e uma síndrome neurológica que atingiu fetos e bebês de mulheres que contraíram o zika durante suas gestações. Já em 2020, encerrando o debate em torno de algumas consequências daquela epidemia, foi sancionada a Lei Federal 13.985/20, que concede pensão especial vitalícia a crianças acometidas pela síndrome. Por meio da análise de dispositivos legais, documentos e pronunciamentos públicos de parlamentares e de mães de crianças atingidas pelo zika reunidas em associações, o artigo recompõe as etapas principais da disputa pela pensão no Brasil, iluminando duas questões: primeiro, o caráter ambivalente de todo o processo, e segundo, as narrativas político-morais alternadamente evocadas para justificar a relevância, os termos e os critérios de elegibilidade da pensão – a narrativa da reparação e a da crise. Demonstro que a pensão representa uma conquista para as mães de crianças acometidas pela síndrome e uma derrota nos termos principais de sua concessão, e argumento que essa ambivalência se relaciona, por um lado, com características especialmente restritivas da pensão em relação a outras pensões indenizatórias já instituídas no Brasil e, por outro, com a consolidação da narrativa da crise em detrimento da da reparação.