Estratégia Como Prática Na Produção Do Desfile De Uma Escola De Samba

Autores

  • Ana Carolina Júlio UFES - Universidade Federal do Espírito Santo

DOI:

https://doi.org/10.21714/2238-104X2016v6i1-27997

Palavras-chave:

Práticas sociais, Estratégia como prática, Schatzki, Theodore, Carnaval, Escolas de samba

Resumo

O objetivo da minha dissertação foi analisar a organização das práticas estratégicas da produção do desfile da Unidos de Jucutuquara, uma escola de samba de Vitória/ES. Para compreender esses fenômenos (a escola de samba, o desfile carnavalesco e o fazer estratégia), utilizei a epistemologia de Schatzki e a perspectiva da Estratégia como Prática Social (EPS). Realizei a pesquisa por meio da triangulação entre observação participante, entrevistas, pesquisa documental e imagens/fotografias. Em relação à análise e interpretação dos dados, empreguei o procedimento de análise de conteúdo temático a posteriori. Os resultados apontam que o fazer estratégia da Jucutuquara, ilustrado por meio das categorias temáticas que emergiram da análise dos dados, se desdobrou em torno de atividades centrais, envolvendo múltiplos atores, elementos humanos e não humanos, “fazeres” e “dizeres”, regras, entendimentos e teleoafetos. A produção de fantasias e carros alegóricos, por exemplo, foi suportada por uma ampla rede de atores (costureiras, ferreiros, escultores, pintores e aderecistas); sem eles, o carnavalesco e os estilistas (tidos atores “centrais”) não seriam capazes de produzir o carnaval. Para a perspectiva da EPS, o fazer estratégia é uma realização e não apenas uma concepção intelectual. Apesar de não terem, necessariamente, um papel formal como estrategistas, atores de diferentes níveis hierárquicos são importantes durante o fazer estratégia, o que não se restringe ao contexto do carnaval, podendo ser extrapolado para outras organizações. Assim, o processo (des)organizativo (organizing) de uma organização qualquer seria melhor representado por um loop, um espiral, e não por uma cadeia linear de causas e efeitos. Afinal, as organizações são obra de um processo multissituado, que acontece em múltiplos contexto e ao mesmo tempo. O fazer estratégia não ocorre no “vácuo”, não sendo o resultado de decisões tomadas “aqui e agora” por estrategistas visionários. O fazer estratégia é uma realização de todos os envolvidos na concepção e na execução das atividades em torno das quais essa prática se desdobra, abarcando as percepções (múltiplas e divergentes) de seus praticantes em relação ao passado, presente e futuro. Assim, o processo (des)organizativo e o fazer estratégia das organizações acontecem em um “tempo real”. A motivação da ação está no passado (honrar a escola, por exemplo), a atividade em si ocorre no presente (produzir o desfile), enquanto que a ação tem sua intenção/finalidade projetada para o futuro (“colocar a escola na avenida”). No carnaval atual, um desfile só é considerado “bom” quando a escola “traz luxo para avenida”, quando fantasias e alegorias impactam visualmente o público e, principalmente, os jurados. Apesar das restrições financeiras e de tempo, os integrantes da Jucutuquara (enquanto praticantes do fazer estratégia) tiveram um senso estético refinado, souberam improvisar materiais mais simples, baratos, e até mesmo de desfiles anteriores, sendo hábeis em combinar cores e zelosos com o acabamento de carros e fantasias. O que ilustra que o fazer estratégia é uma realização, abarcando atividades difusas, irregulares, únicas e que estão em constante mudança; indo além da simples tomada de decisão e/ou da implementação dessas decisões por meio de atividades rotinizadas e previamente definidas. O entendimento, o know-how (a habilidade de compreender a prática e de executar as atividades que compõem essa prática) de cada um desses integrantes em relação a como as práticas carnavalescas acontecem no carnaval capixaba foi fundamental para todo o fazer estratégia da escola, garantindo o vice-campeonato. Apenas profissionais especializados, que incorporaram, ao longo de sua socialização, microversões dos elementos que organizam a prática carnavalesca, são hábeis em realizar atividades que podem conduzir a escola a uma apresentação que atenda aos requisitos (formais, informais e tácitos) de um “bom” desfile. A dimensão estética da estratégia, tão marcante no contexto da produção carnavalesca, também é um aspecto que pode ser extrapolado para outros contextos organizacionais. A estética é um tipo de entendimento/know-how, podendo ser definida como a faculdade sensorial humana de perceber, por meio dos sentidos, estímulos (sejam eles visuais, auditivos, olfativos, táteis ou gustativos). Todavia, a estética está para além da percepção física dos sentidos, sendo a expressão de habilidades (muitas vezes tácitas) socialmente construídas, uma forma de comunicação diferente da escrita ou da fala. Assim, praticantes de diferentes práticas possuem diferentes percepções sensoriais, diferentes julgamentos/entendimentos estéticos. É por meio do julgamento estético que um integrante de uma escola de samba é capaz de julgar se uma alegoria/fantasia está “bela”, “luxuosa” e/ou “bem feita”. O efeito normativo das regras que organizam a produção carnavalesca também foi observado, de modo transversal, em todas as categorias que emergiram da análise dos dados, permeando todo o fazer estratégia da Jucutuquara. Nesse caso, as regras eram os quesitos de julgamento e “Jogar as regras do jogo” foi uma das estratégias adotadas durante a produção do desfile. As regras dizem respeito a instruções, a critérios de decisão que guiam a ação dos praticantes, especificando quais ações e como essas ações devem ser executadas. Apesar de as regras orientarem a ação presente, seu
 efeito normativo é praticado, performado, e não pré-determinado. Por exemplo, um ator organizacional pode incorporar versões das regras que organizam as práticas, o fazer estratégia da organização na qual está imbricado, considerando que faz sentido, que convém, seguir a legislação que regulamenta sua atividade. Para um indivíduo que não foi socializado nessa prática, seguir a legislação pode não fazer nenhum sentido. Nesse caso, as regras que organizam essa prática não teriam nenhum potencial normativo. Além disso, esse mesmo ator poderia optar por “driblar” a legislação que regulamenta sua atividade. O que, mais uma vez, evidencia que o efeito normativo das regras é praticado e não pré-determinado. As teleoafetividades também organizaram, de forma marcante, todo o fazer estratégia da Jucutuquara. O grande objetivo do carnaval de 2014/2015 foi honrar o pavilhão e a memória do presidente da escola (que, infelizmente, faleceu na véspera do desfile). Esse era o desejo não apenas da diretoria ou do carnavalesco, mas de cada integrante e/ou folião que considerava a Jucutuquara sua “escola do coração”. Os objetivos de uma organização estão para além de seus resultados, orientação, sobrevivência ou vantagem competitiva; podendo coexistir com os afetos dos indivíduos enquanto praticantes. Afinal, entender os objetivos organizacionais de modo estritamente performático é enxergar apenas a “ponta do iceberg” e não o acontecimento das organizações enquanto um fenômeno social. Os objetivos de uma organização, ao serem incorporados pelos sujeitos durante sua socialização, transformam-se em desejos, abarcando emoções, humores, sentimentos e afetos dos indivíduos enquanto praticantes do fazer estratégia. Os afetos também podem orientar o que as pessoas fazem; o que pode ser entendido enquanto um traço antropológico básico dos seres humanos. Apesar de as emoções serem consideradas como uma das dimensões da EPS, estudos sobre o papel da emoção no fazer estratégia ainda são escassos. Mesmo quando a emoção é levada em conta, as pesquisas tendem a se concentrar nas emoções exibidas pelos gestores (top managers), negligenciado a dinâmica emocional/afetiva que constitui os processos organizativos e a vida social. Esta dissertação contribui para a literatura de EPS ao discutir como o fazer estratégia é realizado em uma organização tipicamente brasileira. Apesar de as escolas de samba serem objeto da sociologia e da antropologia desde a década de 1960, o carnaval tem sido pouco explorado pelos Estudos Organizacionais. Baseando-se na epistemologia de Theodore Schatzki, este trabalho explora como o fazer estratégia está organizado, buscando compreender o nexo entre regras, entendimentos e teleoafetividades. Schatzki é um dos principais teóricos contemporâneos do campo da prática, todavia, seus trabalhos ainda carecem de aplicação empírica direta. Algumas limitações também acompanharam esta dissertação. Devido ao falecimento do presidente da agremiação, não foi possível entrevista-lo formalmente; sem dúvida, esse seria um ator relevante para a compreensão do fazer estratégia da Jucutuquara. Além disso, por ser a escola de samba uma organização multissituada, não foi possível acompanhar o desdobramento de todas as atividades da produção carnavalesca. Também destaco o tempo de coleta de dados como outra limitação. Ao ingressar no campo a partir de outubro, não pude acompanhar a concepção do carnaval (a escolha do enredo e do samba-enredo, por exemplo). Justamente por isso, esta pesquisa está delimitada à análise da produção do desfile carnavalesco. Estudos futuros poderiam tratar de assuntos que tangenciaram esta dissertação. Seria interessante discutir, por exemplo, como a dinâmica emocional influencia o fazer estratégia; questionando, inclusive, se os afetos são “apenas” elementos que organizam as práticas, ou exemplos de práticas propriamente ditas.

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Biografia do Autor

Ana Carolina Júlio, UFES - Universidade Federal do Espírito Santo

Mestre e Doutoranda em Administração UFES - Universidade Federal do Espírito Santo

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Publicado

2016-06-24

Como Citar

Júlio, A. C. (2016). Estratégia Como Prática Na Produção Do Desfile De Uma Escola De Samba. Teoria E Prática Em Administração, 6(1), 241–244. https://doi.org/10.21714/2238-104X2016v6i1-27997

Edição

Seção

Resumo de Tese/Dissertação (PhD/MSc Dissertation Abstract)