Chamada para Dossiê: "Gênero e Relações Internacionais - visões das mulheres latino-americanas sobre feminismos, instituições e sexualidades"

2022-09-27

TEMA GERAL

As teorias feministas têm sido responsáveis por uma significativa virada epistêmica nas diferentes disciplinas das Ciências Sociais. Nas Relações Internacionais (RI), essas perspectivas tiveram um forte impacto no chamado Terceiro Debate e impulsionaram uma revisão epistêmica ao apontar que as teorias hegemônicas do campo estavam alicerçadas em concepções patriarcais, o que acabou por evidenciar um processo de construção de conhecimento responsivo a estruturas e grupos de poder e apresentado como absoluto. Nesse sentido, a teoria feminista colocou a discussão sobre os enquadramentos e valores ideológicos no âmbito dos quais se construiu o conhecimento sobre o sistema internacional e os Estados-nação. Uma das suas contribuições mais importantes tem sido a de ampliar a análise de RI para novos temas e atores ou, pelo menos, para novas dimensões de temas tradicionalmente abordados, enriquecendo a reflexão da própria disciplina.

Essa chamada de artigos busca evidenciar as muitas discussões contemporâneas que envolvem o debate de gênero no campo de RI, assim como consolidar o estabelecimento da Rede Latino-Americana MulheRIs + MujeRIs de investigadoras em Gênero e Relações Internacionais, criada, inicialmente, como fruto da aproximação dos grupos de internacionalistas brasileiras e argentinas.

O principal objetivo do grupo MulheRIs é promover a igualdade de gênero e melhorar a situação das mulheres na academia de RI no Brasil. Após alguns anos de extenso trabalho, a Associação Brasileira de Relações Internacionais (ABRI) institucionalizou a área de estudos de gênero e sexualidade. Na Argentina, o grupo MujeRIs também foi criado para fortalecer essa linha de pesquisa dentro de seu campo de RI. Esta chamada representa, portanto, o processo de estreitamento dos laços entre ambos os grupos e seu objetivo é ampliar o debate feminista entre a comunidade latino-americana de RI, contribuindo para o fortalecimento desse subcampo de pesquisa.

As teorias feministas de RI criticam o viés de gênero da maior parte das perspectivas tradicionais. Os principais conceitos de RI, como Estado, política, segurança, conflito e governança global vêm sendo revistos, buscando identificar o contexto de sua construção inicial e destacando aspectos que foram omitidos. Desde as últimas décadas do século XX, os variados debates gerados pela agenda feminista têm dado uma centralidade especial à interseccionalidade, com a combinação de fatores trabalhistas, raciais, étnicos e socioeconômicos que têm contribuído para uma análise mais adequada do cenário complexo em que as mulheres são socialmente relegadas dentro de um sistema patriarcal.

Nesse contexto, a categoria gênero foi introduzida no debate internacional, para além do âmbito doméstico. A análise nacional de processos ou fenômenos sociais esteve relacionada a uma distinção estreita entre os espaços públicos e privados, que fazia parte do capitalismo moderno. Essas duas esferas, tratadas como opostas, definiram seus objetos de estudo e distorceram os resultados da análise. Cada esfera estava carregada com suas próprias características, expectativas e papéis, que coincidiram com aquelas concedidas às construções binárias de gênero: a esfera doméstica ou privada era reservada à reprodução social, pelas mulheres; enquanto a esfera política ou pública era aquela que concentrava as discussões sobre poder, nação ou Estado, destinadas aos homens.

Revisar os fundamentos patriarcais sobre os quais as nações e o sistema internacional foram construídos é uma proposta em curso, com importantes debates teóricos contemporâneos, especialmente refletidos nas discussões pós-coloniais/decoloniais e também na literatura feminista latino-americana. Essa revisão tem possibilitado discussões sobre a definição de alteridade e sobre os processos de homogeneização relacionados à construção de identidades nacionais. Muitas questões surgiram sobre a participação das mulheres no cenário internacional, as mobilizações feministas, a agenda de gênero das organizações internacionais, o impacto dos processos internacionais em suas vidas e também sobre suas identidades, não mais limitadas ao espaço doméstico.

Esta chamada visa, assim, aprofundar a revisão epistemológica que tem impulsionado o feminismo na disciplina de RI e também fomentar o surgimento de novas formas de conhecimento que vêm do Sul Global. Em diálogo (embora nem sempre em coincidência) com as teorias pós-coloniais/decoloniais, o feminismo latino-americano tem feito importantes contribuições para a construção de uma perspectiva de RI a partir do Sul, evidenciando novas vozes e novas experiências. A mobilização das mulheres na América Latina tem se mostrado muito ativa nos últimos tempos, incluindo reivindicações em agendas governamentais sobre direitos trabalhistas, reprodutivos e sexuais, acesso à saúde entre diversas outras. O caráter transnacional dessa mobilização nos convida a pensar em novas formas de institucionalização, de regionalização e de ativismo internacional.

É necessário pois rever a contribuição das teorias feministas para a disciplina de Relações Internacionais a partir da visão e da experiência de mulheres e minorias latino-americanas e no que diz respeito à sua participação na esfera internacional, contribuindo para a revisão dos fundamentos desse campo do conhecimento e trazendo a perspectiva latino-americana para o amplo debate.

 

OBJETIVOS E ÁREAS TEMÁTICAS

No contexto dos diversos debates sobre Gênero e RI apresentados acima, os principais objetivos desta chamada são:

- Contribuir para a sistematização das teorias feministas no sentido da construção de uma perspectiva feminista latino-americana de RI; 

- Discutir pesquisas em andamento na América Latina sobre gênero/feminismo nas RI (mas também desde a perspectiva da América Latina e do sul global);

- Analisar as realidades das mulheres latino-americanas e questões interseccionais, por exemplo, o papel das mulheres indígenas e do indigenismo; questões de gênero em economias periféricas e os efeitos da regionalização, da (des)globalização etc.

As áreas temáticas contempladas são as seguintes: i) Feminismos Latino-Americanos, Negros e Indígenas; ii) Gênero, Instituições e Sociedade; iii) Gênero e Segurança Internacional; iv) Sexualidades, Gênero e Perspectivas LGBTQIA+ nas Relações Internacionais.

Essa chamada visa estimular a publicação de mulheres internacionalistas latino-americanas. Encorajamos também o envio de trabalhos produzidos por representantes de minorias sexuais e de gênero.

 

FORMATO

O Dossiê recebe artigos de pesquisa de cunho empírico e teórico, assim como pesquisas qualitativas e quantitativas sobre os temas definidos acima. Trabalhos com metodologias inovadoras também são bem-vindos.

As regras de publicação e relativas ao processo de submissão podem ser encontradas no link: [https://periodicos.ufpb.br/index.php/rppi/about/submissions].

Os artigos submetidos devem estar em versões finais e inéditas. No momento da submissão, as autoras/es devem indicar o direcionamento para o Dossiê. 

Uma vez aceitos para publicação, os artigos submetidos em português deverão ser traduzidos pelas autoras/es para o espanhol ou inglês.



CRONOGRAMA:

Recepção dos artigos no sistema - de setembro a 15 de fevereiro de 2023

Avaliação dos artigos submetidos - de fevereiro de 2023 a abril de 2023

Envio final de artigos (após a avaliação) - até maio de 2023

Tradução dos artigos escritos em português – junho de 2023

Publicação - julho de 2023