QUANDO UM CEGO GUIA OUTROS:
EXAME CRÍTICO DA APROPRIAÇÃO DA PSICOLOGIA PELA BNCC E BNC-FORMAÇÃO
Resumo
Tomamos como ponto de partida uma reflexão crítica sobre dois fenômenos: de um lado, o atual cenário brasileiro de políticas públicas para a educação em geral e para formação docente, em particular; e, de outro, as violências na escola, tanto as do cotidiano (como o bullying) quanto as paroxísmicas (como os massacres). Diante desse cenário, neste artigo objetivamos demonstrar o lugar fundamental da Psicologia da Educação na formação de educadores para atuarem na escola, ao examinarmos ao problema da necessária formação moral desses profissionais com vistas ao enfrentamento de conflitos no cotidiano institucional. Como na analogia da impossibilidade de um cego guiar outro, retomamos um duplo nível de cegueira associado à docência no Brasil: aquele das políticas públicas educacionais em vigor, que se apropriam do conhecimento psicológico submetendo-o à lógica individualista inerente ao mercado ultraliberal, acentuando, assim, a separação entre escolarização e vida, e inviabilizando uma análise crítico-transformadora da realidade pelas práticas pedagógicas; e outro, que evidencia essa cegueira no plano da formação docente, tanto inicial como continuada: o paradoxo da necessidade de que educadores sejam moralmente mais evoluídos, em direção à autonomia moral, para que possam promover a formação moral das novas gerações no mesmo sentido, quando muitas vezes nos deparamos com o contrário. Temos, com isso, uma aporia: de que modo alguém heterônomo moralmente poderá colaborar para autonomia moral de outrem? Logo, argumentamos, com apoio na teoria de Jean Piaget, que, sem a promoção do desenvolvimento moral de educadoras e educadores, incorre-se em práticas cegas ao conservadorismo, moralmente menos evoluídas e incapazes de produzir um ambiente relacional cooperativo que promova consciências críticas, superação ou evitação de violências. Nosso axioma presume que educadores autônomos moralmente se comprometerão mais com a evolução moral de colegas e discentes. O contrário também é verdadeiro. Ora, parte da resposta parece-nos ser encontrada no plano sociocultural, de que desengajamentos morais conceituados por Alfred Bandura fazem parte e se tornam categorias importantes para a análise de processos cognitivos que permeiam e sustentam uma cultura profissional heterônoma, resistente a mudanças e a reflexões (auto)críticas, propensa à repetição de desigualdades no interior da própria escola. Se não há mais facilmente crescimento apenas com apoio em sistemas de valores individuais heterônomos, no plano institucional da escola, na esfera da coletividade, em que outros sujeitos e formas de pensar atuam, há, todavia, pressões para a mudança (progressiva ou mesmo regressiva). Assim, fenômenos sociais suplementam, na escola, limites cognitivos individuais, prefigurados na analogia com a cegueira da parábola. É, pois, a Psicologia da Educação o campo pelo qual essa análise se torna viável, produzindo saberes teóricos e experienciais que iluminam a formação docente inicial e continuada, permitindo seu aperfeiçoamento crítico.
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