ENTRE O RETRATO DO VELHO OUTRA VEZ E O SORRISO DO AMANTE: O BRASIL DE CARLOS LACERDA E DA PRIMEIRA TRADUÇÃO DE MARÍA LUISA BOMBAL

Autores

  • Andrea Cristiane Kahmann

Resumo

María Luisa Bombal costuma ser associada à Buenos Aires da década de 1930, seja pelas duas novelas que publicou ou pelo seleto círculo de escritores, artistas e intelectuais com os quais conviveu na capital portenha. Escrita sobre a mesma mesa e enquanto o compatriota Neruda compunha Residencia en la tierra (GUERRA, 1996), sua primeira novela, La última niebla (1934), influenciaria a Comala de Juan Rulfo (VERDUGO FUENTES, 2013) e abriria caminhos para o realismo mágico. Apesar disso, foi por meio de uma falsa autotradução para o inglês (House of mist, 1947), feita com a ajuda do marido e pensada para o cinema, que Bombal ingressou em tradução no sistema brasileiro. O flerte da Paramount com esta obra, amplamente noticiado em jornais brasileiros da época, possivelmente tenha sido a grande motivação para o empreendimento sob o selo da Irmãos Pongetti, a mesma que editara em livros os fenômenos E o vento levou e Por quem os sinos dobram em traduções de Francisca de Bastos Cordeiro (HALLEWELL, 2012). Contudo, importa observar o escolhido para estampar como tradutor da obra que, entre nós, receberia o título de Entre a vida e o sonho: ninguém menos que Carlos Lacerda! Num Brasil em que se armava o retorno de Getúlio Vargas pelo voto do povo (o que efetivamente aconteceu em 1950, entoando o jingle “bota o retrato do velho outra vez, bota no mesmo lugar”), chama atenção que o mais feroz combatente do ex-ditador estadonovista se tenha dedicado a trazer para o português os delírios de uma personagem que, não obstante se ter casado por amor com um homem de posses, ardia em desejos por um bon vivant que lhe apresentara a champanhe, a dança e o gozo. Naqueles tempos, Carlos Lacerda já era vereador pela UDN, partido ultraconservador, e convertido ao catolicismo, ao que se dedicou com fervor. Sobrevivente de dois atentados até então, Lacerda conciliaria essa tradução com a redação da coluna Tribuna da Imprensa, publicada no Correio da Manhã, na qual blasfemava contra o comunismo, os “nacionalistas do bananismo” e os entraves para o capital estrangeiro. As perguntas que se impõem a este trabalho são: por que Lacerda traduzia? E por que ele traduziu esta obra de María Luisa Bombal? Pensando com Lieven D’hulst (Why and How to Write Translation Histories?) que é preciso procurar respostas para “quem ajuda?” e “por quê?” nos estudos de história / historiografia da tradução, este trabalho pretende, a partir deste caso específico, refletir sobre o lugar da tradução na história do Brasil enquanto analisa o próprio Brasil (“onde?”) de Carlos Lacerda (“quem?”), tradutor de Entre a vida e o sonho (“o que?”), de María Luisa Bombal, entre 1947 e 1949 (“quando?”). Para responder a essas questões, além da pesquisa bibliográfica, este trabalho lança mão de consultas a jornais e revistas disponíveis na Hemeroteca Digital Brasileira e, bem assim, a entrevistas disponíveis em fontes esparsas na internet e estatísticas disponíveis no site da Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Trata-se, portanto, de uma abordagem transdisciplinar. Embora dialogue com a tese “O Brasil lê María Luisa Bombal: o sistema e suas traduções”, por mim defendida no início deste ano de 2017 para obtenção do título de doutora pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul, o trabalho que ora se apresenta difere por ser menos focado na análise textual (o resultado do processo de tradução) e mais especulativo a respeito do sistema (conforme Lefevere) que recebeu a tradução e das normas (conforme Hermans) que a moldaram. Trata-se, por fim, de uma análise sobre o papel e o poder simbólico (conforme Bourdieu) desempenhado pela tradução na trajetória de um político com aspirações de chegar à Presidência da República.

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Publicado

2017-09-27

Edição

Seção

Comunicações Longas Eixo História e Historiografia da Tradução