O TRADUTOR E SEU DISCURSO: QUE LUGAR É OCUPADO POR ELE?

Autores

  • Débora de Castro Barros

Resumo

Os recentes estudos da tradução vêm ganhando crescente importância no meio acadêmico. Trazendo uma nova perspectiva para pensar a tradução, eles a consideram interdisciplinarmente, em que se relacionam disciplinas como as ciências sociais, a linguística e mesmo a psicanálise. Isso porque são considerados aspectos como as identidades culturais, as relações entre as línguas, para além das similaridades de significantes e significados, e o papel que exerce a figura central desse processo, o tradutor, como sujeito discursivo. Assim, este trabalho tem por objetivo discutir o lugar que o tradutor ocupa em face de seu discurso, um lugar de invisibilidade, quando se trata do texto da tradução, mas também explicitamente de fala, quando se refere aos paratextos daquele. O trabalho se apoia em dois eixos teóricos: a análise de discurso (AD) de base francesa, de Michel Pêcheux, e o binômio poder-saber, cunhado pelo filósofo, também francês, Michel Foucault. A primeira contribui para pensar a tradução e, consequentemente, o papel que o tradutor exerce nela como processo tradutório, ou seja, como “um processo de produção de discurso”, como “um processo de produção de um discurso que se materializa no texto da tradução e que tem como especificidade partir da leitura de um texto específico anterior, o texto original”. Ao se considerar a tradução como processo tradutório, isto é, como processo de produção de discurso, o texto traduzido passa a portar outro discurso, aquele do tradutor, apesar de ter como base uma “matriz”. Contudo, independentemente de qual posição se adote com relação à tradução, seja uma mais tradicional, seja uma mais contemporânea, quem acaba por ficar em evidência, tanto para as boas críticas quanto para as ruins, é o tradutor. Mas esse “estar em evidência” não o revela de fato, porque seu papel é, na maioria das vezes, visto como secundário em relação ao papel do autor ao produzir o texto original, isso porque a concepção de que a tradução é a produção de um novo discurso não prevalece. Assim, para que o tradutor seja visto, seja ouvido em sua própria voz, em seu próprio discurso, e não como um eco da voz do autor, no sentido de que acessa a mensagem que este quer transmitir, é preciso que seu discurso apareça. Isso quer dizer que, embora o texto traduzido já seja um lugar de produção do discurso do tradutor, sua voz passa a ser reconhecida nos prefácios, nas apresentações, isto é, nos paratextos, e, logicamente, nas notas do tradutor, em que esse espaço de evidência ganha uma marca: a N.T. Contudo, pensando a tradução como processo tradutório, a pretensa fidelidade, tão ardentemente almejada, cai por terra, pois a tradução passa a ser uma interpretação, com todos os matizes de que esta é capaz. Com relação à questão da produção de imagens, temos no conceito de formações imaginárias um dos pontos importantes da AD de Pêcheux e da discussão deste trabalho, pois, para esse autor, todo discurso será sempre produzido em função da imagem que fazemos do interlocutor, da situação na qual estamos inseridos e até de nós mesmos nessa situação. Além disso, as posições ocupadas pelos sujeitos — a posição-sujeito — nas situações discursivas também serão determinantes para a produção do discurso: de onde falamos, com quem, em que situação de discurso nos encontramos. Essas posições vão determinar, de certa forma, a maior ou menor legitimidade do discurso produzido, sua maior ou menor credibilidade, pois o discurso também é legitimado em função de quem o produz. Daí o saber científico ser respaldado como o discurso da “verdade”, por ser produzido em dada época, dado lugar, por determinados sujeitos que ocupam determinadas posições-sujeito. Desse modo, a posição que esses sujeitos ocupam faz com que esse discurso não seja questionado e ocupe um lugar privilegiado em detrimento de outros que não têm “respaldo científico”. Ou seja, o discurso será respaldado pelo eixo poder-saber (e aqui remetemos a Michel Foucault): que lugar ocupo, que posição de poder é essa e, em função desse lugar, que saber produzo? Assim, para Foucault, saber e poder são inseparáveis. E se o poder muitas vezes se expressa por meio do saber, como no caso dos discursos científicos, o saber, por sua vez, tem sua expressão maior no discurso, e daí este se torna a unidade de análise da qual Foucault parte na consideração de seus objetos de estudos. Dessa forma, considerar o discurso do tradutor como local de exercício de poder, expresso principalmente nos paratextos da tradução, é fundamental ao pensarmos esse profissional como produtor de saberes, pois poder e saber são inseparáveis para Foucault, uma vez que, para ele, não existe um “poder”, no sentido absoluto da palavra, mas micropoderes, que estão pulverizados no tecido social e nas relações, e macropoderes, estes tendo como representantes principais o Estado e as instituições. Em síntese, o trabalho leva em consideração os dois eixos teóricos resumidamente apresentados para analisar como o discurso do tradutor se apresenta na tradução, sendo esta pensada como processo tradutório, com o objetivo de lhe trazer visibilidade. Pois o tradutor, pela perspectiva teórica atual dos estudos da tradução, não é um reprodutor fiel do texto original que ele traduz. Como será visto, a noção de fidelidade, sob essa perspectiva, é rechaçada.

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Publicado

2017-09-27

Edição

Seção

Comunicações Longas Eixo Tradução, Transferência Cultural e Circulação