REVOLUCIONAR BAUDELAIRE: OUTRA IMAGEM DO POETA A PARTIR DA TRADUÇÃO DE SUA CORRESPONDÊNCIA
Resumo
O objetivo desta comunicação é de provocar uma pequena revolução na imagem de Charles Baudelaire no Brasil. Por imagem, entende-se a recepção biográfica do poeta no nosso país. A guisa de revolução, pretende-se iniciar um debate sobre como sua vida é apresentada em diferentes estudos críticos e/ou biográficos, notadamente na forma de paratextos presentes nas mais importantes traduções das Flores do mal ou ainda em pesquisas que envolvem o poeta. A imagem de Baudelaire parece petrificada num discurso uníssono nesses paratextos, e o intuito de abalar este discurso se assemelha a uma pequena revolução na forma como Baudelaire é visto. A proposta de revolucionar Baudelaire nasce no embate desses textos com a leitura da correspondência do autor. De fato, o acesso às cartas revela uma curiosa discrepância entre algumas afirmações contundentes de baudelairianos, naqueles textos críticos, e o que subjaz às palavras do poeta. O ensaio de Ivan Junqueira, “A arte de Baudelaire”, simboliza perfeitamente este discurso uníssono que afirma de maneira contundente uma suposta revolta do jovem Baudelaire com o segundo casamento da mãe e até mesmo uma relação incestuosa entre os dois. Conforme essa narrativa de vida, o jovem Charles também jamais se entendeu com o padrasto e teria praticado atos de rebeldia desde jovem. Importa observar que esse longo ensaio de Junqueira precede sua tradução de As flores do mal (1985), publicada pela Nova Fronteira, e está igualmente presente no volume único Poesia e Prosa, publicado em 1995 pela editora Nova Aguilar, assim como na obra Baudelaire, Eliot, Dylan Thomas: três visões da modernidade, lançada pela Record em 2000. Sua tradução tem grande circulação, já ultrapassou a 10ª edição (Nova Fronteira) e, portanto, é a mais consultada e citada, ao menos até a publicação da tradução de Mário Laranjeira em 2011. Outro tradutor, também famoso, José Paulo Paes, afirma, em sua Poesia erótica (2006): “Depois de perder o pai quando contava apenas seis anos de idade, Charles Baudelaire (1821-1867) jamais se conformou com o segundo casamento de sua mãe, o que o levou desde cedo a atitudes de rebeldia.” Até mesmo Manuel Bandeira já afirmava essa imagem do autor do Spleen de Paris: “Charles Baudelaire (1821-1867) teve a infelicidade de perder o pai aos seis anos e nunca se ter entendido com o padrasto, o que resultou na separação de sua mãe.” Esse peritexto precede a tradução de Guilherme de Almeida, reeditada pela Editora 34 (2010). É possível entender essa afirmação, no caso de Bandeira, porque seu texto foi escrito em 1965, contudo, o que realmente importa, é que este discurso continue inalterado e tão arraigado no sistema literário. Ao contrário, essa afirmação é reforçada em um curto texto “Sobre Charles Baudelaire”, inserido no posfácio da tradução de Almeida, de autoria de Marcelo Tápia. Da mesma forma, no prefácio intitulado “Brota uma flor no jardim de Baudelaire”, de Álvaro Faleiros, que precede a última tradução das Flores publicada no Brasil em 2011, obra de Mário Laranjeira pela Martin Claret, o discurso é o mesmo: “Sua relação com o padrasto nunca foi boa [...]”. No que se refere a pesquisas acadêmicas, deparei-me com a tese de Renata Philippov, “Edgar Allan Poe e Charles Baudelaire: Trajetórias e maturidade estética e poética”, defendida na USP (2004), que confirma a famosa revolta com o segundo casamento. Assim sendo, paratextos de importantes traduções da principal obra de Baudelaire formam um discurso de significativa influência sobre os leitores e pesquisadores e a hipótese aqui avançada é a de que Ivan Junqueira está inserido em um pensamento que tem origem em outros baudelairianos, uma linhagem francesa de pesquisadores tais como Crépet (pai e filho), Claude Pichois, François Porché e, sobretudo, Jean-Paul Sartre. De fato, encontramos em Sartre as mesmas afirmações que Junqueira. Se uma carta é especialmente citada que comprovaria essa afirmação do tradutor, existem outras, principalmente da juventude, que cinzelam uma imagem diversa de Baudelaire. Para contra-argumentar, não haveria outra escolha senão uma análise da correspondência, já que é dessa leitura (ou parte dela) que nasce aquela representação. A tradução de uma seleção de cartas do poeta é o ponto de partida de uma pequena revolução que pretende questionar, não pesquisadores, mas um discurso que faz circular aquela imagem de menino rebelde, que busca ao menos produzir um retrato mais multifacetado, muito mais próximo da complexidade e contradições das relações humanas. Daí o valor revolucionária das traduções, de sua circulação e a importância das (re)traduções para possibilitar novos questionamentos e a pervivência da obra de um autor.Downloads
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Publicado
2017-09-27
Edição
Seção
Comunicações Longas Eixo Tradução, Transferência Cultural e Circulação