O MELODRAMA FRANCÊS NO BRASIL: TRADUÇÕES E APROPRIAÇÕES

Autores

  • Bruna Grasiela da Silva Rondinelli

Resumo

O melodrama francês, sobretudo o modelo concebido durante o teatro romântico, foi representado com frequência no Brasil ao longo do século XIX, obtendo larga difusão e longa permanência nos teatros do Rio de Janeiro e das províncias do Império (Bahia, Pernambuco, Maranhão, Ceará, Pará, São Paulo e Rio Grande do Sul). As traduções das peças para o português foram realizadas tanto em Portugal quanto no Brasil, por homens de letras que estabeleceram relações próximas com a atividade teatral, tais como dramaturgos, poetas, jornalistas e censores, e por atores, responsáveis pelas montagens nos palcos. Parte das traduções foram impressas em formato de folhetos, coligidos em coleções teatrais, a exemplo do Archivo Theatral (1838-1845). Esta coleção editada em Lisboa circulou no Rio de Janeiro, sendo comercializada pelos principais livreiros da corte. Porém, uma grande parcela das traduções circulou em forma de cópias manuscritas, muitas das quais se perderam com o tempo ou ainda estão à espera de serem descobertas em acervos de bibliotecas. Em um primeiro momento, tratamos brevemente de questões teóricas sobre a tradução do texto dramático no campo dos Estudos da Tradução, sobretudo, a partir da Virada Cultural dos anos 1990. Lançamos luz sobre os elementos específicos do texto dramático, a saber, as rubricas (descrições temporais, espaciais e de personagens), diálogos, monólogos e canções, que demandam problematizações específicas de tradução, especialmente se o texto for traduzido almejando a montagem cênica, como bem demonstraram as pesquisas de Christine Zurbach (2007). Em seguida, apresentamos um corpus de traduções de melodramas franceses, encenadas no Brasil no século XIX, que organizamos durante o desenvolvimento de nosso projeto de Doutorado, no Instituto de Estudos da Linguagem (UNICAMP), no âmbito do projeto temático de cooperação internacional “Circulação Transatlântica dos Impressos – a globalização da cultura no século XIX” (FAPESP). Os melodramas foram escritos por autores hoje considerados menores dentro da História da Literatura francesa, praticamente esquecidos, tais como Adolphe Dennery (1811-1899) e Auguste Anicet-Bourgeois (1806-1871). Parte das traduções foi realizada por brasileiros também pouco conhecidos, como Antônio Rego (1820-1883), José Joaquim Vieira Souto (1828-1891) e Joaquim da Silva Lessa Paranhos, genro do célebre ator João Caetano dos Santos (1808-1863), que representou o repertório de melodramas. Outra parte dos textos veio de Portugal, em versões, por exemplo, de Luís José Baiardo (1775-?) e João Baptista Ferreira (1801-1877), tradutores dos teatros de Lisboa (Teatro da Rua dos Condes, Teatro do Salitre e Teatro de D. Maria II). Imigrantes portugueses instalados no Rio de Janeiro também traduziram melodramas para o idioma, como Francisco Luiz Machado, membro do Conservatório Dramático Brasileiro, Henrique Chaves (1849-?), jornalista do periódico Gazeta de Notícias, e Eduardo Garrido (1842-?), autor de mágicas e óperas cômicas. Verificamos que a circulação transatlântica das coleções teatrais parisienses, a exemplo de Le Magasin Théâtral e La France Dramatique au XIXe Siècle, foram as fontes dos textos traduzidos no Brasil. Analisamos algumas traduções, representadas nos teatros brasileiros, e constatamos que o processo de tradução e realização cênica do melodrama empreendeu modificações nos textos originais. As condições materiais das companhias e os princípios políticos, religiosos e dos bons costumes, que orientavam a censura do Conservatório Dramático Brasileiro, acomodaram as peças. Dentre as supressões exigidas pela censura, a fim de eliminar trechos das peças interpretados como licenciosos, estão diálogos e canções que tratavam mais abertamente do comportamento feminino. Impediu-se a representação de trechos que não haviam despertado a desconfiança da censura francesa. Para a realização cênica, o texto passava por alterações de acordo com as condições materiais das companhias, ou seja, a quantidade de atores e os recursos financeiros de que dispunham para a confecção dos figurinos, cenários e maquinismos. A tendência era simplificar ou eliminar as cenas que exigissem elevados investimentos. O jogo de cena dos primeiros atores, como João Caetano, importante intérprete dos melodramas nos palcos, que desempenhava com frequência a função de ensaiador, também produziu alterações nos textos originais, para atender suas características artísticas. Assim, tendo em vista o conceito de transferência cultural, como proposto por Michel Espagne e Michael Werner (1987), concluímos, a partir das traduções, que o melodrama francês foi apropriado pelos palcos brasileiros, ressignificado de acordo com as circunstâncias locais concernentes à arte dramática, tais como os aspectos materiais, artísticos e financeiros dos teatros e das trupes, e os procedimentos praticados por uma instituição censora.

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Publicado

2017-09-27

Edição

Seção

Comunicações Longas Eixo Tradução, Transferência Cultural e Circulação