UMA CRÍTICA À “NOVA TRADUÇÃO NA LINGUAGEM DE HOJE” DA BÍBLIA
Resumo
Na década de 1960 instaurou-se um movimento internacional de tradução da Bíblia em linguagem comum em diversas línguas, visando escapar da revisão e atualização de traduções consagradas de séculos anteriores e propor traduções diretas em um nível de linguagem que permitisse a leitura pelo maior número possível de pessoas de baixa escolaridade. Nesse sentido, no Brasil, incentivada e apoiada pela Sociedade Bíblica Americana, foi publicada em 1988 a edição final da “Bíblia na Linguagem de Hoje” cuja revisão deu origem em 2000 a “Nova Tradução na Linguagem de Hoje”. Entretanto, sua proposta encontrou dificuldades em ser aceita por alguns de seus leitores-alvo, sobretudo entre líderes religiosos e acadêmicos do campo da Teologia, justamente por fornecer ao leitor uma tradução domesticada. Este trabalho é uma crítica à referida tradução cujo objetivo é analisar o seu projeto tradutório com base em postulados da área dos Estudos da Tradução. Os fundamentos teóricos e metodológicos dessa pesquisa foram: Geisler e Nix (2006), Giraldi (2013) e Raupp (2015), sobre o histórico da tradução bíblica, Schleiermacher ([1813], 2010), sobre os métodos de tradução, assim como Nida (1964), Lutero ([1530] 2006) e Meschonnic (2010), sobre reflexões provenientes da tradução bíblica. Agregamos, ainda, os princípios da Crítica Textual aplicada ao texto bíblico encontrados em Paroschi (1993). A análise do corpus seguiu as orientações do modelo de crítica as reflexões sobre a tradução de Antoine Berman (1995; 2002; 2013). É, portanto, uma pesquisa descritiva, qualitativa, de cunho bibliográfico e documental. Após a descrição do projeto tradutório, para analisar o aspecto textual confrontamos o texto-fonte e o texto-alvo na passagem de “Romanos”, capítulo 5, observando como referência a ação das tendências deformadoras segundo Berman (2013). O panorama histórico permitiu-nos constatar que desde a Idade Média existe uma preocupação em tornar o texto bíblico acessível ou em linguagem vernacular ou adequado ao registro linguístico dos leitores menos instruídos, como fizeram os reformadores, sobretudo Lutero com sua tradução para o alemão. Enquanto prática, a tradução bíblica também contribuiu para a formulação de reflexões teóricas. A “Nova Tradução na Linguagem” de Hoje é etnocêntrica hipertextual porque seu projeto é voltado para adequar o texto-fonte às condições linguísticas, sociais e culturais de falantes pouco escolarizados do Brasil na segunda metade do século XX, ignorando a herança estrangeira da língua de partida. O projeto de tradução dessa obra coaduna com aspectos genéticos e ideológicos da própria Bíblia: os autores, em sua maioria e principalmente os dos textos neotestamentários, eram homens de baixa escolaridade que escreveram em linguagem coloquial para pessoas também pouco instruídas, tendo em vista que um dos propósitos teológicos da Bíblia é que a mensagem do Evangelho alcance o máximo de pessoas possível. Dessa forma, uma linguagem culta estaria na contramão desses dois aspectos. Na análise do texto, além de aspectos formais e de conteúdo, encontramos nove das treze deformações de Berman; a racionalização, a clarificação, a destruição dos sistematismos e a destruição dos ritmos foram as mais recorrentes. Entretanto, estas, por sua vez, estão a serviço do e se justificam pelo projeto tradutório da obra e da posição e horizonte do tradutor. Acreditamos, por fim, que as críticas negativas que essa obra tem recebido podem dar-se por ignorância quanto à proposta da obra e pelo mau uso da mesma em fins para os quais elas não foi pensada, quais sejam o uso nos ritos públicos e na instrução religiosa dos fieis.Downloads
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Publicado
2017-09-27
Edição
Seção
Comunicações Breves Eixo Tradução e Análise Textual