UM PASSEIO PELA HISTÓRIA DAS MULHERES COM CHRISTINE DE PIZAN E MARILENE FELINTO
Resumo
Neste passeio, tomamos todos os caminhos, “pontes” e atalhos que a tradução coloca diante de nós, permitindo-nos uma aproximação na escrita e na história de mulheres de línguas distintas e tempos distantes. Tomando como base os fundamentos teóricos dos estudos da tradução (DEPLAGNE, 2015), dos estudos de gênero (SCOTT, 1992; ZOLIN, 2009; LIMA, 1998), os escritos sobre a História das Mulheres (PERROT & DUBY, 1994; PRIORE, 2007) e a teoria literária acerca dos gêneros crônica e poesia (MOISÉS, 1979), realizamos uma leitura aproximativa do poema medieval “Le Ditié de Jehanne d’Arc”, escrito em 1429 pela francesa Christine de Pizan e traduzido para o português por Nathalya Bezerra Ribeiro (2016), com a crônica contemporânea “Namorado perfeito”, escrita em 1998 pela brasileira Marilene Felinto. Nas duas, em comum, o desejo de registrar e resgatar a história das mulheres por meio da figura de Joana d’Arc, bem como o fato de serem produções fora do cânone literário, dada a condição marginal que as mulheres escritoras sempre ocuparam ao longo da história da literatura ocidental e, consequentemente, brasileira. Contemporânea de Joana d’Darc, Christine de Pizan, por meio de seus versos de estrutura épica, torna-se a primeira autora dos feitos da heroína, revolucionária e, posteriormente, santa francesa. Numa época em que a crônica tinha uma estreita relação com a história oficial, da qual as mulheres não faziam parte como produtoras, quando muito, eram personagens secundárias, a autora escreve aquela que seria sua última obra, numa atitude transgressora, de quem ousa fazer um registro histórico, narrando a vida de Joana d’Arc pela voz feminina, por meio de versos, “poetizando o cotidiano” da mulher como protagonista de seu tempo. Na crônica “Namorado perfeito”, coincidentemente, também escrita na França, Marilene Felinto, colunista da Folha de S. Paulo na cobertura da Copa do Mundo de Futebol de 1998, resgata a história de Joana d’Arc para registrar sua condição de figura feminina solitária em meio à “tropa” de jornalistas e torcedores representantes do País do futebol. Inicia seu texto desabafando: “Nem Joana d’Arc, com toda a queda para heroína que ela tinha, aguentava essa primazia masculina, essa overdose de verde e amarelo e papo furado. Já não basta a prioridade absoluta que eles têm em tudo, o ano todo, na história toda dessa humanidade” (FELINTO, 2000, p. 47). Critica as mulheres que fingem não perceber que o futebol é “festa de homens feita para homens”, que existe para “conservar as coisas exatamente como elas são”, não importando “quantas boladas a mulherada resolva matar no peito”. A autora narra a vida de Joana d’Arc: as vozes misteriosas que ouvia desde menina; as duas batalhas vencidas pelo exército francês graças aos conselhos da heroína; como foi declarada herege e queimada viva, para depois ser inocentada e canonizada; por fim, de forma transgressora, por se considerar perseguida e em resposta às leitoras inconformadas que lhe questionaram qual era o seu sexo, já que escrevia sobre mulheres e futebol “como se não fosse uma mulher”, compara sua condição à de Joana d’Arc, declara que também é santa, que seu sexo é o das santas, “que têm um namorado perfeito, que nem é marido, nem usa camisa verde-amarela”. Guardadas as devidas proporções, três mulheres de culturas e tempos distintos, mas contemporâneas no espírito revolucionário de empunhar as armas que lhes são possíveis. Joana d’Arc literalmente armada comandando as tropas francesas; Pizan e Felinto de posse da palavra, da escrita literária, abrindo tricheiras e diálogos entre culturas para que outras mulheres e escritoras possam passar.Downloads
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Publicado
2017-09-27
Edição
Seção
Comunicações Breves Tradução e Literaturas Não-Canônicas