TRADUÇÃO E INTERCULTURALIDADE: O CASO DE HAMLET E SONS OF ANARCHY

Autores

  • Virgínia Duan

Resumo

A possibilidade de leitura de um texto, seja ele verbal ou imagético, é vasta e desencadeia inúmeras indagações e perspectivas analíticas. Para analisar um texto faz-se necessário analisar as diversas vozes que o compõe e que não só influenciam sua estruturação, mas também a recepção do leitor. No entendimento do teórico russo Mikhail Bakhtin, o texto é resultante de um diálogo que conflui para uma produção de sentido, levando em consideração aspectos estruturais que vão além da codificação/descodificação de linguagem, conforme explicado pelo teórico Robert Stam: “O conceito de dialogismo sugere que todo e qualquer texto constitui uma interseção de superfícies textuais. Em seu sentido mais amplo, o dialogismo intertextual se refere às possibilidades infinitas e abertas produzidas pelo conjunto das práticas discursivas de uma cultura, a matriz inteira de enunciados comunicativos no interior da qual se localiza o texto artístico, e que alcançam o texto não apenas por meio de influências identificáveis, mas também por um sutil processo de disseminação”. (STAM, 2013, p. 226). No universo artístico, muitos são os processos de diálogo textuais estabelecidos entre distintas linguagens que possuem sistemas sígnicos específicos. Em meio aos produtos televisivos, por exemplo, diversas séries destacam-se por serem frutos desse diálogo, especialmente com a linguagem literária, como é o caso da minissérie brasileira Capitu (2008), exibida pelo canal Rede Globo, baseada na obra Dom Casmurro, de Machado de Assis; e a série britânica Sherlock (2010-2014), exibida pela BBC, baseada no romance policial de Arthur Conan Doyle. Em meio a este campo de produtos televisivos adaptados/traduzidos de fontes literárias, podemos destacar a série dramática norte-americana Sons of Anarchy, criada pelo showrunner Kurt Sutter e exibida no canal pago FX de 2008 a 2014. Trata-se de uma obra realizada a partir da ressignificação de sentidos da trama de Hamlet, escrita aproximadamente entre 1599 e 1601 pelo autor inglês William Shakespeare. A série é ambientada na cidade fictícia Charming, localizada na Califórnia, e se desenvolve em torno do clube de motociclistas envolvido no tráfico de armas e que constantemente entra em conflito com gangues rivais e autoridades locais. O protagonista da trama é Jax Teller, vice-presidente do clube que fora fundado pelo seu falecido pai, Jonh, e que atualmente é presidido por seu ex-braço direito, Clay, atual marido mãe de Jax, Gemma. Jax, apesar de ter crescido em meio à vida ilícita, descobre ao ler o diário de seu pai, o desejo deste em tirar o clube da ilegalidade. Além dessa revelação, que por si só produz em Jax um conflito moral, o “príncipe” – apelido de Jax – também descobre em meio aos mesmos escritos, que seu pai temia uma traição por parte de Clay. Na medida em que as temporadas passam, constatamos que o temor tinha fundamento e que seu pai não morreu devido a um acidente, mas por uma ação arquitetada pelo seu amigo. Através do “assombramento” que Jax sofre pelos escritos do seu falecido pai, a cabeça do jovem mostra-se cada vez mais confusa, entre o desejo de sair da ilegalidade, o sentimento de vingança pela morte do pai e a responsabilidade em proteger sua família. Livremente inspirado em uma das mais famosas tragédias escrita por William Shakespeare, Sons of Anarchy propõe um processo de diálogo intersemiótico com a peça inglesa, abdicando do parâmetro da fidelidade ao original e focando nas soluções estéticas e narrativas da transposição da obra literária para um produto televisivo. Na percepção do linguista russo Roman Jakobson (1896-1982), o termo tradução aplica-se ao processo de transmutação de sentidos entre textos, uma vez que este construído por determinado sistema semiótico passa por um processo de recodificação para outro texto pertencente a um sistema distinto. Jakobson ampliou a noção da tradução e dividiu-a em três maneiras de interpretação: tradução intralingual, interpretação de um signo em outros da mesma língua; tradução interlingual, interpretação de um signo por meio de outra língua; e tradução intersemiótica, interpretação dos signos em verbais em outro sistema de signos não-verbais. O método da análise fílmica proposto Francis Vanoye e Anne Goliot-Lété (2002) será adotado neste trabalhado uma vez que iremos decompor elementos estruturais da obra, e posteriormente restabeleceremos a ligação entre eles. Será investigado além da relação intersemiótica entre o texto primário e obra final, os aspectos da cultura-alvo com os quais o tradutor dialoga e que, por sua vez, também se materializam neste trânsito entre linguagens. Nesse sentido, o presente artigo corrobora com o caminho teórico de Patrice Pavis (2008) no seu estudo sobre o teatro no entrecruzamento de culturas que, apesar de ter sido focado no teatro europeu, o estudioso trouxe a tona uma teoria mais ampla a respeito dos processos artísticos, onde o mesmo faz uso do termo “interculturalidade” para definir as trocas entre culturas. Entendemos que este termo se adequa ao estudo aqui proposto uma vez que a transposição do texto shakespeariano para a referida série dramática promove um processo de ressignificação intertextual e, sobretudo, entre culturas distintas. Ao perceber que a série ressignifica elementos estruturantes da peça shakespeariana, a base metodológica da análise se desenvolverá a partir da observação da reconfiguração de sentido da trama através da análise do protagonista Jax Teller. Por tratar-se de um objeto extenso, será analisado a primeira e última temporada de Sons of Anarchy a partir de cenas pontuais dos episódios “Piloto” (S1, Ep1), na primeira temporada; nos episódios “To Be, Act 1” (S4, Ep13), “To Be, Act 2” (S4, Ep14), na quarta temporada; e, por fim na sétima e última temporada, nos episódios “Red Rose” (S7, Ep12), “Papa’s Goods”(S7, Ep13).

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Publicado

2017-09-27

Edição

Seção

Comunicações Breves Eixo Tradução Intersemiótica