Scherezade de Nélida Piñon: a (in)visibilidade da voz feminina em vozes do deserto
Resumo
Vozes do deserto, de Nélida Piñon (2004), é um romance que reinventa o fascínio do Livro das mil e uma noites. Inserida em um espaço regido pelo Islã, a contadora árabe Scherezade utiliza o poder da imaginação como estratégia de resistência e, além de salvar a si e às demais jovens de Bagdá do castigo da morte decretado pelo Califa, alcança sua liberdade após certo tempo. O objetivo deste estudo consistiu em investigar o comportamento transgressor de Scherezade, considerando os limites da opressão e resistência no bojo das relações sociais árabe-muçulmanas. Apoiando-se nos fundamentos da Crítica Feminista teorizados por Bahri (2013), Hollanda (1994), Lauretis (1994), Schmidt (2000), Zolin (2009), dentre outros autores, foi possível analisar os mecanismos estético-temáticos da narrativa piñoniana, a partir de uma perspectiva crítica fundada no feminismo, por elucidar significativos aspectos da emancipação da mulher, além de evidenciar a violência aplicada contra o corpo feminino, suscitando discussões em torno da hierarquia entre os gêneros em contextos sociais diversos. Em linhas gerais, a forma como Scherezade fora construída por Piñon (2004) apresenta novos desfechos que deslocam a mulher do lugar de silenciamento e aceitação das convenções sociais, legitimadas por discursos fundadores, como o religioso, no caso, o texto sagrado do Alcorão (2004), para a criação de estratégias de reversão das condições impostas. Resgatada, recriada e atualizada no romance piñoniano, a protagonista representa não somente mulheres do Oriente, mas mulheres de todos os lugares do mundo libertas de qualquer tipo de submissão, preconceito, opressão, violência e, sobretudo, da morte.