Sertão das “muié séria”? Convenções de gênero e rebeldia feminina em processos judiciais em Jacobina (BA)
DOI:
https://doi.org/10.22478/ufpb.2317-6725.2019v24n41.47698Resumo
Historicamente, as representações de gênero ligadas ao sertão foram perpassadas por estereótipos que associam o masculino aotrabalho duro, à virilidadee à valentia, enquantoo feminino é associado à ideia de submissão, seriedade edeserotização. A proposta do artigo é dialogar com algumas dessas representações que aparecem cristalizadas em manifestações culturais produzidas no Nordeste brasileiro, procurandoconfrontá-las com discursos e práticas que emergem da análise de fontes históricas específicas. A partir da análise de processos judiciais por crime contra os costumes e jornais do município de Jacobina, na Bahia, nas décadas de 1940 e 1950, foi possível observar que, embora os valores patriarcais fossem predominantes nos discursos, eles foram constantemente subvertidos nas vivências cotidianas de homens e mulheres sertanejos/as. Destaca-se que o binarismo de gênero, que instituiu uma rígida oposição entrehomens e mulheres, embora seja tradicionalmente associado à uma visão de mundo “atrasada”,típica de sociabilidades rurais, foi construído e legitimado a partir de um projeto de modernidade conservadora, embasado pela ciência europeia. Tal projeto instituiu o casamento como norma e justificou o aprisionamento do sexo ao casamento. Em Jacobina, a divulgação desse ideal se deu justamente em um período de grande desenvolvimento econômico, devido à redescoberta do ouro no município. Nesse contexto emergiu um projeto de higienização e policiamento dos costumes, que associava um ideal de modernidade ao de moralidade. Na contramão desse projeto, que reforçava o ideal de pureza feminina e conjugalidade normativa, moças jacobinenses, ousaram desafiar a autoridade paterna e viveram seus desejos, sem se deixaremaprisionar pelo modelo de feminilidade casta,doce e resignada propagadopelas camadas dominantes e relativamente compartilhado em seu meio social.