Desengajamentos morais na associação entre jogos eletrônicos e o massacre de Suzano

Autores

  • Fernando Cezar Bezerra de Andrade UFPB
  • Vital Fabrício do Nascimento Universidade Federal da Paraíba
  • Catarina Carneiro Gonçalves Universidade Federal de Pernambuco

Palavras-chave:

Massacre de Suzano, Jogos eletrônicos, Desengajamentos morais

Resumo

Este artigo objetiva analisar a associação entre os jogos eletrônicos e o massacre de Suzano sob a ótica do desengajamento moral. Para isso, analisamos 982 comentários, recolhidos na íntegra na Folha de São Paulo e processados pelo software Iramuteq entre abril e julho de 2022. Optou-se pelo método de Reinert, cuja função foi organizar classes de palavras a partir dos segmentos textuais que foram tratados não como unidades da língua, mas como um conjunto de ideias que se aproximavam para formar uma concepção representativa daquela classe. Dois termos saltaram os nossos olhos por aparecerem na classe de palavras de maior significância, representado por 64,6%: jogos eletrônicos (ou games). O massacre em tela já apontava para a consumação de uma confluência de fatores psicossociais cujo conhecimento, nesta pesquisa, foi aprofundada, a fim de que a intervenção pedagógica seja bem orientada e cientificamente conduzida, visto que, em Suzano, o pensamento social que pervaga a escola e por ela é também determinado, tende a guiar discursos que isentam de responsabilidades na produção do horror que a assaltou. A análise dos dados permite confirmar o deslocamento de responsabilidade como o desengajamento moral de maior recorrência, denunciando o caráter heterônomo e reducionista dos comentários, em que se evidenciam marcas do senso comum diante do episódio que promove a explicação a partir da centralidade causal atribuída apenas a um fator, responsabilizando indivíduos e nunca os processos sociais. Os comentários compreendidos como desengajados e antiéticos, ilustrados nessa pesquisa, apresentam a potência e o alicerce da cultura de violência que acaba por promover o processo gerador de massacres em escolas, ao conservarem discursos tradicionais e acríticos sobre às causas do fenômeno. Portanto, fica clara falta de uma análise multifatorial com vários enfoques sobre o fenômeno, capaz de orientar às práticas pedagógicas no enfrentamento de problemas nessas dimensões.

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Biografia do Autor

Vital Fabrício do Nascimento, Universidade Federal da Paraíba

Concluinte do curso de Letras, com habilitação em Língua Portuguesa, pela Universidade Federal da Paraíba (UFPB); atualmente desenvolve pesquisa financiada pelo CNPQ-UFPB em análises discursivas à luz de Bakhtin. Participou, entre 2019 e 2022, de pesquisa financiada pelo CNPQ-UFPB sobre desengajamentos morais e massacres em escolas brasileiras (violência escolar), com incursões no campo de estudos sobre gênero e diversidade.

Catarina Carneiro Gonçalves, Universidade Federal de Pernambuco

Possui graduação em Pedagogia pela Universidade Federal de Pernambuco (2005), Especialização em Gestão Educacional pela UNICAP (2007), Mestrado e Doutorado em Educação pela UFPB. Pesquisa sobre conflitos e violência na escola, com ênfase as situações de Bullying, Práticas de Desengajamento Moral e Formação de Educadores para Gestão dos conflitos. Dedica-se, ainda, aos estudos do Desenvolvimento Infantil, como foco no desenvolvimento moral de crianças e os ambientes sociomorais das Escolas de Educação Infantil. Professora do DMAT/CE/UFPE.

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Publicado

2023-07-30

Como Citar

ANDRADE, F. C. B. de . .; DO NASCIMENTO, V. F.; CARNEIRO GONÇALVES, C. Desengajamentos morais na associação entre jogos eletrônicos e o massacre de Suzano. Revista Educare (Online), [S. l.], v. 8, n. Edição de contínuo fluxo, p. 1–36, 2023. Disponível em: https://periodicos.ufpb.br/index.php/educare/article/view/67300. Acesso em: 27 abr. 2024.

Edição

Seção

Psicologia da Educação

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